quinta-feira, dezembro 5

MES - FUNDADORES NO JANTAR DE EXTINÇÃO

Posted by Picasa Fotografia de António Pais

Da esquerda para a direita, Agostinho Roseta, Edilberto Moço, José Manuel Galvão Teles, António Machado, Francisco Farrica, Afonso de Barros e António Rosas. Desta vez fui capaz de os identificar a todos, sem necessidade de ajuda, como se fossem familiares próximos.

Esta é a segunda da série de fotografias, de autoria de António Pais, registando os convivas que participaram no jantar de extinção do MES em Outubro de 1981.

O grupo representado nesta fotografia tem uma característica singular: são todos fundadores do MES tendo subscrito as suas declarações inaugurais. Podem conferir aqui.

Assinalo a mistura de intelectuais licenciados com intelectuais operários. Do lado dos primeiros: J.M.Galvão Teles e Afonso de Barros; do lado dos segundos: E. Moço e A. Machado (operários da TAP), F. Farrica (operário electricista) e A. Rosas (técnico têxtil). Agostinho Roseta era o mediador perfeito.

Este é um grupo representativo para a compreensão da peculiar natureza política do MES originário: profissionais liberais, revelados pela crise estudantil de 1961, reunidos com activistas operários e sindicais, não comunistas, surgidos das lutas de base dos finais dos anos 60.

Inteligência+força+rebeldia. Ainda hão-de surgir, em próximas fotografias, as restantes componentes.

Curiosamente, nenhuma destas figuras surge na fotografia de grupo, anteriormente publicada, sendo que Afonso de Barros, tal como Agostinho Roseta, morreu prematuramente. Nada sei do António Rosas que vive, em Budapeste, na Hungria.

Pela parte que me toca não subscrevi, publicamente, nenhum documento até aos finais de 1974 por estar a cumprir o serviço militar.

[Publicado em 12 de maio de 2006 versando um tema recorrente deste blogue: o MES.]

quarta-feira, dezembro 4

D. TERESA - O ENQUADRAMENTO DE UM CONFLITO



Alguns excertos para a compreensão do papel de D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), e do conflito entre mãe e filho que assume proporções míticas na nossa história.

“Todavia, verificava-se, desde a morte de Afonso VI (1109), uma deslocação do nível em que se decidiam os problemas político-sociais dominantes, decorrentes de fenómenos de recomposição da aristocracia asturiana, leonesa, galega, castelhana ou aragonesa: antes resolviam-se na área do poder régio; a partir desses anos, a decisão passa a depender da recomposição dos poderes regionais (ou já nacionais). Com a perda da autoridade monárquica, os interesses regionais passaram a dominar o palco político, onde os protagonismos pessoais ou linhagísticos alcançam cada vez maior relevo. ”

(…)

“É neste contexto que se situa a posição de D. Teresa e dos barões portucalenses. Coloca-se o problema de saber se seguem os interesses da nobreza galega ou se procuram desempenhar um papel próprio, análogo ao de outros conjuntos aristocráticos regionais. Parece-me claro que se verifica um processo de evolução rápida a partir de um estádio caracterizado por uma certa indefinição inicial, mas que depressa se transforma como consequência da evidente oposição de interesses entre portugueses e galegos. A rainha (D. Teresa) viria a sofrer as consequências de apoiar os segundos em desfavor dos primeiros. Mas a progressiva oposição dos nobres portugueses contra os galegos só se manifesta quando se acentuam as rivalidades paralelas no plano eclesiástico. Estas já vêm desde os últimos anos do século anterior, e polarizam-se em torno da polémica entre Braga e Compostela, acentuada, agora, pelas desmedidas ambições de Gelmirez (arcebispo de Compostela), que segue a estratégia de procurar aumentar o seu poder à custa da apropriação dos direitos metropolitanos de Braga, como antiga capital da província romana da Galécia.”

