segunda-feira, janeiro 4

ALBERT CAMUS – UMA CRONOLOGIA PELO CINQUENTENÁRIO DA SUA MORTE









Em 4 de Janeiro de 1960 Albert Camus morreu vítima de um violento desastre de automóvel. A propósito do cinquentenário da sua morte escrevi uma cronologia para que se não esqueça a obra e o pensamento de um grande escritor, jornalista, dramaturgo e cidadão atento aos problemas do seu tempo. Um livre-pensador que defendeu, acima de tudo, a liberdade contra todas as formas de totalitarismo.

LER A CRONOLOGIA, NA ÍNTEGRA, AQUI.


sábado, janeiro 2

OS DEVERES DA AMIZADE AJUDAM A SUPORTAR OS PRAZERES DA SOCIEDADE



























Fotografias de Hélder Gonçalves (Nova York e Chicago)
A frase em título, respigada dos meus sublinhados dos Cadernos, é uma das que mais me marcou, aquando da primeira leitura da obra de Camus, pelos meus 20 anos, era ele somente um pouco mais velho, como autor, do que eu como seu leitor. Aquela frase contém todo um programa de vida, que tentei tomar como meu, e sublinhei-a a traço grosso. Sei, hoje, como o esquecimento mata as ilusões da juventude. Mas nunca me esqueci dessa leitura inaugural de Camus, através dos Cadernos, e entendi, mais tarde, o significado profundo da sua obra que, ao longo dos anos, fui sendo capaz de ler, e reler, penetrando mais fundo no âmago da sua interpretação dos acontecimentos do seu tempo e da visão de um homem confrontado com o absurdo da existência. Adiante … na próxima 2ª feira passam 50 anos sobre a sua morte e Camus ficará fora do Panteão. [Descobri, entretanto, este excelente texto de Vicente Jorge Silva.]
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domingo, dezembro 27

Luís de Camões - Sonnets and others poems


Outra prenda, em livro, do meu filho Manuel, sabendo do meu gosto: “Luís de CamõesSonnets and others poems”, edição bilingue, tradução e introdução de Richard Zenith.


Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n´alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e doi não sei porquê.
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Let Love devise new ways, new wiles
to kill me, and new forms of disdain;
he´ll take away no hope of mine,
since he can´t take what I don´t have.

Look at the hopes that hold me up!
See how precarious my defenses!
For I, not fearing reverses or changes,
am tossed by the sea, having lost my ship.

Though disappointment can´t exist
where there´s no hope, there Love has hidden
a bane that kills and remains unseen,

for he placed in my soul some time ago
I don´t know what, nor where it was born,
nor how it got there, nor why it aches.
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PEDAÇOS D´ONTEM


Da Isabel uma outra prenda, em forma de livro, de Lina Vedes: PEDAÇOS D´ONTEM. Um conjunto de crónicas/memórias extraordinárias acerca da minha cidade de Faro, sua vida e suas gentes.
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Akmal Shaikh


sexta-feira, dezembro 25

NÚPCIAS, O VERÃO


















A Bel ofereceu-me um livro que encontrou num alfarrabista no Rio de Janeiro: “Núpcias, O Verão”, de Albert Camus, obra de juventude, escrita em 1936/37. Deve ser a única edição publicada, com tradução em português, desta obra de juventude do autor de A Peste. A edição, da “Nova Fronteira”, é de 1979 e a tradução, de Vera Queiroz da Costa e Silva, parece-me bastante boa. Por este Natal, no Algarve, debaixo de chuva inclemente, deixo um excerto do capítulo “As amendoeiras”: (…) A primeira coisa é não desesperar. Não prestemos ouvidos demasiadamente àqueles que gritam, anunciando o fim do mundo. As civilizações não morrem assim tão facilmente; e mesmo que o mundo estivesse a ponto de vir abaixo, isso só ocorreria depois de ruírem outros. É bem verdade que vivemos numa época trágica. Contudo, muita gente, confunde o trágico com o desespero. “O trágico”, dizia Lawrence, “deveria ser uma espécie de grande pontapé dado na infelicidade”. Eis um pensamento saudável e de aplicação imediata. Hoje em dia, há muitas coisas que merecem esse pontapé.

terça-feira, dezembro 22

Romy Schneider


Sempre gostei muito dela e esta notícia, inesperada, ainda mais me faz gostar. Confirma aquele sentimento difuso, que sempre nutri, de que por detrás da sua imagem havia algo para além do estereótipo de uma estrela de cinema. Estas pequenas notícias ajudam-nos a compreender como é complexo o processo do julgamento dos outros pela imagem que deles fazemos. Os bons nem sempre são o que parecem. Os maus nem sempre parecem o que são. Nem os bonitos. Nem os feios. Nem a luz que se derrama sobre certas imagens as faz luzir mais. Nem a obscuridade que se abate sobre certas personagens as faz luzir menos.
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Charlize Theron Africa Outreach Project


Sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos de Albert Camus (VI)
























Palante diz com razão que se há uma verdade una e universal a liberdade não tem razão de ser.

