Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, junho 1
A RECEPÇÃO - JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES
(Clique na fotografia para ampliar)
António Pais, Miguel Pamplona e José Catela (Da esquerda para a Direita)
A “Comissão de Recepção”. Não há jantares gratuitos: cada um pagou o seu. É de toda a justiça que surja, pela primeira vez em destaque, o autor das fotografias. No caso desta, certamente, por delegação de competências.
António Pais, Miguel Pamplona e José Catela (Da esquerda para a Direita)
A “Comissão de Recepção”. Não há jantares gratuitos: cada um pagou o seu. É de toda a justiça que surja, pela primeira vez em destaque, o autor das fotografias. No caso desta, certamente, por delegação de competências.
quarta-feira, maio 31
JERICÓ
Imagem daqui
Minhas muralhas de Jericó ruíram
Como as da lei antiga
Um dia só bastou para as lançar por terra.
Devia ter orgulho de as ter deixado
Cair sem que poeira alguma
As fizesse ainda ser do ar lembradas.
Devia ter orgulho de me ter vencido.
Orgulho de ter surgido inerme e intacto ter ficado.
O meu tesouro – que julgou levá-lo –
Enquanto fomos juntos me tocava.
E, longe, pode-lhe ser contíguo até
Mas a fronteira está em mim.
Devia ter orgulho mas não tenho.
Um vencedor obriga a um vencido
E ele é apenas um traído.
(19.2.61)
José Blanc de Portugal
Minhas muralhas de Jericó ruíram
Como as da lei antiga
Um dia só bastou para as lançar por terra.
Devia ter orgulho de as ter deixado
Cair sem que poeira alguma
As fizesse ainda ser do ar lembradas.
Devia ter orgulho de me ter vencido.
Orgulho de ter surgido inerme e intacto ter ficado.
O meu tesouro – que julgou levá-lo –
Enquanto fomos juntos me tocava.
E, longe, pode-lhe ser contíguo até
Mas a fronteira está em mim.
Devia ter orgulho mas não tenho.
Um vencedor obriga a um vencido
E ele é apenas um traído.
(19.2.61)
José Blanc de Portugal
ENÉADAS 9 Novenas
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
À MINHA VOLTA
Fotografia de Philippe Pache
Alguns objectos que me rodeiam à vista e à mão: diversos dicionários – “exactos” diz o da Academia das Ciências de Lisboa e “exatos” diz o do Houaiss. Sempre escrevo rodeado de dicionários!
Imagens arquivadas na máquina e outras que bailam retidas no arquivo da memória.
Livros empilhados. “Todos os Poemas” de Ruy Belo (transcrevo para aqui excertos da sua poesia através de um guia que, um dia, já identifiquei).
“Carnets III” de Albert Camus (leio a toda a hora e transcrevo excertos - ainda faltam muitos – nunca mais vão acabar. Estamos lendo sempre o mesmo livro!).
Agora iniciei o José Blanc de Portugal (transcrevo excertos de “Enéadas” e segue-se “Descompasso”).
E a intensidade da experiência do MES. Um passado sem regresso mas com marcas. Desfiar comentários – quase só suportados pela memória – a propósito das imagens que o António Pais vai descobrindo. Recuando no tempo. A ver até onde vamos chegar!
Um blogue, no meu conceito, quer-se o mais pessoal possível. Singular. Se possível original. Composto com prazer. Duradoiro. Fragmentado. Livre.
Para que se compreenda alguma coisa de nós, através de nós mesmos e dos outros, por entre (e para além) das vicissitudes da vida e do ruído avassalador das notícias das agências. Talvez, mais que tudo, evidenciar as diferenças.
Alguns objectos que me rodeiam à vista e à mão: diversos dicionários – “exactos” diz o da Academia das Ciências de Lisboa e “exatos” diz o do Houaiss. Sempre escrevo rodeado de dicionários!
Imagens arquivadas na máquina e outras que bailam retidas no arquivo da memória.
Livros empilhados. “Todos os Poemas” de Ruy Belo (transcrevo para aqui excertos da sua poesia através de um guia que, um dia, já identifiquei).
“Carnets III” de Albert Camus (leio a toda a hora e transcrevo excertos - ainda faltam muitos – nunca mais vão acabar. Estamos lendo sempre o mesmo livro!).
Agora iniciei o José Blanc de Portugal (transcrevo excertos de “Enéadas” e segue-se “Descompasso”).
E a intensidade da experiência do MES. Um passado sem regresso mas com marcas. Desfiar comentários – quase só suportados pela memória – a propósito das imagens que o António Pais vai descobrindo. Recuando no tempo. A ver até onde vamos chegar!