In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, “1. A Juventude de um predestinado” – "Alterações do cenário político", pg. 26. (5)
 
[Publicado a 24 de maio de 2007 de uma série resultante da minha leitura da obra de José Mattoso acerca do nosso primeiro rei que muito me entusiasmou.]

terça-feira, dezembro 3

ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico)


O meu amigo Carlos Pratas, conhecedor do meu gosto pela obra de Albert Camus, deixou-me um dia destes, sem aviso, um exemplar da Revista Le Figaro dedicada, exclusivamente, ao cinquentenário da sua morte. Melhor forma de expressar a sua amizade não poderia ter encontrado e retribuo o seu gesto com a publicação de algumas das fotografias que ilustram aquela magnifica edição. Não conhecia uma parte delas e interrompo a longa série de postes musicais - um silêncio da palavra que não do espírito - para dar à estampa algumas, ou fragmentos delas, como é caso desta (na Grécia, 1958) com um excerto do texto que a acompanha:  "J´ai grandi dans la mer et la pauvreté m´a été fastueuse, puis j´ai perdu la mer, tous les luxes m´ont alors paru gris, la misère intolérable."   (É a luz da sua Argélia que irradia do seu olhar e da sua obra.)     

[Publicado a 13 de abril de 2012 - ainda a fotografia ...] 

MENSAGENS E RECADOS


Fotografia de Hélder Gonçalves
Muitas das fotografias de autor que este blogue, ao longo de quase dez anos de vida, tem publicado são do meu amigo Hélder Gonçalves. Foram as suas fotografias, retratando paisagens urbanas, que despertaram o meu interesse. Em particular as que evidenciam, e ampliam ao nosso olhar, fragmentos de cartazes, fotografias de fotografias, pichagens de parede, mensagens e recados subtis ou explícitos. Pelo décimo aniversário deste blogue o Hélder ofertou-me fotografias. Aqui vos deixo uma delas com um abraço para o autor.

NUNO BREDERODE SANTOS



Dos Caminhos da Memória

Nas vésperas do almoço de celebração do 30º aniversário da extinção do MES

Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.

Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.

Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.

Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.

O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.

Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.

Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.

Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.

O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.

[Publicado em 10 de novembro de 2011. Um dos textos que mais prazer me deu escrever para o blogue Caminhos da Memória, ainda a propósito do MES - um tema recorrente neste blogue.]

segunda-feira, dezembro 2

FORD PREFECT

Posted by Picasa Ford Prefect – Fotografia de Família

As fotografias de família confrontam-nos com as memórias. Reconciliam-nos ou antagonizam-nos connosco no contexto da família a que pertencemos. O colectivo e o individual misturam-se na poeira do tempo. São imagens que reflectem fragmentos da vida captados em fracções de segundos.

Sempre me reconcilio com a memória quando olho as fotografias de família. Na diversidade das diversas famílias a que pertenço. Outros lidam mal com elas e horrorizam-se quando vasculham no baú da memória.

A partir dos finais dos anos 40 o meu pai adquiriu três objectos de culto: a moto “Norton”, a máquina fotográfica “Kodak” e o automóvel “Ford Prefect”.

Esta é uma fotografia rara retratando um objecto: o “Ford Prefect” surge como se fosse um membro da família. Matrícula LH-14-11. Uma matrícula que, ao contrário de outras, nunca mais esqueci.

[Publicado em 14 de dezembro de 2006.]

HUMBERTO DELGADO

 
 

Voltando à conferência de imprensa do Café Chave de Ouro, de 10 de Maio de 1958, eis uma das mais importantes respostas dadas por Humberto Delgado:

“ – Se eu for eleito, o País, depois de trinta e dois anos de mordaça e de ódio, não pode logo no dia seguinte constituir-se numa democracia. Constituirei um governo de características militares, capaz de assegurar a ordem e a tranquilidade. Teremos de ter um regime de força e de técnica militar, embora o mais curto possível e sempre limitado pelo direito e pela moral, para depois se estabelecer a liberdade de imprensa e de reunião, fazer novo recenseamento eleitoral e eleições gerais."

“ – Livres?” – Perguntou alguém.

“ – Sim, Livres!” – respondeu Humberto Delgado. “Então esse regime de força retirar-se-á. O que eu quero é que o Povo exerça a soberania a que tem direito. Eu quero é passar o exercício do poder para a Nação. Devemos acabar, de uma vez para sempre, com a ideia de que há que suportar um chefe que faz tudo. O Dr. Oliveira Salazar é que criou a ideia de que tudo é feito por ele.”

