domingo, outubro 3

PS - CONGRESSO

Ao segundo dia surgiu o debate da política de alianças. Nada de novo a não ser o ter-se discutido abertamente o que já não é nada pouco.
Mas o mais importante acontecimento deste congresso continua a ser a eleição do Secretário-geral. José Sócrates foi eleito por voto directo e secreto dos militantes com uma elevada participação. Mais de 30.000 eleitores foram às urnas facto absolutamente inédito na história da democracia portuguesa.

No primeiro dia do Congresso deu para conhecer o estilo do secretário-geral. No segundo para conhecer a política de alianças: PS sozinho em busca de uma maioria para governar, sem alianças. Agora faltam enunciar as políticas.

E saber como a nova liderança vai reagir às campanhas que a direita deve estar a aprontar na linha do vale tudo. É que a liderança do PS mudou mas não mudaram as lideranças do PSD e do PP. Preparem-se!

sábado, outubro 2

MARISA VAQUERO

Nacida en Daimiel (Ciudad Real), obtuvo el Premio Ciudad de Leganés por Jardines de piedra (1988). Ha publicado: Jean-Loup (1992) y una Antología de sus versos (1991). El inédito Poemas de falda negra aparecerá próximamente.

Para él
quiero una muerte lenta,
que oigan sus lamentos
las montañas y valles.
Que se llenen los ríos,
mares, pozos y lagos
de finos hilos rojos.
Que vean las estrellas
cómo se agota el ánimo,
cómo el latir se apaga.
Quiero vengarme hoy
que mi apetito sólo
desea devorarle.

In HARTZ

A nomeação de Celeste Cardona

Ouvi dizer, não ouvi ao vivo, que o Dr. Bagão Félix se manifestou indignado por uma campanha lançada, na comunicação social, contra a nomeação da Dra. Celeste Cardona para a administração da CGD (Caixa Geral de Depósitos).
A consciência do Dr. Bagão Felix é leve, muito leve, como o ar que respira. Já agora, a Dra. Celeste Cardona vai assumir, a tempo inteiro, na administração da CGD as “áreas jurídica e fiscal/contencioso/compras e provisionamento”.

Este episódio e os seus católicos protagonistas fizeram-me, estranhamente, lembrar estas citações:

“É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos.”

“Para os cristãos, a Revelação está no início da história. Para os marxistas, está no fim.”

G. Greene: ...”Para quem não crê em Deus, se as pessoas não forem tratadas segundo os seus méritos o mundo é um caos, é-se levado ao desespero”.

Albert Camus, in Cadernos

"Projecto dum livro sobre a sexualidade

Aqui está um jovem casal que se instala no meu compartimento: a mulher é loira pintada; usa grandes óculos escuros, lê o Paris-Match; tem um anel em cada dedo e cada unha de ambas as mãos está pintada de cor diferente das unhas vizinhas; a do dedo médio, mais curta, dum carmim pesado, indica grosseiramente o dedo da masturbação. Daqui, do encantamento em que me mantém este casal do qual não consigo desviar os olhos, surge-me a ideia de um livro (ou dum filme) onde não haveria senão estes traços de sexualidade secundária (nada de pornográfico); aí se apreenderia (tentar-se-ia apreender) a “personalidade” sexual de cada corpo, que não é nem a sua beleza nem o seu ar “sexy” mas, sim, a forma como cada se oferece imediatamente à leitura; porque a jovem loira de unhas grosseiramente colorias e o seu jovem marido (de nádegas moldadas e olhos doces) traziam a sua sexualidade de casal na botoeira, com uma legião de honra (sexualidade e respeitabilidade provêm do mesmo cartaz) e essa sexualidade legível (tal qual Michelet a teria certamente lido) enchia o compartimento, por uma metonímia irresistível, muito mais seguramente do que uma série de garridices.”

Na página 16 escrevi a seguinte nota: “prefiro a viagem. o encontro entre as pessoas que se movimentam nos lugares e nos acontecimentos.”

