Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, dezembro 29
quinta-feira, dezembro 27
A democracia em debate
“É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média
chamavam o «desconforto»? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta
cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente
alta para se poder estar de pé, nem suficientemente larga para se poder estar
deitado. Tinha-se de adoptar o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma
queda, a vigília um acocoramento.”
In “A Queda”, Albert Camus, na data em que, cinquenta anos atrás, recebeu o Nobel da Literatura.
Não sei se é vantajoso para Portugal negociar com Chávez mas todos os países negoceiam com todos e, se forem grandes potências, ninguém leva a mal. A natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios. De outra maneira nenhum país democrático negociava com a China que não é um país democrático. Porque não com a Venezuela que é um país democrático? Imaginem!
Não sei se é vantajoso para Portugal gastar energias na promoção de uma cimeira dos países da União Europeia com os países africanos. Uma parte significativa dos regimes políticos dos países africanos são cleptocracias, oligarquias, ditaduras e o mais que se possa imaginar para pior (com excepções!). Neste caso, mais uma vez, a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios.
Não sei se é vantajoso para Portugal apostar na consolidação e aprofundamento da União Europeia e suponho que, mesmo dentro do partido do governo, campeiam dúvidas acerca da bondade do projecto europeu. Pois se a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios que razão há para partilhar um espaço supra nacional que exige um esforço de partilha da liberdade e da democracia?
Não sei se é vantajoso para Portugal dispor de um governo que se sujeite ao julgamento das urnas, ou seja, um governo democrático se, como diz a voz do povo e a de alguns intelectuais ultra pessimistas, como Medina Carreira, os governos, nos últimos trinta anos, são todos iguais na incúria, incompetência e desleixo? A mensagem subliminar deste discurso é a de que a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios e, ainda menos, aos cidadãos.
Há cada vez mais gente que defende que não é possível em Portugal discutir seja o que for acerca do futuro, o futuro dos portugueses, pois o tempo, no nosso tempo, corre a uma velocidade vertiginosa e os políticos eleitos, seguindo as regras da democracia representativa, tornam-se lívidos perante os ciclos eleitorais e a ditadura mediática, reduzindo a ética republicana a um minúsculo emblema que ostentam na lapela.
Se a maioria dos cidadãos está apartada da política e, na sua mão, somente luze uma vaga esperança em assegurar a sobrevivência material, não sei se não seria vantajoso para Portugal “convocar as cortes” para debater, enquanto é tempo, a própria democracia em prol de uma reforma profunda do regime democrático, a duras penas conquistado.
Ao contrário de todas as evidências a natureza dos regimes políticos interessa aos negócios e, mais do que aos negócios, interessa aos cidadãos e só o inconformismo que ouse colocar a democracia em debate pode salvar a própria democracia.
[Artigo publicado na edição de hoje do Semanário Económico – versão integral.]
(Em 7 de dezembro de 2007 refletindo acerca de uma questão que sendo colocada hoje, embora noutros termos, causa grande escândalo...)
In “A Queda”, Albert Camus, na data em que, cinquenta anos atrás, recebeu o Nobel da Literatura.
Não sei se é vantajoso para Portugal negociar com Chávez mas todos os países negoceiam com todos e, se forem grandes potências, ninguém leva a mal. A natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios. De outra maneira nenhum país democrático negociava com a China que não é um país democrático. Porque não com a Venezuela que é um país democrático? Imaginem!
Não sei se é vantajoso para Portugal gastar energias na promoção de uma cimeira dos países da União Europeia com os países africanos. Uma parte significativa dos regimes políticos dos países africanos são cleptocracias, oligarquias, ditaduras e o mais que se possa imaginar para pior (com excepções!). Neste caso, mais uma vez, a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios.
