Mostrar mensagens com a etiqueta CAMUS - SUBLINHADOS ANTIGOS- 1ª SÉRIE. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta CAMUS - SUBLINHADOS ANTIGOS- 1ª SÉRIE. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, fevereiro 20

Cadernos de Camus - 9



Esta é a última parte dos meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos de Camus. Esta leitura foi iniciada, certamente, antes de Abril de 1968, tinha eu a idade de 20 anos.

Os sublinhados que se apresentaram, com pequenas alterações de pormenor e raras supressões, foram assinalados nos livros, de forma "assassina", a esferográfica. Os livros, no entanto, sobreviveram e, recentemente, foram restaurados e encadernados a capa dura. Estão em condições de serem legados ao meu filho pois tenho a ambição de que um dia os venha a ler.

Com esta nona parte, segundo a minha nemeração, chega ao fim a estimulante tarefa que me foi suscitada pela ideia do José Pacheco Pereira. Mas devo confessar que um projecto semelhante a este, antes do surgimento dos Blogs, já me tinha, por diversas vezes, assaltado a imaginação. Esta minha participação suscitou, para minha surpresa, uma mal disfarçada "azia" em algumas pessoas que devem viver ainda no tempo da "noite fascista" e persistem em separar os campos políticos e ideológicos com base em preconceitos e mal ultrapassadas relações com os respectivos pais. Há gente adulta e com responsabilidades na vida pública pública portuguesa que ainda não saíu das "cavernas" e suspeito que delas não sairá jamais. Paz à sua alma!

Esta é uma daquelas tarefa que me deu prazer autêntico, quer pelo facto de poder partilhar uma leitura de toda a vida, quer por me ter sentido, não raras vezes, surpreendido pela actualidade das referências contidas nos excertos que reli. Continuo a sentir hoje a mesma adesão de fundo à filosofia de vida e de sociedade que, no essencial, Camus defende e que, de forma peculiar, foi explicitada nos Cadernos.

Além do mais devo confessar que este é, desde a minha juventude, um "livro de cabeceira" que, naturalmente, não li todos os dias mas que sempre esteve presente na minha vida mesmo quando os impulsos de uma desinteressada militância cívica e política exigiram, e continuam a exigir, a tomada de opções difíceis ou mesmo dolorosas.

Não sei ao certo qual o caminho que este projecto tomará mas, a partir de um dado momento, as participações numa empresa séria desta natureza carecem de ser enquadradas por uma metodologia e por objectivos precisos sem os quais cada um de nós se sentirá decerto constrangido. Estou disponível para aprofundar a minha participação.

Eis os meus últimos sublinhados do caderno nº 6 nos quais se inclui aquele que sempre me tem acompanhado e que constitui, para mim, um lema de vida: "os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade":

"Não se deve julgar um homem nem pelo que diz, nem pelo que escreve, segundo Beyle. Eu acrescento: nem pelo que faz."
(Camus deve referir-se a Marie Henri Beyle, ou seja, STANDHAL)

"Começa-se por não amar ninguém. Depois amam-se todos os homens em geral. A seguir apenas alguns, depois uma única e depois o único."

""Alexandre Block.
...
Só uma compaixão total pode produzir uma mudança. Reajo assim porque a minha consciência não está tranquila.""
(Escrevi dois pontos de interrogação)

"É pela recusa de uma parte deste mundo que este mundo é habitável? Contra o amor fati. O homem é o único animal que recusa ser o que é."

"Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade".

"Num mundo que já não crê no pecado, é o artista que está encarregado da pregação. Mas se as palavras do padre produziam efeito era porque o exemplo as alimentava. O artista esforça-se por se tornar num exemplo. Eis porque o fuzilam ou o deportam, com grande escândalo seu. E depois a virtude não se aprende tão depressa como o manejo da metralhadora. O combate é desigual."

"Enquanto o homem não domina o desejo, nada dominou. E não o domina quase nunca."

"Ensaio. Introdução. Porquê recusar a delação, a polícia, etc. .. se não somos nem cristãos nem marxistas. Não temos valores para isso. Enquanto não tivermos encontrado fundamento para esses valores, estamos condenados a escolher o bem (quando o escolhemos) de maneira injustificável. A virtude será sempre ilegítima até esse momento."

