Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, abril 22
Salgueiro Maia
Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução.
A sua impassividade e serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho.
A serenidade do Capitão Salgueiro Maia sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador congelou a situação.
Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o embaraço do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.
Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entramos pacificamente no 2º GCAM. (Fotografia de Alfredo Cunha).
O renascimento da liberdade
Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António Dias, num daqueles momentos raros da história das nações em que algo de essencial muda.
A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores. Assistimos e participamos, ao vivo, a uma página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade.
Os nossos nomes são verdadeiros: António Cavalheiro Dias, João Mário Anjos e Eduardo Graça.
De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzamos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis, meu conterrâneo, que anos mais tarde vi ao vivo num pequeno café da minha cidade de Faro.
O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na entrada de Monsanto.
Ao longo desta digressão pela cidade sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receie que fosse destroçada em poucos minutos.
PS
Incursão na politica doméstica. Os comentadores de direita que tomaram de assalto a comunicação - quase todos os comentadores são hoje de direita - tentam criar um ambiente de crise politica, social, económica-financeira, avassaladoras. Para quem conheça algo da história é fácil reconhecer que as crises anunciadas são suaves. Curioso também que o debate politico se centre unica e exclusivamente no PS, nas criticas e ataques ao seu governo, emergindo no interior do próprio PS. O PS, cinquenta anos depois da sua criação, não perdeu a capacidade de se questionar a si próprio.
sexta-feira, abril 21
Rua do Arsenal
Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno. Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso.
Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão. Ultrapassamos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo.
O povo ainda não tinha descido à rua. Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime.
Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas.
Na peugada da coluna de Salgueiro Maia
Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande ou seguir atrás da coluna militar tomamos a opção de perseguir a coluna. Mas antes deixamos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, seguimos atrás da coluna de Salgueiro Maia.
A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante.
Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar. Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna. Seriam 4 horas da madrugada e saíam clientes do "Cantinho do Artista" no Parque Mayer.
Éramos, certamente, os únicos perseguidores e acompanhantes exteriores daquela força e queríamos viver os acontecimentos ao vivo.
quinta-feira, abril 20
Finalmente sinais de acção
Retenho muito viva na memória a imagem do carro do combate que encabeçava a coluna a irromper diante de nós. Tinha surgido na escuridão da noite uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro "nívea" da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.
O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória.
A comoção que sentimos é indescritível. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos e registamos, ao vivo, esse momento. Esta é a primeira vez que ele é relatado. Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia.
Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel do Campo Grande ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante.
SOCIAL DEMOCRACIA
Uma incursão na politica doméstica: “O maior problema na política portuguesa é mesmo o socialismo", diz Montenegro. O problema está em que o partido socialista em Portugal é social democrata. Entre PS e PSD marcam-se distâncias entre cambiantes da social democracia. Toda a gente, de forma mais ou menos intuitiva ou elaborada, tem esta perceção.
A espera sem fim
Nessa espera sem fim da madrugada de 24 de Abril de 1974 a certa altura alguém me acordou com incontida emoção. Tinha passado a canção.
Era mesmo a sério. A noite ia alta. Saímos os três. Eu e o João Mário metemo-nos no carro do António Dias que, conduzido por ele, caminhou para a 2ª Circular a caminho do Campo Grande. O Milhomens saiu para a baixa da cidade.
O nosso objectivo era tomar posição dentro do 2º GCAM o mais cedo possível. Mas, ao contrário do que aconselhava a prudência, não o fizemos logo. Antes fomos dar uma volta de carro pelas redondezas a ver o que se estaria a passar na EPAM.
Passamos defronte da EPAM e conseguimos ver o Teixeirinha junto ao muro, equipado de arreios, preparado para integrar o grupo que ocuparia a RTP. Não observamos nenhum outro sinal da acção iminente.
Regressamos à 2ª Circular para reforçar a observação do movimento começando a desconfiar que ia ser um novo 16 de Março. Um fracasso. Encetamos, de novo, o caminho do quartel do Campo Grande.
Ao entrar no Campo Grande surgiu, inesperadamente, diante de nós, uma coluna militar.
quarta-feira, abril 19
O último aviso
No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.
Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho.
O combinado era reunir um pequeno grupo de que faziam parte o João Mário Anjos, o António Milhomens e o António Dias, na casa deste, em Benfica, aguardando o sinal musical ("E depois do Adeus") que anunciaria o desencadear da operação, a nível nacional.
Era perto de minha casa e lá fui preparado para o que desse e viesse. Mas o sinal nunca mais surgia e adormeci deitado no chão.
Os camaradas de armas
Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz uns contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.
Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à família.
Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do poder. Avisei o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Acertamos, entre nós, os passos a dar naqueles dias.
terça-feira, abril 18
Na expectativa do combate
Os dias de finais de Março e princípios de Abril de 1974 foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas.