Não sei se é vantajoso para Portugal apostar na consolidação e aprofundamento da União Europeia e suponho que, mesmo dentro do partido do governo, campeiam dúvidas acerca da bondade do projecto europeu. Pois se a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios que razão há para partilhar um espaço supra nacional que exige um esforço de partilha da liberdade e da democracia?
Não sei se é vantajoso para Portugal dispor de um governo que se sujeite ao julgamento das urnas, ou seja, um governo democrático se, como diz a voz do povo e a de alguns intelectuais ultra pessimistas, como Medina Carreira, os governos, nos últimos trinta anos, são todos iguais na incúria, incompetência e desleixo? A mensagem subliminar deste discurso é a de que a natureza dos regimes políticos interessa pouco aos negócios e, ainda menos, aos cidadãos.
Há cada vez mais gente que defende que não é possível em Portugal discutir seja o que for acerca do futuro, o futuro dos portugueses, pois o tempo, no nosso tempo, corre a uma velocidade vertiginosa e os políticos eleitos, seguindo as regras da democracia representativa, tornam-se lívidos perante os ciclos eleitorais e a ditadura mediática, reduzindo a ética republicana a um minúsculo emblema que ostentam na lapela.
Se a maioria dos cidadãos está apartada da política e, na sua mão, somente luze uma vaga esperança em assegurar a sobrevivência material, não sei se não seria vantajoso para Portugal “convocar as cortes” para debater, enquanto é tempo, a própria democracia em prol de uma reforma profunda do regime democrático, a duras penas conquistado.
Ao contrário de todas as evidências a natureza dos regimes políticos interessa aos negócios e, mais do que aos negócios, interessa aos cidadãos e só o inconformismo que ouse colocar a democracia em debate pode salvar a própria democracia.
[Artigo publicado na edição de hoje do Semanário Económico – versão integral.]
(Em 7 de dezembro de 2007 refletindo acerca de uma questão que sendo colocada hoje, embora noutros termos, causa grande escândalo...)
Fotografia de Darryl Baird |
quarta-feira, dezembro 26
segunda-feira, dezembro 24
NATAL DE 2012
As celebrações fazem-nos abrir os corações, mas também adensam os dramas e acirram as disputas. A todas, e a todos, digo o que sempre digo: tornemos a breve trégua num largo horizonte de paz e concórdia. Uma tarefa de todos os dias. A sul, na minha terra, o céu está claro, o tempo ameno (noutras latitudes apela à praia!) e ouço, feitos presentes, os passos dos meus, a carne da minha carne. Que vivam!
A minha mãe. |
sábado, dezembro 22
quinta-feira, dezembro 20
quarta-feira, dezembro 19
9 ANOS
Fotografia de Hélder Gonçalves |
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de
permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com
eles,
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,
atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,
observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,
louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,
guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,
incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,
ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.
(um programa para o absorto)
terça-feira, dezembro 18
UM CORPO
Um corpo desejável envolto em pose despojada
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.
21 de Dezembro de 2004
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.
21 de Dezembro de 2004
Fotografia de Margarida Delgado
[Por vezes postei poesia mais de outros, do que minha, por gosto de compor os versos com imagens como as de Margarida Delgado que sempre me encantaram.Este é de 16 de setembro de 2005.]
|
ALBERT CAMUS
15 de Set. (1937)
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
[Passaram 70 anos sobre estas palavras escritas por Camus enquanto jovem. Vejo que a MRF também sublinha um texto da sua juventude, “La Mort heureuse”, cujo plano foi delineado em Agosto de 1935, tinha Camus a idade de 21 anos, cuja escrita atravessa toda a sua vida, mas só foi publicado postumamente.]
Divas & Contrabaixos |
UM POST DE 21 DE SETEMBRO DE 2007 COMO REPRESENTAÇÃO DE TANTOS OUTROS COM ALBERT CAMUS .
AS FOTOGRAFIAS DO HÉLDER GONÇALVES
Ir ao Vaticano para Compreender
Uma das experiências mais interessantes da minha vida
pública, nos últimos anos, foi a participações na “Pastoral da Saúde”, conclave,
de nível mundial, realizado no Vaticano.