[Transcrição de “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”. Omiti as notas que remetem para as fontes. Continua.]
 
[Publicado em 19 de maio de 2008, de uma série acerca do General que fez frente a Salazar, em homenagem a um português que foi assassinado por se ter revoltado contra a ditadura.]
  

domingo, dezembro 1

O Lugar do Meu Avô em Santos


Conheci os meus avós de forma diferente. Os paternos de memórias. Eram mais velhos e eu, filho tardio, cheguei tarde demais para os conhecer de perto. Compenso-me dessa ausência mantendo perto de mim uma fotografia do meu avô Dimas Eduardo Graça (Dimas é o nome de meu pai e de meu irmão mais velho, Eduardo é o meu).

Tirada em Santos, no Brasil, para onde emigrou no tempo em que os portugueses partiam em busca de uma vida melhor, a foto é majestosa pela qualidade, em si mesma, e pela figura que retrata.

Um dia de visita a S.Paulo quis visitar a rua na qual, em Santos, o meu avô Dimas tinha trabalhado numa fábrica de malas, baús, malões, ao que suponho propriedade de seu irmão.

No SESC de S. Paulo falei alto acerca da minha vontade de visitar a rua e, se possível, a fábrica ou os resquícios que dela tivessem sobrevivido. E eis que uma das presentes me diz ter vivido numa vivenda mesmo em frente da fábrica que eu procurava. E lembrar-se, em criança, das pessoas que nela trabalhavam.

No outro dia lá fui. Em plena zona industrial a rua estava tal e qual com o mesmo nome. E o número da porta também não tinha mudado. Era um armazém de fronte do qual pude observar a vivenda que me tinha sido referida.

Por ser domingo não pude entrar mas era aquele o espaço, agora ao serviço da empresa de celulares que a PT explora na região de S. Paulo, onde o meu avô tinha trabalhado boa parte da sua vida.

Regressei com o sentimento de ter cumprido uma das íntimas missão que, desde há muito, me tinha imposto a mim próprio.
 
[Publicado em 14 de dezembro de 2004 nas vésperas do 1º aniversário deste blogue.]

sábado, novembro 30

“Homenagem ao Papagaio Verde"


(...)

“Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”

Jorge de Sena
 
[Publicado em 29 de outubro de 2012. Um trecho de um dos mais belos contos de Jorge de Sena que, a seguir a Camus, deve ser o autor que mais me influenciou e inspirou para a criação deste blogue.]

O MEU IRMÃO DIMAS MORREU


O meu irmão Dimas era um “self-made-man”. Pertencia aquela rara plêiade de portugueses que triunfou na vida pelas suas próprias mãos. Com o seu trabalho. Sem golpes nem favorecimentos espúrios. Um artista de fina sensibilidade e operário na sua arte, perfeccionista, preocupado com os detalhes, homem de honra e de palavra.

Sofreu, certamente, em silêncio, os males do nosso tempo e a doença súbita que, em poucos dias, o ceifou para a vida. Eu fui um filho tardio. A sua adolescência coincidiu com a minha meninice. Sempre fui para ele “o meu menino”. O meu irmão Dimas raramente dizia palavras de circunstância. Nem era homem de grandes manifestações públicas de afecto. Mas eu sempre senti o halo da sua secreta afeição e solidariedade.

A imagem que dele guardo, para sempre, está neste retrato a preto e branco. A família completa posa para a Kodak de meu pai. No Jardim da Alameda, em Faro. Respira-se um ar de felicidade e o meu irmão, adolescente, deixa perceber a sua elegância. Eu empoleiro-me no banco na hora do disparo. A máquina, suspensa num tripé, accionada por meu pai, deixa passar aqueles segundos que ainda lhe permitem tomar o lugar no retrato.

Reparo nas roupas domingueiras que todos envergávamos. O meu olhar e o de minha mãe pousam, certeiros, na objectiva. Os olhares de meu pai e de meu irmão pousam em algo, ou alguém, ligeiramente ao lado. Simétricos dois a dois. Reparo na expressão feliz do seu rosto e na sua esguia mão.

Que dia terá sido aquele? Um aniversário? Um dia de festa? Um momento para todo o sempre.

