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quarta-feira, maio 5

Fragmentos de Leituras

"Os amigos


Por vezes, na antiga literatura, encontramos esta expressão aparentemente estúpida: a religião da amizade (fidelidade, heroísmo, ausência de sexualidade). Mas, uma vez que da religião apenas subsiste ainda o fascínio do rito, ele gostava de conservar os pequenos ritos da amizade: festejar com um amigo a conclusão dum trabalho, o afastamento de uma preocupação; a celebração reforça o acontecimento, acrescenta-lhe um suplemento inútil, um prazer perverso. Assim, por magia, este fragmento foi escrito em último lugar, após todos os outros, como que à maneira de dedicatória (3 de Setembro de 1974).

É preciso fazer esforço para falar da amizade como de uma pura tópica: isso liberta-me do campo da afectividade - que não poderia ser referida sem embaraço, já que é da ordem do imaginário (ou melhor, reconheço pelo meu embaraço que o imaginário está muito perto: estou a escaldar)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -6
(Fragmento 1 de 2, pag. 4)

Edição portuguesa: "Edições 70"

terça-feira, maio 4

Fragmentos de Leituras

"Decompor/destruir


Admitamos que a tarefa histórica do intelectual (ou do escritor) seja hoje em dia acentuar a decomposição da consciência burguesa. Será então necessário conservar na imagem toda a sua precisão; isto quer dizer que fingimos voluntariamente permanecer no interior dessa consciência e que vamos a seguir corroê-la, rebaixá-la, fazê-la ruir, no próprio local, como faríamos com um bocado de açúcar ao embebê-lo em água.

A decomposição opõe-se portanto aqui à destruição: para destruir a consciência burguesa é preciso estar ausente dela, e essa exterioridade só é possível numa situação revolucionária: na China, hoje em dia, a consciência de classe está em vias de destruição, não de decomposição; mas noutros lados (aqui e agora) destruir não seria afinal senão reconstruir uma ligação de palavra cujo carácter exclusivo seria a exterioridade: exterior e imóvel, assim é a linguagem dogmática.

Para destruir é preciso, em suma, poder saltar. Mas saltar para onde? Para que linguagem? Para que centro da boa-consciência e da má-fé? Ao passo que, decompondo, aceito acompanhar essa decomposição, decompondo-me a mim mesmo a par e passo: escorrego, agarro-me e arrasto."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -5
(Fragmento 3 de 3, pag. 3)

Edição portuguesa das "Edições 70"

segunda-feira, maio 3

Fragmentos de Leituras

"Pares de palavras-valores


Do mesmo modo, mais particularmente, não é o erótico mas sim a erotização que representa um bom valor. A erotização é uma produção do erótico. Leve, difusa, mercurial; algo que circula sem se deter: um flirt múltiplo e móvel liga o sujeito àquilo que passa, finge deter-se e depois larga-se a favor de outra coisa (e depois, por vezes, esta paisagem cambiante é cortada, seccionada por uma brusca imobilidade: o amor)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -4
(Fragmento 2 de 3, pag. 3)

Edição portuguesa das "Edições 70"

sábado, maio 1

Fragmentos de Leituras

"O corpo plural

"Que corpo? Temos vários." …Tenho um corpo digestivo, um corpo nauseável, um terceiro susceptível de enxaquecas, e assim por diante: sensual, muscular (a mão do escritor), secretivo e, principalmente, emotivo: que é emocionado, movido, ou calcado ou exaltado, ou atemorizado sem que isso se note. Por outro lado, sinto-me cativado até ao fascínio pelo corpo socializado, o corpo mitológico, o corpo artificial (o dos "travestis" japoneses) e o corpo prostituído (do actor). E além desses corpos públicos (literários, escritos) tenho, se assim poderei dizer, dois corpos locais: um corpo parisiense (desperto, cansado) e um corpo campesino (repousado, pesado)."
(Fragmento 1 de 3, pag. 3)

"Roland Barthes por Roland Barthes" -3
Edição portuguesa das "Edições 70"

sexta-feira, abril 30

Fragmentos de Leituras


"Roland Barthes por Roland Barthes" -2

"O à-vontade

Edonista (pois pensa sê-lo), aspira a um estado que é, em suma, o conforto; mas esse conforto é mais complicado do que o conforto doméstico, cujos elementos são fixados pela nossa sociedade: trata-se de um conforto que ele vai conseguindo, que ele vai construindo para si próprio (como o meu avô B., que tinha arranjado, no fim da vida, um pequeno estrado junto da janela para poder ver melhor o jardim ao mesmo tempo que trabalhava).