Um blogue, no meu conceito, quer-se o mais pessoal possível. Singular. Se possível original. Composto com prazer. Duradoiro. Fragmentado. Livre.
Para que se compreenda alguma coisa de nós, através de nós mesmos e dos outros, por entre (e para além) das vicissitudes da vida e do ruído avassalador das notícias das agências. Talvez, mais que tudo, evidenciar as diferenças.
terça-feira, maio 30
"...vrai libéralisme."
Imagem daqui
"Humboldt. Pour que l´être humain s´enrichisse et se perfectionne, il faut une variété de situations. Le maintien de cette variété c´est l´effort central du vrai libéralisme."
Albert Camus
"Humboldt. Pour que l´être humain s´enrichisse et se perfectionne, il faut une variété de situations. Le maintien de cette variété c´est l´effort central du vrai libéralisme."
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES - ISCTE
Fotografia de António Pais
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita (de pé): (?); André Março, Zé Serrano, Mila, (?) e António Robalo; 1ª fila: José Pedro Pontes, Nuno Faria, Aires Costa e José Carlos Albino.
Este é pessoal do ISCTE faltando identificar dois dos participantes para cuja tarefa aguardo contributos. A composição dos grupos fotografados pelo António Pais tem, em regra, afinidades facilmente identificáveis. Os grupos mostram, por outro lado, que a participação no jantar foi mais vasta do que a minha memória guardava.
Ainda faltam publicar algumas fotografias muito interessantes do jantar e outras do IV Congresso do MES (o último) que deu origem a esta decisão de extinção o que permitirá esclarecer, de passagem, mais alguns aspectos da parte derradeira desta odisseia politico partidária. (E o mais que verá!)
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita (de pé): (?); André Março, Zé Serrano, Mila, (?) e António Robalo; 1ª fila: José Pedro Pontes, Nuno Faria, Aires Costa e José Carlos Albino.
Este é pessoal do ISCTE faltando identificar dois dos participantes para cuja tarefa aguardo contributos. A composição dos grupos fotografados pelo António Pais tem, em regra, afinidades facilmente identificáveis. Os grupos mostram, por outro lado, que a participação no jantar foi mais vasta do que a minha memória guardava.
Ainda faltam publicar algumas fotografias muito interessantes do jantar e outras do IV Congresso do MES (o último) que deu origem a esta decisão de extinção o que permitirá esclarecer, de passagem, mais alguns aspectos da parte derradeira desta odisseia politico partidária. (E o mais que verá!)
segunda-feira, maio 29
PEQUENA HISTÓRIA TRÁGICO-TERRESTRE
Fotografia de Jérôme Sevrette (Le désordre des masses noires)
(…)
Sou um homem da palavra aquilo que mais passa
e ao mar e ao vento imolo o que na areia escrevo
subida a escadaria dos poetas que antes conduzia
a reais paços de rondós e redondilhas
No limiar do sono sondo a noite e só depois a luz
mais natural na lâmpada que na lua ou dia
Luz solar um momento necessito caminhar
voar aos vários ventos deste ameaçado tempo
sentir a sedução das grandes capitais
em meu vibrátil pulso de poeta
(…)
Ruy Belo
PEQUENA HISTÓRIA TRÁGICO-TERRESTRE
País Possível
(…)
Sou um homem da palavra aquilo que mais passa
e ao mar e ao vento imolo o que na areia escrevo
subida a escadaria dos poetas que antes conduzia
a reais paços de rondós e redondilhas
No limiar do sono sondo a noite e só depois a luz
mais natural na lâmpada que na lua ou dia
Luz solar um momento necessito caminhar
voar aos vários ventos deste ameaçado tempo
sentir a sedução das grandes capitais
em meu vibrátil pulso de poeta
(…)
Ruy Belo
PEQUENA HISTÓRIA TRÁGICO-TERRESTRE
País Possível
HIPOCRISIA
Alcoutim
Apetecia-me falar disto. O PR, o povo e, ao fundo, o ministro Vieira da Silva sorridente. Denunciar a hipocrisia. Fica para sexta-feira.
Apetecia-me falar disto. O PR, o povo e, ao fundo, o ministro Vieira da Silva sorridente. Denunciar a hipocrisia. Fica para sexta-feira.
domingo, maio 28
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES - JUVENTUDE
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita -1ª Fila: Mário Trigo, Pedro Félix, Guida Veloso, Pedro Torres e Carlos Vitorino. 2ª Fila (de pé): "Tolinhas", Ana Ramalhete, Paulo Trigo, Guida Faria, Ana Cordovil, Xana e Paulo Bateira.