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 40
(pag. 16, 2 de 2)

Edição portuguesa - Edições 70

sexta-feira, outubro 1

José Sócrates

Teve início o Congresso do PS. Os discursos iniciais são marcantes. Dispenso-me de comentar os rostos cansados das primeiras filas. Sócrates tem todas as condições para ser um vencedor. A personalidade dos lideres é muito importantes na luta política. A batalha da comunicação já ele ganhou. Agora falta definir a política. É aqui que bate o ponto.

Imigração - "O problema Social Mais Grave da Europa"

Está diponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo, com o título em epígrafe, publicado hoje no "Semanário Económico"

Aurora boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001


Viajar na cidade

A cidade é um espaço fascinante. Ontem cruzei a cidade, de lés a lés, duas vezes de taxi. Não falo agora da arquitectura, da demografia, da limpeza, do estacionamento, do trânsito, do policiamento, em suma, da gestão da cidade de Lisboa. Falo dos dois homens que me guiaram nessas viagens pela cidade. Dois encontros surpreendentes.
O primeiro tinha sido empresário na área dos produtos de iluminação. A sua empresa era razoavelmente grande. Seis meses atrás desentendeu-se com o sócio e saiu “a bem”. A adesão à sua nova profissão foi forçada e estava a habituar-se. Gostava do que fazia mas as suas palavras denotavam a nostalgia pela vida que tinha "sido obrigado" a largar.
O segundo andava há quatro dias na faina. Não sabia como chegar ao destino que lhe indiquei. Homem maduro reconheceu a sua ignorância. Expliquei-lhe o que o seu colega da manhã me tinha explicado. “Não se preocupe que 80% dos clientes lhe indicarão o caminho”. A maioria são simpáticos e colaborantes confirmou, como resultado da sua curta experiência. Enquanto lhe indicava, com o máximo de detalhes, as virtudes do caminho que escolhi ele contava-se a sua experiência de vida.
Era industrial de confecções. Tinha uma fábrica que começou a não dar para pagar as despesas. Explicou-me que os produtos do oriente não dão hipóteses à nossa produção tradicional. A sua mulher ainda lá trabalha. Mas ele teve que agarrar-se a uma actividade que tinha abandonado há muitos anos atrás. Para legalizar a sua situação de condutor do táxi (de um amigo) realizou 200 horas de formação. Aos 60 anos é obra.
Ao viajar na cidade ontem confrontei-me com dois dramas pessoais e familiares. Dois exemplos de homens de cultura e experiência superior que não se deram por vencidos face às dificuldades da vida. Senti-me solidário com eles.
Aconselho vivamente o Dr. Bagão Féliz a tomar, de vez em quando, um táxi, a andar a pé na rua, a viajar na cidade. Assim poderia afinar com mais perfeição os seus discursos de defesa dos pobres e desprotegidos. E a perceber a cor da bonomia que esconde, envergolhada, o vermelho da indignação e da revolta

quinta-feira, setembro 30

Colocação de professores

A divulgação da informação de que uma empresa resolveu, de forma expedita, o problema informático que fez colapsar o processo de colocação dos professores coloca novos problemas. Quais as verdadeiras razões daquele colapso? Se era fácil, rápido e barato solucionar o problema informático porque razão não foi solucionado antes? As colocações, afinal, foram feitas à mão? Se o essencial do problema da colocação de professores foi resolvido ainda bem. Mas depois desta novidade e da intervenção pública do ex-ministro David Justino resta muito por esclarecer, a bem do funcionamento da comunidade educativa e do interesse público
.
"Nova Empresa Resolveu Colocação de Professores em Seis Dias
O problema da colocação de professores foi resolvido através de uma nova solução informática pensada em seis dias e executada em 30 minutos, com o apoio de um novo servidor vindo de Espanha." (Público)
TEXTO

