Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, março 18
"POÉTICA ABREVIADA"
Dali-Rostropovich
"ARRASTO comigo o maior número de restos de técnica que possa suportar. Suportar ou manejar com maior ou menor agilidade. Servem-me como defesa. Armadura, simples escudo, estoque ou até arma de arremesso que se perde. Também às vezes se voltam a encontrar e a ferrugem torna-as ainda mais mortais. E se ferirem uma vez envenenadas ficaram. Por humanidade não as deveria usar outra vez. Esses restos de técnica servem-me como defesa. Para ataque uso a Poesia. Neste uso de utilidades – apenas neste – a técnica mata a poesia e o que significa etimològicamente. Por isso e respectivamente cada vez menos, parece menos poesia a sátira, o lirismo comentarista, a épica puramente histórica, etc, com a sua técnica de incarnação – não a osseificação intra-estrutural (isto não é “vertebração” …). Pseudo-paradoxalmente a poesia docente (“pedagógica” por graça de chamar jovens a todos os homens ou “antropológica” por semi-estupidez incompleta de quem se lembrasse de usar a palavra) é a mais poética. Loas e balelas as negações a isto. Toda a grande poesia é a informada e informadora. A que se parte em máximas e por isso é partida em versos. E também a que tem variedade suficiente de métrica e rítmica capaz de compor consigo e com os utilizadores um ritmo novo em qualquer sentido catártico.
E a poesia pedagógica dos “bons tempos” (maus por usarem velhas “armas de arremesso” já usadas …) podia ser melhor “enformada” (posta em forma) mas não era “informadora” da mesma forma que não “informa” um anúncio senão do que”foi para ser” e nada do que “é para ter sido” (visto que a transmissão poética tem de ser pós-concepção). O anúncio age por “coisa que é”. A Poesia por " coisa para ser" ou o primeiro por " coisa para ser" e a segunda "por coisa que tem que ser" ou na forma material da transmissão " coisa que há-de repetir o ser – inicial" no seu criador. E isto sob pena não de não ser poesia mas de não " continuar a sê-lo". Há muita poesia que deixa de sê-lo ao sair das mãos do poeta. Mas merece o respeito por nelas o ter sido. Só se " a poesia-poema" por si em outros poeteia é que será grande. E isto é o mesmo que ser poesia-docente. (por vezes " imoralizadora" - " mores" costumes, bons ou maus...) Também se nada ensinar não sei como possa comunicar-se. Sinto muito ser tão materialista mas só assim serei o que os outros dizem. Eles não são nem isto nem aquilo ou se o são não têm culpa de serem poetas, ó Deus!"
"ARRASTO comigo o maior número de restos de técnica que possa suportar. Suportar ou manejar com maior ou menor agilidade. Servem-me como defesa. Armadura, simples escudo, estoque ou até arma de arremesso que se perde. Também às vezes se voltam a encontrar e a ferrugem torna-as ainda mais mortais. E se ferirem uma vez envenenadas ficaram. Por humanidade não as deveria usar outra vez. Esses restos de técnica servem-me como defesa. Para ataque uso a Poesia. Neste uso de utilidades – apenas neste – a técnica mata a poesia e o que significa etimològicamente. Por isso e respectivamente cada vez menos, parece menos poesia a sátira, o lirismo comentarista, a épica puramente histórica, etc, com a sua técnica de incarnação – não a osseificação intra-estrutural (isto não é “vertebração” …). Pseudo-paradoxalmente a poesia docente (“pedagógica” por graça de chamar jovens a todos os homens ou “antropológica” por semi-estupidez incompleta de quem se lembrasse de usar a palavra) é a mais poética. Loas e balelas as negações a isto. Toda a grande poesia é a informada e informadora. A que se parte em máximas e por isso é partida em versos. E também a que tem variedade suficiente de métrica e rítmica capaz de compor consigo e com os utilizadores um ritmo novo em qualquer sentido catártico.