Esta é uma imagem de juventude retratando alguns participantes no jantar de extinção do MES que eram estudantes liceais aquando do 25 de Abril de 1974.
O MES era um partido jovem mesmo pelo facto de ter sido, desde a origem, o movimento estudantil um dos principais alfobres de onde provinham os seus militantes.
É interessante verificar que nenhum dos retratados, em plena pujança das suas capacidades intelectuais e profissionais, exerce, na actualidade, funções políticas executivas relevantes. Nem os mais jovens, representados nesta fotografia, nem, no presente, ao que julgo, nenhum de nós.
Como diz o povo “o futuro a Deus pertence” mas este jantar de extinção ressoa, na minha consciência, a um grito comum de recusa da política no sentido que Camus resumiu numa frase lapidar: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.
2º OLHAR DE CÃO
Fotografia de Pachacuti
Eu sou um cão; e como tal
Por vezes mesmo bem demais tratado
Ninguém peça a ninguém mais do que pode dar.
E o cão, por meu bem ou por meu mal,
Para continuar a sê-lo e a parecê-lo,
Tem de ladrar e morder o seu bocado
E quem me passa a mão pelo pêlo
Nem sempre vê p´ra quem eu estou a olhar.
José Blanc de Portugal
ENÉADAS – 9 Novenas
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
Eu sou um cão; e como tal
Por vezes mesmo bem demais tratado
Ninguém peça a ninguém mais do que pode dar.
E o cão, por meu bem ou por meu mal,
Para continuar a sê-lo e a parecê-lo,
Tem de ladrar e morder o seu bocado
E quem me passa a mão pelo pêlo
Nem sempre vê p´ra quem eu estou a olhar.
José Blanc de Portugal
ENÉADAS – 9 Novenas
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA
MES – Baixo Alentejo
Colecção de Conceição Neuparth – Depositada no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra
Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.
O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo da década de 60 ganhando força a partir do simulacro de eleições em 1969: o movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.
A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.
Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES, o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil. Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal “Esquerda Socialista” e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade.
Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou agarrada à minha memória. Admirável Robin...
[As fotografias e respectivas legendas do Jantar de Extinção do MES vão continuar. No dia em que passa mais um aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926 que abriu o caminho para a instauração da ditadura em Portugal, para que se compreenda melhor do que falamos, quando falamos do MES, aqui fica uma variante de um post publicado em Março de 2004 no qual se fala de Robin Fior.]
Colecção de Conceição Neuparth – Depositada no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra
Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.
O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo da década de 60 ganhando força a partir do simulacro de eleições em 1969: o movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.
A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.
Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES, o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil. Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal “Esquerda Socialista” e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade.
Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou agarrada à minha memória. Admirável Robin...
[As fotografias e respectivas legendas do Jantar de Extinção do MES vão continuar. No dia em que passa mais um aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926 que abriu o caminho para a instauração da ditadura em Portugal, para que se compreenda melhor do que falamos, quando falamos do MES, aqui fica uma variante de um post publicado em Março de 2004 no qual se fala de Robin Fior.]
sábado, maio 27
ALBERT CAMUS
Imagem daqui
Lettre Duperray. « Les syndicalistes révolutionnaires continuent à se donner à leur activité essentielle : chercher les raisons de se séparer sur des principes communs. »
Albert Camus
Lettre Duperray. « Les syndicalistes révolutionnaires continuent à se donner à leur activité essentielle : chercher les raisons de se séparer sur des principes communs. »
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard
JACARANDÁS
Fotografia in OFÍCIO DIÁRIO
Ontem, a caminho do Teatro da Trindade, para ver “1755 – O Grande Terramoto”, passei defronte de um conjunto imponente de jacarandás floridos. A cidade se ilumina com as cores da primavera e respira os cheiros que a tornam feminina. Esta Lisboa que se reergueu depois de destruída e, formosa, resiste.
Ontem, a caminho do Teatro da Trindade, para ver “1755 – O Grande Terramoto”, passei defronte de um conjunto imponente de jacarandás floridos. A cidade se ilumina com as cores da primavera e respira os cheiros que a tornam feminina. Esta Lisboa que se reergueu depois de destruída e, formosa, resiste.