[Publicado em 1 de março de 2005. Um dos mais sofridos textos que escrevi nos dez anos deste blogue.]

ESQUERDA SOCIALISTA - Nº 1


E como estamos em véspera do 1º de Maio aqui fica o número um do “Esquerda Socialista” jornal do Movimento de Esquerda Socialista, disponível na Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa. Pode ser folheado aqui.

O jornal foi dado à estampa tardiamente – 16 de Outubro de 1974 – e o seu design gráfico, tal como o símbolo do MES, são de autoria do Robin Fior. O seu primeiro director foi o César de Oliveira. Antes, pela passagem do 1º aniversário do golpe militar que derrubou Allende, no Chile, 11 de Setembro, já tinha saído o nº0 com uma tiragem de loucura! Aí uns 100 000 exemplares, ou estou enganado? [Post corrigido.]
 
[Publicado em 30 de abril de 2008. De um conjunto alargado de referências ao MES que fui fazendo ao longo destes 10 anos de existência do blogue. Um dia faço algo mais.]

sexta-feira, novembro 29

CARLA BRUNI

 
QUE VIVA A REPÚBLICA!

[Dedicada aos puristas daqui através daqui] 
 
[Publicado em 24 de janeiro de 2008.] 

quinta-feira, novembro 28

ALBERT CAMUS - O DIA DO NOBEL CINQUENTA ANOS DEPOIS



Quando soube da atribuição do Prémio Nobel “pela sua importante obra literária, que foca com penetrante seriedade os problemas que se colocam nos nossos dias à consciência dos homems”, Albert Camus escrevu nos Cadernos: “Prémio Nobel: estranho sentimento de desânimo e melancolia. Aos vinte anos, pobre e nu, conheci a verdadeira fama” .

Camus afirmou então que o Prémio deveria ter sido atribuido a André Malraux e manifestou dúvidas acerca da sua própria capacidade e força criadora que sempre o atormentaram. Após o anúncio da atribuição do Nobel sujeitou-se a ataques odiosos, que o não deixaram indiferente e comentou: “Assustado com aquilo que me acontece e que não pedi. E, para cúmulo, ataques tão infames que o coração se me aperta.”(Cadernos).

Mas Camus, segundo todos os testemunhos, não podia, nem queria, recusar o Prémio. Telefonou, de imediato, à mãe, que sempre viveu na Argélia, como que a agradecer à sua origem a honra que lhe tinha batido à porta. Escreveu a Jean Grenier, o seu professor e mentor intelectual : “(…) quando recebi a notícia, o meu primeiro pensamento foi, depois de minha mãe, dirigido ao senhor. Sem o senhor, sem essa mão efectuosa que estendeu à criança pobre que eu era, sem a sua instrução e o seu exemplo nada disto tinha acontecido.” (citado a partir de Roger Quilliot).

René Char, um amigo de todas as horas, não cabia em si de contente e manifesta esse contentamento de várias formas incluindo um artigo publicado, logo em 26 de Outubro de 1957, no Figaro littéraire, intitulado “Je veux parler d’ un ami”.

No ínicio de Dezembro de 1957 Camus partiu com a mulher, Francine, para Estocolmo e, em todas as suas aparições em público, tinha a consciência que devia estar preparado para ser atacado a propósito da sua discrição a respeito do conflicto na Argélia que estava no auge.

Albert Camus , a 10 de Dezembro de 1957, passam hoje 50 anos, recebeu das mãos do Rei Gustavo VI da Suécia o diploma e, no banquete que se seguiu, proferiu o seu discurso de agradecimento. Logo num dos dias seguintes escreveu a Jean Grenier descrevendo, de forma sintética, o que sentia: “A corrida acaba, o touro está morto, ou quase.

Albert Camus – discurso de 10 de Dezembro de 1957

Dircurso pronunciado, segundo a tradição, na Câmara Municipal de Estocolmo, no fim do banquete que encerrava as cerimónias da atribuição dos Prémios Nobel. (Versão integral em francês.)