E a poesia pedagógica dos “bons tempos” (maus por usarem velhas “armas de arremesso” já usadas …) podia ser melhor “enformada” (posta em forma) mas não era “informadora” da mesma forma que não “informa” um anúncio senão do que”foi para ser” e nada do que “é para ter sido” (visto que a transmissão poética tem de ser pós-concepção). O anúncio age por “coisa que é”. A Poesia por " coisa para ser" ou o primeiro por " coisa para ser" e a segunda "por coisa que tem que ser" ou na forma material da transmissão " coisa que há-de repetir o ser – inicial" no seu criador. E isto sob pena não de não ser poesia mas de não " continuar a sê-lo". Há muita poesia que deixa de sê-lo ao sair das mãos do poeta. Mas merece o respeito por nelas o ter sido. Só se " a poesia-poema" por si em outros poeteia é que será grande. E isto é o mesmo que ser poesia-docente. (por vezes " imoralizadora" - " mores" costumes, bons ou maus...) Também se nada ensinar não sei como possa comunicar-se. Sinto muito ser tão materialista mas só assim serei o que os outros dizem. Eles não são nem isto nem aquilo ou se o são não têm culpa de serem poetas, ó Deus!"
26/V/1951
" Poética abreviada" – Escrita para que conste. (Texto Integral)
in "Cadernos de Poesia" – Fascículo nove - segunda série, Lisboa - Setembro de 1951.
Reprodução fac similida dirigida por Luis Adriano Carlos e Joana Matos Frias
Reprodução fac similida dirigida por Luis Adriano Carlos e Joana Matos Frias
Edição Campo das Letras
sexta-feira, março 17
sem título (X)
Fotografia de Philippe Pache
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio
10 de Março de 2006
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio
10 de Março de 2006
O PESO DOS SILÊNCIOS AUSTEROS
Ron Mueck
"Será que o dr. Cavaco, que sempre julgámos relativamente equilibrado, quer de facto embarcar numa cruzada moral contra o aborto, a pílula, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia e o resto dos crimes sem perdão em que o «niilismo» moderno nos «poluiu»?"
"Será que o dr. Cavaco, que sempre julgámos relativamente equilibrado, quer de facto embarcar numa cruzada moral contra o aborto, a pílula, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia e o resto dos crimes sem perdão em que o «niilismo» moderno nos «poluiu»?"
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 17-03-06
“Uma mesinha redonda e austera no lugar do sofá”
Diário de Notícias, 17-03-06
Os silêncios e o lugar dos silêncios, na política à portuguesa, fazem lembrar qualquer coisa antiga. O sinal sonoro da emissora nacional que antecedia o noticiário da uma hora … um disco de vinil na grafonola a passar um fado da Amália … as manchetes do “diário da manhã” … a passagem do tempo morto sem história … coisas estranhas que nada têm, está bem de ver, de real.
É o imaginário. Mas o imaginário conta muito. Um dia pagar-se-ão estes silêncios. Quando os personagens abandonarem os actores à sua sorte e o palco ficar vazio. Aí alguém vai ter de conversar, provavelmente, com o outro sentado no sofá. Menos ostensivamente austero. Mais aberto às diferenças e à assumpção das mesmas.
Apetece proclamar: abram as portas e falem à vontade. Um sofá luxuriante no lugar da austera mesinha redonda, por favor!..
quinta-feira, março 16
À BOUT DE SOUFFLE
Le 16 mars 1960, sortie sur les écrans parisiens d'À bout de souffle (1959) de Jean-Luc Godard, le film culte de La Nouvelle Vague.
Mars 1960. Quatre films de mémoire sur les écrans parisiens : Plein soleil de René Clément, Les Yeux sans visage de Franju, Soudain l’été dernier de Joseph Mankiewicz et À bout de souffle (1959), le premier long métrage de Jean-Luc Godard et le film culte de La Nouvelle Vague, sorti le 16 mars 1960. Avec François Truffaut comme scénariste et Claude Chabrol comme conseiller technique.
Une musique de Martial Solal. Et le couple mythique Patricia Franchini (Jean Seberg [« Pourquoi ne portes-tu jamais de soutien-gorge ? », qui vient tout juste de jouer dans Bonjour tristesse d'Otto Preminger]) et Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo).