O Padre Feytor Pinto dirigia a representação portuguesa e eu resolvi aceitar os convites movido pela curiosidade de observar e participar na reflexão acerca de um tema que, aparentemente fechado, se estende a todas as questões de natureza social.
O convite deve ter resultado da colaboração encetada entre o INATEL e o patriarcado aquando da EXPO-98. Confirmei e reforcei as minhas expectativas iniciais: a igreja dispõe de um conhecimento profundo e alargado acerca das condições de vida das populações mais desfavorecidas do planeta.
Salvaguardando os aspectos formais e a liturgia que decorrem da entidade organizadora – a Santa Sé – que, para mim, católico não praticante, não foram sequer maçadoras, tive oportunidade de ouvir testemunhos impressionantes da situação social, em particular, dos povos africanos e da América Latina.
E para meu espanto as palavras mais duras, que fariam corar o mais radical dos dirigentes dos partidos da esquerda europeia, vinham da boca de altos dignitários, cardeais e bispos, que se não coibiam de atacar a ganância das multinacionais e a injustiça das políticas da maior parte dos governos.
A minha visão da Igreja católica mudou, a partir destas experiências de participação, tendo aprendido que nela coabitam, de facto, uma pluralidade de sensibilidades na abordagem das questões da pobreza, da doença e do papel da igreja e da comunidade na defesa dos direitos humanos.
Não sei se alguma outra instituição tem tantos recursos humanos, homens e mulheres, envolvidos na ajuda humanitária e na defesa da dignidade dos mais desfavorecidos, nos quatro cantos do mundo, desde a mais remota comunidade dos confins da selva amazónica aos arrabaldes das grandes metrópoles urbanas.
Fiquei, sinceramente, a pensar, tal como tinha acontecido na minha adolescência, acerca da utilidade da nossa vida quotidiana, em regra, afastada da defesa das verdadeiras causas humanitárias.
E ainda mais quando verifiquei, por experiência própria, que, muitas vezes, a ostentação da fé não corresponde, em nada, à prática que decorre dos ensinamentos essenciais da doutrina da igreja.
Fui ao Vaticano, participei, por duas vezes nos trabalhos desta Pastoral, incluindo uma comovente cerimónia colectiva de recepção da comitiva pelo Papa, e voltei compreendendo melhor a prática da Igreja. Percebi que os valores da solidariedade, liberdade e igualdade, que vi bailarem nos olhos de muitos dos religiosos participantes daqueles conclaves, não são património exclusivo dos movimentos laicos.
O Padre Feytor Pinto dirigia a representação portuguesa e eu resolvi aceitar os convites movido pela curiosidade de observar e participar na reflexão acerca de um tema que, aparentemente fechado, se estende a todas as questões de natureza social.
O convite deve ter resultado da colaboração encetada entre o INATEL e o patriarcado aquando da EXPO-98. Confirmei e reforcei as minhas expectativas iniciais: a igreja dispõe de um conhecimento profundo e alargado acerca das condições de vida das populações mais desfavorecidas do planeta.
Salvaguardando os aspectos formais e a liturgia que decorrem da entidade organizadora – a Santa Sé – que, para mim, católico não praticante, não foram sequer maçadoras, tive oportunidade de ouvir testemunhos impressionantes da situação social, em particular, dos povos africanos e da América Latina.
E para meu espanto as palavras mais duras, que fariam corar o mais radical dos dirigentes dos partidos da esquerda europeia, vinham da boca de altos dignitários, cardeais e bispos, que se não coibiam de atacar a ganância das multinacionais e a injustiça das políticas da maior parte dos governos.
A minha visão da Igreja católica mudou, a partir destas experiências de participação, tendo aprendido que nela coabitam, de facto, uma pluralidade de sensibilidades na abordagem das questões da pobreza, da doença e do papel da igreja e da comunidade na defesa dos direitos humanos.
