sábado, novembro 2

CAMUS E O LIVRO QUE QUEREMOS LEVAR PARA UMA ILHA HABITADA

“Que livro levarias para uma ilha deserta?”

Muitos respondem que a Bíblia, talvez porque é uma biblioteca num só livro. Umberto Eco optava pela lista telefónica, para poder inventar com aquelas personagens um número infinito de histórias. Outros, mais pragmáticos, um manual de Como se faz uma canoa. Todas as respostas nos dizem afinal que o ser humano é gregário: dá-se mal com a solidão e, quando se vê sem companheiros de aventura, gosta de os criar. Como fazia Robinson Crusoé até encontrar Sexta-feira, içando regularmente a bandeira inglesa na ilha fora do mapa.

A resposta pode ser ligeira e em nada nos comprometer. Talvez mais difíceis de escolher (e muito mais comprometedores) sejam os livros que queremos guardar na nossa ilha habitada. Uma ilha sim, aquele círculo de lugares, coisas e pessoas entre os quais moramos todos os dias e a partir do qual avistamos o resto do mundo, se formos ao cais. A sobreposição de factos, de tempos e de espaços que existe na vida real depressa nos leva a esquecer o quão importante é guardar algumas coisas, poucas, algumas pessoas, amigas, alguns livros, escolhidos. Vivemos com o que nos põem à frente, muitas vezes sem nos preocuparmos com o pó que foi naturalmente tapando as rosas que recebemos, os amigos que já não vemos, os livros que já não lemos. Até que um pequeno abalo sísmico na nossa ilha habitada nos abre uma brecha na paisagem. É sempre por causa dos abalos que refletimos no que é importante guardar. Eu sei que levo pelo menos um livro de Albert Camus comigo, apesar de não estar na moda em Portugal. A ilha em que eu habito não lê agora muito os autores franceses e não gosta de ler coisas que ponham (mais) problemas. A ilha anda a ler romance histórico: que é uma forma de enganar a memória atirando os problemas para trás. Fazemos mal, se esquecermos Albert Camus. É um autor francês que deve ser lido em período de abalos. Camus é importante na medida em que nos obriga a questionar os velhos clichés e a identificar as novas falácias. Camus é urgente, na medida em que nos interroga e nos incomoda, levando-nos a ver para além da ilha, círculo vicioso e absurdo em que habitamos.

Vê-se bem a marca do livro de Camus na mala com que ando pela vida. Só não consigo ver bem o título, talvez porque eu vá mudando o livro, mantendo a editora. Tenho quase a certeza de que é A Queda. Acorda-me do sono mortal da indiferença. Levei-o quando estive em Amesterdão. Para que me aparecesse de novo Clamence, juiz-penitente, e ele me fosse acusando das minhas cobardias, confessando as suas. Para que ele me alerte para as formas rituais de dignificação dos vícios: “Até amanhã, pois, meu caro senhor e compatriota. Não, agora facilmente atina com o caminho; deixo-o nesta ponte. Nunca passo, de noite, numa ponte. É a consequência de um voto. Suponha, no fim de contas, que alguém se atira à água. Das duas uma, ou o senhor o segue, para o tirar, ou o abandona à sua sorte e os mergulhos retidos causam por vezes estranhas cãibras”…

Ou talvez seja O Estrangeiro. Releio agora sem professor, admirando cada vez mais a conotação indelével das coisas ditas com simplicidade. Disseram-me seca a frase “Hoje, a mamã morreu”. Mas se assim fosse, porquê a ternura da palavra “mamã”? Tento variantes: “Hoje, a minha mãe morreu”, mais seco. “Hoje, a mãe morreu”: mais seco ainda? O que é hoje evidente em Meursault é o percurso iniciático de um homem que aprende a sair da indiferença que nunca foi absoluta. O Estrangeiro é a história do caminho que vai do “para mim tanto faz” ao “não” final, forma extrema de compromisso solitário. Ensinou-me que Camus não é um filósofo do absurdo, mas um filósofo anti-absurdo, na medida em que constrói os sentidos da vida a partir da consciência indelével do absurdo.

