quinta-feira, agosto 18

Uma Vez Mais a Sul


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Nas férias as visitas são inevitáveis e as ausências sentidas. As visitas aos lugares originários refrescam as memórias e fazem-nos sentir o chão debaixo dos pés. Os presentes regozijam e sente-se a presença dos ausentes nos silêncios cúmplices. As crianças marcam o seu espaço e fazem-nos sonhar com o futuro de todas as esperanças.

O meu tio Ventura tem ido tomar banho à casa do “alto da sinagoga” pois, diz ele, aí se sente mais à vontade. O meu tio Ventura retomou, por estes dias, as funções de “ensaiador” do Rancho Folclórico de Santo Estêvão de Tavira. O meu tio Ventura respira jovialidade e energia por todos os poros. O meu tio Ventura tem 93 anos.

terça-feira, agosto 16

Fernando Pessoa em edição bilingue - português/espanhol


Um grande poeta português traduzido em espanhol, para galgata
(e não só),
neste “site de poesias coligidas de F E R N A N D O P E S S O A”


Deixa-me sonhar

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.



Duerme mientras yo velo...
Déjame soñar...
Nada en mí es risueño.
Te quiero para sueño,
No para amarte.

Tu carne calma
Es fria en mi querer
Mis deseos son cansancios.
Ni quiero tener en los brazos
Mi sueño de tu ser.

Duerme, duerme. Duerme,
Vaga en tu sonreir...
Te sueño tan atento
Que el sueño es encantamiento
Y yo sueño sin sentir.

Fernando Pessoa

AINDA A SUL


Rua de Faro na Zona da Sé Velha

Na minha visita à casa de meus avós, onde nasceu minha mãe, desci, como sempre, o caminho do “monte da sinagoga” à estrada. Do alto a vista é um deslumbramento de mar azul todo em volta da coroa de terra. O mar espraia-se das cercanias de Ayamonte a Olhão. Meio Algarve debaixo do meu olhar em brasa.

A juventude ressurge em plenitude e deixa adivinhar as alegrias passadas na busca das folhas e no rabisco dos frutos secos caídos das árvores. Num plano inclinado, ladeando o caminho, debaixo da inclemência do sol abrasador, se misturam, em aparente desordem, amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras e oliveiras que, este ano, à falta de água, abortaram a sua produção.

Salvo as alfarrobeiras, carregadas de seus frutos escuros e secos, todas as outras se apresentam exangues, mortas de sede. As árvores da minha juventude ainda estão lá quase todas. Desta vez não pude apanhar os figos da figueira do poço, a da predilecção de minha mãe, pois não os havia.

Mas agarrei um monte de alfarrobas que, à chegada a Faro, depositei na mão delicada de meu filho. Para quê? Para ti! Para que sintas a sua textura rugosa e a riqueza que outrora permitiu a sobrevivência de teus avós.

O meu primo Gervásio as apanhará mantendo inquebrável a tradição de uma cultura milenar.

DIGNIDADE


“É horrível ver a facilidade com que se desmorona a dignidade de certos seres. Vendo bem, isso é normal visto que a dignidade em questão apenas é mantida por eles através de incessantes esforços contra a sua própria natureza.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

domingo, agosto 14

ROSA DEL MUNDO

Rosa. Rosa del mundo.
Quemada.
Sucia de tanta palabra.

Primer rocío sobre el rostro
Que fue pétalo
a pétalo pañuelo de sollozos.

Obscena rosa. Repartida.
Amada.
Boca herida, soplo de nadie.

Casi nada.

Eugenio de Andrade

(Para Galgata como iniciação ao conhecimento da poesia portuguesa através de um grande poeta)

sábado, agosto 13

A SUL

A minha juventude foi apaixonadamente vivida em Faro. Mesmo depois de abandonar a cidade para prosseguir os estudos em Lisboa, onde me fixei para sempre, nunca deixei de passar, pelo menos, parte das férias na cidade natal.

A minha sensibilidade foi moldada pelo ambiente branco e quente do sul, a minha formação intelectual e cultural foi marcada por acontecimentos que pude viver nas terras do sul. Mais próximas do que se possa pensar da Andaluzia espanhola e do norte de África, do que do resto do continente português.

Sempre que visito a minha cidade natal percorro os lugares da minha infância, a casa onde nasci, as ruas que configuraram o meu olhar sobre o mundo e os outros, revejo os rostos das mulheres e dos homens que me impressionaram e deram o melhor que se leva da vida: os afectos.