Não sei se alguma outra instituição tem tantos recursos humanos, homens e mulheres, envolvidos na ajuda humanitária e na defesa da dignidade dos mais desfavorecidos, nos quatro cantos do mundo, desde a mais remota comunidade dos confins da selva amazónica aos arrabaldes das grandes metrópoles urbanas.
Fiquei, sinceramente, a pensar, tal como tinha acontecido na minha adolescência, acerca da utilidade da nossa vida quotidiana, em regra, afastada da defesa das verdadeiras causas humanitárias.
E ainda mais quando verifiquei, por experiência própria, que, muitas vezes, a ostentação da fé não corresponde, em nada, à prática que decorre dos ensinamentos essenciais da doutrina da igreja.
Fui ao Vaticano, participei, por duas vezes nos trabalhos desta Pastoral, incluindo uma comovente cerimónia colectiva de recepção da comitiva pelo Papa, e voltei compreendendo melhor a prática da Igreja. Percebi que os valores da solidariedade, liberdade e igualdade, que vi bailarem nos olhos de muitos dos religiosos participantes daqueles conclaves, não são património exclusivo dos movimentos laicos.
segunda-feira, dezembro 17
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES
O João Pedro Henriques do Glória Fácil … publicou a fotografia do jantar de extinção do MES com uma legenda depurada. Os meus agradecimentos. Quando se justificar actualizarei a legenda.
CRUZEIRO SEIXAS
Ao ler uma entrevista de Cruzeiro Seixas à pergunta :
“A quem desejaria dar um grande abraço?”, respondeu: ”A muitos que morreram e me
fazem tanta falta como o António Maria Lisboa, o Mário-Henrique Leiria, o Jose
Pierre e os meus pais.”
Curiosa coincidência a nomeação de dois poetas aos quais , recentemente, fiz referência. Mas nunca tinha referido o próprio Cruzeiro Seixas.
Até quando
sementes
estaremos entregues
a este passar sobre a terra
exausta de nos esperar?
Até quando havemos de sonhar
ser flor e fruto
e não a dor infinita da morte
do teu olhar?(Áfricas 957)
Cruzeiro Seixas, Poema Inédito (e entrevista) In “Poetas Visitados”, de Maria Augusta Silva – Edições Caixotim
[Post de 21 de Julho de 2005. Atravessando o mar da poesia ... ]
Curiosa coincidência a nomeação de dois poetas aos quais , recentemente, fiz referência. Mas nunca tinha referido o próprio Cruzeiro Seixas.
Até quando
sementes
estaremos entregues
a este passar sobre a terra
exausta de nos esperar?
Até quando havemos de sonhar
ser flor e fruto
e não a dor infinita da morte
do teu olhar?(Áfricas 957)
Cruzeiro Seixas, Poema Inédito (e entrevista) In “Poetas Visitados”, de Maria Augusta Silva – Edições Caixotim
[Post de 21 de Julho de 2005. Atravessando o mar da poesia ... ]
domingo, dezembro 16
ENTÃO GANHOU O BUSH, NÃO FOI?
No ano 2050 ninguém se vai lembrar desta madrugada
em que fui dormir com a certeza do resultado amargo
da refrega entre dois campos vizinhos mas separados
pelo largo estuário do rio onde correm diferentes olhares
sobre o homem, a vida, a morte, a paz e a guerra.
Todas as diferenças onde se amparam o viver das gentes,
ilustres e vulgares, milhões que acreditam nas escolhas
que julgam mudarem o seu futuro. Mas qual futuro?
Então ganhou o Bush, não foi?
O meu filho, pelas sete da manhã, abriu a porta do quarto
e deu-me a notícia cheio de uma ingénua esperança
de que a sorte mudasse pelos caprichos de um estado
que acorda mais tardio para a coisa. Mas não, eu já sabia,
desde antes. A noite não se faz dia ao estalido
dos dedos de uma mão mesmo que sejam um milhão,
dez, cem milhões de dedos das mãos dadas todas do mundo.