Alguns excertos:

Je ne puis vivre personnellement sans mon art. Mais je n'ai jamais placé cet art au-dessus de tout. S'il m'est nécessaire au contraire, c'est qu'il ne se sépare de personne et me permet de vivre, tel que je suis, au niveau de tous. L'art n'est pas à mes yeux une réjouissance solitaire. Il est un moyen d'émouvoir le plus grand nombre d'hommes en leur offrant une image privilégiée des souffrances et des joies communes.
(...)
C'est pourquoi les vrais artistes ne méprisent rien ; ils s'obligent à comprendre au lieu de juger. Et s'ils ont un parti à prendre en ce monde ce ne peut être que celui d'une société où, selon le grand mot de Nietzsche, ne règnera plus le juge, mais le créateur, qu'il soit travailleur ou intellectuel.
(...) l'écrivain peut retrouver le sentiment d'une communauté vivante qui le justifiera, à la seule condition qu'il accepte, autant qu'il peut, les deux charges qui font la grandeur de son métier : le service de la vérité et celui de la liberté. Puisque sa vocation est de réunir le plus grand nombre d'hommes possible, elle ne peut s'accommoder du mensonge et de la servitude qui, là où ils règnent, font proliférer les solitudes. Quelles que soient nos infirmités personnelles, la noblesse de notre métier s'enracinera toujours dans deux engagements difficiles à maintenir : le refus de mentir sur ce que l'on sait et la résistance à l'oppression.
(...)
Ces hommes, nés au début de la première guerre mondiale, qui ont eu vingt ans au moment où s'installaient à la fois le pouvoir hitlérien et les premiers procès révolutionnaires, qui furent confrontés ensuite, pour parfaire leur éducation, à la guerre d'Espagne, à la deuxième guerre mondiale, à l'univers concentrationnaire, à l'Europe de la torture et des prisons, doivent aujourd'hui élever leurs fils et leurs œuvres dans un monde menacé de destruction nucléaire.
(...)
Chaque génération, sans doute, se croit vouée à refaire le monde. La mienne sait pourtant qu'elle ne le refera pas. Mais sa tâche est peut-être plus grande. Elle consiste à empêcher que le monde se défasse.
(...)
Je n'ai jamais pu renoncer à la lumière, au bonheur d'être, à la vie libre où j'ai grandi. Mais bien que cette nostalgie explique beaucoup de mes erreurs et de mes fautes, elle m'a aidé sans doute à mieux comprendre mon métier, elle m'aide encore à me tenir, aveuglément, auprès de tous ces hommes silencieux qui ne supportent, dans le monde, la vie qui leur est faite que par le souvenir ou le retour de brefs et libres bonheurs.

Ramené ainsi à ce que je suis réellement, à mes limites, à mes dettes, comme à ma foi difficile, je me sens plus libre de vous montrer pour finir, l'étendue et la générosité de la distinction que vous venez de m'accorder, plus libre de vous dire aussi que je voudrais la recevoir comme un hommage rendu à tous ceux qui, partageant le même combat, n'en ont reçu aucun privilège, mais ont connu au contraire malheur et persécution. Il me restera alors à vous en remercier, du fond du cœur, et à vous faire publiquement, en témoignage personnel de gratitude, la même et ancienne promesse de fidélité que chaque artiste vrai, chaque jour, se fait à lui-même, dans le silence.
 
 
[Publicado em 10 de dezembro de 2007.]
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ANDRÉ GORZ



                                               André Gorz et D., devcant l'usine Renault-Billancourt. Février 1947.
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Ler aqui e aqui.
 
[Publicado em 25 de setembro de 2007. Uma notícia que muito me tocou.]

quarta-feira, novembro 27

EMÍLIO CAMPOS COROA (outra vez)


Emílio de Campos Coroa – Pormenor da medalha evocativa da inauguração da sede do INATEL em Faro – “Casa Emílio de Campos Coroa”

Um dia muitos anos atrás, por iniciativa do meu irmão que achava que eu devia participar em actividades culturais para me ilustrar, ocupando o tempo e gastando as energias, entrei para o grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve, companhia amadora, dirigida, em Faro, pelo médico oftalmologista Emílio de Campos Coroa.