Soube, em meados de Abril, após o contacto do Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.
Teriam que ser tomados os cuidados próprios de uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime cairia sem oferecer resistência feroz. Seria mais que provável o confronto militar pelo que o mais prudente era estarmos preparados para essa situação.
segunda-feira, abril 17
Capitão Teófilo Bento
Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974. Não sei já através de quem chegou até mim. Talvez tenha sido depois da tentativa frustada do golpe das Caldas da Rainha, em 16 de Março.
Falamos num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande, onde cumpria o serviço militar como oficial miliciano. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-General em Lisboa.
Tratava-se de um ponto fraco na rede de oficiais que preparavam o golpe. Não havia ninguém que eu conhecesse. Mas, após este encontro, fiquei com a certeza acerca da inevitabilidade do golpe o que, até esse dia, era uma mera convicção.
Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Desta vez era mesmo a sério.
Mantive a maior descrição. Não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis.
Após o fracassado "Golpe das Caldas" todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças.
As duas mortes do MES
A sessão final do I Congresso, calorosa e colorida, o símbolo do MES em pano de fundo, desenhado com os pés descalços dos militantes calcando a tinta vermelha, escondia a ruptura que todos assumimos com mais ou menos amargura.
Pela minha parte não falei nem subi ao palco. O argumento da minha recente saída do serviço militar e a invocada necessidade de salvaguardar, por razões de segurança, alguns dirigentes da exposição pública, ajudaram a compor a argumentação que me "salvou" desse sacrifício que a minha timidez natural também favorecia.
Tinha sido o nome mais votado para a Direcção o que pude verificar, pessoalmente, no momento do escrutínio. Mas a lógica colectivista já se tinha imposto, na prática, às afirmações individuais e todos a aceitamos sem questionar o sentido dos acontecimentos.
Assisti a essa sessão de encerramento nos bastidores da Aula Magna, a sós, na companhia de Jorge Sampaio. Posso agora dizê-lo sem constrangimentos: sentia-me um vencedor derrotado e o meu coração estava destroçado. Foi a primeira morte do MES.
Mas a vida tinha de continuar e não deixei de ser solidário, até ao fim, com todos os que julgaram, em boa fé, que o melhor caminho era aquele que a maioria tinha acabado de escolher.
Essa solidariedade assumida, de forma colectiva e responsável, até ao fim, continua presente na convocatória para o jantar de extinção do MES, datada de 31 de Julho de 1981, na qual se afirmava: "Pretende-se assim extinguir o MES, política e públicamente, com a dignidade que a sua rica experiência merece, assegurando, ao mesmo tempo, um destino útil para o seu património."
Os contactos deveriam ser efectuados para o subscritor destas notas e para A. Borges da Gama, dos quais se indicavam os contactos pessoais para recolha das necessárias inscrições prévias. A data apontada para a reunião, que deveria assumir a forma de "almoço ou jantar", era 4 ou 5 de Outubro de 1981. Acabou por ser jantar e realizou-se no dia 7 de outubro.
Na cópia da convocatória que tenho na minha posse, certamente por ter sido dirigida a um destinatário muito íntimo, escrevi, à mão: "Com mil lágrimas mas com um olhar seco que nestas coisas é preciso. Para tomares conhecimento."
E assim, de forma digna e original, o MES morreu pela segunda vez. Bem hajam todos os que nele acreditaram.
domingo, abril 16
Do MES à "Nova Esquerda"
Nas reuniões e discussões prévias ao I Congresso lembro-me de ter, em diversos momentos, divagado a sós, angustiado pela percepção da "quadratura do círculo" que constituía, naquelas circunstâncias, conciliar a democracia representativa com a democracia directa, ou "poder popular".
Uma síntese impossível. Era necessário ganhar tempo, mas a gestão do tempo não era o nosso forte, nem o "espírito da época" favorecia as esperas sábias e pacientes.
As revoluções criam uma especial escala do tempo em que nos sentimos atraídos pela acção e a acção exige mais acção. A única saída possível para tornar o MES um Partido útil, na construção da democracia representativa e participativa, tinha-se esfumado com o desenlace daquele Congresso.
Os que romperam prepararam pacientemente a sua integração no PS. Os que ficaram, por convicção ideológica ou devoção a amizades autênticas, forjadas nas lutas do passado, foram absorvidos pela voragem dos acontecimentos e foram saindo, em levas sucessivas, até à extinção do movimento no célebre jantar do Mercado do Povo.
Após a extinção do MES alguns de nós dinamizaram, no início dos anos 80, a criação da "Nova Esquerda" em cuja declaração de princípios se preconizava o "desenvolvimento de um novo pensamento de esquerda que, assentando fundamentalmente na ideia do socialismo democrático, clarifique as suas fronteiras, encare os valores da liberdade individual, da solidariedade social e da iniciativa modernizadora (tanto ao nível económico como cultural), como elementos constitutivos essenciais."
