Eu nasci no tempo da escassez, sou um “baby boomer”, ou seja, nascido no período imediatamente posterior à 2ª Grande Guerra.
Os meus pais eram camponeses remediados que "emigraram" para a cidade, logo após o casamento, em busca de uma vida melhor. O meu pai enveredou pelo comércio e no tempo da guerra acumulou riqueza que, à sua escala, permitiu que a família alcançasse um padrão de vida próprio da “classe média” da época.
Apercebi-me da existência do dinheiro por ver o meu pai fazer as contas da receita do dia. Eram muitas moedas que separava e juntava fazendo rolos em papel com quantias certas, escriturando, ao mesmo tempo, as importâncias que somava à mão.
Os rolos eram criteriosamente organizados e, depois de separada uma parte para as despesas da casa, depositados no Banco. Até à alta adolescência não me cabia qualquer parte desse bolo. Não havia mesada.
Os anos 40/50 do século passado foram uma época de uma espécie de “aforro forçado” e aprendi que o dinheiro era um bem sagrado e raro, destinado mais à poupança que ao consumo. Somente na alta adolescência, já em outra fase dos negócios da família, me foi permitido o acesso ao dinheiro. Acesso livre e sem restrições.
Curiosamente sempre me deram, em família, o privilégio desse acesso sem necessidade de qualquer controle, já que havia um contrato não escrito fundado na confiança. Nunca ninguém me ralhou por gastar de mais, nem se condoeu por gastar de menos.
O aforro assumiu, como contraparte à moderação do consumo por opção própria, a face mais importante da minha educação financeira.
Uma das questões centrais que se colocam às organizações de todas as naturezas, mesmo as que lidam com atividades do chamado não mercado (entre as quais as organizações que atuam na área social), é a autossustentabilidade.
Ainda antes da questão da poupança, mas em interligação com ela, surge a necessidade de cuidar de prover de forma criteriosa à cobertura dos encargos e dos riscos de toda e qualquer atividade ou negócio. Assume, de novo, uma importância central a questão do crédito, pela escassez e preço do mesmo, devolvendo à agenda dos gestores questões antigas, e que alguns julgavam obsoletas, como a do valor do capital próprio, a capacidade de gerar excedentes, ou lucros, para afetar a reservas, a solvabilidade, a confiança como valor de mercado, a solidariedade como valor humano do que alguns começam a apelidar de valores da economia social de mercado.
Os valores e princípios da economia social solidária, entre os quais avultam os da cooperação e da solidariedade, têm ganho “direito de cidade”, assomam nos discursos e preocupações dos economistas de referência, explodem em notoriedade com as intervenções públicas do Papa Francisco (de leitura obrigatória!), relativizando o valor do dinheiro e resgatando o valor do Homem.
Neste contexto de mudança, de contornos ainda mal definidos, a escassez associada à valorização do fator trabalho gera, como todos os especialistas sabem, uma revalorização da poupança associada à necessidade de cuidar cada vez com mais cuidado e atenção da autossustentabilidade.
Não sou capaz de dar conselhos de poupança mas tão-somente de sugerir um investimento mais forte, duradouro e estruturado na educação para um consumo criterioso e moderado, não só por imposição de critérios políticos de austeridade macro, com profundas implicações micro, mas, mais importante, por imperativos de uma filosofia de vida em sociedade orientada no combate ao desperdício e à plena utilização dos recursos disponíveis.
[Um testemunho para a revista digital do Montepio acerca do tema poupança no qual introduzo uma pequena correção pois podia dar a ideia que os meus pais emigraram para o estrangeiro e o que queria dizer é que "emigraram" para a cidade.]
2 comentários:
Ainda recentemente, num encontro que tive com "jovens" que rondavam os 75/85 anos, mas que continuam bastante activas, ouvi alguém ter a seguinte conversa:
- " No tempo dos meus Pais e do meu, afinal, éramos pobres, em comparação com as pessoas da cidade, mas não passávamos fome. O cultivo da terra e os animais que criávamos em casa, bastavam para o nosso sustento. Não havia luxos e eu só mais tarde, depois de casada, continuei os estudos. Mas naqueles tempos os velhotes deixavam terras, pinhais, ouro, e demais bens aos seus herdeiros.
E agora? Nem pinhais, nem casas, nem ouro. Ninguém consegue comprar!
Se me perguntarem, gostava muito mais daqueles tempos. Não se podia falar, livremente, é verdade, mas a quem afinal interessava isso? Os que lutaram por isso estão ricos e gordos. E o Povo? Como ficou? E continuamos a não poder falar. Se lhe chamarmos ladrões e corruptos na cara, corremos o risco de ser processados e pagar por isso.
Que futuro deixamos aos nossos netos e vindouros?"
Olhei aqueles olhos triste e cheios de lágrimas. 80 anos vividos e tão cheios de preocupação pelo futuro dos netos e pelos vindouros.
E fiquei a saber que, um dos filhos, professor universitário, estava desempregado. A nora, que luta com uma doença grave, precisa de cuidados que eles não têm dinheiro. Os filhos desses filho, ambos formados, um deles distribui comida numa mota por conta de um restaurante e o outro, trabalha num táxi de noite, mas está em vias de perder esse emprego, porque ninguém anda de táxi e muito menos de noite. Para que estudaram tanto e gastaram tanto dinheiro a fazerem os cursos? (pergunta-me ela)
É agora ela, com a pensão de viuvez e a reforma que detém por anos de trabalho, que mantém a casa do filho... e chora porque "lhe andam a mexer naquele dinheiro sem lhe dizerem nada. Só sabe as notícias pela TV. E quem não vê Tv, como sabe porque motivo lhes retiram o dinheiro?"
Pois... nos tempos da "outra senhora" era mau... era mau... mas deu ao mundo os actuais políticos que estão a encher os bolsos à custa do Povo...
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