Não, talvez sejam as Núpcias. Ou O Verão. Nestas obras reaprendo a vitalidade da Natureza, vitalidade engenhosa, resistente, teimosa, ardilosa. Somos como as ruínas de Tipasa, o vento de Djémila, a cidade babélica de Argel, o deserto afinal habitado. Somos ainda o tronco daquelas amendoeiras que resistem à neve do Inverno, e ainda a neve que resiste ao vento, e a flor que nasce de um tronco que parece morto, ainda antes da primavera despontar. Camus recorda-nos a democracia da beleza: “Bem pobres são aqueles que precisam de mitos. Descrevo e digo: ‘Isto é vermelho, azul, verde. Isto é o mar, as montanhas, as flores.’ Tenho eu necessidade de falar de Dioniso para dizer que gosto de esmagar bolas de lentiscos debaixo do meu nariz?”

Bem pobres somos nós, que precisamos de mitos. E de livros que nos recordem o essencial. Mais pobres ficaremos se os não buscarmos.

Maria Luísa Malato

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

[Hoje publicado na Atual, separata do Expresso, de um conjunto de textos que, a título gracioso, foram elaborados para celebrar o Centenário do nascimento de Albert Camus - uma parceria informal entre a Prof.ª Maria Luísa Malato e eu próprio.]

sexta-feira, novembro 1

PALOMA SAN BASILIO

TRABALHAR NA CIDADE

O mundo está repleto de notícias que cada um de nós absorve numa minimíssima parte. As nossas cidades maiores, pequenas metrópoles à sua dimensão, como Lisboa, não estão preparadas, no que tange aos transportes públicos, para o trabalho das ...gentes. Isto não é notícia nenhuma senão mera nota de rodapé acerca do quotidiano. Ora se um jovem que começou a trabalhar na 2ª feira passada (hélas!) carece de pegar ao trabalho às 7 da manhã na zona da Pampulha (quem não souber onde é que procure, se lhe interessar) e mora em Telheiras, mesmo sem greve do Metro, não chega ao Cais do Sodré a tempo de, mesmo a pé, chegar ao seu destino ...a horas... pois o Metro só inicia a função às 6,30 horas. Se pensar no autocarro terá que se deslocar a pé até Entrecampos apanhar um autocarro que o transporta até ao Cais do Sodré a que se segue uma nova caminhada até ao local de destino. Os transportes públicos na cidade estão preparados para a utilização do automóvel ou para os trabalhadores com horário das 9 às 19 ou das 10 às 20. Assim não chegamos ao destino!

quinta-feira, outubro 31

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (21)

Sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberto em relação a todos pela excelente razão que me considerava sem igual. Julguei-me sempre mais inteligente do que ninguém, disse-lhe eu, mas também mais sensível e mais destro, atirador de escol, volante inigualável, e melhor amante. (…) Não me reconhecia senão superioridades, o que explicava a minha benevolência e a minha serenidade. Quando me ocupava de outrem, era pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia a meu favor: eu subia um degrau no amor a mim mesmo. 

Com algumas outras verdades, descobri a pouco e pouco estas evidências, durante o período que se seguiu à noite de que lhe falei. Não imediatamente, não, nem com grande nitidez. Tive, antes de mais, de recuperar a memória. (…) Até ali, tinha sido sempre ajudado por uma espantosa faculdade de esquecimento. Esquecia tudo e em primeiro lugar as minhas resoluções. No fundo, nada contava. Guerra, suicídio, amor, miséria, prestava-lhes atenção, é certo, quando as circunstâncias a isso me obrigavam, mas de uma maneira cortês e superficial.

