Reparo que o CATATAU me chama a participar na CORRENTE DA PÁGINA 161 que já corre vai para uns meses. Estas correntes têm um lado bastante estúpido e outro bastante estimulante. Vá lá saber-se porquê! A página 161? E a 5ª frase completa? Aceito na medida do prazer do jogo. Dedico-me a ler livros fora de moda e fora da minha área de actividade profissional. Mas isto não é invulgar nos consumidores. Bastante mais invulgar é nos criadores. Salvo quando a natureza do papel, por ser demasiado fino, me inibe sublinho e escrevo nos livros. Hoje em dia sempre, e só, a lápis.
As minhas leituras de hoje, e de sempre, têm duas referências luminosas: Albert Camus e Jorge de Sena. Comecei a ler o primeiro e só depois o segundo. Na verdade são quase contemporâneos: Camus nasceu em 1913, Sena em 1919. Afadigo-me a ler o máximo destes dois autores e o que escreveram aqueles que escreveram acerca deles. Não sei medir o caminho já percorrido e o que me falta percorrer. Também não interessa para nada. A minha leitura, como o título do programa de rádio, é “pessoal e intransmissível”.
Eu sei que dá para notar, nos blogs que alimento, essas paixões. Mas esta exposição dos gostos pessoais, para quem se dispõe a expô-los, é uma novidade impulsionada pela blogosfera. Mas também leio outras coisas como, por exemplo, os folhetos que acompanham as embalagens dos medicamentos (uma leitura muito instrutiva), alguns artigos de jornal, notícias, outros livros, opúsculos e folhetos, de autores e acerca de matérias diversas, mas não seria capaz de ler o último Harry Potter que o meu filho (que vai fazer 17 anos imaginem!) leu, sendo bilingue de alemão, na versão original em inglês (aí umas 700 páginas!).
Perdi um bocado a noção dos autores da moda mas às vezes encontro referências que me ajudam a evitá-los. Quando faço incursões pelos estudos acerca dos autores da minha paixão encontro nomes de outros autores, críticos e escribas diversos que, em épocas remotas, estiveram na moda e já ninguém se lembra deles, muito menos os cita ou lê. Não que a moda não seja importante e que da moda não se salvem alguns autores da moda. Mas todos sabemos que, na sua época, Pessoa não estava na moda e muito menos, no seu tempo, Sena.
Camus sim esteve, e está, na moda mas entenda-se que a França, dos anos 40 e 50, era uma pátria das letras e Camus um sedutor, “pied-noir”, rapaz pobre, membro da resistência ao nazi-fascismo, jornalista e, mesmo assim, por ter denunciado os crimes de Stalin, à sua maneira, e por não ter dado hossanas à descolonização da Argélia foi colocado na fronteira pela esquerda e salvo do esquecimento pelo Nobel de 1957 ... mas morreu cedo.
Vamos então à corrente:
1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs.
O livro que está mais próximo de mim é “Isto tudo que nos rodeia – Cartas de amor” - um conjunto de cartas trocadas entre Jorge de Sena e Mécia de Sena, antes do seu casamento. As cartas datam do período entre 1944 e 1949 e nelas se envolvem os próprios e são referidos outros como, por exemplo, Alberto de Serpa que foi guardião de 16 delas as quais Mécia lhe enviou por saber ser ele um “meticuloso coleccionador de manuscritos e grande amigo do Jorge.”
Gosto muito, como tanta gente, deste género de literatura. Nela se conta a verdadeira história dos protagonistas envolvidos pois, por regra, escrever cartas é um gesto de intimidade, ou cortesia, que se não destina a ser conhecido do público. Neste caso ambos revelam não só uma paixão amorosa, igual a tantas outras, como, sem demérito para Mécia, Jorge de Sena desvenda alguns segredos da sua particular visão do mundo, dos homens e da sociedade do seu tempo (emigrou em 1959), além de explicar algumas singularidades da sua própria oficina de escrita.
Vou assim reproduzindo sublinhados desta minha recente releitura.
Felizmente na página 161, nos 4º e 5º parágrafo, (tinha que reproduzir o 4º infligindo as regras!) pode ler-se o final de uma carta escrita de Coimbra e datada de 5/5/48:
Felizmente na página 161, nos 4º e 5º parágrafo, (tinha que reproduzir o 4º infligindo as regras!) pode ler-se o final de uma carta escrita de Coimbra e datada de 5/5/48:
“É tardíssimo. Perdi-me a escrever-te e nem quero ver as horas. Vou apagar a luz. Dormir será difícil. A noite passada tive frio, nesta fervo. Hoje faltas-me mais vivamente do que me faltavas ontem.
Beijo-te efusivamente, meu querido Jorge
Tua
Mécia”
Como em poucas palavras se pode dizer tanta coisa! Passo o desafio ao JPN (parece muito ocupado, já entendi!), à MRF, ao AP, ao PS (salvo seja e parabéns!) e à HFM (esperando pelo seu regresso de Barcelona). Com as minhas desculpas para quem já antes foi apanhado nesta corrente ou se aborrece por ser confrontado com ela.
.