sexta-feira, agosto 6

Política/Moral

Que nem de propósito o Dr. Pina Moura opina hoje, no Público, planando sobre o tema do último excerto dos "Fragmentos de leitura". Para ele basta que haja uma "ética da lei". O que não admira pois é um burocrata da escola do comunismo antigo.

Mas o problema é que a ética não é uma questão formal. O político ético não é o que está conforme a lei. É o que age conforme as suas convicções, é fiel aos seus compromissos, respeita os adversários e nutre compaixão pelos inimigos.

Por todas as razões o político ético é uma realidade arqueológica. Tem para cima de duzentos anos. Tal como, por outras razões, o Dr. Pina Moura.

quinta-feira, agosto 5

O sucessor natural

Se o Dr. Pedro Santana Lopes decidir abandonar a função - Deus o guarde em descanso - pela lógica do raciocínio formal do PR, aconselhado pelos inefáveis dois ou três sábios que apaziguam a sua alma com os poderosos, sabem quem é o seu sucessor natural na liderança do PSD? É o Dr. Rui Rio.

Com o Dr. Rui Rio em primeiro ministro o governo vai direitinho para o Porto e ele vai ser espalhar ministérios, secretarias de estado e serviços pelas vilas e aldeias de Portugal. Que esta história da Golegã não fica assim! Ah! Ah! Ah!

É só poupar!

Fagmentos de leitura

Volto ao título original para assinalar a actualidade deste texto antigo. Aquele que tentar associar política e moral fica com mais de duzentos anos de idade. Alguns casos recentes na nossa política doméstica são uma ilustração deste pensamento estúpido.

"Político/Moral

Toda a minha vida me tenho ralado, políticamente. Induzo a partir daqui que o único Pai que conheci (que ofereci a mim mesmo) foi o Pai político.

É um pensamente simples, que regressa muitas vezes mas nunca vejo ser formulado (talvez seja um pensamento estúpido) : não existirá sempre ética no político? Aquilo que fundamenta o político, ordem do real, ciência pura do real social, não será o Valor? Em nome de quê decidirá um militante...militar? Não será a prática política, que se desliga precisamente de qualquer moral e de qualquer psicologia, uma origem...psicológica e moral?

(Isto é um pensamento verdadeiramente atrasado, uma vez que ao acoplarmos a Moral e a Política ficamos com duzentos anos de idade, passamos a ser de 1795, ano em que a Convenção criou a Academia das ciências morais e políticas: categorias velhas, lanternas velhas. - Mas, em que é isto falso? - Nem sequer é falso; já não se usa; as moedas antigas também não são falsas: são objectos de museu retidos por um consumo peculiar, o consumo do que é velho. - Mas não será possível extrair dessas moedas um pouco de metal útil? - O que se torna útil nesse pensamento estúpido é ver-se nele o afrontamento intratável de duas epistemologia: o marxismo e o freudismo.)"

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 22
(pag. 10, 2 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

Polícia

Tomou posse o novo director da PSP (Polícia de Segurança Pública). É uma decisão política. Entrou, ponto final. Eu gostava de saber é porque saiu o Inspector Geral do Ministério da Segurança Social e do Trabalho nomeado, com pompa e circunstância, por Bagão Félix, em finais do ano passado. Não deu sequer para apresentar um relatório anual. É porque um e outro são a mesma pessoa: o juíz Branquinho Lobo.

Estranho modelo de gestão e de estabilidade político-administrativa.


O Suicídio de Estado

As notícias vão surgindo devagar. Ontem a PSP, hoje a justiça, antes a educação, depois a saúde . Todas, sem excepção, apontam na mesma direcção. Vence a ideia do caos. A modernização do Estado perdeu o rumo. Não que os responsáveis não saibam traçar um caminho Mas não querem. Assim é mais fácil fazer vencer os interesses ilegítimos. Sejam privados, sejam públicos. Contratar, alienar, favorecer, desfavorecer, omitir, revelar, valorizar, desvalorizar... Um dia destes esta lógica vai estourar. Alguém vai ter de reunir os cacos. Para muitos dirigentes e trabalhadores honestos, competentes e dedicados pode ser tarde demais. Para o país é o desastre anunciado.

quarta-feira, agosto 4

A praia

Ontem, ao fim da tarde, na Praia Grande, uma nuvem de surfistas sobre a água. Ao longo da praia, no mar calmo, ao contrário do habitual, os surfistas exercitavam o seu jogo. O negro dos fatos e a multidão dos corpos, em movimento, faziam lembrar um cardume de peixes de visita à costa.