IN Terres de femmes
Mars 1960. Quatre films de mémoire sur les écrans parisiens : Plein soleil de René Clément, Les Yeux sans visage de Franju, Soudain l’été dernier de Joseph Mankiewicz et À bout de souffle (1959), le premier long métrage de Jean-Luc Godard et le film culte de La Nouvelle Vague, sorti le 16 mars 1960. Avec François Truffaut comme scénariste et Claude Chabrol comme conseiller technique.
Une musique de Martial Solal. Et le couple mythique Patricia Franchini (Jean Seberg [« Pourquoi ne portes-tu jamais de soutien-gorge ? », qui vient tout juste de jouer dans Bonjour tristesse d'Otto Preminger]) et Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo).
IN Terres de femmes
EU VINHA PARA A VIDA E DÃO-ME DIAS
Fotografia António José Alegria in Amistad
Eu vinha para a vida e dão-me dias
Reduzida ao relógio a aventura
eu próprio me despeço da lonjura
e troco por desastres alegrias
(…)
Ruy Belo
Homem de Palavra[s]
Eu vinha para a vida e dão-me dias
Reduzida ao relógio a aventura
eu próprio me despeço da lonjura
e troco por desastres alegrias
(…)
Ruy Belo
Homem de Palavra[s]
MORTE
Fotografia de Angèle
Outra das notícias, recentes, que mais me impressionou foi a da morte de Milosevic. Ou, mais precisamente, as reacções do mundo ocidental à sua morte. Ou do mundo todo, tanto dá. Os cristãos – que somos nós – assumem estranhas posturas face à morte. O ditador morreu. Não foi condenado pelo Tribunal. A morte antecipou-se ou foi antecipada. Perpassa por todo o mundo da política ocidental uma sensação de alívio.
O que os cristãos fazem, numa estranha manifestação de certeza no julgamento popular, é condenar o réu morto substituindo-se ao tribunal. E mais do que isso manifestar, explícita ou implicitamente, não só alívio, mas júbilo pela morte do homem como se aquele homem representasse toda a história da tragédia humana dos Balcãs mesmo que nela tenha sido o protagonista central.
Nada me seduz nem na figura nem na acção de Milosevic. Mas os políticos ocidentais, e os líderes de opinião, que se reclamam do cristianismo ou se inserem na sua cultura, deviam reflectir nas suas posições face à morte do homem. Lembrar-se desta ideia de Camus: “É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos”.
Conservemos o equilíbrio e não nos regozijemos pela morte de ninguém pois caso contrário como condenar, por exemplo, os festejos daqueles que desejaram, e desejam, a morte de Sharon. Ainda se lembram?
Eis aqui um exemplo respigado no Editorial do “Expresso on line”:
“Ponto final nos Balcãs
Há mortes que não se lamentam e, descontando o respeito devido aos respectivos familiares, a de Slobodan Milosevic, o antigo Presidente da que se tornou a «pequena Jugoslávia», é uma delas.”
Outra das notícias, recentes, que mais me impressionou foi a da morte de Milosevic. Ou, mais precisamente, as reacções do mundo ocidental à sua morte. Ou do mundo todo, tanto dá. Os cristãos – que somos nós – assumem estranhas posturas face à morte. O ditador morreu. Não foi condenado pelo Tribunal. A morte antecipou-se ou foi antecipada. Perpassa por todo o mundo da política ocidental uma sensação de alívio.
O que os cristãos fazem, numa estranha manifestação de certeza no julgamento popular, é condenar o réu morto substituindo-se ao tribunal. E mais do que isso manifestar, explícita ou implicitamente, não só alívio, mas júbilo pela morte do homem como se aquele homem representasse toda a história da tragédia humana dos Balcãs mesmo que nela tenha sido o protagonista central.
Nada me seduz nem na figura nem na acção de Milosevic. Mas os políticos ocidentais, e os líderes de opinião, que se reclamam do cristianismo ou se inserem na sua cultura, deviam reflectir nas suas posições face à morte do homem. Lembrar-se desta ideia de Camus: “É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos”.
Conservemos o equilíbrio e não nos regozijemos pela morte de ninguém pois caso contrário como condenar, por exemplo, os festejos daqueles que desejaram, e desejam, a morte de Sharon. Ainda se lembram?