(…) Eu não era lá de muito bom estofo para perdoar as ofensas, mas acabava sempre por esquecê-las. E, se alguém se julgasse detestado por mim, não se livrava de se ver saudado com um largo sorriso. Consoante a sua natureza, admirava então a minha grandeza de alma ou desdenhava a minha baixeza, sem pensar que a minha razão era mais simples: eu tinha esquecido até o seu nome. 

                                                         Albert Camus, in A Queda

segunda-feira, outubro 28

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (20)

Não amaremos talvez insuficientemente a vida? Já notou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabam de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam, com a boca cheia de terra! A homenagem surge, então, muito naturalmente, essa mesma homenagem que talvez eles tivessem esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe porque nós somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há deveres. 

É assim o homem, caro senhor, tem duas faces. Não pode amar sem se amar. Observe os seus vizinhos, se calha de haver um falecimento no prédio. Dormiam na sua vida monótona e eis que, por exemplo, morre o porteiro. Despertam imediatamente, atarefam-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo, e o espectáculo começa, finalmente. Têm necessidade de tragédia, que é que o senhor quer?, é a sua pequena transcendência, é o seu aperitivo. 

É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros!
 
Albert Camus, in A Queda
 

domingo, outubro 27

LOU REED - QUE VIVA!

ANIVERSÁRIO

No dia de 23º aniversário do meu filho Manuel recoloco uma fotografia de quando eu próprio teria a idade que ele tem hoje. Os traços mantêm-se, no essencial, e trespassam as gerações. Ele vai começar a trabalhar, por opção própria, num tempo em que são escassas as oportunidades de trabalho grassando o desemprego jovem. Buscou esse caminho, sem ajudas nem encómios, e todos os esforços e sacrifícios valem a pena na construção de um futuro no qual o trabalho será uma das experiências mais importantes. É uma coincidência interessante e o meu mais profundo desejo é que seja feliz.  
 
[A fotografia foi obtida aquando de uma representação da peça "Histórias para serem contadas" do argentino Osvaldo Dragun.]  

sábado, outubro 26

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (19)

É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média chamavam o «desconforto»? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente alta para se poder estar de pé, nem suficientemente larga para se poder estar deitado. Tinha-se de adoptar o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma queda, a vigília um acocoramento. Meu caro, havia génio, e eu peso as minhas palavras, neste achado tão simples. Todos os dias, pelo imutável constrangimento que anquilosava o seu corpo, o condenado sabia que estava culpado e que a inocência consiste em nos espreguiçarmos gostosamente. Pode imaginar nesta cela um frequentador dos cimos e das cobertas dos navios? O quê? Podia-se viver nesta cela e ser-se inocente? Improvável, altamente improvável! Ou então o meu raciocínio caía pela raiz. Que a inocência seja forçada a viver corcunda, recuso-me a considerar por um único segundo esta hipótese. De resto, nós não podemos afirmar a inocência de ninguém, ao passo que podemos afirmar com segurança a culpabilidade de todos. Cada homem atesta o crime de todos os outros, eis a minha fé e a minha esperança. 

Albert Camus, in A Queda
Adicionar legenda

Anna Netrebko

Jean Sibelius

sexta-feira, outubro 25

LIBERDADE - uma vez mais

Vivemos no interior de uma espécie de grande intervalo entre um passado/presente, marcado pelo mais longo período de paz na Europa, e um futuro pleno de incógnitas. Podemos-nos acomodar, cada um à sua maneira, na espera paciência que surjam soluções que tudo mudem menos o que não interessa a cada um de nós que mude. Mas as grandes mudanças, uma das quais parece crescer debaixo de nossos pés, não se compadecem com o recato das omissões. Uma das escolhas centrais que cada um de nós será chamado a fazer, como sempre acontece, é entre a liberdade e a tirania. E mais do que uma questão filosófica, que se pode e deve debater, a questão da liberdade é uma questão da prática quotidiana. Multiplicam-se os sinais de alarme que ecoam das notícias e se sucedem a cada passo das nossas vidas. Cada um, e todos, cuidemos antes de mais de não deixar passar em silêncio, e sem denúncia, mesmo nos mais pequenos círculos de amigos, todos os sinais que prenunciem limitações à liberdade. E tantos são eles!

quarta-feira, outubro 23

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (18)

« … Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava, os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira, desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.

