sábado, outubro 23

Norah Jones

HOMENAGEM AO PAPAGAIO VERDE

Fotografia de Hélder Gonçalves

Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.

[Encontrei, um dia destes, na livraria do Publico, o último exemplar à venda de Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena. Homenagem ao Papagaio Verde é um dos textos mais notáveis que alguma vez me foi dado ler.]
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terça-feira, outubro 19

O SENTIDO DE VOTO DO PSD


Fotografia de Hélder Gonçalves

Abstraindo da retórica e, para quem tenha dúvidas acerca do sentido de voto do PSD na PROPOSTA DE LEI N.º 42/XI, mais conhecida como Orçamento de Estado para 2011, Ângelo Correia esclarece: O PSD deve pois abster-se e nem negociar com o PS.
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terça-feira, outubro 12

PORTUGAL NO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS



Portugal foi hoje eleito membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Durante o dia foi notável o contorcionismo da maioria dos midia para desvalorizar o acontecimento. A notícia subiu, a custo, à categoria de manchete assumindo a fórmula de vitória da diplomacia portuguesa, ou seja, para falar claro, vitória do governo!   
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Dito por outras palavras aqui. Também aqui.
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Adélia Prado




Tenho dificuldade em comer folhas,
mesmo as que eu próprio lavo
com óculos de aumento e rios d´água.
Minha carne quer outra carne,
vermelha entre dourados
de gordura amarela gotejante.
Não me vale saber das excelências do verde,
meu lábio treme à vista de suculências.
Aos rigores da lei
- paulina ou não –
minha fortaleza é a da mostarda.
Um grão.

Na minha recente visita de trabalho a Porto Alegre entrei na tal livraria e encontrei, além do último livro de Ferreira Gullar, também o último de Adéla Prado: A Duração do Dia. O poema acima transcrito ostenta este título extraordinário: O Noviço e a Abstinência de Preceito.
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domingo, outubro 10

Ferreira Gullar - em alguma parte alguma




Em algum lugar
esplende uma corola
de cor vermelho-queimado
metálica

não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou na janela

não cheira
não atrai
não murchará

apenas fulge
em alguma parte alguma
da vida

Numa viagem de trabalho a Porto Alegre, da qual regressei hoje mesmo, entrei numa livraria e encontrei o novo livro de Ferreira Gullar: em alguma parte alguma. O poema que transcrevo intitula-se Uma corola e o seu penúltimo verso dá o título ao livro.