Em memória do meu irmão Dimas |
I
nas minhas mãos sinto
o que não tenho
10 de Fevereiro de 2006
II
o raio de luz estilhaça o espaço
do meu silêncio
11 de Fevereiro de 2006
III
no fim do tempo as cores belas do poente
12 de Fevereiro de 2006
IV
as cidades ocupam o lugar dos campos abandonados
mas é neles que me revejo
17 de Fevereiro de 2006
V
subindo a montanha do tempo descubro
as mãos vazias de nada
19 de Fevereiro de 2006
VI
o tempo corre desvairado e na poeira de seus passos
meu filho se fez homem
21 de Fevereiro de 2006
VII
não me digas não pois mesmo no teu silêncio alisado
eu descubro uma voz que sempre fala e me descobre
23 de Fevereiro de 2006
VIII
Sinto as ruas da infância as pedras gotas de água
ângulos gritos silêncios de dorida e surda mágoa
9 de Março de 2006
IX
Sulcava um ar lavrado de indefinível espessura
o prazer do jogo das palavras não ditas perdura
10 de Março de 2006
X
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio
10 de Março de 2006
XI
Numa manhã de um dia qualquer subi olhei
do ponto mais alto procurei não vi ninguém
15 de Março de 2006
XII
Sofre-se devagar lentamente as palavras malditas
dos lamentos ecoam nos vagos silêncios do destino
21 de Março de 2006
XIII
Enroscada ao côncavo do corpo a solidão
incendeia o desejo no alvor da primavera
21 de Março de 2006
XIV
XIV
Nada acontece de novo desde o tempo luminoso
esboço a sépia quente o teu corpo simplesmente
24 de Março de 2006
XV
Ouço o insuportável zumbido das mágoas
vozes do meu sangue que o tempo apagou
30 de Março de 2006
XVI
Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado
1 de Abril de 2006
XVII
O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo
3 de Abril de 2006
XVIII
A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente
4 de Abril de 2006
XIX
No calor da sombra a terra quente subiu
em fúria desordenada rompeu o silêncio
7 de Abril de 2006
XX
Inóspito caminho, o sangue quente latejou
na cavalgada o prazer no dorso da espada
8 de Abril de 2006
XXI
A noite alisando a pele dos sentidos os floria
soletrando silêncios a madrugada amanhecia
10 de Abril de 2006
XXII
Olhei as mãos de seus sulcos emergiam desenhos
inacabados preces sonhos regressos imaginados
12 de Abril de 2006
XXIII
O dia desce sobre a cidade as ruas fumegam
os passos ecoam como corpos vestidos de dor
16 de Abril de 2006
*
XXIV
Um brado difuso me percorre no fio do silêncio
desesperada ausência o rosto na voz esquecida
18 de Abril de 2006
XXV
Se fosse noite ver-te-ia correr em mim
longa carícia colorida, sonho sem fim
20 de Abril de 2006
XXVI
Sabemos de nós tudo através do olhar dos outros
21 de Abril de 2006
XXVII
No cimo a luz branca pontiaguda ilumina
as mãos que tendem o pão da minha vida
3 de Maio de 2006
XXVIII
Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um
bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por
entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só
chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que
frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de
assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e
a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.
S/data
XXIX
Nas pedras irregulares do chão da infância
luminosas as sombras que acolhem os corpos
15 de Maio de 2006
XXX
Fosse meu tudo o que não tem medida certa
seria feliz por possuir o mundo
Tomaria em mãos as diversas artes
sendo múltiplo fingir-me-ia uno
uno por dentro e por fora repartido em partes
19 de Maio de 2006
XXXI
Gosto de iniciar o caminho pelo princípio
Onde não se encontra nada o que abraçar
Inventar tudo desde o começo mesmo sem
A ideia clara do caminho que hei-de rasgar
Buscar a luz que alumia a vida na revolta
Da palavra e na surpresa de afinal confiar
Gosto de sentir o frio na testa desabrigada
Cavar fendas na memória e nelas recordar
O meu mundo secreto único e indivisível
Separado de todos os mundos é outro mar
Gosto de ouvir ao longe sons esquecidos
E nos largos vazios o silêncio a esvoaçar
4 de Junho de 2006
XXXII
Passar o tempo ver passar o passado no presente
Sonhar com as longínquas memórias nas doridas
Noites anoitecidas a ver passar o tempo sedento
De nos devorar o corpo ainda quente dos afagos
Esquecidos de mãos que vagamente escorregam
Pelo esquecimento como todas as mãos milhões
De sinais passaram e deles já todos esqueceram
Os ensinamentos, o toque, a música, o desespero
Passar o tempo deixar em herança esquecimento
Sabendo que mais nada restará senão só o tempo
18 de Junho de 2006
XXXIII
Olhar ao longe por entre a neblina
O mar de verão que acalma a vida
15 de Julho de 2006
XXXIV
Este mar é a luz da minha memória
16 de Julho de 2006
XXXV
Sempre o som do mar ao fundo
No silêncio da noite se agiganta
Encosta acima mais nítido puro
21 de Julho de 2006
XXXVI
Branca como sombra reflectida no chão
terra mãe percorrida ao som do silêncio
S/data
XXXVII
Estendo a memória até onde a mão alcança
o tempo submerso resplandece de sabedoria
23 de Novembro de 2006