sábado, julho 16

OLHO


Fotografia de Catedral para um poema de Alexandre O´Neill

Quando escrevi isto não tinha lido o que Pacheco Pereira escreveu no Público, disponível no Abrupto, nem o comentário postado na Cibertúlia.

O regresso


Um dia a senhora O. precisou de ser operada. Já não andava. O médico operador condoeu-se da sua situação. Era natural da terra da senhora O. e tinha condições para decidir uma intervenção cirúrgica imediata. O. foi transportada, pelo filho, do Algarve para um hospital de Lisboa. A operação correu bem e O. ficou na cama do hospital a recuperar.

Um dia fui visitá-la, uma camponesa pobre, com porte aristocrático. Amiga e servidora da minha família do campo já desaparecida. A quem ofereço a água do meu furo em troca dos seus cuidados pela casa. A quem ofereço a “apanha” de todos os frutos secos, com excepção das alfarrobas, em troca das memórias do passado.

Disse-me, nesse dia da visita, que não tinha como sair do hospital. Iam dar-lhe alta mas não podia regressar a casa de autocarro, não tinha dinheiro para um taxi, o filho não podia largar o trabalho e não lhe davam o acesso a uma ambulância. Não via como sair do hospital.

Na época eu tinha motorista. Entreguei-lhe o meu carro pessoal e numa folga ele foi levá-la a casa. A isto chama-se “estado social”. Ponto final.

Dusk in the Summer Days


Dusk in the Summer Days [oil on canvas 36 x 48 in]

George Xiong was born in 1948, China. 1970 he graduated from The Central Academy of Design With B.A. degree. 1989, he graduated from The City University of New York, with M.A. degree. Now he lives and works in New York.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

sexta-feira, julho 15

Caleidoscópio


Apresentando Caleidoscopio

Ceguera

A final de cuentas qué importa.
Prometer el cielo y equivocarse... qué importa.
Prometer eternidades en cuerpos
que se hieren.

(Estoy ciega).
Y no veo más que el negro
de este pozo,
y no sueño con más que con mi propio soñar,
y no escribo más que para cortar este círculo
y salvarme
de la locura.

(2000)

Claridade dada pelo tempo


Fotografia In “O Coiso”, com a seguinte legenda, onde é identificado Mário-Henrique Leiria e um excerto com a “ficha técnica” de “O Coiso”

1975 – Almoço dos colaboradores de “O Coiso”, algures no Bairro Alto. À esquerda, em 1º plano, o Carlos Barradas, seguido do Mário-Henrique, o Zé Tó, a Mizé, a Mila e eu. À direita, o Rui Lemus, quatro tipos cujo nome me escapa, mas que trabalhavam no República e, lá ao fundo, de bigode, o Belo Marques
.

Em Novembro de 1976, ainda lançámos mais dois números de “O Coiso”, graças ao apoio de uns quantos esquerdistas amigos do Mário-Henrique. Foram dois números completamente malucos.

Transcrevo a ficha técnica:

“O Coiso – órgão oficial das agências funerárias; Director – Carlos Vidigal (quem seria este?); Propriedade: João das Regras; Colaboradores voluntários: bombeiros; Observadores: Júlio Quirino, Carlos Barradas, Cooperativa Buques e Smites (éramos nós), Painted Stones and Company, CIA, NATO, KGB e Pacto de Varsóvia, Afonso Henriques, Pantera Cor-de-Barreto, EFTA e CEE, dois ursos e um cubo, uma raiz quadrada e um integral de Lebesgue, António Crómio, Joaquim Beterraba, Antunes Candelário, Jorge Bisnaga, Vovô Gasosa (o Mário, claro), Álvaro Paz, e um grupo de doentes do Hospital de S. José, serviço 7, cama 2 e um conjunto finito, mensurável de botijas; De Coração: Sir Aiva (este era o Jorge, o namorado da irmã da Mila!… toda a família ajudava…) e Josefa de Óbidos; Desporto: Montenegro; Colaboradores involuntários: os tipos do costume”.


