Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, março 30
A VIDA QUOTIDIANA EM TABLÓIDES - 25 de abril - 40 anos, 59
Fotografia de Hélder Gonçalves
À porta do meu Banco no patamar, acocorados, um e uma,
vendem a pele de uns pratos encardidos
mesmo no traço que já lhes deu flores garridas.
Eles escorriam chuva, que chovia, para a louça. Eles nem devem ter sangue
pela tez lustrosa da porcelana dos seus olhos de caveira.
(Até faz rir, leitor, coisa tão triste.)
Um fio de mar, parece-me, inclinava a terra num poço de luz
silenciosa. O vulto que chegou de motorizada pela mão
esconde as dunas, a vaguear com a madeira torcida
que encontrou. Esconde-se de si, todos o vêem.
Ouvimos rádio, com o guiador colado ao jornal, os joelhos afastados,
uns outros num carro sem ruído, depois com a boca ranhosa diz palavrões
e afasta-se alheio a tudo.
Nos corredores das lojas a passear, lá em cima,
arrasta um calçado encharcado, um saco de plástico que verte.
Quando lhe tocam, sujam-se, mais rápidos caminham fazendo um esgar doentio.
Não tardará que o homem de farda lhe indique a saída.
Há boas acções e acções más, dizia-me (parece da religião, mas é da bolsa que fala).
No mesmo dia ganhava sempre, a comer brioches, teve azar.
(Quem espera de mim, ó céus, seu funcionário?)
José Emílio-Nelson
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