Na minha cidade percorro a rua principal onde vivi anos a fio. Aqui o calor é mais sufocante do que a norte não porque faça, a maior parte das vezes, mais calor mas porque é um calor seco e carregado de tonalidades mediterrâneas.

Vejo hoje que o “Clube Farense” ostenta à porta um pendão assinalando a sede da “Capital Nacional da Cultura- 2005”. Não encontro, no entanto, qualquer sinal de actividades culturais. Mas que as há, há! Trata-se de um projecto meio clandestino que nasceu morto de energia vital e que jamais retornará à vida. Assim seja!

Logo a poucos metros sento-me na esplanada da Gardy e o Renato engraxa-me os sapatos como sempre. Não tem novidades de amigos mortos nos últimos tempos. Sempre me estende, em palavras escassas, a lista dos acontecimentos que ele julga serem marcantes para mim e nunca falta o obituário. Evita falar da morte do meu irmão, eu agradeço. A última que evoca é a do “Micro”.

Numa coluna de pedra, em frente, deparo-me com quatro inscrições ostentando o símbolo do MES. O círculo vermelho com a estrela de cinco pontas e a sigla do extinto movimento apresenta-se em bom estado de conservação. A observação nada teria de especial a não ser o facto de as pinturas perdurarem desde 1975. Nem a mão do homem nem a erosão do tempo as apagou.

E a minha memória percorre os rostos daqueles que acreditaram no sonho de uma sociedade nova que, afinal, não era mais do que uma utopia perigosa. Mas os seus despojos permanecem presentes aos olhos de todos como um sinal secreto que só muito poucos são capazes de decifrar.

Se é verdade como afirma, hoje no “Publico”, Helena Matos que “o facto de se ter combatido Salazar e Marcelo Caetano (ela evita a palavra ditadura) não transforma ninguém num democrata”, o “pequeno detalhe” de ter participado nesse combate ajudou muito à conquista da democracia que permite, hoje, que Helena Matos possa dizer livremente o que lhe apetece dizer. É a diferença entre a liberdade e a tirania.

Um “pequeno detalhe” para alguns uma enorme conquista para mim.

sexta-feira, agosto 12

BUKHARINE

Li devagar um livro de memórias, somente razoável, que é um depoimento dramático acerca de um crime hediondo. A viúva de Bukharine, em “Bukharine, Minha Paixão”, descreve, de forma pungente, a perseguição e assassinato de um dos mais importantes dirigentes da revolução russa de 1917: N.I. , ou seja, Nicolai Ivanovitch Bukharine.

Os crimes de Estaline surgem, neste livro, em toda a sua crueldade, um autêntico monumento à hipocrisia política e à incrível capacidade do homem ser infiel às suas próprias convicções e certezas.

Recomenda-se a sua leitura aos políticos, magistrados, polícias, jornalistas, lideres de opinião, em suma, a todos aqueles que, com os meios de “convencimento” da nossa época, podem ser tentados a praticar todos os inimagináveis crimes que, por vezes, pensamos pertencerem à história.

No último parágrafo do livro a autora escreve:

“Meio século me separa dos acontecimentos dramáticos que evoquei. Termino estas linhas, quando Nikolai Ivanovitch, finalmente, foi reintegrado, a título póstumo, no Partido. A justiça acabou por triunfar. Mas nada se apagou da minha memória, as palavras de Bukharine, voltadas para o futuro, ainda estão vivas no meu coração: “Ficai a saber, camaradas, que na bandeira que arvorais, na marcha triunfal para o comunismo, há também uma gota do meu sangue!”.

“Bukharine, Minha Paixão”, de Anna Larina Bukharina, Edição Terramar, tradução, a partir da edição francesa, de Ludgero Pinto Basto.

Um Dia

um dia não são dias
e uma noite em branco
é um dia sem descanso
no meio da sequência
dos dias

se a noite foi em branco
no meio da sequência dos dias
e dela nasceram dias novos
na sequência dos dias então um dia
não são dias

eu por mim quero viver um dia a mais
acrescentado a todos os dias
gozando a noite imortal
que suceder ao último
dos dias

In “Ir Pela Sua Mão” – 2003 – Editora Ausência

(Um poema meu porque sim ...)

"O reino das bestas começou."

7 de Setembro (1939)

Perguntávamos uns aos outros onde era a guerra – o que havia nela de ignóbil. E apercebemo-nos que sabemos onde ela é, que a temos entre nós – que ela é, para a maior parte das pessoas, esta tortura, esta obrigação de escolher que os faz partir com o remorso de não terem sido suficientemente corajosos para se absterem ou que os faz absterem-se com o remorso de não partilhar da morte dos outros.