""A revolução de 1905 principiou pela greve de uma tipografia moscovita cujos operários pediam que os pontos e as vírgulas fossem contados como caracteres na avaliação "por peça".
O Soviete de Saint-Peterburgo em 1905 apela para a greve aos gritos de abaixo a pena de morte.""

""Durante a Comuna de Moscovo, na Praça Trubnaia, perante um edifício destruído pelos canhões, um prato contendo um pedaço de carne humana é exposto com um cartaz com a seguinte inscrição: "dai o vosso óbolo para as vítimas.""

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).








sábado, fevereiro 14

Cadernos de Camus - 8



O Caderno n.º 6, integrado, na edição portuguesa, no volume Cadernos III, respeita ao período que decorre entre Abril de 1948 e Março de 1951.
Os sublinhados desde caderno n.º 6 serão divididos em duas partes para efeitos de inserção nos Cadernos de Camus. Eis a primeira parte dos mesmos:

"Arte moderna. Encontram o objecto porque ignoram a natureza. Refazem a natureza e não lhes resta outro recurso porque a esqueceram. Quando esse trabalho estiver concluído, começarão os grandes anos."

""Sem uma liberdade ilimitada de imprensa, sem uma liberdade absoluta de reunião e de associação, o domínio de largas massas populares é inconcebível" (Rosa Luxemburgo - A Revolução Russa).""

""Salvador de Madariaga: "A Europa só recobrará os seus sentidos quando a palavra revolução evocar vergonha e não orgulho. Um país que se ufana da sua gloriosa revolução é tão fátuo e absurdo como um homem que se ufanasse da sua gloriosa apendicite."
Verdade num certo sentido, mas discutível.""

"Segundo Richelieu, os rebeldes, sendo em tudo iguais, são sempre menos fortes do que os defensores do sistema oficial. Por causa da má consciência."

""G. Greene: ...
Id. "Para quem não crê em Deus, se as pessoas não forem tratadas segundo os seus méritos, o mundo é um caos, é-se levado ao desespero""
(Sublinhado parcial de um conjunto de citações de G. Green. No final escrevi: "Atenção")

"Peça. O Orgulho. O orgulho nasce no meio das trevas"

"Os artistas querem ser santos, não artistas. Eu não sou um santo. Queremos o consentimento universal e não o teremos. Então?"
(Escrevi "Poema José Gomes Ferreira" cuja Poesia I, de 1948, deveria andar a ler)

""Título da peça. A inquisição em Cádis. Epígrafe: "A Inquisição e a Sociedade são os dois grandes flagelos da verdade." Pascal""

"Dilaceração por ter aumentado a injustiça julgando-se servir a justiça. Reconhecê-lo pelo menos e descobrir então essa dilaceração maior: reconhecer que a justiça total não existe. Ao cabo da mais terrível revolta, reconhecer que não se é nada, isso é que é trágico."

"Gobineau: Não descendemos do macaco, mas aproximamo-nos dele a toda a velocidade."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).










segunda-feira, fevereiro 9

Cadernos de Camus - 7


Estes são os últimos sublinhados do Caderno nº5 para os Cadernos de Camus. Neste conjunto de excertos acrescentei um único texto não sublinhado na minha leitura de juventude. É exactamente o que encerra o Caderno n.º5. Acrescento uma remissão para LUKÁCS, referido no conjunto anterior, para quem estiver interessado em o conhecer ou revisitar.

""O que existe na Rússia é uma liberdade colectiva "total" e não pessoal. Mas que é uma liberdade total? É-se livre de alguma coisa - em relação a. Visivelmente, o limite é a liberdade em relação a Deus. Vê-se então claramente que essa liberdade significa a sujeição ao homem.""

"Peça Dora: Se tu não amas ninguém, isso não pode vir a acabar bem."
(Mais uma vez a peça "Os Justos", assim como nalguns excertos que surgirão a seguir.)