É como se para o homem fosse absolutamente necessário escolher entre o aviltamento e o castigo.

Mas ninguém é culpado absolutamente, não se pode pois condenar ninguém absolutamente. Ninguém é absolutamente culpado. I) aos olhos da sociedade 2) aos olhos do indivíduo.

Sócrates atingido por um pontapé. "Se um burro me tivesse batido iria porventura apresentar queixa?" (Diógenes Laércio, II, 2I)

Para Schopenhaurer : a existência objectiva das coisas, a sua "representação" é sempre agradável, ao passo que a existência subjectiva, é sempre dor.
"Todas as coisas são belas à vista e terríveis no seu ser, donde a ilusão, tão corrente e que sempre me impressiona, da unidade exterior da vida dos outros."

Problema da transição. Deveria a Rússia passar pelo estádio da revolução burguesa e capitalista, como o exigia a lógica da história? Neste ponto só Tkatchev* (com Netchaev e Bakunine) é o predecessor de Lénine. Marx e Engels eram mencheviques. Eles só tinham em vista a revolução burguesa futura.
As constantes discussões dos primeiros marxistas sobre a necessidade do desenvolvimento capitalista da Rússia e a sua tendência para acolherem esse desenvolvimento. Tikhomirov, velho membro do partido da vontade do povo, acusa-os de se fazerem "os paladinos das primeiras capitalizações."

Finalmente, é a vontade do proletariado que transforma o mundo. Há por conseguinte verdadeiramente no marxismo uma filosofia existencial que denuncia a mentira da objectivação e afirma o triunfo da actividade humana.

Em russo volia significa igualmente vontade e liberdade.

Pergunta dirigida ao marxismo:
“A ideologia marxista será o reflexo da actividade económica, como todas as outras ideologias, ou pretenderá descobrir a verdade absoluta, independente das formas históricas da economia e dos interesses económicos”. Por outras palavras será um pragmatismo ou um realismo absoluto?
Lénine afirma o primado do político sobre o económico (a despeito do marxismo).

Lucaks: O sentido revolucionário é o sentido da totalidade. Concepção do mundo total em que a teoria e a prática são identificadas.
Sentido religioso segundo Bardiaev.
(Andava eu, certamente, a ler Lucaks)
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*Piotr Nikitich Tkatchev (1844-1886) – filósofo russo.
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Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).
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segunda-feira, dezembro 21

COPENHAGA - UMA SÍNTESE DA DESILUSÃO



Desilusão e falhanço são certamente as palavras mais usadas: um acordo climático não vinculativo foi o máximo que a cimeira de Copenhaga conseguiu depois de 13 dias de negociações e de uma maratona final de 24 horas.
Sobre o tema “aquecimento global”, balanço entre as desconfianças daqueles que duvidam da cientificidade do drama – a que o “climategate” acabou por dar um bocado substancial de razão – e as evidências que nos rodeiam com a decorrente necessidade de “fazer qualquer coisa”.
Parece, no entanto, que os senhores que estiveram em Copenhaga não tinham duvidas: o “aquecimento global”, para eles, é grave e perigoso.
A ser como dizem que é, continua a ameaçar o planeta e o futuro dos nossos filhos. É óbvio, portanto, que aqueles pais que estiveram a debater na Dinamarca nem com os próprios filhos se preocupam.
Vão preocupar-se com “os outros”?
Podemos confiar em gente assim?
Não. Nem pensar nisso. Mas são eles que governam o Mundo. E na maioria dos casos fomos nós que os elegemos.
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A DERROTA DE COPENHAGA
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sábado, dezembro 19

6 ANOS. DEIXAR UMA MARCA ...

                                                    























Fotografia de Helder Gonçalves

Seis (6) anos. É quanto dura este blogue. Assinalo a efeméride porque gosto de efemérides. Não vou aceitar a ilusão de explicar as razões da persistência. Porquê manter esta janela aberta? Seria como tentar explicar a razão da passagem do tempo. Busco ideias (vagas) acerca das razões de tudo. Mas quase tudo acontece fora das razões que busco. São dois tempos que nunca se encontram. O nosso e o que marca o que nos rodeia. Nós, por dentro, fragmentados. Os outros, vistos de fora, coesos. Prossigamos, então … Com o mesmo programa do dia inaugural.
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sexta-feira, dezembro 18

UMA LEI JUSTA



Nos meus tempos de juventude, vividos na cidade de Faro, havia um só homossexual assumido e conhecido de toda a gente. Era uma luta desigual. Lembro-me que sentia um misto de pena e admiração por ele. Afrontava todas as humilhações sem virar a cara. Se for vivo, por estes dias, sentir-se-á, certamente, vingado. Não tenhamos medo das leis que contribuem para eliminar todo e qualquer tipo de opróbrio:

1. Proposta de Lei que permite a realização do casamento civil entres pessoas do mesmo sexo

Esta Proposta de Lei, a submeter à Assembleia da República, em cumprimento do Programa do Governo, visa remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, colocando fim a uma velha discriminação e constituindo mais um passo na consagração de uma sociedade mais tolerante e mais justa, com mais igualdade para todos.