Defendia-se, num notável documento de Julho de 1984, que mantém plena actualidade, entre outros objectivos, o debate "aberto e inconformista que envolva todos os sectores interessados na modernização do país", o "reforço da democracia" e a "adesão à CEE".
Esse documento preparado para a criação de uma abortada "Cooperativa Nova Esquerda" foi assumido por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça, Eurico de Figueiredo, Jofre Justino, José Leitão, Júlio Dias, Margarida Marques, Sara Amâncio, Tereza de Sousa e Vitor Wengorovius.
Em 21de Abril de 1986 a Comissão Coordenadora da "Nova Esquerda", constituída por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça e Vitor Wengorovius anuncia que, após seis anos, a "atitude de solidariedade crítica externa ao PS se esgotou e deve ser superada por uma intervenção política concreta que, para a maioria dos membros desta comissão, pode e deve ser realizada, desde já, dentro do PS."
Em consequência, no decurso do ano de 1986, todos os membros da Comissão da "Nova Esquerda", com excepção de Vitor Wengorovius, entre outros ex-activistas do MES, aderiram colectivamente ao PS.
sábado, abril 15
O I Congresso do MES - II
A ruptura política operada no 1º Congresso, e a consequente saída de Jorge Sampaio do nascente MES, não foi inesperada. Ela resultou de um longo processo de debate que durou semanas, ou meses, ao longo dos quais não se estabeleceram as pontes pessoais e políticas que poderiam ter inflectido aquele desenlace.
Recebi, pela minha parte, abundantes avisos e missivas alertando para a gravidade da ruptura que se adivinhava no horizonte. Entreguei tempos atrás ao Pacheco Pereira os originais de duas cartas que me foram dirigidas, a título pessoal, que testemunham a consciência daquela situação.
Uma foi-me enviada, do Porto, por José Galamba de Oliveira, datada de 7 de Novembro de 1974, afirmando: " (...) Parece-me que estamos numa encruzilhada. Não prevejo que futuro está traçado a curto e médio prazo para este país nem vejo claro o que deveremos e poderemos fazer para inflectir favoravelmente o desenrolar do processo histórico. Embora não pense que a luta de classes se desenrole nas cúpulas, gostava de saber o que está arquivado nas gavetas das secretárias de Ford, Brejnev e companhia. Cada vez mais o que se passa num país é menos independente do panorama internacional, e continuo sem ver claro qual o projecto do PCP cá para o burgo lusitano."
E afirma a propósito do Congresso que se avizinhava: "Não estamos suficientemente fortes para depurações. Toda a flexibilidade e diplomacia são poucas para preservar o essencial".
Numa longa carta, de 15 de Dezembro de 1974, que me enviou de Moçambique, Luís Salgado de Matos adverte: "...rezo aos meus santinhos para que não façam cisões - sobretudo a cisão na confusão. Corre-se mais o risco da grupuscularização sem dogma que da social democratização derrapante: não defendo a síntese da carne e do peixe (...) mas julgo que é um risco grave cortar o pano sem ver o tecido. Cisão, a haver - pelo que se pode desenhar - afastará o social democratismo (...) mas reduzirá o MES ao nível do grupinho necessariamente sectário mas sem um conjunto rígido de princípios (que costuma ser a safa destes grupinhos)."
Sábias palavras...
sexta-feira, abril 14
O I Congresso do MES - I
O Movimento de Esquerda Socialista, forjado no período ante-25 de Abril, rompeu-se no seu 1º Congresso, realizado na Aula Magna, em Lisboa, a meio do mês de Dezembro de 1974.
Nesse congresso estavam em confronto duas concepções do papel de um Partido da esquerda socialista no "processo revolucionário".
Uma maioria, fortemente radicalizada, sentia-se legitimada, pelo curso dos acontecimentos, para impor, ao futuro MES, uma orientação política anti-capitalista que, em si mesmo, não tinha originalidade, não fora ser fortemente influenciada pela ideologia da democracia directa que, no caso do MES, tomaria a designação de Poder Popular.
Ficava assim subalternizada a aceitação programática do modelo de democracia representativa vigente na maioria dos países da Europa ocidental.
A minha participação nesse congresso foi marcada pela dilaceração de ter percebido que não seria possível, na prática, evitar uma ruptura entre o grupo liderados por Jorge Sampaio e o grupo majoritário dos delegados ao Congresso.