Eis aqui um exemplo respigado no Editorial do “Expresso on line”:
“Ponto final nos Balcãs
Há mortes que não se lamentam e, descontando o respeito devido aos respectivos familiares, a de Slobodan Milosevic, o antigo Presidente da que se tornou a «pequena Jugoslávia», é uma delas.”
quarta-feira, março 15
FARENSE VS BENFICA
Dei hoje início à minha colaboração com A Defesa de Faro com o post “Farense vs Benfica” ilustrando esta fotografia na qual surgem alguns grandes jogadores do Benfica e do Farense do início dos anos 70.
SONHO
Fotografia de Philippe Pache
Pronuncio uivos estranhos
na solidão dos actos puros
recito alto palavras alheias
que sobem de lugar ignoto
grito-as sentidas e agrestes
límpidas ressoando da voz
e as reconheço perdidas na
solenidade dum reencontro
Lisboa, 27 de Janeiro de 2006
Pronuncio uivos estranhos
na solidão dos actos puros
recito alto palavras alheias
que sobem de lugar ignoto
grito-as sentidas e agrestes
límpidas ressoando da voz
e as reconheço perdidas na
solenidade dum reencontro
Lisboa, 27 de Janeiro de 2006
terça-feira, março 14
CONTRA AS RASURAS NA MEMÓRIA
Fotografia in phe-no
“ (…) a transformação do Inatel em fundação de direito privado e utilidade pública. (…)”
Vi, pela primeira vez, num jornal de referência, uma linha com a notícia que acima reproduzo. Se for verdade, e tudo indica que é, iniciarei, em breve, uma série de escritos sob o título geral – “A Verdade de Uma Reforma”. Nada de especial. É só um pequeno contributo no sentido de impedir uma rasura na memória no que respeita à história recente da instituição pública em questão.
“ (…) a transformação do Inatel em fundação de direito privado e utilidade pública. (…)”
Vi, pela primeira vez, num jornal de referência, uma linha com a notícia que acima reproduzo. Se for verdade, e tudo indica que é, iniciarei, em breve, uma série de escritos sob o título geral – “A Verdade de Uma Reforma”. Nada de especial. É só um pequeno contributo no sentido de impedir uma rasura na memória no que respeita à história recente da instituição pública em questão.
TOLSTOY
Leonid Pasternak (1862-1945)
«Le frère de Tolstoy: «Il lui manquait les défauts nécessaires pour être un grand écrivant» (selon Tourgueniev).
Albert Camus
«Le frère de Tolstoy: «Il lui manquait les défauts nécessaires pour être un grand écrivant» (selon Tourgueniev).
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
segunda-feira, março 13
QUADRAS DA ALMA DORIDA
Fotografia de Philippe Pache
Trago deus impresso em mim
no coração e nos rins
A mancha tem a altura
de quarenta quadratins
Estava num profundo êxtase
no seio da divindade
Tudo se esvai. Perdi o
bilhete de identidade
A vida dói. Nada resta.
E diz a alma dorida:
Não creio numa outra vida.
Havia eu de crer nesta?
Ruy Belo
Palavras[s] de Lugar
In HOMEM DE PALAVRA[S]
Trago deus impresso em mim
no coração e nos rins
A mancha tem a altura
de quarenta quadratins
Estava num profundo êxtase
no seio da divindade
Tudo se esvai. Perdi o
bilhete de identidade
A vida dói. Nada resta.
E diz a alma dorida:
Não creio numa outra vida.
Havia eu de crer nesta?
Ruy Belo
Palavras[s] de Lugar
In HOMEM DE PALAVRA[S]
SOBREVIVENTES
Ron Mueck
A notícia que mais me perturbou, nos últimos tempos, foi aquela da escolha de um grupo de cidadãos que serão especialmente vacinados contra a gripe das aves. São aqueles que precisam de sobreviver mesmo que todos os outros morram! Não entendo o critério da escolha. Ela própria comporta um sinal preocupante. Escolher os sobreviventes do “grande mal”, por via administrativa, é um exercício brutal de exclusão da maioria. Talvez por boa fé, ou desespero, é a afirmação do anti-social elevada ao mais alto expoente.