Esta iniciativa legislativa inscreve-se num movimento legislativo mais amplo que, desde há algum tempo, vem promovendo uma sistemática reavaliação do nosso ordenamento jurídico, no sentido de combater as situações de discriminação dos homossexuais. Desse movimento sublinha-se a proibição de qualquer discriminação em razão da orientação sexual, introduzida na revisão constitucional de 2004, como corolário do princípio da igualdade.

Passos idênticos têm vindo a ser dados em vários outros países – com destaque para a nossa vizinha Espanha, a Holanda, a Bélgica, a Suécia, a Noruega, a África do Sul e o Canadá, para além de alguns Estados dos Estados Unidos da América. Todas essas experiências, naturalmente ainda recentes, confirmam que esta proposta legislativa em nada contribui para diminuir o valor social da família e, pelo contrário, ao eliminar uma restrição discriminatória, tem o sentido de valorizar e promover o acesso ao casamento civil e à constituição da família, na sua diversidade.

Assim, esta Proposta de Lei elimina das disposições relevantes do Código Civil as referências que supõem tratar o casamento necessariamente como contrato entre pessoas de sexo diferente, exercício que implica modificar a redacção dos Artigos 1577.º, 1591.º e 1690.º, bem como eliminar a alínea e) do Artigo 1628.º do referido Código.

Neste contexto, este diploma diz apenas respeito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e não à adopção, que é questão bem distinta. Assim, esta Proposta de Lei afasta, clara e explicitamente, a possibilidade das alterações agora introduzidas no regime do acesso ao casamento se repercutirem em matéria de adopção.

quinta-feira, dezembro 17

Sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos de Albert Camus (V)





























Nestes sublinhados omito, pela primeira vez, dois excertos de diálogos que viriam a integrar a futura peça de teatro "Os Justos". Mantive, no entanto, um excerto dos diálogos preparatórios da mesma.

Há quem se remanseie numa mentira como os que se refugiam na religião.
(Esta frase sublinhada faz parte de um texto longo, que não transcrevo na íntegra, no qual, à margem, escrevi à mão: "cuidado!")

Conheço-me bem de mais para crer na virtude completamente pura.

O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos: o conformismo.

O grande problema da vida é saber como viver entre os homens.
(Apresenta uma nota de pé de página onde se lê: "No manuscrito, encontra-se entre parênteses: A.F.")

Grenier. "Sou um homem que não crê em nada e que não ama ninguém, pelo menos no âmago. Há em mim um vazio, um deserto horrível..."

Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa para se parecer mais com o seu Salvador. Antigamente, disparava contra os crucifixos nas estradas.

Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade.

Peça.
D. - O que há de triste, Yanek, é que tudo isto nos envelhece. Nunca mais, nunca mais seremos crianças. Podemos morrer desde este instante, já esgotámos o homem (o homicídio, é o limite.)
- Não, Yanek, se a única solução é a morte, então não seguimos a boa via. A boa via é a que leva à vida.
- Tomámos sobre nós o mal do mundo, é um orgulho que será castigado.
- Passámos dos amores infantis a essa inicial e derradeira amante que é a morte. Andámos depressa de mais. Não somos homens.

(Este excerto é o único que transcrevo daqueles que sublinhei dos textos preparatórios da peça de teatro "Os Justos". Esta peça foi concluída, após uma viagem à América Latina, no Verão de 1949, estando Camus gravemente doente. Nela é abordada a questão, fundamental para Camus, da violência política cujo debate requer, em qualquer circunstância, um adequado enquadramento filosófico e histórico.)

Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas.

A solidão perfeita. No urinol de uma grande estação à uma hora da manhã.
(Contém uma nota de pé de página onde se escreve. "Esta observação foi acrescentada à mão sobre a primeira redacção à máquina").

Bayle :pensamentos diversos sobre o cometa.
"Não de deve julgar a vida de um homem nem pelas suas crenças nem pelo que publica nos livros."

"Como fazer compreender que uma criança pobre pode ter vergonha sem ter inveja"
(Clara referência à infância pobre do próprio Camus.)

Vigny (correspondência): " A ordem social é sempre má: de tempos a tempos é apenas suportável. Do mau ao suportável, a disputa não vale uma gota de sangue". Não, o suportável merece, se não o sangue, pelo menos o esforço de uma vida inteira.
Misantropo em grupo, o individualista perdoa ao indivíduo."

Sait-Beuve: "Sempre acreditei que se as pessoas dissessem o que pensam durante um só minuto a sociedade ruiria."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).