Claridade dada pelo tempo

I

Deixa-me sentar numa nuvem
a mais alta
e dar pontapés na Lua
que era como eu devia ter vivido
a vida toda
dar pontapés
até sentir um tal cansaço nas pernas
que elas pudessem voar
mas não é possível
que tenho tonturas e quando
olho para baixo
vejo sempre planícies muito brancas
intermináveis
povoadas por uma enorme quantidade
de sombras
dá-me um cão ou uma bola
ou qualquer coisa que eu possa olhar
dá-me os teus braços exaustivamente
longos
dá-me o sono que me pediste uma vez
e que transformaste apenas para
teu prazer
nos nossos encontros e nos nossos
dias perdidos e achados logo em
seguida
depois de terem passado
por uma ponte feita por nós dois
em qualquer sítio me serve
encontrar o teu cabelo
em qualquer lugar me bastam
os teus olhos
porque
sentado numa nuvem
na lua
ou em qualquer precipício
eu sei
que as minhas pernas
feitas pássaros
voam para ti
e as tonturas que a planície me dá
são feitas por nós
de propósito
para irritar aqueles que não sabem
subir e descer as montanhas geladas
são feitas por nós
para nunca nos esquecermos
da beleza dum corpo
cintilando fulgurantemente
para nunca nos esquecermos
do abraço que nos foi dado
por um braço desconhecido
nós sabemos
tu e eu
que depois de tudo
apenas existem os nossos corpos
rutilantes
até se perderem no
limite do olhar
dá-me um cigarro
mesmo que seja só um
já me basta
desde que seja dado por ti
mas não me leves
não me tires
as tonturas que eu teria
que eu terei
sempre que penso cá de cima
duma altura vertiginosa
onde a própria águia
nada mais é que um minúsculo
objecto perdido
onde a nuvem
mais alta de todas
se agasalha como um cão de caça
leva-me a recordação
apenas a recordação
da vida martelada
que em mim tem ficado
como herança dada há mil e
duzentos anos

deixa que eu fique
muito afastado
silencioso
e único
no alto daquela nuvem
que escolhi
ainda antes de existir

II

Deixa que eu quebre tudo que tenho e que terei
tudo o que é de todos e que só a mim pertence
deixa-me quebrar o cavalo que me deste
na noite do nosso primeiro encontro
deixa-me partir a bola o cão o espaço
deixa-me quebrar a minha casa e a minha cama
a minha única cama
não quero que me contem a aventura
nem que me dêem almofadas
não quero que me ofereçam sombras
só por mim construídas e logo abandonadas
nem sequer esquinas de ruas
não quero a vida
sei claramente que a não quero
a não ser que ela esteja partida quebrada
quebrada por mim e por ti
e a minha infância
essa dou-ta
inteira muito longa e cruel
deixa que dela me fique apenas
essa crueldade
e que nela só eu siga
ignorando o que me deste
e que
martelo ou pedra
eu continue partindo quebrando
esfacelando dilacerando
o teu corpo que já não está ao meu alcance
deixa-me ser anatomicamente autêntico
sem erro
sangrando
perdido para sempre

III

Viver com a crueldade
da criança que
tira os olhos ao pássaro
.
um desconhecido
movendo-se constantemente
no deserto
em que cada pegada deixa
bem marcada na areia
a imagem
dessa outra existência
em que a morte e a memória
ainda nada significam

mais alto

muito mais alto talvez
que a claridade
do voo das aves que
partem para o desconhecido

o próprio corpo nada mais é
do que a sombra
bem simples por sinal
em que,
por erro nosso ou dos outros,
já não existe
a persistência do que
foi perdido

e as mãos
as mãos que sentimos
bem presas seguras aptas
essas
todos sabemos
que podem ainda cada vez mais
esmagar com cuidado
com extremo cuidado
dilacerar suavemente

nos olhos
está o amor

IV

Simples como é
a claridade é a coisa
mais difícil de encontrar
talvez porque a distância que nos
separa longa muito longa
e nítida
seja a torre de chumbo do nosso
próprio isolamento
talvez porque sentir
o aparecimento da madrugada
seja a origem do desespero
sombra trópico lâmina
entre nós dois

ouve o que te digo
não esqueças os meus lábios
mesmo quando desfeitos
e a claridade
essa não a procures não nunca
deixa-a ir comigo
até ao esgotamento do meu sangue
até ao limite
do meu corpo em carne viva