""Quantos eram os membros da "Vontade do povo"? 500. E o Império Russo? Mais de cem milhões.""
(Sublinhei somente "500")

""Vera Figner: "Eu devia viver, viver para ser julgada, pois o processo coroa a actividade do revolucionário.""

""Peça. Dora ou outra: "Condenados, condenados a serem heróis e santos. Heróis à força. Por isso não nos interessa, compreendem, não nos interessam nada os sórdidos negócios deste mundo envenenado e estúpido que se pega a nós como visco. - Confessai, confessai-o, que o que vos interessa são os seres e o seu rosto... E que, pretendendo procurar uma verdade, não esperais no fim de contas senão amor.""

"É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos."

"Formas e revolta. Dar uma forma aquilo que é informe, é o fim de toda a obra. Não há apenas criação, mas correcção (ver mais acima). Daí a importância da forma. Daí a necessidade de um estilo para cada assunto, não de todo diferente porque a língua do autor é sempre sua. E é justamente esta que fará quebrar não a unidade deste ou daquele livro mas a da obra inteira."

"Retirei-me do mundo não porque tivesse inimigos, mas porque tinha amigos. Não que eles não me fossem prestáveis como é habitual, mas julgavam-me melhor do que sou. É uma mentira que eu não posso suportar"

"Para os cristãos, a Revelação está no início da história. Para os marxistas, está no fim. Duas religiões."
(Coloquei ? no fim da frase)

"Pequena baía antes de Tenés, na base de uma cadeia de montanhas. Semicírculo perfeito. Ao cair da noite uma plenitude angustiada plana sobre as águas silenciosas. Compreende-se então porque é que os Gregos formaram a ideia do desespero e da tragédia sempre através da beleza e do que nela há de opressivo. É uma tragédia que culmina. Ao passo que o espírito moderno produz o seu desespero a partir da fealdade e do medíocre.
É o que Char quer dizer talvez. Para os Gregos, a beleza é o ponto de partida. Para um europeu, é um fim, raramente atingido. Não sou moderno."

"Verdade deste século: À força de vivermos grandes experiências, tornamo-nos mentirosos. Acabar com tudo o mais e dizer o que tenho de mais profundo."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).





segunda-feira, fevereiro 2

Cadernos de Camus - 6



Estes não são os últimos sublinhados no Caderno n.º5 pois resolvi, por demasiado extensa, dividir em duas partes os excertos para inserir nos Cadernos de Camus. Como em anteriores excertos há casos de citações de citações. Hesitei na forma da sua apresentação. Tentei sempre ser o mais claro possível colocando-me do lado do leitor destas notas.

Omito nesta série de sublinhados a transcrição de um excerto por ser demasiado longo e apresentar uma configuração que não se enquadra bem com este formato. Não resisti a acrescentar, em contrapartida, o único excerto não sublinhado, que surgirá na próxima entrada, que é exactamente aquele que encerra o Caderno n.º5, do volume Cadernos III (edição portuguesa), respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Palante diz com razão que se há uma verdade una e universal, a liberdade não tem razão de ser."

"É como se fosse absolutamente necessário escolher entre o aviltamento e o castigo."

"Mas ninguém é culpado absolutamente, não se pode pois condenar ninguém absolutamente I) aos olhos da sociedade 2) aos olhos do indivíduo."

""Sócrates atingido por um pontapé. "Se um burro me tivesse batido iria porventura apresentar queixa?" (Diógenes Laércio, II, 2I)""

""Para Schopenhaurer : a existência objectiva das coisas, a sua "representação" é sempre agradável, ao passo que a existência subjectiva é sempre dor.
"Todas as coisas são belas à vista e terríveis no seu ser, donde a ilusão, tão corrente e que sempre me impressiona, da unidade exterior da vida dos outros.""

""Problema da transição. Deveria a Rússia passar pelo estádio da revolução burguesa e capitalista, como o exigia a lógica da história? Neste ponto só Tkatchev (com Netchaev e Bakunine) é o predecessor de Lénine. Marx e Engels eram mencheviques. Eles só tinham em vista a revolução burguesa futura.
As constantes discussões dos primeiros marxistas sobre a necessidade do desenvolvimento capitalista da Rússia e a sua tendência para acolherem esse desenvolvimento. Tikhomirov, velho membro do partido da vontade do povo, acusa-os de se fazerem "os paladinos das primeiras capitalizações.""