quarta-feira, setembro 29

Serviço Militar Obrigatório

O Dr. Portas surge, ufano, a proclamar o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO). O acontecimento aparece aos olhos da grande maioria como uma grande conquista civilizacional. Em particular aos olhos da juventude. As juventudes partidárias rejubilam.
O Dr. Portas ostenta um orgulho que estaria nas antípodas das suas próprias convicções caso fosse um verdadeiro patriota. No momento em que se consagra o fim do SMO quero afirmar que sempre fui a favor da conscrição, ou seja, do “alistamento militar”.
Acho que o fim do SMO é uma cobardia moral e um sinal de resignação patriótica.
A partir de agora o país ficará a dispor de forças militares profissionais. A maioria dos jovens nunca terá acesso à experiência militar. Nunca saberá manejar uma arma. Nunca terá a noção real do que é a defesa nacional. O país perderá um dos últimos redutos onde se exercitava o sentimento de pertença à comunidade nacional.
Ficam os ex-combatentes para o exercício da demagogia patrioteira. Ficam as compras de armamento para o aumento da despesa pública. Ficam os edifícios e os terrenos militares devolutos para combater o deficit.
O patriotismo virou negócio por grosso e a retalho. E negócio chorudo!

Pequenas coisas

Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

Albano Martins
Escrito a vermelho
Campo das Letras
1999
1ª edição

Pó dos livros - 8

O teatro ocupou um lugar importante na formação da minha sensibilidade e cultura cívica. Fui iniciado, no liceu de Faro, pelo Prof. Joaquim Magalhães tendo prosseguido uma intensa experiência teatral, no Grupo de Teatro do Círculo Cultural do Algarve, sob a orientação do médico Emílio Campos Coroa, oriundo da escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo Quintela.
A todos eles, grandes figuras da cultura portuguesa, esquecidos mas nem por isso menos grandes, fiquei a dever, pela via do teatro, uma perspectiva humanista dos homens e do mundo.

Não admira que o “pó dos livros” revele a presença dos livros de teatro.
Aqui vão dois e um apontamento de uma experiência particular.

- “Teatro de Novos”“Consultório” de Augusto Sobral e “O Pescador à Linha” de Jaime Salazar Sampaio – Arcádia, edição de 1961. Peças estreadas a 2 de Junho de 1961 no Teatro Nacional D. Maria II, com encenação de Artur Ramos. (Talvez o livro de teatro mais antigo que comprei por 15$00.) ;

- “Teatro Contemporâneo” – “problemas do jogo e do espírito” – Mário Vilaça, “um livro seleccionado por Vértice”, edição de autor – Coimbra, 1967.

Neste último, encadernado a “papel ferro”, com abundantes fotos, a preto e branco, se reúnem textos publicados em diversas revistas e publicações fazendo referências a autores, peças, escolas de teatro e técnicas. Reparo, em particular, num texto dedicado ao teatro moderno norte-americano em que se fala, entre outros, de Thornton Wilder.

Retenho que encenei e representei, num trabalho colectivo, no que chamávamos o “Teatro Sarrapilheira”, em Faro, a peça, em um acto, “A Longa Ceia de Natal”, desse grande autor norte-americano. A empresa foi levada a cabo com o beneplácito de Campos Coroa e sem autorização prévia do Governo Civil, cujo pedido tornaria a tarefa impossível. Uma representação única, clandestina, com a sala cheia.
Foi uma das experiências mais importantes da minha vida e ainda hoje, passados decénios, convivo mentalmente com os bastidores da acção, revejo os meus gesto em cena, assim como as faces e os corpos dos meus companheiros de aventura. Dessa experiência guardo, aliás, uma foto que sempre coloco em lugar de destaque.

terça-feira, setembro 28

Três boas notícias e uma má

Governo italiano confirma Reféns italianas libertadas

As duas italianas feitas reféns no Iraque no passado dia 7 foram libertadas, noticiou hoje a televisão Al-Jazira. O governo italiano já confirmou a libertação das duas jovens.

Polícia palestiniana anuncia Jornalista da CNN libertado

Colocação de professores Listas estão publicadas na net
As listas de afectação, destacamento e contratação de docentes foram hoje publicadas na Internet, informou o Ministério da Educação, numa nota à comunicação social. A publicação ocorre dois dias antes do fim do prazo dado pela ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, que terminava a 30 de Setembro.

Constâncio alerta para subida dos preços do petróleo Retoma em perigo
A manterem-se os actuais preços do petróleo irão cair por terra as previsões de crescimento económico. O alerta foi dado hoje pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, que afirmou que caso o preço do barril se mantenha acima dos 50 dólares as previsões terão de ser revistas.