V

Eu sei
que há um lugar por descobrir
um lugar tenebroso e cantante
como uma ponte de velhos manequins


o teu corpo
dois seios despedaçados
e o vento só o vento
soprado através
dos teus cabelos

(In Surreal Abjeccion(ismo)

MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA

O Surrealismo na Poesia Portuguesa
organização, prefácio e notas
Natália Correia
2ª edição
frenesi
2002

quinta-feira, julho 14

O Perfil dos Bombistas de Londres


Labirinto Fotografia de Alimento del Alma

Notícias postas a circular traçam o perfil de três bombistas de Londres. São jovens ingleses, de origem paquistanesa, alguns (ou todos) já nascidos em Inglaterra. Pacatos cidadãos com famílias normais, estudos e participação na vida social.

Parece terem tomado a decisão de morrer fazendo morrer com eles outros pacatos cidadãos ingleses. É um fenómeno a que vulgarmente se chama terrorismo. O terrorismo não tem nada de novo e foi ganhando novas fórmulas ao longo dos tempos.

A intensificação dos actos terroristas antecede, habitualmente, períodos de exaltação nacionalista associados à emergência da aceitação popular de ideologias de vocação totalitária e ao esmorecimento do prestígio da democracia.

Os ventos de guerra são soprados pelo terrorismo. Dizem mesmo alguns especialistas que já estamos em guerra. Sustentam-se nesta ideia as propostas de limitação das liberdades, ou seja, a passagem de uma fase de vigilância selectiva de suspeitos para a vigilância de toda a sociedade.

A intransigência das democracias perante as ameaças de tirania é legitima. Tem um pequeno problema: como declarar o estado de guerra sem uma declaração de guerra. Assim as democracias tenderão a muscular as suas intervenções contra alvos exteriores. Mas os inimigos das democracias estão dentro do espaço físico das próprias democracias e, porventura, no seio das suas próprias instituições.

É o que prova o perfil dos terroristas de Londres, se for verdadeiro, ou seja, caso não seja uma montagem para impressionar as opiniões públicas ocidentais preparando-as para medidas proteccionistas.

Talvez fosse muito útil ao ocidente fazer um exame de consciência acerca do peso dos negócios ilícitos e criminosos na criação da sua própria riqueza e no armamento (ideológico e militar) dos seus inimigos.

Afinal que é feito de Bin Laden?

quarta-feira, julho 13

A Life as a Flower


A Life as a Flower 04-1 [oil on canvas 16 x 18 in]

Luo Fa Hui (b.1962-) is a metaphoric painter. In traditional Chinese art, the flower always symbolized sex. Luo painted his flowers as did the American painter O’Keefe, but in a Chinese way. Chinese sex culture is depressingly gentle, dark and implicit. Luo’s roses are dark, wet, gentle and soft, have a gentle beauty, but still reek with decay. In his later work, his roses are glittering and translucent, as charming and delicate as one could ever expect.

Luo’s roses are a woman’s sensuality as rendered by a man. Perhaps many Chinese men have the gentleness and delicacy of a woman and, within their culture, are normal and natural.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

ESCOLA DA PONTE


Fotografia de Margarida Delgado in Sabor a Sal

APRESENTANDO A ESCOLA DA PONTE - Para aqueles que se interessam pelas questões da educação – não só em Portugal – e, em especial, para cumprir uma promessa que fiz à Sylvia Gomes, Niteroi, Rio de Janeiro.