Aquela vista permite um exercício acerca da praia. No norte a praia é a partir da tarde depois de se esbater a neblina. No sul a praia é de manhã pela fresca.

A água é sempre fria para os do sul ? E, para os do norte, é sempre quente ? Tudo depende da ideia que fazemos do lugar que é a praia para nós.

terça-feira, agosto 3

Adornar

A vida de muita gente adorna. Outros naufragam. Outros sobrevivem à tona, a maioria. A energia vital que empurra a vida para a frente, fracassa. Espanta-me a capacidade, de alguns, em conviverem em silêncio com o medo.

Lírica - Redondilhas

Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões

In, Lírica, Obras Completas
Círculo de Leitores





"Uma recordação de infância

Era eu criança, morávamos num bairro chamado Marrac; este bairro estava cheio de casas em construção, em cujos estaleiros as crianças brincavam; havia grandes buracos cavados na terra argilosa, destinados aos alicerces das casas, e certo dia em que tínhamos estado a brincar num desses buracos todas as crianças saíram dele excepto eu, que não consegui.; do solo, de cima, troçavam de mim: perdido! sozinho! olhado! excluído! (estar excluído não estar de fora, é estar só no buraco, fechado a céu aberto: excluído); vi então a minha mãe acorrer; tirou-me dali e levou-me para longe das crianças, contra elas."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 21
(pag. 10, 1 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

segunda-feira, agosto 2

Arder em lume brando

Neste primeiro dia de regresso ao trabalho confirmo: a administração pública arde em lume brando. É um incêndio sem labaredas alterosas mas de consequências dramáticas para o país.

"Legível, escrevível e para além disso

Em S/Z propõe-se uma oposição: legível/escrevível. É legível o texto que eu não poderia voltar a escrever (poderei eu hoje escrever como Balzac?); é escrevível o texto que leio com dificuldade (a menos que altere totalmente o meu regime de leitura). Imagino agora (como me sugerem certos textos que me são enviados) que talvez haja uma terceira entidade textual: ao lado do legível e do escrevível haveria algo como o recebível. O recebível seria o ilegível que se agarrra, o texto ardente, produzido permanentemente fora de qualquer verosimilhança e cuja função - visívelmente assumida pelo seu escritor - seria a de contestar o constrangimento mercantil do escrito; este texto, guiado, armado por um pensamento do impublicável, faria apelo à seguinte resposta: não posso ler nem escrever aquilo que você produz, mas recebo-o, como um fogo, uma droga, uma desorganização enigmática."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 20
(pag. 9, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

Derrapagem orçamental

O "Jornal de Notícias" dá a conhecer esta interessante situação da gestão de um organismo público da maior importância. A SIC-on line sintetiza e ilustra a notícia com uma foto do Ministro Bagão Félix. O organismo em causa era da tutela do Ministério da Segurança Social e do Trabalho.

"Inspecção Geral do Trabalho gastou em meio ano todo o orçamento para 2004

Há uma derrapagem nas contas da Inspecção Geral do Trabalho. Em seis meses, foram gastos mais de cinco milhões de euros, ou seja todo o orçamento previsto para 2004.

De acordo com o Jornal de Notícias, na origem desta derrapagem poderá estar dinheiro gasto em despesas como reuniões de grupos da Inspecção geral do trabalho e do Instituto e Desenvolvimento das Condições do Trabalho em hotéis caros de Lisboa. Os funcionários contactados pelo jornal dizem que o despesismo começou após a tomada de posse do ex-inspector geral, Ataíde das Neves e de Veiga e Moura, presidente do IDICT. O jornal, cita vários inspectores, que dizem que este deslize pode levar ao cancelamento de várias investigações e acções aos fins-de-semana e em horário pós-laboral."







domingo, agosto 1

Incêndios, confirmação

O "Jornal de Notícias", na sua edição de hoje, confirma todos os piores vaticínios acerca dos incêndios. Este tema carece de ser abordado de forma insistente.

