"O meu «blog»
«Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do 'Diário de Notícias'.»
Não tenho um «blog» mas, há alturas em que um «blog» dá muito jeito. Se eu tivesse um «blog» faria estes breves apontamentos.
1. Quem me convidou ao certo para dirigir o «Diário de Notícias»? O Governo, o primeiro-ministro, o presidente da PT, os accionistas da PT, ou o Mário Bettencourt Resendes e o Luís Delgado? Ou será que sonhei? Porque esse lugar de director não estava vago.
2. Uns dias antes da minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias» apareceu publicado nesse jornal um texto de uma assessora política do primeiro-ministro. Eis o tipo de texto que eu jamais publicaria se fosse directora do «Diário de Notícias» mas, curiosamente, enquanto os jornalistas se afadigavam a atacar-me e ao meu famoso «santanismo», ninguém com excepção de José Pacheco Pereira no seu «blog» (o jeito que dá um «blog») reparou neste exemplo de independência, isenção e critério jornalístico do «Diário de Notícias».
3. No dia seguinte à minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias», o mesmo «Diário de Notícias» não dava uma única notícia sobre o assunto, ignorando-o jornalisticamente, olimpicamente. Foi o único órgão de comunicação social a fazê-lo. No «Diário de Notícias», que fui convidada para dirigir, eu não sou notícia nem breve nem «fait-divers». Coisa interessante. E tudo na mesma como dantes. Mais isenção.
4. Na mesma semana agitada, daquelas semanas em que mais valia estarmos, como dizia o cómico W. C. Fields, em Filadélfia, uma «fonte governamental» confirmou que a minha decisão «estava tomada». Coisa interessante. Como é que a «fonte governamental» sabe o que eu estou a pensar? E como é que se arroga o direito de responder por mim? Aqui, remeto para a minha carta ao Abrigo do Direito de Resposta que o EXPRESSO publica neste número.
5. O wittgensteiniano Não sei Quantos Cintra Torres, que sempre confundo com alguém que vendia parabólicas, e que para escrever sobre um «reality show» cita Kant, Hegel e o neo-confusionismo, presume de culto e de saber de tudo. E lá veio ele, lesto e molesto, acusar-me de ser uma «santanete» colocada no «Diário de Notícias» para manipular e controlar o jornal a favor do Governo. É bom que Cintra Torres, que também posso confundir com o homem das cervejas Cintra, deixe de se meter comigo, o que ele tem feito modestamente até aqui. Porque eu, ao contrário do que ele pensa, sou incontrolável, e escrevo melhor do que ele (sem citar Wittgenstein). E já agora, Cintra Torres está a fazer um projecto de uma série, ou um filme, ou lá o que é, com o actual director do «Diário de Notícias», (não, não sou eu, não seria, não fui...) para a RTP. A mesma RTP para quem Cintra Torres trabalha como colaborador e crítico imparcial. Será que é ele que vai criticar o trabalho dele na RTP? Mais um caso de isenção e imparcialidade nos «media».
6. Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do «Diário de Notícias», porque deixava de poder escrever estas coisas. Ou então, arranjava um «blog» (o jeito que dá um «blog»).
7. Mudando de assunto, para refrescar, o actual procurador da República veio dizer esta frase «Eu seria o último a prejudicar o PS». Isto, porque foi o PS que lhe deu este emprego. Eis um dos raríssimos casos dos últimos tempos em que não foi Santana Lopes o culpado de tudo. Imaginem se o procurador dissesse «Eu seria o último a prejudicar o PSD». Era mau, não era?
8. Conheço o Pedro Santana Lopes há muitos anos e nem ele nem eu temos culpa disso. Mas, se eu sou «santanete», por que não há-de ele ser «clarete»? Eis mais um caso flagrante de discriminação e perseguição das mulheres. Nunca teremos poder suficiente para... E, com mulheres a recusarem cargos de chefia de jornais, nunca teremos. Porque, vê-se bem que todos os jornais em Portugal são feitos por homens (e quase todos os «blogs» também, embora elas comecem a crescer e multiplicar-se.).
9. Na melhor tradição machista e misógina da praça portuguesa, ou melhor, da praceta portuguesa, assim que se soube por esses jornais fora que eu tinha sido convidada para directora do «Diário de Notícias», coisa que todos os jornais sabiam menos o «Diário de Notícias» (coisa interessante), começaram logo a debochar sobre o meu corte e cor de cabelo e os meus «bâtons» berrantes e por aí fora. Nos «blogs». Um tal Luís Nazaré escreve uma palhaçada sobre mim por causa disso. Será o mesmo homem simpático e educado que me convidou há tempos (e à minha probidade intelectual) para um Encontro sobre Educação do Partido Socialista? Não deve ser. Devo dizer que sem um bom corte de cabelo e um bom «bâton», considero impossível dirigir um jornal sério como o «Diário de Notícias». É uma condição contratual tão importante como a garantia da autonomia, independência e isenção.
10. E, a finalizar, por que é que eu não fui afinal dirigir o «Diário de Notícias»? Bom, esperem pelas minhas Memórias. Ou talvez nem seja preciso. Depois do tempo perdido com o jornalismo português contemporâneo, que tão doente anda, bem preciso de regressar aos livros. E escrever um livro é um acto solitário perfeito, como o onanismo.
11. Finalizo em tom nostálgico e «esquerdista», naquele estilo que os meus inimigos literários abominam. Tenho saudades do tempo português em que existiam Natálias Correias (e Veras Lagoas). Muita saudade. O que por aí anda não presta. Muito silêncio, muito medo, muita agenda política disfarçada, muito emprego a segurar. Muita ambição sem talento. Muito cabotinismo.
Mural de Maria Keil na Avenida Infante Santo
[Post de 31 de outubro de 2004 que, vá lá saber-se porquê, está sempre com uma audiência elevada.]