Como escrever uma posta acerca de uma memória antiga que não surja aos olhos de quem a lê como o rumorejar de um passado morto? Não sei! Apesar do risco sinto que, no terreno movediço das memórias, há exercícios que valem a pena. É o caso deste que partilho convosco.
Um dia, nos idos de 2007, através de
uma cadeia de amigos chegaram-me às mãos quatro fotografias que testemunham o
surgimento público do MES (Movimento de Esquerda Socialista).
Aconteceu na celebrada
manifestação do 1º de Maio de 1974, em Lisboa, a tal inultrapassável em tudo -
desde a aritmética à emoção - que autenticou a vitória do golpe militar com a
marca de água de uma massiva, genuína e entusiástica adesão popular. Tendo-me
chegado às mãos as ditas quatro fotografias, depois de tanto ter cismado acerca
da sua eventual inexistência, havia de promover a sua divulgação.
Escrevi então, se não erro, três
postas no absorto que podem ser lidas aqui, aqui e aqui, mas
a colecção nunca antes havia sido publicada. O interesse em voltar ao tema, no
presente, é, pois, somente o de deixar disponíveis, e arquivadas, nos Caminhos,
as fotografias (únicas) da Rosário Belmar da Costa e, em jeito de remate
transcrever dois comentários de quem testemunhou, ao vivo, a manifestação (no
caso a fotógrafa de ocasião) dando conta da anárquica discussão acerca da sigla
do nascente MES que havia de ser, até ao fim, «de esquerda» e não «da esquerda»
como surgiu anunciado no artesanal pano inaugural.
Quem quiser, 35 anos passados,
que se entretenha a identificar os manifestantes!
Comentou a
Rosário:
Eduardo,
Estivemos, eu e o Xico
(Camões), a puxar pela memória e o que nos lembramos é que começámos o dia por
ir ao Bombarral buscar uns livros de capa preta que o Mil Homens tinha
conseguido imprimir numa tipografia de lá (sobre o que eram os livros já não nos
lembramos - textos de antes do 25 de Abril e prefácio posterior, mas talvez tu
saibas *).
Depois viemos ter com o
Agostinho (Roseta) (lá para os lados da Portugália) que, fardado, não queria
aparecer em evidência. Não sei mesmo mas penso que é o tipo de costas ao pé do
pau do lado esquerdo.
A ideia do cartaz foi do
César de Oliveira (creio que ainda houve alguma discussão sobre se era Movimento
da Esquerda ou Movimento de Esquerda…), que esteve o tempo todo esfuziante aos
gritos. Ao pé de nós apareceu um grupo, de desertores e refractários acabadinhos
de chegar de Paris, animadíssimo (bem animadíssimos estávamos todos) capitaneado
pelo Zé Mário Branco aos gritos de «Desertores, Refractários, Amnistia Total!».
Foi uma tarde de sonho, tal era o entusiasmo, a quantidade de gente toda feliz,
a alegria que estava no ar!
Quanto à fotografia o
problema é lembrarmo-nos dos nomes…A partir de uma determinada altura já não foi
possível fotografar mais nada, já que era tanta a gente que só do alto e com
grandes angulares, meios fora do alcance dos amadores que éramos. Felizmente
foram a P&B, que têm muita mais conservação que as feitas a
cores!.
Rosário Belmar da Costa
* O
livro intitula-se: Classes, política - política de Classes.
Comentou a Luísa
Ivo:
O nome do movimento foi
amplamente discutido numa reunião no Centro Nacional de Cultura, no
fim-de-semana entre o 25 de Abril e o 1º de Maio. Não me lembro de alternativas
à sigla depois aparecida, nem recordo já quem defendeu fosse o que fosse. Sei
que foi uma reunião confusa, com pessoas a entrar e a sair, com variadíssimos
contactos telefónicos, mesmo para outros pontos do país. Tentava-se informar a
malta que connosco se articulava há anos. Recordo um telefonema que fiz para
amigos do Sindicato dos Electricistas de Coimbra (ou talvez do Centro), por
indicação do Victor Wengorovius que teve um papel central nessa reunião de
coordenação.
Um abraço grande para quem
aqui passa e para ti em especial da
Luísa Ivo
[Em 30 de abril de 2009 publiquei este post, um dos obteve mais audiência neste blogue, numa série dedicada ao MES, neste caso, destinado ao blog, já encerrado, Os Caminhos da Memória. O tema merece posteriores desenvolvimentos.]
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