A notícia que mais me perturbou, nos últimos tempos, foi aquela da escolha de um grupo de cidadãos que serão especialmente vacinados contra a gripe das aves. São aqueles que precisam de sobreviver mesmo que todos os outros morram! Não entendo o critério da escolha. Ela própria comporta um sinal preocupante. Escolher os sobreviventes do “grande mal”, por via administrativa, é um exercício brutal de exclusão da maioria. Talvez por boa fé, ou desespero, é a afirmação do anti-social elevada ao mais alto expoente.
domingo, março 12
GOVERNO - UM ANO (III)
Scarlett Johansson
Um ano de governo socialista não me faz esquecer os três anos que o antecederam. Desde as eleições legislativas de Março de 2002 até Março de 2005, data da entrada em funções do governo socialista, ocorreram um conjunto de acontecimentos que, ao menos politicamente, deveriam ser muito bem explicados.
Como foi possível Santana Lopes ter sido primeiro-ministro de Portugal? Como foi possível ter deixado o governo cair nas mãos de um grupo de gente – para ser elegante – sem escrúpulos nem sentido de estado.
Como foi possível permitir que o PP tenha ocupado, nas coligações dos governos de direita, as pastas ministeriais da Defesa, da Justiça e das Finanças! Para não falar da Segurança Social! Paulo Portas, Celeste Cardona e Bagão Félix. O que aconteceu, de verdade, na gestão dessas pastas durante aqueles três anos? Qual o balanço? Quem o fez? Quem o fará? Ninguém!
Muitos de nós sabemos, por experiência própria, a tragédia da governação de direita. Sabemos dos desmandos praticados, a todos os níveis da administração, que ainda hoje estão por reparar sendo que muitos são irreparáveis.
Celebrando um ano de governo o primeiro-ministro Sócrates afirmou não querer jogar o jogo do discurso da “pesada herança”. Faz bem. Mas não adianta empurrar para debaixo do tapete as sequelas dos três anos de governação de direita pois elas são bem evidentes como, por exemplo, no chamado caso do “envelope 9”.
Um dia destes, mais breve do que muitos possam pensar, os mesmos que agora são poupados não pouparão aqueles que os protegem pelo silêncio e inacção. As políticas injustas, as acções persecutórias, as vinganças pessoais, venham de onde vierem não podem ficar impunes.
Trata-se de uma questão de justiça e, antes de mais, de salvaguarda da liberdade. Pela minha parte continuo, tranquilamente, à espera.
(A imagem, aparentemente, nada tem a ver com o texto mas é para ser assim mesmo. É preciso manter a aspiração à sedução e à beleza para manter a esperança de entender mesmo os acontecimentos, à primeira vista, mais intrigantes e absurdos e, dessa forma, a nossa própria capacidade de ser cidadãos de parte inteira.)
Um ano de governo socialista não me faz esquecer os três anos que o antecederam. Desde as eleições legislativas de Março de 2002 até Março de 2005, data da entrada em funções do governo socialista, ocorreram um conjunto de acontecimentos que, ao menos politicamente, deveriam ser muito bem explicados.
Como foi possível Santana Lopes ter sido primeiro-ministro de Portugal? Como foi possível ter deixado o governo cair nas mãos de um grupo de gente – para ser elegante – sem escrúpulos nem sentido de estado.
Como foi possível permitir que o PP tenha ocupado, nas coligações dos governos de direita, as pastas ministeriais da Defesa, da Justiça e das Finanças! Para não falar da Segurança Social! Paulo Portas, Celeste Cardona e Bagão Félix. O que aconteceu, de verdade, na gestão dessas pastas durante aqueles três anos? Qual o balanço? Quem o fez? Quem o fará? Ninguém!
Muitos de nós sabemos, por experiência própria, a tragédia da governação de direita. Sabemos dos desmandos praticados, a todos os níveis da administração, que ainda hoje estão por reparar sendo que muitos são irreparáveis.