Mas, noutros momentos, e são esses os verdadeiros, sinto-me feliz que assim seja. Porque todas as paisagens, todas as flores e todos os trabalhos, a mais antiga das terras, vos demonstram, em cada Primavera, que há coisas que não podereis abafar no sangue. […] Sei assim que tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. … »

Albert Camus, Cartas a um Amigo Alemão

DOURO DE MIE ALMA



Ah! riu de ls mius amores!
Guardian de las streilhas.
Quanto gusto de ti
I de ls tous ancantos!
Que buòno vê
Ber las ailas a bolar.
Ls paixaricos a cantar.
Las fáias a assomar …
Oubir, scuitar …
Ls cachones a fungar.
Niébros i carrascos a silbar.
Pastores sues fraitas a tocar
L’auga a caminar
Sien parar …
Pa l mar eimenso …
A chorar …
Ah! Douro de mie alma!
Tu tenes, boç.
Sós fuônte de bida.
D’einergie i riqueza.
L sangre de la tiêrra.
Como tu.
Nun hai eigual.
Sós la lhuç de Miranda.
Lhuç de Pertual!

Domingos Raposo

(Em língua mirandesa.)

terça-feira, outubro 22

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (17)

Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.

Albert Camus, in “Noces à Tipasa”

Na fotografia María Casares, atriz, uma grande paixão da sua vida.

segunda-feira, outubro 21

PABLO NERUDA

                                                            "E numa certa manhã tudo ardia,
numa manhã o fogo
saltava da terra
devorando os seres,
e ardia,
havia pólvora,
e sangue.
Bandidos com aviões e mouros,
bandidos com anéis nos dedos e duquesas,
bandidos com frades negros e suas bendições
vinham pelo céu matar crianças,
e o sangue delas escorria pelas ruas
sem ruído algum, corria como sangue de criança.

Chacais que seriam alvo de desprezo de outros chacais,
pedras que o cardo seco morderia
e cuspiria, víboras que as próprias víboras abominariam!

Face a face com vocês vi o sangue
da Espanha erguer-se
para afogá-los em uma onda
de orgulho e de facas!

Generais
traidores:
vejam minha casa morta,
vejam a Espanha alquebrada:
de todas as casas sai um metal
que arde,
em vez de flores,
mas de cada oco da Espanha
a Espanha emerge
e de cada criança morta sai um rifle
com olhos,
e de cada crime nascem balas
que um dia encontrarão o caminho
do coração de vocês.

E vocês me perguntarão:
por que os poemas dele
não falam de sonhos, e de folhas
e dos grandes vulcões de sua terra natal.

Venham e vejam o sangue nas ruas,
venham e vejamo sangue nas ruas,
venham e vejam o sangue nas ruas!"

Pablo Neruda

(Excerto do poema “Explico Algunas cosas” de Pablo Neruda, citado por Harold Pinter na Conferência de atribuição do Prémio Nobel da Literatura.)
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Explico algunas cosas

Preguntaréis: ¿Y dónde están las lilas?
¿Y la metafísica cubierta de amapolas?
¿Y la lluvia que a menudo golpeaba
sus palabras llenándolas
de agujeros y pájaros?

Os voy a contar todo lo que me pasa.
Yo vivía en un barrio
de Madrid, con campanas,
con relojes, con árboles.
Desde allí se veía
el rostro seco de Castilla
como un océano de cuero.
Mi casa era llamada
la casa de las flores, porque por todas partes
estallaban geranios: era
una bella casa
con perros y chiquillos.