"Um balanço negro do Livro Branco dos fogos - Tragédia anunciada

Pouco ou nada do que foi anunciado após os fogos de 2003 se concretizou. Medidas "imediatas" e "urgentes" não foram concretizadas e leis não saíram do papel. Já ardeu mais floresta do que no ano passado"

"No ano passado, arderam 400 mil hectares de matos e floresta, morreram 20 pessoas, 113 habitações permanentes ficaram destruídas e 190 pessoas desalojadas. Ao todo, eclodiram cerca de 15 mil incêndios e fogachos. Em 2000, o número de incêndios tinha sido quase o dobro, mas a área ardida ficou a menos de metade.

Este ano,a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) calcula que já tenham ardido mais de 50 mil hectares. Este valor compreende áreas agrícolas, áreas de repovoamentos florestais, terrenos incultos e área urbanizadas. Na segunda-feira passada, atingiu-se quase o pico das ocorrências registadas no ano passado (650), com 572 incêndios registados, que mobilizaram 7300 bombeiros e cerca de 1900 veículos.

Até ao dia 18, ainda segundo dados da DGRF, já tinham ardido mais cerca de cinco mil hectares do que durante o período homólogo do ano de 2003 e tinha sido igualmente ultrapassado o número de ocorrências registadas."

Quem assume as responsabilidades pela "tragédia anunciada"? O governo de José Manuel Barroso saíu de cena. Os ministros responsáveis (Administração Interna, Ambiente e Agricultura) foram embora. O governo em funções é novo e vai estudar a matéria mil vezes estudada. Vai o PR, no âmbito das suas competências, passar dos discursos à acção? Quem lucra com os incêndios? Quem são os responsáveis pela não aplicação das medidas de prevenção previstas? Quem manda investigar? Quem investiga?

O paradoxo como gozo

G. sai muito excitado, muito enebriado duma representação da Cavalgada no Lago Constança, que ele descreve nestes termos: é barroco, é louco, é kitsch, é romântico, etc. E, acrescenta ele, está completamente fora de moda! Para certas organizações o paradoxo é portanto um êxtase, uma perda das mais intensas.

Adenda ao Prazer do Texto : o gozo não é aquilo que responde ao desejo (que o satisfaz), mas sim aquilo que o surprende, que o excede, o despista, o faz derivar. Temos de nos voltar para as místicas para podermos encontrar uma boa formulação daquilo que faz assim desviar o sujeito: Ruysbroek: "Chamo embriaguez do espírito a esse estado em que o gozo ultrapassa as posibilidades entrevistas pelo desejo."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 19
(pag. 9 - 3 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

Roland Barthes por Roland Barthes

Após um intervalo de mais de um mês retomo a publicação desta série. Para quem não de lembre trata-se de um conjunto de fragmentos da obra em título, em si mesma, uma obra fragmentada.

São fragmentos de fragmentos. Um livro artesanal que descobri nas deambulações pelas memórias das minhas leituras de inícios dos anos 80. Neles fui, em cada página, colocando uma nota pessoal.

Esta foi a nota que escrevi na página 9: "uma atitude consciente de disponibilidade para aceitar novas realidades, factos, processos, crises, dores, mágoas, alegrias e prazeres."

sábado, julho 31

Incêndios, de novo

Patética. É a situação dos incêndios em Portugal. No último dia do mês de Julho de 2004 o número de incêndios duplicou em relação ao ano de 2003. A área ardida ainda não se sabe. Mas deverá ser semelhante à do ano passado, 80.000 hectares.

O governo mudou nas vésperas da vaga de incêndios. O Dr. José Manuel Barroso fugiu a tempo. As medidas de prevenção e combate aos incêndios, anunciadas no rescaldo da tragédia do ano de 2003, não foram, no esssencial, executadas. Mas o orçamento público, destinado a esse fim, mais que duplicou de um ano para o outro.

Ninguém fala, no entanto, na execução desse orçamento. Como foram aplicadas as verbas e qual o nível de execução desse orçamento? Quem são as entidades às quais foram adjudicados os meios de combate aos incêndios? Qual o verdadeiro grau de empenhamento, nesta missão, das forças armadas?