Eis a rúbrica "Caixinha dos Segredos" retirada do site daquela Escola:

Como o objectivo dos objectivos é fazer das crianças pessoas felizes, foi instituída uma "caixinha dos segredos". É aí que a pesquisa das almas inquietas (indisciplinadas?) começa. Na caixa de papelão, os alunos deixam recados, cartas, pedidos de ajuda. A "caixinha dos segredos" ensina os professores a reaprender. É que nem sempre o que parece ser "indisciplina" o é. Os "recados-segredos" provam-no:

"Todas as manhãs, o Arnaldo já chega cansado de duas horas de trabalho. Antes de rumar à escola, o Rui foi ao lavrador buscar o leite, levou os irmãos mais pequenos ao infantário, fez os recados da Dona Alice, arrumou a casa toda. O Carlos falta quase todas as tardes. O pai manda-o distribuir por toda a vila as folhas que dão notícia dos falecimentos da véspera, ou tem que carregar as alfaias dos funerais".

Little Nemo


No NEW YORK ON TIME

LI HOJE A NOTÍCIA


Eugénio de Andrade – imagem com música no “Público” e "Prémio Camões 2001"

Um mês depois da morte física de Eugénio de Andrade, a 13 de Junho de 2005, aqui deixo a evocação breve do poeta. E um poema, em sua homenagem, que escrevi cerca de um ano antes da sua morte.

Li hoje a notícia. O Eugénio de Andrade está muito doente
Uma notícia não desfaz o mundo nem o inexorável destino.
Peguei num livro e os teus poemas límpidos como a água
Perto da nascente correram pela minha face como gotas
Salgadas que se desfaziam nas letras cerzidas a ouro que
Soletrei com um olhar subitamente luminoso vendo-te
De pé no lugar do poeta que se deixa tomar pela beleza.

Li hoje a notícia. É verdade. A pena parou de garatujar
Versos claros, transparentes, amorosos, mais que perfeitos.
“A beleza não é lugar de perfeição.” Retrato de Actriz (Eunice)
Nemésio (Vitorino): “Ninguém te lê os versos, tão admiráveis
Alguns, e a prosa não tem muitos leitores, …” Admirável
Admiração a tua fazendo belo o mundo à volta, talentosos
Os outros, admiráveis se tu os sonhaste belos por dentro.

Li hoje a notícia. Um velho livro de poemas de Federico.
Ao teu jeito português foi o primeiro que li dele. A paixão
Desabrida em sangue cigano escorrendo pelos lábios
Sedentos de um amor implacável que ardia em chamas.
Soube o que era a Espanha mais por ele e por ti juntos
Do que por mil e uma travessias de fronteiras que além
De nós tinham o encanto das mulheres que se assumiam.

Li hoje a notícia. Já sabia que havias de adoecer um dia.
E o anúncio ao menos evita que alguém amigo te faça
O que fizeste ao Sena: “É por orgulho que já não sobes
As escadas? Terás adivinhado...” Senti ternura. A mão
Escapuliu-se-me e tomou o lugar do coração que pulsou
Mais depressa agarrando tudo o que havia por perto
Fazendo uma concha de terra florida para te guardar.

A voz. Li hoje a notícia. Aguardo a tua despedida tal
Como se fosse a de um familiar íntimo perto de mim.
Seguro a tua mão ouço o suspirar do teu corpo no fim
Conheço os teus versos mas não sei se será suficiente.
E me interrogo que farão da tua memória os vindouros.
Não foste fonte de poder nem encantador de serpentes.
Simplesmente poeta. Quanto baste para não ser gente.

Lisboa, 7 de Junho de 2004

terça-feira, julho 12

DIAS DIFÍCEIS


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Os dias são difíceis. As notícias são más. Nada que não fosse previsível. O adiamento das decisões difíceis tornaria a situação ainda muito pior. Tudo leva a crer que o governo esteja a meio caminho de tomar as decisões de que o país carece. Estejamos certos que ainda as não tomou a todas e não sei se será capaz de as assumir até ao fim. As reformas decisivas serão, provávelmente, uma autêntica revolução: “Mudança política radical” (Houaiss).

