segunda-feira, julho 7

julho - dia 7

A politica, ao contrário do que alguns querem fazer crer, é uma actividade nobre. Mesmo nos tempos que correm em que proliferam os seus detractores sempre, pela sua parte, a praticando mesmo quando a denigrem. O ambiente de crise social, em todos os tempos, encosta o discurso político à tentação do messianismo. Nada a fazer pois dele emerge a própria natureza humana. Mas não confundo todos os políticos com a massa da qual emergem. Nem os seus discursos que sendo todos feitos de palavras advêm de diversas formações filosóficas e experiências de vida. Nem confundo politica com unanimidade no silêncio. Nem politica é a busca de consensos sem divergência nos programas e no choque de concepções antagónicas da vida em sociedade e do futuro da homem. Tudo na vida diverge e converge em uníssono e a exaltação da acção politica é a de encontrar o justo equilíbrio na diferença. E a de saber conviver com ela em liberdade.
Gal Costa

domingo, julho 6

Alicia Keys ft. Kathleen Battle - Ave María & Not Even The King


julho - dia 6


Viagem de trabalho ao norte que sempre parece breve. A tentação inevitável de intercalar, ou de misturar, contactos pessoais com obrigações profissionais. Resisto com a consciência que sacrifico o culto da amizade à improvável riqueza da tarefa profissional. Uma força e uma fraqueza. No imediato sinto-me mais só, como que sozinho no mundo, mas determinado a cumprir a minha tarefa. Com uma convicção secreta que a verdadeira amizade não sofre a usura do tempo. Que a verdadeira amizade resiste para todo o sempre enquanto sobreviver em nós um sopro de vida digna. Como não cultivar com mais intensidade as amizades? Porquê? Em qualquer caso uma fuga ao confronto connosco próprios à vista do rosto dos outros. Não serei nunca capaz de ultrapassar esta contradição que me acompanhará até ao fim. Desculpem.            

sexta-feira, julho 4

julho - dia 4


Aceito o repto da acção, consciente das limitações da acção. Sei muito bem, hoje melhor do que ontem, que as nossas acções são ínfimos pontos na profundidade temporal da história dos povos. Um quase nada apesar da, por vezes, infinita grandiloquência dos nossos actos no presente. Então porquê insistir na acção? Porventura porque há razões mais fundas que nos movem. Um impulso vital para partilhar o destino da colectividade que nos envolve. Subir a montanha para sentir o vento e apreciar a beleza do horizonte infinito.      

quinta-feira, julho 3

julho - dia 2


O grande artista afirma-se pela obra, sempre assim foi. Comenta-se, muitas vezes, o caso do artista, premiado, num dado ano, com o Nobel da literatura cuja obra o tempo tornou irrelevante. Lembrei-me da polémica em França quando Sarkozy, pelo cinquentenário da morte de Camus, propôs a sua entrada no Panteão. Sabendo o que sabemos hoje, exactamente hoje, abençoada parte de sua família que se opôs. Não é o caso de Sophia de Mello cuja personalidade, acção cívica e obra, suportam tudo incluindo as honrarias de Estado. Que se mantenha viva através da divulgação da sua palavra luminosa e da lembrança das suas corajosas tomadas de posição em prol da liberdade.    

domingo, junho 29

junho - dia 29


É verão. Pelo calendário e, pelo menos, hoje pela meteorologia. Percorri os caminhos meus conhecidos junto ao mar na costa mais ocidental da Europa. Não sei se este verão vai ser quente pelos critérios da meteorologia, ninguém sabe, nem sequer os meteorologistas. Mas sei que vai ser, quase certamente, quente na política. A disputa pela liderança do PS, ao contrário do que parecem pensar alguns mais distraídos, não se confina ao PS. Antecipa a disputa da liderança do governo. O óbvio ululante, como alguém escreveu, exigindo a apresentação de programas e a tomada de compromissos. Ninguém vai mais acreditar em cartas de intenção, ideias gerais, demagogias eleitoralistas. O tempo da tentação dos populismos não acabou. Mas não creio que nas próximas disputas eleitorais venha a ter sucesso. Ponham as cartas na mesa e não se isolem nos castelos (aparelhos) partidários.    