"Finalmente, á a vontade do proletariado que transforma o mundo. Há por conseguinte verdadeiramente no marxismo uma filosofia essencial que denuncia a mentira da objectivação e afirma o triunfo da actividade humana."

"Em russo volia significa igualmente vontade e liberdade."

"Lénine afirma a primazia do político sobre o económico (a despeito do marxismo)."

"Lucaks: O sentido revolucionário é o sentido da totalidade. Concepção do mundo total em que a teoria e a prática são identificadas.
Sentido religioso segundo Bardiaev."
(Andava eu, certamente, a ler Lucaks)

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).










quarta-feira, janeiro 28

Cadernos de Camus - 5


Nos meus sublinhados de juventude destes Cadernos omito, pela primeira vez, dois excertos de diálogos que viriam a integrar a futura peça de teatro "Os Justos". A sua transcrição integral tornaria demasiadamente longa esta contribuição para o projecto Cadernos de Camus. Mantenho, no entanto, um excerto dos diálogos preparatórios dessa peça.
Esta é a penúltima série de excertos do Caderno nº 5, que constam do volume Cadernos III, respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Há quem se remanseie numa mentira como os que se refugiam na religião."
(Esta frase sublinhada faz parte de um texto longo, que não transcrevo na íntegra, no qual, à margem, escrevi à mão: "cuidado!")

"Conheço-me bem de mais para crer na virtude completamente pura."

"O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos: o conformismo."

"O grande problema da vida é saber como viver entre os homens"
(Apresenta uma nota de pé de página onde se lê: "No manuscrito, encontra-se entre parênteses: A.F.")

"X. "Sou um homem que não crê em nada e que não ama ninguém, pelo menos no âmago. Há em mim um vazio, um deserto horrível..."

"Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa para se parecer mais com o seu salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos que encontrava nas estradas."

"Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade."

"Peça.
D. - O que há de triste, Yanek, é que tudo isso nos envelhece. Nunca mais, nunca mais seremos crianças. Podemos morrer desde este instante, já esgotámos o homem (o homicídio é o limite.)
- Não, Yanek, se a única solução é a morte, então não seguimos a boa vida. A boa vida é a que leva à vida.
- Tomámos sobre nós o mal do mundo, este orgulho há-de ser castigado.
- Passámos dos amores infantis a essa inicial e derradeira amante que é a morte. Andámos depressa de mais. Não somos homens."

(Este excerto é o único que transcrevo daqueles que sublinhei dos textos preparatórios da peça de teatro "Os Justos". Esta peça foi concluída, após uma viagem à América Latina, no Verão de 1949, estando Camus gravemente doente. Nela é abordada a questão, fundamental para Camus, da violência política cujo debate requer, em qualquer circunstância, um adequado enquadramento filosófico e histórico.)

"Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas."

"A solidão perfeita. No urinol de uma grande estação à uma hora da manhã."
(Contém uma nota de pé de página onde se escreve. "Esta observação foi acrescentada à mão sobre a primeira redacção à máquina").

Bayle": pensamentos diversos sobre o cometa.
"Não de deve julgar a vida de um homem nem pelas suas crenças nem pelo que publica nos livros.""

"Como fazer compreender que uma criança pobre pode ter vergonha sem ter inveja"
(Clara referência à infância pobre do próprio Camus.)

Vigny (correspondência): " A ordem social é sempre má: de tempos a tempos é apenas suportável. Para se ir do mau ao suportável, a disputa não vale uma gota de sangue" Não, o suportável merece, se não o sangue, pelo menos o esforço de uma vida inteira.
Misantropo em grupo, o individualista perdoa ao indivíduo."

Sait-Beuve: "Sempre pensei que se as pessoas dissessem o que pensam durante um minuto apenas a sociedade ruiria."


Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).







segunda-feira, janeiro 26

Cadernos de Camus - 4


Os meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos salta, por razões que não sou capaz de explicar, para o Caderno nº5. A edição portuguesa dos "Livros do Brasil" (Colecção Miniatura), apresenta uma configuração diferente da francesa, das Edition Gallimard, como é explicado no volume intitulado Cadernos III: "Por motivos de ordem técnica, Carnets II foi dividido, na edição portuguesa, em dois volumes: Cadernos II (já publicado nesta colecção sob o número 162) e Cadernos III, que é o presente volume".

Os extractos do Caderno 5 que se seguem constam, pois, dos Cadernos III dizendo respeito ao período Setembro de 1945/Abril de 1948.
Estes extractos são, por vezes, mais longos do que nas anteriores incursões por este registo de leitura o que se deve ao facto de terem sido leituras posteriores a Abril de 68, provavelmente de 69/70, no período da crise académica na qual participei activamente.

"O ar de pobres diabos que têm as pessoas nas salas de espera dos médicos".

"Conversações com Koestler. O fim não justifica os meios senão quando a ordem de grandeza recíproca for razoável. Posso mandar Saint-Exupéry em missão mortal para salvar um regimento. Mas não posso deportar milhões de pessoas e suprimir toda a liberdade por um resultado quantitativo equivalente e estipular previamente o sacrifício de três ou quatro gerações.
- O génio: Não existe.
- A grande miséria do criador começa quando se lhe reconhece talento (Já não tenho coragem de publicar os meus livros)."

"1947
Como todos os fracos, as suas decisões eram brutais e de uma firmeza insensata".


"Que vale o homem? Que é o homem? Depois de tudo o que vi, enquanto eu viver, hei-de ficar sempre com uma desconfiança e uma inquietação fundamental a seu respeito."


"Terrorismo.
A grande pureza do terrorista estilo Kalyaev, é que para ele o homicídio coincide com o suicídio (cf. Savinkov: Recordações de um terrorista). Uma vida paga-se com outra vida. O raciocínio é falso, mas respeitável. (Uma vida ceifada não vale uma vida dada.) Hoje o homicídio por procuração. Ninguém paga.
1905 Kaliayiev: o sacrifício do corpo. 1930: o sacrifício do espirito."

"Que é impossível, a respeito de quem quer que seja, dizer que é absolutamente culpado e, por conseguinte, impossível pronunciar um castigo total."


"25 de Junho de 1947
Tristeza do êxito. A adversidade é necessária. Se tudo me fosse mais difícil, como dantes, teria mais direito a dizer o que digo. O que vale é que posso ajudar muitas pessoas - entretanto."

(No ano de 1947 Camus abandona a redacção do jornal Combat e publica o romance "A Peste" que o torna célebre o que, sem dúvida, explica esta reflexão acerca do êxito. Nos meus sublinhados verifico a curiosidade de ter colocado entre aspas a frase "A adversidade é necessária". Um sublinhado do sublinhado).

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 ( Setembro de 1945/ Abril de 1948).










domingo, janeiro 25

Cadernos de Camus - 3



Em sequência dos meus sublinhados da primeira leitura de juventude dos Cadernos aqui deixo os excertos que mereceram a minha admiração no Caderno nº 2 (22 de Setembro de 1937/Abril de 1939).

Assinalo que Camus ingressou no Partido Comunista Argelino em 1934, no mesmo ano do seu casamento com Simone Hié. Entre 1934 e 1937 conclui a licenciatura em Filosofia, separa-se de Simone Hié e, em 1937, é expulso (ou abandona voluntariamente) o Partido Comunista. Este breve apontamento biográfico serve para chamar a atenção para o facto de, por vezes, num futuro aprofundamento deste projecto, ser necessário acompanhar a "acção" com a biografia pois não foi por acaso que Camus adoptou a designação de "Cadernos" e não de "Diário". Camus tinha uma verdadeira aversão a retratar a sua vida pessoal não existindo nos Cadernos quase nenhumas referências directas às suas vivências pessoais. Mas elas estão lá em abundantes referências indirectas e aos seus projectos de trabalho.
Eis os meus sublinhados neste Caderno nº2 que, por sinal, são escassos.