(Expresso on line)



"Uma política de rigor e contenção"

O Dr. Cordeiro, o “boticário mor do reino” (lembram-se?) tem sido recompensado pelo apoio encarniçado que prestou à maioria do governo. Aqui está o exemplo vivo de uma verdadeira política de rigor e contenção da despesa pública!...

"Despesas com medicamentos disparam
Comparticipação do Estado subiu 12 por cento

Os portugueses estão a gastar mais em medicamentos. De acordo com o Jornal de Negócios, esta subida reflectiu-se nas comparticipações do Estado, que aumentaram quase 12 por cento em relação aos primeiros oito meses do ano passado.
A despesa do Serviço Nacional de Saúde com os medicamentos vendidos nas farmácias disparou nos últimos meses. Segundo o Jornal de Negócios, até ao mês de Agosto, o Estado já tinha gasto 916 milhões de euros na comparticipação de medicamentos. Este crescimento de 11,8 por cento em relação aos primeiros oito meses de 2003, constitui também o maior aumento verificado desde 1997, ano em que os encargos do serviço nacional de saúde aumentaram 12,2 por cento.
O Ministro da Saúde já se manifestou preocupado com estes valores. Na semana passada, Luís Filipe Pereira considerou que, se aumenta o consumo de genéricos, o consumo de medicamentos de marca deveria baixar. Mas, ao contrário do que se estava à espera, mesmo com a introdução dos genéricos, a despesa continua a aumentar muito acima da inflação.
Só em Agosto o aumento foi superior a 16 por cento, relativamente ao mesmo período do ano passado. E em Março o aumento chegou aos 20 por cento. O Infarmed chegou a ameaçar alguns laboratórios de retirar a comparticiapação de medicamentos, que registaram um consumo "anómalo", mas até agora o instituto não avançou com nenhuma sanção aos laboratórios. O Ministro da Saúde garante que o Governo irá introduzir um conjunto de medidas para travar este crescimento da despesa do Estado. (Sic on line)






Imigração - ridículo

O ridículo de uma política da qual resulta objectivamente a imigração clandestina. O problema é grave.

"Sistema de quotas para a imigração só legalizou três pessoas
A tentativa do Governo de regular a imigração através do apuramento das necessidades de mão-de-obra no país - tarefa que coube ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) - não está a ter resultados. Dos 8500 imigrantes que deveriam entrar em Portugal este ano, no âmbito da quota definida pelo Governo, apenas três obtiveram o visto de trabalho que lhes permite estabelecerem-se em Portugal e apenas 60 se candidataram.” (Público)

Pó dos livros - 7

Os livros que me caem nas mãos não cessam de me surpreender e, por vezes, inquietar. Ou porque deles já não me lembrava, ou porque no seu corpo descubro detalhes inusitados, sublinhados surpreendentes, notas manuscritas, cartões com apontamentos, enfim, um mundo de descobertas.

- “Escrito Póstumos” Pier Paolo Pasolini – Morais Editores – edição de 1979; extensamente sublinhado a lápis observo um artigo intitulado: “O coito, o aborto, a falsa tolerância do Poder e o conformismo dos progressistas” (19 de Janeiro de 1975, publicado no “Corriere della Sera”, com o título: “Eu sou contra o aborto”). Muito interessante.

- “O Príncipe”Nicolau Maquiavel (comentado por Napoleão Bonaparte) – Livros de Bolso da “Europa América” – edição de 1972.
Reproduzo um sublinhado da minha leitura: “ Os homens são tão simples e tão obedientes às necessidades do momento, que quem engana encontra sempre quem se deixe enganar”.
E mais à frente: “Convém também notar que um príncipe, sobretudo quando é novo, não pode respeitar singelamente todas as condições segundo as quais se é considerado homem de bem, pois não raro, para conservar os seus Estados, se vê constrangido a agir contra a sua palavra, contra a caridade, a humanidade e a religião. É por isso que deve ter o entendimento treinado para virar conforme os ventos da fortuna e a mutabilidade das coisas lhe ordenem, e, como já disse, não se afastar do bem, se puder, mas enveredar pelo mal, se for necessário.”

segunda-feira, setembro 27

Caixa Geral de Depósitos

Ao ponto a que se chegou! As pessoas honestas, os gestores honrados, terem que dar explicações públicas acerca da sua conduta exemplar! Os outros, os habilidosos, os “sacristas”, em silêncio, escondem-se por detrás das decisões políticas que, por sua vez, se escondem por detrás dos regulamentos. Sempre a sacar…

"O ex-presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António de Sousa, garantiu hoje em comunicado que não vai receber qualquer pensão de reforma do banco público.” (Expresso on line)


Queixa das almas jovens censuradas


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999

(Para muitos de nós esta leitura é também um exercício musical, não é?)