sexta-feira, junho 27

junho - dia 27


Não me senti verdadeiramente triste com o desempenho futebolístico da selecção de Portugal no mundial do Brasil. Entusiasta do futebol que julgo entender nas suas diversas facetas - do negócio à arte - em que os pés assumem o comando, não me deixo dominar pelas emoções. O tempo resolve e as gentes relevam depressa o insucesso, o espectáculo tem que continuar. Como escrevi numa pequena nota publicada no facebook "carteiras cheias, cabeças vazias", mas um golo a mais, num momento decisivo, mudaria tudo. Mas nem mesmo o futebol, hoje, muda nada de essencial do estado de espírito dos povos, nem favorece, nem desfavorece governos, nem salva bancos, ou os afunda, embora bancos possam afundar clubes endividados ou, pelo menos enfraquecê-los. Mas nada por nada me faz perder o prazer de apreciar um bom jogo de futebol, no qual esteja presente o verdadeiro fluxo futebolístico.      

Flower duet - Anna Netrebko & Elina Garanca (Lakmé de Delibes)


quarta-feira, junho 25

junho - dia 25


A situação nacional agita-se como sempre se agitou, mesmo aquando da aparente calmaria dos tempos de bonança, com disputas por todos os lugares onde o poder se disputa. A banca (rota) deixou de cuidar das aparências mostrando em todo o seu esplendor quanto descuidou a prudência. As gentes remediadas que não almejam senão dispor de serviços que supunham honestos, alarmam-se. Não é caso para menos por mais que se despejem toneladas de água fria por cima do clamor da desconfiança. Até prova em contrário os banqueiros, e sua corte, são gente honesta, sempre anunciada como âncora segura da economia da nação, zelosos cumpridores das leis e das regras da função, afinal, uma elite sem mácula. Assim seja mas, ao que parece, não é possível manter a ordem das coisas quando nem as aparências os banqueiros são capazes de manter. Um dia destes, não se sabe quando nem como, o fogo vai pegar na palha seca.            

H. Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras No. 1 (I. Introduction), cello ens...

terça-feira, junho 24

DIGNIDADE


"O que vive em nós mesmo irrealizado precisa nestes tempos dúbios da rijeza da pedra. Orgulho autêntico. Recusa da conivência, do arranjo disfarçado. Dignidade. Elementos de que se faz a vagarosa teimosia dos sonhos. E então a partida está ganha. Pode perdê-la o escritor (por outras razões, aliás) mas o homem vence-a de certeza." 

"O Aprendiz de Feiticeiro" de Carlos de Oliveira 

Fotografia de Hélder Gonçalves 
Roma - Janeiro de 2005 

domingo, junho 22

junho - dia 22


Por irónica coincidência passei o dia de solstício de verão, a sul, na minha cidade de Faro. Abro a janela do quarto que dá para a rua, no centro da cidade, e oiço o silêncio quente entre cortado pelo chilrear da passarada. Conheço, tanto como me conheço, este silêncio acolhedor por entre o ar de cores mediterrânicas. E reconheço os contornos das faces felizes, ou sofredoras, dos meus que sempre me rodeiam mesmo quando ausentes. Que viva o verão!

sexta-feira, junho 20

junho - dia 20


Para os meus amigos, sejam elas ou eles, que me lêem, e persistem em me seguir, por pura amizade e devoção, após um dia de trabalho: Trabalhar. Fazer coisas com sentido. Partilhadas. Com esforço e vontade. Talvez criar. Não perder o gosto de trabalhar para o bem comum. Sem perder o sentido do prazer. Do amor-próprio. Respeitar e ser respeitado. Nada perder do sentido do dever. Usar o tempo sem sentir passar o tempo. Envelhecer devagar. Sentidamente. Com um abraço pelo início do verão.

Dvorak - Symphony No. 9 "From the New World" - II (part 2)

Chico Buarque por Caetano Veloso


"Chico chega aos setenta (e até agosto sou apenas um ano mais velho do que ele, prazer de dois meses a cada ano). O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso. Amo-o como amo a cor das águas de Fernando de Noronha, o canto do sotaque gaúcho, os cabelos crespos, a língua portuguesa, as movimentações do mundo em busca de saúde social. Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada verdade das pessoas. Os arranha-céus de Chicago, os azeites italianos, as formas-cores de Miró, as polifonias pigmeias. Suas canções impõem exigências prosódicas que comandam mesmo o valor dos erros criativos. Quem disse que sofremos de incompetência cósmica estava certo: disparava a inevitabilidade da virada. O samba nos cinejornais de futebol do Canal 100, Antônio Brasileiro, o Bruxo de Juazeiro, Vinicius, Clarice, Oscar, Rosa, Pelé, Tostão, Cabral, tudo o que representou reviravolta para nossa geração foi captado por Chico e transformado em coloquialismo sem esforço. Vimos melhor e com mais calma o quanto já tínhamos Noel, Haroldo Barbosa, Caymmi, Wilson Batista, Ary, Sinhô, Herivelto. A Revolução Cubana, as pontes de Paris, o cosmopolitismo de Berlim, o requinte e a brutalidade de diversas zonas do continente africano, as consequências de Mao. Chico está em tudo. Tudo está na dicção límpida de Chico. Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto o Brasil. Sem o amor que eu e alguns alardeamos à nossa raiz lusitana, ele faz muito mais por ela (e pelo que a ela se agrega) do que todos nós juntos.”

quarta-feira, junho 18

junho - dia 18


Um texto dos mais antigos que escrevi aqui acerca do futebol. Intitulei-o de "Após a Derrota", de tantas que fazem parte da actividade humana, do jogo da vida e também do desporto. Nada pior do que não saber aceitar a derrota com as suas penas. Nada pior do que não saber vencer com suas alegrias. Escrevi assim:   "Os negócios da imagem (e outros) dominam o fenómeno do futebol contemporâneo, eu sei, mas a imagem dos meus heróis de juventude, que quase pagavam para jogar, colou-se na formação do meu gosto e este jamais o perderei ao contrário do vício de fumar que perdi de um dia para o outro. A beleza do futebol, mesmo após a derrota, tal como a beleza feminina, mesmo sendo produzida (e a beleza não é sempre produzida?), fascina-me e incorpora a minha formação cultural. Não há volta a dar!" 

segunda-feira, junho 16

junho - dia 16


Hoje foi um dia não para notícias, não que não hajam notícias, todas as antigas e outras novas, os povos da Europa navegando por entre fumos de guerra. Volto a referir a guerra, o Irão oferece uma aliança aos USA na luta contra os insurgentes sunitas no Iraque. Os USA dão sinais de aceitar. Qual será o negócio? A Rússia ameaça o abastecimento de gás à Ucrânia (e à Europa da UE) e a diplomacia da UE aparenta desnorte, qual barata tonta, enquanto todos chatageiam todos, ameaçando em on e off, como se estivéssemos em plena época de manobras bélicas. Hoje  numa tribuna de um país de criação portuguesa, o Brasil, nascido da estratégia vencedora da projecção externa de quinhentos, a chanceler alemã, com toda a carga simbólica, aplaudiu a vitória dos seus. Hoje, em Salvador da Baía,  não havia quem simbolicamente confortasse os derrotados, no exacto lugar da chegada de Cabral. A primeira capital, coisas sem importância. Honra aos vencidos, glória aos vencedores.