Já não é a primeira vez que me refiro a essa personagem fascinante que era o Dr. Coroa, um humanista desabrido, democrata da escola coimbrã, capaz de abrir caminhos por entre os mais duros obstáculos, um homem excessivo em tudo, inclusive como fazedor de obras difíceis.

Ele fez com que eu subisse ao palco, decorasse papéis, colocasse a voz e me afeiçoasse, o melhor possível, às personagens que me distribuía a maioria das quais criações de Gil Vicente aquele que dizem ter sido o criador do teatro português.

Um dia, muito mais tarde, dei comigo a pensar por que carga de água não existe em Portugal um teatro que se dedique em permanência a pôr em cena a obra vicentina que haveria de ser o Teatro Nacional D. Maria mas não é nem, quase certamente, será no futuro.

O teatro de Gil Vicente não cabe nos nossos teatros como no nosso país não cabem os grandes talentos que nele minguam à falta de espaço ou se retiram com descrição, ou estrondo, para a estranja.

E é isto que me soe dizer neste dia mundial do teatro que tantas prazeres me deu, e dá, e fascínio me suscitou, e suscita, quando dele me aproximo e nas suas diversas facetas se apresenta, com autenticidade, representando a vida das gentes e as tramas das sociedades. Bem hajam os criadores!

[Publicado a 27 de março de 2007, Dia Mundial do Teatro.]

JORGE CORVO

Posted by Picasa Jorge Corvo (Fotografia de “A Defesa de Faro”)

Julgo não me enganar na identificação do ciclista: Jorge Corvo. Neste fim-de-semana percorri as estradas que ele conhece como ninguém. Ali perto da casa de meus avós no tempo das amendoeiras em flor que em vez do tapete branco de antigamente agora se apresentam como simples pontos esparsos na paisagem mediterrânica.

Jorge Corvo foi um herói que nunca subiu ao trono. Por três vezes foi 2º classificado na Volta a Portugal em bicicleta (1959, 63 e 64) e na Volta de 1963 perdeu por 25 segundos para João Roque. Sempre fiquei com a impressão que jamais seria possível um ciclista de um pequeno clube ganhar a Volta.

Esta fotografia foi tirada pelo meu irmão numa etapa qualquer, certamente no Algarve, de uma competição ciclista. O meu irmão gostava da fotografia e nesta casou de forma feliz a moldura do entusiasmo popular com o esforço tranquilo do campeão que o foi sem nunca o ter sido.

[Publicação de 29 de janeiro de 2007 na qual se casa a evocação de um anti herói  do ciclismo algarvio, e português, com a memória do meu irmão.]

terça-feira, novembro 26

MES

Posted by Picasa Fotografia de António Pais
(Clique na fotografia para ampliar)

Esta fotografia, da colecção de António Pais, retrata um momento de descanso do IV Congresso do MES (1979). Eu próprio surjo nela, ao centro, com o Diomar Santos e o Eduardo Ferro Rodrigues. Tinha deixado de fumar cigarros dois anos antes e dedicava-me ao cachimbo arte que, entretanto, abandonei.

Este foi o derradeiro Congresso do MES e aquele que, de facto, abriu o caminho para a sua extinção. No I Congresso era inevitável a vitória da linha “esquerdista” e no último era previsível a vitória da linha “moderada” ou “liquidacionista”.

Pensando bem no MES todas as decisões políticas decisivas foram tardias. Tardio foi o I Congresso, realizado só oito meses após o 25 de Abril, e ainda mais tardio foi o jantar de extinção realizado mais de dois anos após o IV, e último, Congresso.

Mas, apesar de todas as hesitações e derivas, fomos capazes, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos determinada, de tomar uma decisão historicamente relevante no universo partidário da III República: assumir, aberta e frontalmente, o esgotamento político de um projecto partidário. Vamos ver quanto tempo passará até que aconteça algo de semelhante na política portuguesa.
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O IV Congresso do MES realizou-se em 8 de Julho de 1979.
 
[Publicado em 25 de novembro de 2006. O MES, a as suas memórias, sempre um dos temas presentes neste blogue.]

segunda-feira, novembro 25

EMÍLIO CAMPOS COROA

Posted by Picasa Fotografia de “A Defesa de Faro”

Emílio Campos Coroa, médico oftalmologista, era um amante do teatro. Formado na escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo Quintela, era casado com a Dra. Amélia, minha professora de liceu, uma mulher sensível e actriz de grande talento.

Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.

De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.

Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.

Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.

Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.

Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.

Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.

[Publicado em 12 de outubro de 2006. Uma das memórias mais presentes na minha vida.]

domingo, novembro 24

RUY BELO

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

(…)

Sou homem de palavra e hei-de cumprir tudo
hão-de encontrar coerência em cada gesto meu
Ser isto e não aquilo, amar perdidamente
alguém alguma coisa as cláusulas do pacto

(…)
 

 
Ruy Belo

ÁCIDOS E ÓXIDOS
Boca Bilingue


[Publicado a 28 de fevereiro de 2006. De uma longa série de poemas e excertos da poesia de Ruy Belo, publicados neste blogue, um dos maiores poetas de língua portuguesa.]

sábado, novembro 23

ARISTOCRACIA

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Reparei sem dificuldade, a propósito do segundo aniversário do absorto, que ele é reconhecido como um “blogue camusiano”. Mais do que qualquer outro tema avulta este sinal de identidade. Não esperava tamanha espessura alcançada por esta manifestação de interesse por Camus que me acompanha desde a adolescência.

Mas atenção que, por detrás desta quase obsessão, se encontram diversas perplexidades, senão mesmo contradições, em particular, no que respeita à relação do seu pensamento com a esquerda do seu e do nosso tempo.

Camus rompeu com a ortodoxia do pensamento da esquerda, dominado pelos comunistas, marcando, com a sua obra, um caminho de incessante busca da perfeição e da verdade que não se compadeceu com qualquer obediência de natureza política ou ideológica.

Nada me opõe à fidelidade a princípios, antes pelo contrário, mesmo que tenham as suas raízes numa filiação partidária ou fé ideológica, desde que não ceguem no homem a capacidade da busca da verdade, da liberdade e da justiça.

Nas batalhas da vida e da política, por vezes, precisamos de afirmar a nossa fidelidade à herança ideológica que se encontra depositada no mais fundo de nós. Reconhecendo os defeitos de qualquer escolha, seja ela qual for, arriscamos escolher e aceitando o risco da escolha, mostramos o valor da tolerância.

Eu escolho Mário Soares não tanto por uma razão de fidelidade pessoal, pois não partilho qualquer interesse material ou relação pessoal com ele, mas porque me permite aderir ao essencial de uma ideia do homem e do mundo que, no fundo, sempre foi a minha. Sei que todos os políticos têm defeitos e contra cada um deles se movem montanhas de ressentimentos.

Eu ataco Cavaco para defender Soares. Tenho que aceitar que ataquem Soares para defender Cavaco. Mesmo Vasco da Graça Moura quando ataca Soares violentamente, confirmando a importância de Soares, integra plenamente o jogo democrático que suporta pior os silêncios manhosos do que os ruídos estridentes.

Mas partilho essa ideia antiga que nos diz que devemos aceitar partilhar os defeitos dos outros para que possamos ser aceites, por eles, com os nossos próprios defeitos. Coloco-me do outro lado da virtude pura que, quando proclamada como bandeira política, conduz, quase sempre, à tirania.

Revejo-me, nas minhas deambulações pelas dúvidas acerca do destino imediato da comunidade nacional, tomando partido, optando, escolhendo e recusando, nesta reflexão de Camus que, apesar de se referir a um século que já passou, se mantém, plenamente actual:

“Quoi qu´il prétende, le siècle est à la recherche d´une aristocratie. Mais il ne vois pas qu´il lui faut pour cela renoncer au but qu´il s´assigne hautement: le bien-etre. Il n´y a d´aristocratie que du sacrifice. L´aristocrate est d´abord celui qui donne sans recevoir, qui s´oblige. L´Ancien Régime est mort d´avoir oublié cela.”
 

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
 
[Publicado em 29 de dezembro de 2005. Curiosa reflexão acerca do 2º aniversário do absorto e dos ecos do que terei publicado a propósito. Qualquer semelhança com acontecimentos da atualidade é pura coincidência. No fundo reflito acerca do tema da tolerância cujo valor é insubstituível em qualquer época.]