Pó dos livros - 6


As tarefas de arrumação das estantes estão praticamente concluídas. Restam ainda alguns papéis e documentos. Mas nesta faceta a organização da minha pequena biblioteca está facilitada pois nunca segui o hábito de trazer para casa cópias dos dossiers dos meus vários exercícios profissionais.

Aqui identifico mais alguns livros marcantes que me surgiram a uma nova luz neste trabalho de arrumação:

“O Físico prodigioso” -novela – Jorge de Sena – Edições 70, 1979. (Uma das mais extraordinárias leituras da minha vida);

“O Fenómeno da Guerra”Gaston Bouthoul – Ideias e Formas – Estúdios Cor, Edição de 1966; (repleto de sublinhados e anotações pois me lembro de ter sido uma leitura apaixonante da minha juventude – carece de restauro);

“Lenine, seguido de um texto de André Breton”Trotsky – Edições “& etc”; (com uma nota manuscrita assinalando que deve ter sido comprado, em Faro, no verão de 1978);

“O Judeu – Narrativa dramática em três actos”Bernardo Santareno – Edições Ática, edição de 1966; (livro que sempre me acompanhou desde a época das minhas práticas teatrais contemporâneas desta primeira edição).

Para os menos relacionados com o conhecimento do teatro português e com o teor desta obra, que versa o sacrifício às mãos da inquisição de António José da Silva – o Judeu, aqui reproduzo um excerto do final do 3º Acto:

“Olhai que o Santo Tribunal da Inquisição mais não é que o corpo visível, a aparência mortal dum espírito de trevas, e que este espírito … vivo por certo persistirá, neste Nação, muito tempo ainda após a morte do Santo Ofício!”

E, ainda, o último parágrafo da narrativa: “À medida que a obscuridade vai tomando o palco, ilumina-se o vitral de fundo: este deixar-nos-á ver as chamas duma fogueira, cada vez mais altas, até que por inteiro o enchem. Atingem o máximo, o canto inquisitorial e o ódio sanguinário do povo.”

Dedico esta evocação ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues que, por estes dias, cessou as funções de Secretário-geral do Partido Socialista.

domingo, setembro 26

David Justino

Li as entrevistas de David Justino. Entrevistas aos molhos. Muitas. Acerca do colapso na colocação dos professores. Percebe-se a sua preocupação. Diz que fala porque o silêncio é ensurdecedor. Aqueles que deveriam falar estiveram calados. É sintomático que insista sempre no mesmo ponto: os responsáveis pelo colapso foram outros. Os detalhes são de somenos importância. O que interessa é afastar a responsabilidade.
É um exercício desesperado que, por vezes, atinge o patético. Afirma-se solitário, mas não solidário. Afirma-se responsável político, mas não técnico. Assume a paternidade pela arquitectura global da política educativa, que desenvolveu, mas empurra para outros a responsabilidade pelos processos destinados a pô-la em prática.
Explicita, de forma consciente, fracturas profundas no seio do anterior governo. Nada que já não se soubesse. Mas desta vez as fracturas são assumidas por um protagonista dos acontecimentos. Afirma que precisou de 5 anos para se preparar para ser ministro da educação e diz compreender as dificuldades de quem tem de aprender a exercer o cargo “em exercício”. Marca assim a distância face à actual titular do cargo. No fundo confirma que a coligação PSD/PP nunca funcionou, nem funciona, na execução de políticas públicas essenciais. E envia um “aviso à navegação” para o interior do PSD.
Como diz Veiga Simão, numa estranha entrevista à Visão: ”Os partidos não são escolas de pensamento, são escolas de interesses”. Está tudo dito !