"Huxley."No fim de contas, vale mais ser um burguês igual aos outros que um mau boémio ou um falso aristocrata, ou que um intelectual de segunda ordem…""
(Deveria eu ter acabado de ler "O Admirável Mundo Novo" e uma enorme emoção resultou dessa leitura.)

"Aquele que ama neste mundo e aquela que o ama com a certeza de se lhe juntar na eternidade. Os seus amores não estão no mesmo plano."

"O parzinho no comboio. Ambos feios. Ela agarra-se a ele, ri, excitada, seduzindo-o. Ele, de olhar sombrio, sente-se embaraçado por ser amado diante de toda a gente por uma mulher da qual não se orgulha."

"A Argélia, país a um tempo medido e desmedido. Medido nas suas linhas, desmedido na sua luz."


"Aquela manhã cheia de sol. As ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem."
(Esta frase, com outras que constam neste Caderno, e que não sublinhei, manteve-se muito viva na minha memória pois despertou, e desperta, as mais fortes ressonâncias afectivas da minha infância, no campo, e na pequena cidade de Faro, na distante província que era o Algarve rural dos anos 50.)

Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº2 ( Setembro de 1937/ Abril de 1939).

sábado, janeiro 24

Cadernos de Camus 2



Não há qualquer dúvida acerca da edição portuguesa da "Livros do Brasil" ao contrário do que um participante dos Cadernos de Camus parece fazer crer. Por outro lado a "Breve Nota Prefacial", de António Quadros, inserta nos "Cadernos II", com todo o respeito, não acrescenta nada de essencial ao trabalho de Camus, nem ao actual projecto "Cadernos de Camus" que tem como objecto essencial, ao que me parece, o próprio Camus e a sua "aventura" de criador de um blog "avant la lettre". Anoto que cada volume da edição portuguesa é traduzido por uma personalidade diferente: Gina de Freitas, António Quadros e…António Ramos Rosa.

O meu segundo contributo, na fase experimental do blog, é a transcrição do conjunto das frases sublinhadas, no próprio livro, aquando da minha primeira leitura. As restantes foram transcritas na anterior participação. Desta forma "invento" um critério para esta série de excertos do 1º caderno (Maio de 1935 a 15 de Setembro de 1937).

"Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.

(Nesta página escrevi à mão em frente a Abril: "3-1968-Faro-Cais". O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de Páscoa. Curiosamente nas vésperas do "Maio de 68")

"Os sentidos e o mundo - Os desejos confundem-se. E neste corpo que aperto contra o meu, aperto também essa alegria estranha que vem do céu em direcção ao mar"

"Perna partida do carregador. A um canto, um homem novo que ri silenciosamente."

"Maio.
Estes fins de tarde em Argel em que as mulheres são tão belas."

"Intelectual? Sim. E nunca renegar. Intelectual=aquele que se desdobra. Isto agrada-me. Sinto-me contente por ser ambos. "Se isto se adapta?" Questão prática. É preciso meter mãos à obra. "Eu desprezo a inteligência" significa na realidade: "não posso suportar as minhas dúvidas". Prefiro manter os olhos abertos."

"Fevereiro.
A civilização não reside num grau mais ou menos elevado de requinte. Mas numa consciência comum a todo um povo. E essa consciência nunca é requintada. Ela é mesmo completamente sincera. Fazer da civilização a obra de uma elite, é identificá-la à altura, que é uma coisa diferente. Há uma cultura mediterrânea. Pelo contrário, não confundir civilização e povo."
(Fevereiro de 1936)

"Narrativa - o homem que não se quer justificar. A ideia que se faz dele é a preferida. Ele morre, único a guardar consciência da sua verdade. Futilidade dessa consolação."
(Uma nota de pé de página assinala: "Tema de L´Etranger.")

"Maio.
Erro de uma psicologia de pormenor. Os homens que se procuram, que se analisam. Para nos conhecermos bem, temos que nos afirmar. A psicologia é acção - não reflexão sobre si próprio. Definimo-nos ao longo da vida. Conhecermo-nos perfeitamente, é morrer."

"Os casais: o homem tenta brilhar diante de terceiros. A mulher imediatamente: "Mas tu também…", e tenta diminui-lo, torná-lo solidário da sua mediocridade."