Alguns dirigentes com responsabilidades, nos quais me incluía, tomamos, pelo silêncio, o partido da maioria, deixando que o coração vencesse a razão, abrindo, assim, a porta a uma deriva esquerdista com a qual, apesar de tudo, tempos mais tarde, tivemos a capacidade de cortar de forma original.
quinta-feira, abril 13
Uma base programática
Os subscritores do livro "Classes, Política Políticas de Classe" sublinham, na versão inicial da introdução, de Março de 74, a importância da intervenção do General Spínola e do seu livro "Portugal e o Futuro", "anunciando porventura uma maior acutilância da terceira força no xadrez político do País...", o que demonstra uma expectativa positiva face à hipótese de uma saída negociada para a crise do regime.
Demarcam-se, por outro lado, cuidadosamente, do conteúdo integral dos textos que integram o livro afirmando que "...esta selecção não representa plena adesão ao que os textos a seguir apresentados exprimem, mas sim o reconhecimento da importância dos mesmos para a análise da realidade nacional."
Ganham, dessa forma, tempo para um debate que estava por fazer. O movimento tinha sido surpreendido pela queda do regime, numa fase atrasada da sua estruturação orgânica, e não possuía um corpo coeso de ideias que lhe permitisse avançar para a criação de um partido político.
Mas naquele livro estava esboçada a base programática possível do futuro MES que a primeira Declaração política formal, redigida posteriormente, plenamente confirma. Nos seus diversos capítulos se abordam, entre outras, as questões da luta sindical, operária e "da previdência", as "questões urbanas", "escolar e estudantil" e "questão da CDE", assim como a luta da "TAP de Julho 73".
Mas para viabilizar a implantação popular de um partido socialista de esquerda, emergente do entusiasmo das lutas de base, o radicalismo teria que ser temperado pelo contributo doutrinário e pragmático dos quadros mais experientes e mais velhos.
Essa simbiose, na qual alguns de nós guardavam esperanças, fracassou. A ruptura de Jorge Sampaio, e do grupo que viria a constituir o GIS, impediu que o MES disputasse o espaço político que o recém-criado Partido Socialista, de Mário Soares, parecia incapaz de preencher.
Os meses que se seguiram ao 25 de Abril foram vividos num inevitável turbilhão de acontecimentos que ainda mais estimularam, em crescendo, as posições radicais inviabilizando todas as hipóteses de evitar a ruptura fatal no seio do projecto inicial do MES.
quarta-feira, abril 12
Uma confluência
A esquerda socialista, forjada no período ante-25 de Abril, na sua versão original, resulta de confluência de activistas de diversos movimentos sociais e cívicos.
Neste processo foi determinante a experiência da CDE de 1969. Um livro publicado já depois do 25 de Abril de 74, mas preparado antes, retracta de forma bastante fiel os contornos ideológicos do movimento e identifica a origem dos dirigentes que nele confluíram.
O livro em questão, editado pela Afrontamento, intitula-se "Classes, Política/Políticas de Classe", sendo a sua introdução subscrita, por ordem alfabética, pelos seguintes activistas do MES, em gestação: Agostinho Roseta, António Rosas, António Santos Júnior, Augusto Mateus, Edilberto Moço, Francisco Farrica, Jerónimo Franco, Jorge Sampaio, Manuel Lopes, Marcolino Abrantes, Paulo Barcia e Vitor Wengorovius.
Na primeira "Declaração do Movimento de Esquerda Socialista (M.E.S.)", entretanto divulgada, explicitam-se os princípios fundadores do Movimento sob o lema: "A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores", abrangendo os campos "da luta de fábrica e sindical", "luta anti-colonial", "luta estudantil", "luta urbana" e, muito interessante, nos seus termos, luta "pelo aumento dos tempos livres" título sob o qual se aborda, de facto, a temática laboral..
Esta primeira Declaração do MES é subscrita, em nome de uma "Comissão Organizadora", por activistas identificados, desta vez, pela sua área de intervenção, com variantes em relação ao grupo anterior e já não por ordem alfabética: Manuel Lopes, António Rosas, António Santos Júnior (militantes sindicalistas); Rogério de Jesus, António Machado, Francisco Farrica, Edilberto Moço, Luís Filipe Fazendeiro, Luís Manuel Espadaneiro (militantes operários); Carlos Pratas e José Galamba de Oliveira (militantes estudantis); Víctor Wengorovius, Joaquim Mestre e José Manuel Galvão Teles (candidatos da CDE de Lisboa, em 1969); Eduardo Ferro Rodrigues (consultor sindical e ex-dirigente estudantil); Nuno Teotónio Pereira (militante cristão) e César Oliveira (historiador do movimento operário).
Os subscritores destes documentos confirmam a confluência na designada esquerda socialista de uma nova vaga de dirigentes, não comunistas, dos movimentos operário, sindical, católico progressista e estudantil que se tinham destacado, desde o início dos anos 60, na contestação aberta à ditadura. Outros nomes não surgem por meras razões circunstanciais.
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