A conclusão patética é que este ano, face a 2003, se está a repetir tudo: o desastre ecológico, económico e social. A incapacidade e incompetência na prevenção e no combate. O anúncio, pelo governo, de medidas para o futuro. Tudo, tudo é igual, só o governo é diferente. Para o primeiro ministro Santana Lopes isto é uma maçada e o PR visita concelhos passando ao lado dos fogos.

Quem manda realizar uma investigação a sério aos processos e dispositivos públicos afectos à prevenção e combate aos incêndios florestais?

Entrevista de Sócrates

Li, finalmente, na íntegra, a entrevista de José Sócrates ao "Expresso", publicada na edição de 24 de Julho. Tanta gente falava dela! É, exactamente, o que esperava que fosse. Sobra muita coisa e falta qualquer coisa. A ver as cenas dos próximos capítulos.

quinta-feira, julho 29

"Presidência Aberta" - 9

O dia 15 de Julho, sexta-feira, foi dedicado à viagem de regresso a Lisboa, ou melhor, às Azenhas do Mar. O mar por aqui, mais frio, está excepcionalmente calmo e atraente.

Desta semana de férias na minha terra ficou-me o sabor amargo de uma derrota política de geração. Dando o poder executivo à direita o PR desiludiu uma geração que nele se revia como referência ética.

Não vale a pena ter ilusões. O poder corrompe absolutamente a ideia romântica de justiça e liberdade em que a minha geração acreditou (e acredita). Os outros são sempre os outros. Os mais fracos são sempre os mais fracos. Os mais pobres são sempre os mais pobres.

Como ouvi dizer, vezes sem conta, nesta "presidência aberta" para quê votar num presidente se ele pode, mais tarde, fazer o contrário do que dele esperava o seu eleitorado?

Para que servem os votos? Para que servem as campanhas eleitorais? Para que servem os eleitos? Para que serve o poder? Para que serve a democracia representativa?

Compreendo agora melhor as frases que, antes, desprezava, e que se ouvem ao povo humilde. Aqueles frases terríveis de desprezo pelos políticos.

O PR fez, num momento breve, o pior serviço que um eleito pode fazer à democracia. Torná-la letra morta. Fazer o povo desacreditar no poder do seu voto.

Porquê?!?

Parabens à jornalista São José Almeida... que não pode deixar de perguntar a quem decide destas coisas o tratamento desigual a quem o não merecia.
O assunto é sobre o luto nacional e honras de Estado, por certo devidas, a Carlos Paredes. O assunto é sobre o porquê de não se ter feito o mesmo, ainda tão recentemente, a Sophia de Mello Breyner e Lurdes Pintasilgo.
[Por Que Não Também para Sophia e Pintasilgo? por SÃO JOSÉ ALMEIDA, no Público de Domingo]


O post anterior foi publicado no blogdamiuda na 2ª feira passada. Eu próprio me coloquei a questão. Questionei amigos e tentei encontrar uma explicação. Não acreditei. Mas finalmente tive que acreditar.

Uma ex-Primeira Ministra não mereceu luto nacional, ou seja, a homenagem pública do Estado. Uma grande poeta, a maior poeta portuguesa do sec. XX, não mereceu a homenagem pública do Estado.

Tenho uma explicação. As mortes não escolhem dias mas, infelizmente, os titulares dos mais altos cargos do Estado esquecem, com demasiada frequência, os interesses da comunidade nacional, em favor de outros interesses. O Dr. José Manuel Barroso andava, naqueles dias, a tratar da vida dele. O PR, naqueles dias, andava a tratar da vida do Dr. José Manuel Barroso.

O que é mais espantoso é que nenhum funcionário tenha sido encarregado pelos altos titulares de fazer o óbvio. O espírito liberal chegou ao mais alto nível: o desdém pelas mais ilustres figuras da política e da cultura nacional. Vivas ou mortas, se não derem lucro ou votos, o mais certo é serem humilhadas e esquecidas. Estamos preparados para o pior?

quarta-feira, julho 28

Aforismos

Pacheco Pereira, no abrupto, subtilmente, evoca a "SABEDORIA POPULAR - Para os que, distraídos, a esquecem : "o peixe apodrece pela cabeça".

Diria, no caso, que "o peixe apodrece pela cabeça e pelo rabo"