O guerreiro quer guerra e o infiel é o seu duplo.
Então, ganhou o Bush, não foi?
Perguntou-me, a medo, o empregado de mesa
que me serve todos os dias, solícito, além do melão fresco,
o frugal sumo de laranja e os dois rissóis do meu contentamento.
Pois foi, era o que tinha de ser, e o que tem de ser tem muita força.
Então ganhou o Bush, não foi?
Foi!
Que lhe faça bom proveito e ao povo que nele confia.
Tenho a certeza que os poetas da América não
vão deixar de poetar e a mim só me interessa
a POESIA
nem a mentira,
nem a ignomínia,
nem o negócio da morte,
nem da guerra preventiva a cobardia,
nem a vã glória que o vencedor anuncia.
Então ganhou o Bush, não foi?
QUE VIVA A POESIA!
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
em que fui dormir com a certeza do resultado amargo
da refrega entre dois campos vizinhos mas separados
pelo largo estuário do rio onde correm diferentes olhares
sobre o homem, a vida, a morte, a paz e a guerra.
Todas as diferenças onde se amparam o viver das gentes,
ilustres e vulgares, milhões que acreditam nas escolhas
que julgam mudarem o seu futuro. Mas qual futuro?
Então ganhou o Bush, não foi?
O meu filho, pelas sete da manhã, abriu a porta do quarto
e deu-me a notícia cheio de uma ingénua esperança
de que a sorte mudasse pelos caprichos de um estado
que acorda mais tardio para a coisa. Mas não, eu já sabia,
desde antes. A noite não se faz dia ao estalido
dos dedos de uma mão mesmo que sejam um milhão,
dez, cem milhões de dedos das mãos dadas todas do mundo.
O guerreiro quer guerra e o infiel é o seu duplo.
Então, ganhou o Bush, não foi?
Perguntou-me, a medo, o empregado de mesa
que me serve todos os dias, solícito, além do melão fresco,
o frugal sumo de laranja e os dois rissóis do meu contentamento.
Pois foi, era o que tinha de ser, e o que tem de ser tem muita força.
Então ganhou o Bush, não foi?
Foi!
Que lhe faça bom proveito e ao povo que nele confia.
Tenho a certeza que os poetas da América não
vão deixar de poetar e a mim só me interessa
a POESIA
nem a mentira,
nem a ignomínia,
nem o negócio da morte,
nem da guerra preventiva a cobardia,
nem a vã glória que o vencedor anuncia.
Então ganhou o Bush, não foi?
QUE VIVA A POESIA!
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
[4 de novembro de 2004. Postando um poema escrito em cima do resultado das eleições americanos de Novembro desse ano.] |
1º de Maio de 1974 - O MES saiu à rua num dia assim
Como escrever uma posta acerca de uma memória antiga que não surja aos olhos de quem a lê como o rumorejar de um passado morto? Não sei! Apesar do risco sinto que, no terreno movediço das memórias, há exercícios que valem a pena. É o caso deste que partilho convosco.
Um dia, nos idos de 2007, através de
uma cadeia de amigos chegaram-me às mãos quatro fotografias que testemunham o
surgimento público do MES (Movimento de Esquerda Socialista).
Aconteceu na celebrada
manifestação do 1º de Maio de 1974, em Lisboa, a tal inultrapassável em tudo -
desde a aritmética à emoção - que autenticou a vitória do golpe militar com a
marca de água de uma massiva, genuína e entusiástica adesão popular. Tendo-me
chegado às mãos as ditas quatro fotografias, depois de tanto ter cismado acerca
da sua eventual inexistência, havia de promover a sua divulgação.