Ela está aqui, verdadeiramente aqui, e nós procurávamo-la no céu azul e na indiferença do mundo. Ela está nesta solidão pavorosa do combatente e do não-combatente, no desespero humilhado que é comum a todos e nesta abjecção crescente que sentimos subir aos rostos à medida que os dias passam. O reino das bestas começou.

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Os cães ladram

Lá fora os cães ladram incessantemente. Desde sempre convivi com os cães que ladram. Os tons mudam consoante a sua condição: cão faminto, cão cativo, cão carente, cão abandonado ... mas os cães ladram e sentimos o incómodo ou o conforto da vida normal. Quando o cães uivam sentimos algo diferente: talvez o desejo que antecede a criação ou a angústia que antecede a morte.

quinta-feira, agosto 11

JUSTIÇA

Por altura da morte de Eugénio de Andrade impressionou-me uma frase em que afirmava a sua profunda preocupação com a justiça. Dei comigo a pensar de como os agentes da justiça se preocuparão com a matéria prima do seu mister. E de como serão avaliados pelos seus juízos que envolvem a liberdade, a honra, o património e a vida de milhares de cidadãos!

UNIDAD

Uma homenagem à poesia chilena através do poema Unidad, de Pablo Neruda, na sua versão original e na excelente tradução, em português, de José Bento.

Hay algo denso, unido, sentado en el fondo,
repitiendo su número, su señal idéntica.
Cómo se nota que las piedras han tocado el tiempo,
en su fina materia hay olor a edad,
y el agua que trae el mar, de sal y sueño.

Me rodea una misma cosa, un solo movimiento:
el peso del mineral, la luz de la miel,
se pegan al sonido de la palabra noche:
la tinta del trigo, del marfil, del llanto,
envejecidas, desteñidas, uniformes,
se unen en torno a mí como paredes.

Trabajo sordamente, girando sobre mí mismo,
como el cuervo sobre la muerte, el cuervo de luto.
Pienso, aislado en lo extremo de las estaciones,
central, rodeado de geografía silenciosa:
una temperatura parcial cae del cielo,
un extremo imperio de confusas unidades
se reúne rodeándome.

Pablo Neruda

UNIDADE

Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.

Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.

Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do céu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.

In “Rosa do Mundo 2001 Poemas Para Futuro"
Assírio & Alvim, tradução de José Bento

quarta-feira, agosto 10

Poe e a Felicidade

Poe e as quatro condições para a felicidade:

1) A vida ao ar livre
2) O amor a um ser
3) O desinteresse por qualquer ambição
4) A criação”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Natureza

Ontem de manhã choveu na praia mas o pôr do sol foi mais radioso do que nunca. Do alto da arriba, sobranceira ao mar, o céu escureceu lentamente tomando todas as cores que queiramos imaginar. No entanto uma multidão de expectativas ficaram, durante aqueles momentos, por cumprir no coração dos homens. Imagino a natureza sem o homem e o homem sem a natureza.

Para ser grande, sê inteiro

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Fernando Pessoa (Ricardo Reis)

terça-feira, agosto 9

CIPRESTES

Primeiro fragmento do “Caderno n º 3”, a pensar no Dias com Árvores

“Enquanto que habitualmente os ciprestes são manchas escuras nos céus da Provença e de Itália, aqui no cemitério de El Kettar, aquele cipreste escorria claridade, abundava de dourados do sol. Dir-se-ia que, vindo do seu coração negro, um suco dourado borbulhava até às extremidades dos seus ramos curtos e deslizava em longos rastos fulvos sobre o verde da folhagem.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

A5

Na “auto-estrada” de Cascais (A5) paga-se portagem. Era suposto receber, como contrapartida, um serviço. Mas não há auto-estrada. A Brisa não oferece nada em contrapartida do pagamento. Um roubo. Um crime público.

ROBIN COOK

A ler: Ana Gomes, no Causa Nossa, acerca de Robin Cook.

“Robin Cook fez diferença neste mundo. Ele teve a lucidez de articular e procurar pôr em prática uma política externa com coerência e fundamentação ética. Nem sempre conseguiu resultados. Mas tentou. E sempre que não concordou, no mais essencial, não transigiu. No mundo em geral e nos partidos socialistas, de ontem como de hoje, integridade pessoal e política fazem diferença.”