"Mulheres na rua. A besta arrebatada do desejo que trazemos enroscada na cavidade dos rins e que se agita com uma suavidade estranha."

Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937).





sexta-feira, janeiro 23

Cadernos de Camus


Enviei a primeira contribuição para o José Pacheco Pereira que tomou a iniciativa de criar os Cadernos de Camus , blog provisório destinado a dar corpo a este aliciante projecto. Aqui reproduzo o texto enviado.
Releio o Caderno nº 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) e anoto os meus sublinhados vigorosos, aquando da primeira leitura, na segunda metade dos anos 60. Achei que nesta primeira abordagem não os devia ignorar. Eis o meu primeiro sublinhado:
"Jovem eu pedia às pessoas mais do que elas me podiam dar: uma amizade contínua, uma emoção permanente.
Hoje sei pedir-lhes menos do que podem dar: uma companhia sem palavras. E as suas emoções, a sua amizade, os seus gestos nobres mantêm a meus olhos o seu autêntico valor de milagre: um absoluto resultado da graça."
Tenho dificuldade em interpretar as razões que me levaram, com 20 anos, a fazer esta escolha mas seria capaz, hoje, de sublinhar de novo com acrescidas razões.
Com respeito às escolhas de JPP é curioso que os meus sublinhados de juventude se situam imediatamente antes e depois das citações escolhidas por JPP. Sublinhei a frase imediatamente anterior à citação de JPP com o título "A civilização contra a cultura", ou seja,
"As filosofias valem aquilo que valem os filósofos. Maior é o homem, mais a filosofia é verdadeira."
E ainda mais extraordinário a coincidência de ter sublinhado as citações imediatamente anterior e posterior daquela outra que JPP escolheu com o título: "Poder consolador do inferno", quais sejam:
"Combate trágico do mundo sofredor. Futilidade do problema da imortalidade. Aquilo que nos interessa, é de facto o nosso destino. Mas não "depois", "antes"."
E esta outra:
"Regra lógica. O singular tem valor de universal.
-ilógica: o trágico é contraditório.
-prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros."
As minhas escolhas de juventude podiam ser as minhas escolhas actuais. As minhas escolhas actuais vão mais além mas encaminham-se, quase sempre, para uma faceta da reflexão em que Camus olha a natureza e os outros com assumido desprendimento pelas coisas materiais sempre deixando transparecer um problema nunca resolvido na sua vida: a sua relação com o sucesso. Como transparece no texto final deste Caderno nº 1 quando escreve:
"…Não é necessário entregarmo-nos para parecer mas apenas para dar. Há muito mais força num homem que não parece senão quando é preciso. Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por ter guardado o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria!..."
Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", incluindo: Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937), Caderno nº2 (Setembro de 1937 a Abril de 1939) e Caderno nº3 (Abril de 1939 a Fevereiro de 1942).


Blog - Cadernos de Camus


Surgiu o prometido tiro de partida para este estimulante projecto de que se não sabe, ao certo, o destino. Esse é um dos seus encantos. Os diversos interessados que venham a ser participantes terão os seus objectivos a atingir. A maioria será, certamente, constituída por "franco atiradores" como eu. Alguns outros (poucos) serão especialistas na obra de Camus, porque não há muitos. A "matéria-prima" (os cadernos propriamente ditos) é de primeira qualidade e ajustada ao jogo. Os jogadores/participantes não os conheço à partida. Mas isso não tem grande importância. São participantes disponíveis, como eu, é quanto basta. Resta formar a equipa coordenadora que é com o JPP que, através do abrupto, foi o mentor da ideia. Pela minha parte utilizarei a velha edição portuguesa, um bocado amarelecida, mas em bom estado, recentemente restaurada e encadernada, com capa dura, através da ajuda preciosa da Manuela EP que acompanha estas manobras lá do Porto. Vou procurar dar um contributo que gostaria que contivesse uma componente de criatividade e originalidade através do trabalho de uma equipa a dois. Já fiz o convite. Hoje só queria reafirmar a minha disponibilidade. Nos próximos dias dou mais notícias acerca do tema.
.