Celebrando um ano de governo o primeiro-ministro Sócrates afirmou não querer jogar o jogo do discurso da “pesada herança”. Faz bem. Mas não adianta empurrar para debaixo do tapete as sequelas dos três anos de governação de direita pois elas são bem evidentes como, por exemplo, no chamado caso do “envelope 9”.
Um dia destes, mais breve do que muitos possam pensar, os mesmos que agora são poupados não pouparão aqueles que os protegem pelo silêncio e inacção. As políticas injustas, as acções persecutórias, as vinganças pessoais, venham de onde vierem não podem ficar impunes.
Trata-se de uma questão de justiça e, antes de mais, de salvaguarda da liberdade. Pela minha parte continuo, tranquilamente, à espera.
(A imagem, aparentemente, nada tem a ver com o texto mas é para ser assim mesmo. É preciso manter a aspiração à sedução e à beleza para manter a esperança de entender mesmo os acontecimentos, à primeira vista, mais intrigantes e absurdos e, dessa forma, a nossa própria capacidade de ser cidadãos de parte inteira.)
OS SÁBIOS ÀS COISAS QUE SE APROXIMAM
Fotografia de Philippe Pache
A propósito de um intercâmbio de traduções da poesia de Kavafis com o blogue, rebaptizado de Catatau, apresento uma tradução em português do poema com o título em epígrafe.
A propósito de um intercâmbio de traduções da poesia de Kavafis com o blogue, rebaptizado de Catatau, apresento uma tradução em português do poema com o título em epígrafe.
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Porque os deuses às coisas futuras, os humanos às coisas presentes, os sábios às coisas que se aproximam são sensíveis.
Filóstrato, Sobre Apolónio da Tiana, VIII,7.
Os humanos conhecem as coisas presentes.
As coisas futuras os deuses conhecem,
de todas as luzes plenos e únicos detentores.
Das coisas futuras os sábios, videntes,
aquelas que vêm. Seus ouvidos acontecem
por vezes em momentos onde o estudo elabora
perturbar-se. A eles ocultos aparecem
de eventos que se abeiram os fragores.
E prestam-lhes piamente atenção. Entretanto, fora,
na rua, nada os ouvidos aos povos oferecem.
In “Os Poemas”
Konstandinos Kavafis
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis
Porque os deuses às coisas futuras, os humanos às coisas presentes, os sábios às coisas que se aproximam são sensíveis.
Filóstrato, Sobre Apolónio da Tiana, VIII,7.
Os humanos conhecem as coisas presentes.
As coisas futuras os deuses conhecem,
de todas as luzes plenos e únicos detentores.
Das coisas futuras os sábios, videntes,
aquelas que vêm. Seus ouvidos acontecem
por vezes em momentos onde o estudo elabora
perturbar-se. A eles ocultos aparecem
de eventos que se abeiram os fragores.
E prestam-lhes piamente atenção. Entretanto, fora,
na rua, nada os ouvidos aos povos oferecem.
In “Os Poemas”
Konstandinos Kavafis
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis
A DEFESA DE FARO
Faro – A Hora das Cegonhas – “Arco da Vila”
Apresentando a defesa de faro
A defesa da minha cidade natal que bem carece de ser defendida.
Apresentando a defesa de faro
A defesa da minha cidade natal que bem carece de ser defendida.
BACHELET PRESIDENTE DO CHILE
Vejam as diferenças de uma tomada de posse que ocorreu ontem com outra que ocorreu no passado dia 9. Tomou posse como Presidente da República do Chile a primeira mulher em toda a história deste país. Na posse não formam proferidos discursos. Estiveram presentes 30 altas figuras de Estado e o governo de Michelle Bachelet será paritário: 10 mulheres+10 homens.
Primeira mulher presidente da República toma hoje posse
A pediatra e socialista Michelle Bachelet, que foi presa, torturada e exilada ao tempo da ditadura militar no Chile, prestou hoje juramento como Presidente da República, tornando-se a primeira mulher a assumir a chefia do Estado chileno.
Veja outra notícia aqui.
Primeira mulher presidente da República toma hoje posse
A pediatra e socialista Michelle Bachelet, que foi presa, torturada e exilada ao tempo da ditadura militar no Chile, prestou hoje juramento como Presidente da República, tornando-se a primeira mulher a assumir a chefia do Estado chileno.
Veja outra notícia aqui.
sábado, março 11
RELATÓRIO E CONTAS
Fotografia de José Marafona
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
Tens retiradas hábeis, sabes como
a maçã se arredonda e se rebola à volta do que a rói
Há uvas há o trigo e o búzio da azeitona asperge em leque o som [inabalável
nos leves ondulados e restritos renques das mais longínquas oliveiras [conhecidas
Poisas sólidos pés sobre tantas traições e no entanto foste jovem
e tinhas quem sinceramente acreditasse em ti
A consciência mói-te mais que uma doença
reúnes em redor da casa equilibrada restos de rebanhos
e voltas entre estevas pelos múltiplos caminhos
Há fumos névoas noites coisas que se elevam e dispersam
regressas como quem dependurado cai da sua podridão de pomo
Reconheces o teu terrível nome as rugas do teu riso
começam já então a retalhar-te a cara
Despedias poentes por diversos pontos realmente
És aquele que no maior número possível de palavras nada disse
Comprazes-te contigo quando o próprio sol
desce sobre o teu pátio e passa tantas mãos na pele dos rostos que [tiveste
Repara: não esbarras já contra a cor amarela?
Setembro na verdade é mês para voltar
Podes tentar ainda alguns expedientes respeitáveis
multiplicar diversas diligências nos ameaçados cumes dos outeiros
ser e não ser fugir do rótulo aceitar e esquivar o nome fixo
E no entanto é inevitável: a temperatura descerá mais dia menos dia
Calas-te então cumprido como um rosto e puxas toda a tarde
sobre esse corpo que se estende e jaz
Andaste de lugar para lugar e deste o dito por não dito
mas todos toda a vida teus credores saberão onde encontrar-te
pois passarás a estar nalguma parte
Tens domicílio ali que a terra sobe levemente
e toda a tua boca ambiciosa sabe e sente quanto barro encerra
Ruy Belo
"Boca Bilingue"
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
Tens retiradas hábeis, sabes como
a maçã se arredonda e se rebola à volta do que a rói
Há uvas há o trigo e o búzio da azeitona asperge em leque o som [inabalável
nos leves ondulados e restritos renques das mais longínquas oliveiras [conhecidas
Poisas sólidos pés sobre tantas traições e no entanto foste jovem
e tinhas quem sinceramente acreditasse em ti
A consciência mói-te mais que uma doença
reúnes em redor da casa equilibrada restos de rebanhos
e voltas entre estevas pelos múltiplos caminhos
Há fumos névoas noites coisas que se elevam e dispersam
regressas como quem dependurado cai da sua podridão de pomo
Reconheces o teu terrível nome as rugas do teu riso
começam já então a retalhar-te a cara
Despedias poentes por diversos pontos realmente
És aquele que no maior número possível de palavras nada disse
Comprazes-te contigo quando o próprio sol
desce sobre o teu pátio e passa tantas mãos na pele dos rostos que [tiveste
Repara: não esbarras já contra a cor amarela?
Setembro na verdade é mês para voltar
Podes tentar ainda alguns expedientes respeitáveis
multiplicar diversas diligências nos ameaçados cumes dos outeiros
ser e não ser fugir do rótulo aceitar e esquivar o nome fixo
E no entanto é inevitável: a temperatura descerá mais dia menos dia
Calas-te então cumprido como um rosto e puxas toda a tarde
sobre esse corpo que se estende e jaz
Andaste de lugar para lugar e deste o dito por não dito
mas todos toda a vida teus credores saberão onde encontrar-te
pois passarás a estar nalguma parte
Tens domicílio ali que a terra sobe levemente
e toda a tua boca ambiciosa sabe e sente quanto barro encerra
Ruy Belo
"Boca Bilingue"
VAN GOGH - ADMIRAÇÕES
The Walk to Work (Le Depart pour le Travail) 1851- Millet
«Van Gogh admirait Millet, Tolstoi, Sully Prudhomme.»
Albert Camus
«Van Gogh admirait Millet, Tolstoi, Sully Prudhomme.»
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
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