O problema é que será necessário mudar o equilíbrio entre os poderes; estabelecer uma estratégia, a prazo, para a uma nova especialização produtiva do país; reinventar as alianças internacionais; mudar radicalmente o paradigma do processo de educação/formação; tornar consensual a necessidade de cada um trabalhar melhor e durante mais tempo; implodir diversas instituições “sagradas”; mudar a divisão político-administrativa do país; fazer com que a lei seja aplicada e o sistema de justiça funcione; diminuir drasticamente o peso do estado e qualificar as suas funções; importar contingentes massivos de mão-de-obra imigrante qualificada; perder o medo de arriscar na inovação criando uma rede pública de apoio efectivo aos empreendedores.

Em resumo: MUDAR DE VIDA reformando profundamente o "estado social" sem abdicar do "estado social".

Somos um país pequeno e que beneficia, em simultâneo, das vantagens de duas alianças com os países mais ricos do mundo: a UE e a chamada “Aliança Atlântica”. Ademais dispomos da diáspora e das vantagens do português ser a língua comum a um conjunto de países com elevado potencial de desenvolvimento, com destaque para o Brasil.

Que diabo! Os dias são difíceis, mas tudo é relativo na crise. O que importa assegurar, antes de mais, é que esta não seja mais uma crise que antecede a próxima com a mesma natureza. Por isso o governo não pode vacilar perante as dificuldades nem ceder à chantagem das corporações. Não pode recear dar todas as explicações aos portugueses nos momentos e nas sedes próprias.

O pior que poderia acontecer seria este governo, de maioria absoluta, ser tolhido pelo medo dos resultados das próximas batalhas eleitorais. Toda a gente sabe que o PS não pode, a esse respeito, aspirar a mais do que a uma política de “redução de danos”. Porque, em democracia, sempre foi assim e assim será: perde-se e ganha-se.

A novidade, em Portugal, será, desta vez, os cálculos eleitorais, normais em democracia, não deitarem a perder uma oportunidade de ouro para dar um passo decisivo no equilíbrio das contas públicas e no relançamento, a médio prazo, da economia e do emprego.

NÃO OMITO


Fotografia do Dias com árvores


Não omito nada do meu gostar
nem o sobressalto de descobrir um dia
que não queria nada do que quis

ofereço o tempo futuro todo
à descoberta da arte de transformar
amando o desconhecido ou quase

que é afinal o que é amar.


In "Ir pela sua mão"
Editora Ausência-2003

(Um poema meu porque sim.)

Min Jing


A Girl's Bed Room in Spring Time [oil on canvas 50 x 60 cm]

Min Jing (b.1959), graduated from Tianjin Academy of Fine Arts with B.A. degree 1983. Now he lives and teaches in China, his paintings have both the charm of ink painting and oils. The rhythms created through tension and looseness with sensitive fine lines while brushing bold and textured strokes with strong gestures stirred your nerves. He manipulated bright and dark, black and white, thickness and thinness, emptiness and fullness in a masterly way that looked effortless and seemed inhuman. You can always sense his drifting lightness without feeling attached to anything, the handsome and free and also romantic and poetic or even humorous natures in his art, and wonder how could he remain his purity and detachment in the contemporary world.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

segunda-feira, julho 11

António Maria Lisboa


Projecto de Sucessão

Para o Mário Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.

António Maria Lisboa

poesia
Assírio & Alvim
1995

"Se eu não morresse,nunca!"


Fotografia do Outsider


(…)
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas...
(...)

Cesário Verde



domingo, julho 10

Turismo

Foi apresentado, no dia 4 de Julho, no “II Congresso da Confederação de Turismo” o estudo produzido, no âmbito da Saer, elaborado por de Ernâni Lopes, “Reinventar o Turismo no 1º Quartel do séc. XXI”.

O “PÚBLICO”, na sua edição de 6 de Julho de 2005, publicou uma resenha desse estudo, de Inês Sequeira (com a LUSA), no qual se sublinha a importância do “Turismo Sénior” que, conjuntamente com o “turismo de negócios”, deveria ser uma aposta nacional para o desenvolvimento da actividade turística nacional.