Raúl, ¿te acuerdas?
¿Te acuerdas, Rafael?
Federico, ¿te acuerdas
debajo de la tierra,
te acuerdas de mi casa con balcones en donde
la luz de junio ahogaba flores en tu boca?
¡Hermano, hermano!

Todo
eran grandes voces, sal de mercaderías,
aglomeraciones de pan palpitante,
mercados de mi barrio de Argüelles con su estatua
como un tintero pálido entre las merluzas:
el aceite llegaba a las cucharas,
un profundo latido
de pies y manos llenaba las calles,
metros, litros, esencia
aguda de la vida,
pescados hacinados,
contextura de techos con sol frío en el cual
la flecha se fatiga,
delirante marfil fino de las patatas,
tomates repetidos hasta el mar.

Y una mañana todo estaba ardiendo
y una mañana las hogueras
salían de la tierra
devorando seres,
y desde entonces fuego,
pólvora desde entonces, y desde entonces
sangre.
Bandidos con aviones y con moros,
bandidos con sortijas y duquesas,
bandidos con frailes negros bendiciendo
venían por el cielo a matar niños,
y por las calles la sangre de los niños
corría simplemente, como sangre de niños.

¡Chacales que el chacal rechazaría,
piedras que el cardo seco mordería escupiendo,
víboras que las víboras odiarían!

¡Frente a vosotros he visto la sangre
de España levantarse
para ahogaros en una sola ola
de orgullo y de cuchillos!

Generales
traidores:
mirad mi casa muerta,
mirad España rota:
pero de cada casa muerta sale metal ardiendo
en vez de flores,
pero de cada hueco de España
sale España,
pero de cada niño muerto sale un fusil con ojos,
pero de cada crimen nacen balas
que os hallarán un día el sitio
del corazón.

Preguntaréis: ¿por qué su poesía
no nos habla del sueño, de las hojas,
de los grandes volcanes de su país natal?

¡Venid a ver la sangre por las calles,
venid a verla sangre por las calles,
venid a ver la sangre por las calles!

Pablo Neruda
De España en el corazón

domingo, outubro 20

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO (16)

Albert Camus era um apaixonado pelo futebol e só não foi praticante “a sério” por razões de saúde. Era guarda redes, ao que dizem, dos bons e a escolha do lugar tem uma comezinha razão de natureza económica. É que lhe permitia gastar menos as solas das botas que a avó inspeccionava, minuciosamente, da cada vez que chegava a casa.

C'est le football qui lui a laissé les meilleurs souvenirs. Il jouait comme gardien de but dans la cour du lycée, et aussi le dimanche dans l'équipe junior du RUA, le Racing Universitaire Algérois. Certes, il n'a jamais joué dans la grande équipe première du RUA, celles des frères Couard et de Faglin. Mais il a écrit sur le foot des pages savoureuses. Il a d'abord joué un an à l'Association Sportive de Montpensier à cause d'un " ami velu " qui avait voulu suivre une fille qui dansait mal. Alors Albert s'est inscrit au Racing Universitaire puisqu'on y jouait " scientifiquement ". Il a raconté des matches mémorables contre l'O.H.D., le club d'Hussein-Dey, où les avants essayaient de l'impressionner en lui montrant le cimetière tout proche; et contre Boufarik, où il avait un avant surnommé Pastèque qui le chargeait furieusement. " Le football, a dit Gabriel Conesa, c'était notre religion ". Et Camus d'ajouter : " Ce que je sais de plus sûr sur la morale des hommes, c'est au sport que je le dois, c'est au RUA que je l'ai appris ". Et encore dans " La Chute " : " Avec le théâtre, le stade est le seul endroit au monde où je me sens innocent ".

sábado, outubro 19

VINICIUS DE MORAIS - DIA DO CENTENÁRIO

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
 
Vinicius de Morais