Escrevi então, se não erro, três
postas no absorto que podem ser lidas aqui, aqui e aqui, mas
a colecção nunca antes havia sido publicada. O interesse em voltar ao tema, no
presente, é, pois, somente o de deixar disponíveis, e arquivadas, nos Caminhos,
as fotografias (únicas) da Rosário Belmar da Costa e, em jeito de remate
transcrever dois comentários de quem testemunhou, ao vivo, a manifestação (no
caso a fotógrafa de ocasião) dando conta da anárquica discussão acerca da sigla
do nascente MES que havia de ser, até ao fim, «de esquerda» e não «da esquerda»
como surgiu anunciado no artesanal pano inaugural.
Quem quiser, 35 anos passados,
que se entretenha a identificar os manifestantes!
Comentou a
Rosário:
Eduardo,
Estivemos, eu e o Xico
(Camões), a puxar pela memória e o que nos lembramos é que começámos o dia por
ir ao Bombarral buscar uns livros de capa preta que o Mil Homens tinha
conseguido imprimir numa tipografia de lá (sobre o que eram os livros já não nos
lembramos - textos de antes do 25 de Abril e prefácio posterior, mas talvez tu
saibas *).
Depois viemos ter com o
Agostinho (Roseta) (lá para os lados da Portugália) que, fardado, não queria
aparecer em evidência. Não sei mesmo mas penso que é o tipo de costas ao pé do
pau do lado esquerdo.
A ideia do cartaz foi do
César de Oliveira (creio que ainda houve alguma discussão sobre se era Movimento
da Esquerda ou Movimento de Esquerda…), que esteve o tempo todo esfuziante aos
gritos. Ao pé de nós apareceu um grupo, de desertores e refractários acabadinhos
de chegar de Paris, animadíssimo (bem animadíssimos estávamos todos) capitaneado
pelo Zé Mário Branco aos gritos de «Desertores, Refractários, Amnistia Total!».
Foi uma tarde de sonho, tal era o entusiasmo, a quantidade de gente toda feliz,
a alegria que estava no ar!
Quanto à fotografia o
problema é lembrarmo-nos dos nomes…A partir de uma determinada altura já não foi
possível fotografar mais nada, já que era tanta a gente que só do alto e com
grandes angulares, meios fora do alcance dos amadores que éramos. Felizmente
foram a P&B, que têm muita mais conservação que as feitas a
cores!.
Rosário Belmar da Costa
* O
livro intitula-se: Classes, política - política de Classes.
Comentou a Luísa
Ivo:
O nome do movimento foi
amplamente discutido numa reunião no Centro Nacional de Cultura, no
fim-de-semana entre o 25 de Abril e o 1º de Maio. Não me lembro de alternativas
à sigla depois aparecida, nem recordo já quem defendeu fosse o que fosse. Sei
que foi uma reunião confusa, com pessoas a entrar e a sair, com variadíssimos
contactos telefónicos, mesmo para outros pontos do país. Tentava-se informar a
malta que connosco se articulava há anos. Recordo um telefonema que fiz para
amigos do Sindicato dos Electricistas de Coimbra (ou talvez do Centro), por
indicação do Victor Wengorovius que teve um papel central nessa reunião de
coordenação.
Um abraço grande para quem
aqui passa e para ti em especial da
Luísa Ivo
[Em 30 de abril de 2009 publiquei este post, um dos obteve mais audiência neste blogue, numa série dedicada ao MES, neste caso, destinado ao blog, já encerrado, Os Caminhos da Memória. O tema merece posteriores desenvolvimentos.]
sábado, dezembro 15
EMÍLIO CAMPOS COROA
Emílio Campos Coroa, médico oftalmologista, era um amante do teatro. Formado na
escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo Quintela, era casado com a Dra.
Amélia, minha professora de liceu, uma mulher sensível e actriz de grande
talento.
Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.
De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.
Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.
Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.
Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.
Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.
Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.
Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.
De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.
Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.
Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.
Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.
Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.
Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.
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