Poder-se-ia chamar, a esse conforto pessoal, o à-vontade. Ao à-vontade é conferido uma dignidade teórica. ("Não temos nada que nos pôr à distância do formalismo mas, simplesmente, à-vontade", 1971, I*) e igualmente uma forma ética: é a perda completa de todo e qualquer heroísmo, mesmo em pleno gozo."
* referência a um texto do autor de 1971: "Digressions"

(Fragmento 2 de 3, pag. 2)

Edição portuguesa das "Edições 70"


quinta-feira, abril 29

Fragmentos de Leituras


"Roland Barthes por Roland Barthes" -1

Com a anterior publicação dos meus sublinhados de juventude dos "Cadernos" de Albert Camus iniciei uma série que poderia intitular de Fragmentos de Leituras. Dou agora continuidade a essa série com as leituras do livro autobiográfico de Roland Barthes: "Roland Barthes por Roland Barthes".

Neste caso não se tratam de sublinhados mas de uma compilação de excertos que assumiram a forma de um livro artesanal anotado em cada uma de 18 das suas 23 páginas no tamanho A4. Este trabalho deverá ter sido realizado em 1981/82 e é um testemunho do prazer que a leitura daquele livro me propiciou.

Deixo, com esta série de excertos,um registo perdurável no tempo e, ao mesmo tempo, a partilha de uma leitura, por vezes difícil mas apaixonante, com aqueles que me quiserem acompanhar.

"O adjectivo
Ele suporta mal qualquer imagem de si próprio, sofre ao ser citado. Considera que a perfeição duma relação humana depende dessa ausência da imagem: abolir entre si, de um para o outro, os adjectivos; uma relação que é adjectivada está do lado da imagem, do lado da dominação, da morte.

(Era visível que em Marrocos não tinham de mim qualquer imagem: o esforço que eu fazia, como bom ocidental, para ser isto ou aquilo, ficava sem resposta: nem isto nem aquilo me eram devolvidos sob a forma dum belo adjectivo; não lhes passava pela cabeça comentar-me, antes se recusavam, sem dar conta, a alimentar e afagar o meu imaginário. Num primeiro momento, esse tom mate da relação humana tinha algo de esgotante; mas surgia, pouco a pouco, como um bem de civilização ou como a forma realmente dialéctica do convívio amoroso.) "

(Fragmento 1 de 3, pag. 2)

Edição portuguesa das "Edições 70"



quarta-feira, abril 21

ROLAND BARTHES

Descobri agora, nestas buscas a propósito do 25 de Abril, o original de um livro artesanal que fiz, pouco tempo depois da morte de Roland Barthes, talvez no decurso de 1981, com fragmentos da sua obra declaradamente autobiográfica, "Roland Barthes por Roland Barthes", editada em Portugal, em 1976, pelas "Edições 70", a partir de uma edição francesa de 1975.

Um dia destes, quando o blog colectivo, que está em preparação e do qual vou ser co-editor, estiver "na rua" vou editar aqui esse livro artesanal composto por 23 páginas A4, com citações do livro autobiográfico de Barthes com breves comentários meus. Esta leitura de Barthes foi uma das que me deram mais prazer em toda a vida.

Os textos de Barthes, vertidos neste livro, foram escritos, curiosamente, no período de 6 de Agosto de 1973 a 3 de Setembro de 1974 abarcando, portanto, a época da revolução portuguesa do 25 de Abril.
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