Assinalável ainda é a informação de que Portugal ficará, em 2020, fora dos 10 principais destinos turísticos mundiais onde a China, na projecção da OMT, ocupará o primeiro lugar.

A resenha do “Público” antecedida por algumas notas está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR.

COR


A Colorful Day 04-1 [color on paper 32 x 32"]

Zhang Yu was born in 1959, China, is an advocate and one of the leaders of non-representational ink painting. By keeping the traditional techniques of ink painting, layer by layer, he tinted ink and produced new imagery, a depiction of Chinese ancient philosophy or Yin-Yang or the explanation of the universe. His series, Divine Light, painted exquisitely and meticulously, revealed the consciousness of the universe. Later, he experimented with mixed media and made collage painting by using newspapers, pencils, white paint, and the like. The News series consists of his new experimental works. He not only broadened the scope of the medium, but the subjects as well.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

O Azul Ficou


Fotografia de Joana Darc in Om Namah Shivaya

Quando era criança e os meus pais foram viver para a vivenda nova, em S. Luís, entre hortas, eu adivinhei os primeiros sinais da guerra que tinha terminado havia já uns anos.

O céu da minha infância era sempre azul e cobria de uma luz radiosa a terra. Não sabia interpretar nem os exílios nem as guerras. Na casa da Horta do Rodolfo, ao fundo da minha rua, vivia uma família alemã.

Os mais jovens dessa família eram diferentes de todos nós. Louros e atléticos. O Otto era conhecido de todos e a irmã dele era um deslumbramento. Nunca cheguei a saber qual o estatuto daquela família. Fosse qual fosse eram muito estimados e admirados por todos.

De vez em quando desfila pelo écran da minha memória a imagem elegante e enérgica do Otto e de sua irmã. Um dia foram embora e nunca mais soube nada deles. Mas o azul ficou.

sábado, julho 9

Pedro Nuno de Sousa Mendes


Hoje, no Expresso, dá-se público conhecimento da morte, a 28 de Junho passado, de Pedro Sousa Mendes, filho mais velho de Aristides de Sousa Mendes (na imagem).

Neste Portugal, pátria de “merdas” e de cobardes, reino cadaveroso e “off-shore” de todas as invejas, os heróis portugueses são tratados, mesmo na morte, como proscritos que, disfarçadamente, as autoridades se afadigam em fazer esquecer. Assim foi, é e será.

Ao menos, na modesta carta, publicada sem qualquer destaque, a páginas 14 da secção “Obituário”, do Expresso, de autoria da historiadora Margarida de Magalhães Ramalho, se dá conta da morte do filho (Pedro) que, aos 20 anos, ajudou o pai, um herói português (Aristides) que, sendo Cônsul português em Bordéus, no verão de 1940, salvou milhares de vidas de judeus, “ganhando a honra” de ser castigado por Salazar com um ano de inactividade (curioso!) a que se seguiu a aposentação sem vencimento, a humilhação e a miséria.

Nesta carta se reproduz, a pedido do filho Pedro, a frase exacta que Aristides proferiu quando, após 3 dias deitado na cama, se decidiu a desobedecer às ordens do ditador: “Ouvi uma voz que me disse que me levantasse e fosse dar vistos a todos os que precisassem”. E assim fez.

RESISTIR


Na praia de Faro que todos os anos frequentei, desde que nasci, pelo menos alguns dias no verão, fazia férias um estrangeiro (inglês?) com uma característica física muito impressionante.

Usava uma prótese na cara desfigurada, profundamente desfigurada. Impressionava olhar a figura daquele homem diferente dos outros. Era um sobrevivente, ferido na 2ª grande guerra, dos primeiros turistas que usufruíram daquele Algarve, ainda desejável pela sua autenticidade, já quase desaparecido às mãos do “desenvolvimento turístico”.

Fixei naquele rosto a imagem terrível da heróica resistência da Inglaterra ao nazi-fascismo que nunca, de verdade, vivemos mas não mais esqueci.