Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, março 5
A PERFEIÇÃO DO NADA
Fotografia de Hélder Gonçalves
Um poeta morre e os jornais choram,
soluçam os amigos do homem e aquela
que o amou e as que não o esqueceram.
Alcançou enfim a eternidade, ele. Tanto
lhe faz já este ano ou o próximo, os vinte
séculos da nossa civilização ou o fim dela
e de nós todos. Agora ele senta-se à beira
das florestas irreais do sonho, perto dos
lagos. O conceito de tempo é-lhe inacessível,
já não limita a sua ideia do real. Deixou-nos
as palavras arrumadas nos livros, trabalho
ou prazer apurados. Contou-nos episódios
da sua experiência, mesmo quando nada
tinham a ver com a sua biografia real. Não
há nada mais irrisório do que aspirar a
escrever um poema sobre o poeta
que acaba de morrer. O tempo, só ele,
o ressuscitará, antes de deixá-lo de novo
esquecido na poeira dos séculos. Inexistente
o que um dia existiu. De que serve os
outros falarem de nós? Viver e construir
a nossa morte com sabedoria. Só isso
conta. Será verdade que as palavras
deixaram de cumprir o seu dever? Pode
não ser. No mundo que o poeta organizou
pedaços de si foram-nos legados como aviso
e consolação. Agora, depois dos últimos
dias de sofrimento, o poeta descansa enfim
em paz, longe do desejo e do remorso.
Atingiu a perfeição insensível do nada.
João Camilo, in “A Ambição Sublime”, Fenda
.
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2 comentários:
E as palavras continuam a cumprir a sua missão : a consolação.
Obrigada.Gosto também muito da fotografia(deve ser na Junqueira)
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