sexta-feira, outubro 1

Viajar na cidade

A cidade é um espaço fascinante. Ontem cruzei a cidade, de lés a lés, duas vezes de taxi. Não falo agora da arquitectura, da demografia, da limpeza, do estacionamento, do trânsito, do policiamento, em suma, da gestão da cidade de Lisboa. Falo dos dois homens que me guiaram nessas viagens pela cidade. Dois encontros surpreendentes.
O primeiro tinha sido empresário na área dos produtos de iluminação. A sua empresa era razoavelmente grande. Seis meses atrás desentendeu-se com o sócio e saiu “a bem”. A adesão à sua nova profissão foi forçada e estava a habituar-se. Gostava do que fazia mas as suas palavras denotavam a nostalgia pela vida que tinha "sido obrigado" a largar.
O segundo andava há quatro dias na faina. Não sabia como chegar ao destino que lhe indiquei. Homem maduro reconheceu a sua ignorância. Expliquei-lhe o que o seu colega da manhã me tinha explicado. “Não se preocupe que 80% dos clientes lhe indicarão o caminho”. A maioria são simpáticos e colaborantes confirmou, como resultado da sua curta experiência. Enquanto lhe indicava, com o máximo de detalhes, as virtudes do caminho que escolhi ele contava-se a sua experiência de vida.
Era industrial de confecções. Tinha uma fábrica que começou a não dar para pagar as despesas. Explicou-me que os produtos do oriente não dão hipóteses à nossa produção tradicional. A sua mulher ainda lá trabalha. Mas ele teve que agarrar-se a uma actividade que tinha abandonado há muitos anos atrás. Para legalizar a sua situação de condutor do táxi (de um amigo) realizou 200 horas de formação. Aos 60 anos é obra.
Ao viajar na cidade ontem confrontei-me com dois dramas pessoais e familiares. Dois exemplos de homens de cultura e experiência superior que não se deram por vencidos face às dificuldades da vida. Senti-me solidário com eles.
Aconselho vivamente o Dr. Bagão Féliz a tomar, de vez em quando, um táxi, a andar a pé na rua, a viajar na cidade. Assim poderia afinar com mais perfeição os seus discursos de defesa dos pobres e desprotegidos. E a perceber a cor da bonomia que esconde, envergolhada, o vermelho da indignação e da revolta

1 comentário: