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sábado, março 24

LIBERDADE

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Era ainda a voz da juventude
quando a liberdade entrou
pelo canto da boca

As mãos acariciavam o sonho
enquanto o cheiro cinzento das grades
evadia os ideais

Hoje
em busca da palavra
o novo Abril amotina-se
na memória

Inconformada
pelo preço do não ser
arde agora
a palavra
traída
sem ousar … falar

26/1/99

Fernando Macias
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sexta-feira, março 23

DOURO DE MIE ALMA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Ah! riu de ls mius amores!
Guardian de las streilhas.
Quanto gusto de ti
I de ls tous ancantos!
Que buòno vê
Ber las ailas a bolar.
Ls paixaricos a cantar.
Las fáias a assomar …
Oubir, scuitar …
Ls cachones a fungar.
Niébros i carrascos a silbar.
Pastores sues fraitas a tocar
L’auga a caminar
Sien parar …
Pa l mar eimenso …
A chorar …
Ah! Douro de mie alma!
Tu tenes, boç.
Sós fuônte de bida.
D’einergie i riqueza.
L sangre de la tiêrra.
Como tu.
Nun hai eigual.
Sós la lhuç de Miranda.
Lhuç de Pertual!

Domingos Raposo

(Em língua mirandesa.)
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quinta-feira, março 22

POST-CARD (Os velhos, os pombos, os gatos)

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal
que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura
dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina
e têm humaníssimos hábitos como a gula, as
rivalidades do cio, a sede e a urgência
de defecar. Não entendem coleiras, gaiolas, servidões
de casota, falta de jardins e adornos
de penas alheias. E por esta divina ignorância
recebem, às vezes, algum milho displicente
dádiva de crianças para a fotografia ou de benignos
velhos reformados. Algumas mulheres continuam a
socorrer os antiquíssimos ( e terrestres) gatos
vadios. Gatos da nossa infância. Das traseiras,
dos muros, dos quintais – o Sindbad, a Pardoca – com
restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas
velhas, atentas à famélica e materna condição
das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos
debicam espaços onde levavam asas. Por instantes
retomam uma destronada simbologia:
Eles no Céu, elas na Terra.

Inês Lourenço

Porto, 98
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terça-feira, março 20

tábua

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

haverá ainda esta lua de água
se a cinza nos cobrir os próprios passos.
março, noite a arder, o rumor e a frágua,
e estreiteza de todos os espaços.

à cidade doámos outra fome,
um arrepio de canto e florescer,
barcos correndo as ruas já sem nome,
um jeito de euforia a incandescer.

e andámos inscrevendo o timbre azul
onde era o abandono e a solidão,
a folha ressequida, a finitude.

caminhamos agora para sul.
a harpa e o destino em cada mão
mesmo que a vida fira e nos demude.

José Manuel Mendes
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domingo, março 18

25 FLOR DE ABRIL

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Infórmame o peso dos passos
sobre o incordio da realidade.
Mais se a flor se erguia
ergue
un fondo olor de liberdade
(e as palavras teñen por virtude
ser tan grandes como as ganas,
o querer, quero decir).
E sumo coa miña a tua
na grande ramallada dos desexos.
E sabemos que sumando agradecemos
ser capaces en conquistar
da guerra tódalas batallas,
miña flor, caravel.

Vigo

Xela Arias

(em língua Galega)
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sexta-feira, março 16

LIBERDADE PARA A LIBERDADE

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

“Poesia, liberdade livre”
(Rimbaud)

Embebeda de rua a liberdade
livre: e serás livre, livre, livre
de andar pelos telhados da cidade
como o poeta a voar num bateau ivre
derrubando as bastilhas sem idade
que Abril abriu ao povo livre, livre
por dentro de ser livre em liberdade.

José Augusto Seabra
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quinta-feira, março 15

FANATISMO RAPADO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Estabas nun banco público
como a túa existencia.
O mundo envolvente como un cinerama
aseguraba o movemento
a consciencia de que a vida seguía
e ti con ela.
Os paxariños picoteaban ao teu redor.
Confiabas.

Inesperadamente
nunha pantalla plana
baten imaxes expresionistas
dun pesadelo que che xelou a vida
primeiros planos de ferros
ardor rapado
cabezas de odio enferrexudas
botas ferretoadas
insignias fraticidas
músculos de coiro
cadeas
ruídos fríos.
Golpearon a tua sinxeleza
com a feras autómatas de fanatismo pelado
para esmagar os miolos da diferencia
a túa fronteira interna.

Na confusión do corpo lacerado
na convulsión da morte
non podías concebir por que foras elexido.

Azar
indignante azar
alvo dun odio cego
enchido de ocos
dun odio masa
dun odio brutal
apaga vida
dun odio lato
que me inclúe.

Matáronme contigo.
Ardemos no fogón do desarraigo
e da impotencia.

Maria Xosé Queizán

(em língua Galega)
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terça-feira, março 13

PARA QUANDO FOR MESMO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

vinte e cinco de abril,
agora que vinte e cinco anos sobre ti
são passados,
parece que já só como memória
em nós subsistes.

e que o abraço que demos
em plena rua,
já só cabe dentro
da semi-clandestinidade do texto.

decerto os novos senhores
que vieram repor a ordem
já não cortam a palavra;
são bem educados,
deixam falar toda a gente,
e como enriquecem,
ou se sentam nas luminosas
cadeiras do poder,
chamam a isto liberdade.

a liberdade de os podermos admirar
no seu esplendor.

mas nós ainda estamos cá,
e somos cada vez mais.

e um dia vamo-nos fartar de novo
de só estar a ver o espectáculo.
pode ser daqui a vinte e cinco anos,
pode ser daqui a vinte e cinco séculos.

mas o vinte e cinco de abril
há-de acontecer outra vez.
quando toda a humanidade
se levantar sobre a terra
num novo abraço solidário.

quando um clamor imenso
se erguer no espaço,
e até os anjos e os poetas não forem mais
do que uma recordação.

Porto, Portugal, finais do ano de 1998 da era Cristã

Vitor Oliveira Jorge
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domingo, março 11

sexta-feira, março 9

”COMUNICAÇÃO A UMA ACADEMIA”

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Os cães espreguiçavam-se nos campos muito frios
que levavam a um rio de peixes muito nítidos.
A manhã cumpria-se e os salgueiros,
evidentemente os salgueiros seriam imprescindíveis.
Como devia ser o moço que pescava
não com cana de prata e anzol de ouro,
mas cabelos revoltos, rosto talvez sardento
antes do “Acidente”, muito antes
da “Morte em Veneza”, de Visconti.
(falo já se vê de Dirk Bogard)

A senhora passou pelo rapaz,
sorriu-lhe de passagem.
Um pássaro arrepiado nesse instante,
pipilaria entre as folhas de um choupo,
uma pequena aranha iniciaria
o trabalho da teia,
seu excessivo momento de glória,
e a luz, cristal estilhaçado,
pararia, de súbito, no rosto de Virgínia.

Dona Virgínia Woolf que levava nos bolsos,
cheios de âncoras, pedras,
talvez alguns papéis e se tornava água.

António Rebordão Navarro
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quinta-feira, março 8

ANTÓNIO RAMOS ROSA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Esta é a hora. Mas nunca é a hora.
Só quando os braços se entrelaçam e o vermelho ascende
entre a folhagem. Há uma clareira
metade verde metade branca. E os nomes que se dizem
são felizes em consonância com as folhas.

Não é a hora mas é a hora, mas a hora é esta.
Que poderemos fazer? Um sopro de sílabas
de água ou de um fogo azul pode acender a página
e iluminar o espaço da morada.

A palavra aleatória virá ou não da nascente
mas será sóbria e atenta à nudez da existência
para além da sua opacidade. E será tão frágil
como a teia de espuma sobre um rosto de areia.

António Ramos Rosa
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quarta-feira, março 7

A CASA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Um pátio vazio, inúteis carregamentos de pedras,
sobrescritos rasgados,
eis a minha casa.

Noites a fio leituras até altas horas
uvas
sonhos que pouco a pouco se aproximam de
escarpas
sem pronunciar palavra.

Chegaste. Na televisão alguém
parecia muito só
ao sorrir para os teus olhos.

Jorge Gomes Miranda
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terça-feira, março 6

O ROCEIRO

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

No clarear do dia vou para o roçado
A capinar.
Até de tarde eu tiro o meu eito.
Arranco inços, tranqueiras, juás e bosta de macaco
que não serve nem pra esterco.
Abro a terra e boto as sementes.
Deixo as sementes para a chuva enternecer.
Dou um tempo.
Retiro de novo as pragas, dejetos de anta,
adjectivos.
Retiro os adjectivos porque eles enfraquecem
as plantas.
E deixo o texto a germinar sobre o papel: em
pura masturbação com as pedras e rãs.

Manoel de Barros

Campo Grande (Brasil)
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domingo, março 4

COM O CARTAZ "A POESIA ESTÁ NA RUA" DE VIEIRA DA SILVA

Posted by PicasaVieira da Silva

A árvore chegou em Janeiro
no vaso com papel de estanho
ficou na sala de visitas
perto do Cristo negro da Rosa
com a Guernica e o retrato de Guevara.

Não foi culpa ou nostalgia
alguns anos depois mais cínicos
a araucária arrancada
do jardim para que outro sol entrasse
nas lentes escuras progressivas.

Abril estava próximo entardecia.

António Barbedo

[Este poema não emparelha com uma fotografia de Hélder Gonçalves atento o seu próprio título.]
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sexta-feira, março 2

quarta-feira, fevereiro 28

MARINHA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Com o oceano do Norte é que se fala só,
cúmplice da escorregadia vegetação que
nos habita.

Desfaz-se o vulto dos navios,
na distância,
lança o farol os seus feixes rasantes.

Não acha fim, por isso, a oração que levamos.

Mário Cláudio
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segunda-feira, fevereiro 26

25 DE ABRIL DE 1974

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Há dias em que os dentes se descerram
deixa o sangue de correr pelas avenidas

Há dias em que a morte se protege
da fúria desse sangue redivivo

Há dias que nascem sem um nome
e é preciso baptizá-lo sem demora
com um nome de flor ou de miragem

Há dias em que o sol muda de casa
para os bairros silenciados da cidade

Há dias que se tingem de vermelho
com risos e palavras inauditas

Há dias em que as praças se levantam
num tumulto de gestos com sentido

Há dias que se enchem de ambição
civil mas nua como um eco

Há dias em que o silêncio se cala
e uma voz ergue um canto nunca ouvido

João Pedro Mésseder
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sábado, fevereiro 24

PALAVRAS (PARA UM PANFLETO)

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

as palavras metem-se por baixo das portas
e são os versos (que medo!) da insubmissão;
as palavras atacam os poderes atravessadas
nos dentes de uma boca que morde, fala, grita.

as palavras carregadas de sentido estão aqui,
estão nestes versos que te aparecem nas mãos,
como um pássaro de asas de lume e olhos grenat,
como um poema que não se conforma nos livros.

as palavras, cortantes como essas lâminas, abrem
os pulsos dos anjos insensatos, erguem-se, foices,
ceifando as cabeças dos burros da cidade fechada,
as palavras preenchem os olhos vazios das pessoas.

as palavras distribuem-se como poemas volantes
nas vésperas de um primeiro de maio, em abril,
para que conste e sirva de aviso aos caducos,
para que em cada manhã sejam o pão e a estrela.

as palavras, acreditem ou não, meus caros senhores,
caem do céu nas nossas mãos e os olhos, doidos!,
não acreditam que os ventos as levem para longe,
as palavras escrevem-se para sempre nestas nuvens.

José Viale Moutinho
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quinta-feira, fevereiro 22

O QUE AQUELA NOITE ME QUIS DAR

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os soldados
que rumavam às rádios e aos quartéis, engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela noite
ia dar, o que a nossa liberdade prometia ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse mês
capaz de transformar em assombro as nossas vidas.

Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira reportagem
do primeiro de muitos dias em que o tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.

Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom
das mais belas melodias que alguém pode aprender
para dar a quem ama a paz de um sono sem tormento.

José Jorge Letria

Dezembro de 1998
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terça-feira, fevereiro 20

A VIDA QUOTIDIANA EM TABLÓIDES


Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves
À porta do meu Banco no patamar, acocorados, um e uma,
vendem a pele de uns pratos encardidos
mesmo no traço que já lhes deu flores garridas.
Eles escorriam chuva, que chovia, para a louça. Eles nem devem ter sangue
pela tez lustrosa da porcelana dos seus olhos de caveira.
(Até faz rir, leitor, coisa tão triste.)

*

Um fio de mar, parece-me, inclinava a terra num poço de luz
silenciosa. O vulto que chegou de motorizada pela mão
esconde as dunas, a vaguear com a madeira torcida
que encontrou. Esconde-se de si, todos o vêem.
Ouvimos rádio, com o guiador colado ao jornal, os joelhos afastados,
uns outros num carro sem ruído, depois com a boca ranhosa diz palavrões
e afasta-se alheio a tudo.

*

Nos corredores das lojas a passear, lá em cima,
arrasta um calçado encharcado, um saco de plástico que verte.
Quando lhe tocam, sujam-se, mais rápidos caminham fazendo um esgar doentio.
Não tardará que o homem de farda lhe indique a saída.

*

Há boas acções e acções más, dizia-me (parece da religião, mas é da bolsa que fala).
No mesmo dia ganhava sempre, a comer brioches, teve azar.
(Quem espera de mim, ó céus, seu funcionário?)

José Emílio-Nelson
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