RUY BELO
Fotografia de Angèle
(…)
Ah portugal país sem pátria por trás
cabo do mundo eterno fim do ano
em ti me senti sempre encurralado
como se lá no extremo fosse o meu último dia
(…)
Ruy Belo
FILOLOGIA-FILOSOFIA OU TALVEZ LA MESSE
SUR LE MONDE OU O TESTEMUNHO A FAVOR
DE UM ENTUSIASTA DO CAMPO
Transporte no Tempo
(…)
Ah portugal país sem pátria por trás
cabo do mundo eterno fim do ano
em ti me senti sempre encurralado
como se lá no extremo fosse o meu último dia
(…)
Ruy Belo
FILOLOGIA-FILOSOFIA OU TALVEZ LA MESSE
SUR LE MONDE OU O TESTEMUNHO A FAVOR
DE UM ENTUSIASTA DO CAMPO
Transporte no Tempo
quinta-feira, maio 25
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES - FILOMENA AGUILAR
Fotografia de António Pais
(Clique na fotografia para ampliar)
Raquel Lopes e Filomena Aguilar Ferro Rodrigues
Esta fotografia foi outra grande surpresa. Agradável. Nada sei da Raquel. A Filomena é a minha amizade mais antiga entre todas as mulheres. Está tudo dito. Mas acrescento que o tempo não mata a beleza. Amadurece-a por entre as vicissitudes da vida.
(Clique na fotografia para ampliar)
Raquel Lopes e Filomena Aguilar Ferro Rodrigues
Esta fotografia foi outra grande surpresa. Agradável. Nada sei da Raquel. A Filomena é a minha amizade mais antiga entre todas as mulheres. Está tudo dito. Mas acrescento que o tempo não mata a beleza. Amadurece-a por entre as vicissitudes da vida.
O DIÁLOGO E O COMUNICADO
Fotografia de Angèle
Mandar é respirar, não é desta opinião? E até os mais deserdados chegam a respirar. O último na escala social tem ainda o cônjuge ou o filho. Se é celibatário, um cão. O essencial, em resumo, é uma pessoa poder zangar-se sem que outrem tenha o direito de responder. «Ao pai não se responde», conhece a fórmula? Em certo sentido, ela é singular. A quem se responderia neste mundo senão a quem se ama? Por outro lado, ela é convincente. É preciso que alguém tenha a última palavra. Senão, a toda a razão pode opor-se outra: nunca mais se acabava. A força, pelo contrário, resolve tudo. Levou tempo, mas conseguimos compreendê-lo. Por exemplo, deve tê-lo notado, a nossa velha Europa filosofa, enfim, da melhor maneira. Já não dizemos, como nos tempos ingénuos: «Eu penso assim. Quais são as suas objecções?» Tornámo-nos lúcidos. Substituímos o diálogo pelo comunicado.
Albert Camus
A Queda, in CADERNOS DE CAMUS
(Sublinhados de Ana Alves)
Mandar é respirar, não é desta opinião? E até os mais deserdados chegam a respirar. O último na escala social tem ainda o cônjuge ou o filho. Se é celibatário, um cão. O essencial, em resumo, é uma pessoa poder zangar-se sem que outrem tenha o direito de responder. «Ao pai não se responde», conhece a fórmula? Em certo sentido, ela é singular. A quem se responderia neste mundo senão a quem se ama? Por outro lado, ela é convincente. É preciso que alguém tenha a última palavra. Senão, a toda a razão pode opor-se outra: nunca mais se acabava. A força, pelo contrário, resolve tudo. Levou tempo, mas conseguimos compreendê-lo. Por exemplo, deve tê-lo notado, a nossa velha Europa filosofa, enfim, da melhor maneira. Já não dizemos, como nos tempos ingénuos: «Eu penso assim. Quais são as suas objecções?» Tornámo-nos lúcidos. Substituímos o diálogo pelo comunicado.
Albert Camus
A Queda, in CADERNOS DE CAMUS
(Sublinhados de Ana Alves)
quarta-feira, maio 24
ABDICAR
Segundo a Lusa: “O Prémio Camões, o maior galardão literário da língua portuguesa, não tentou Luandino Vieira que, segundo o escultor José Rodrigues, seu grande amigo, vive "completamente despojado dos bens materiais" no Alto Minho.”
Um convite à reflexão!
SOBRE UM VERSO REENCONTRADO
Fotografia de Angèle
De vez em quando reencontro uns versos
Perdidos na soleira dos livros
Que começados não se perdem,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando largo as palavras a meio
Não lhes encontro o nexo
Nem me reencontro nelas e desejo perdê-las,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando mudo as palavras de lugar
Olho os livros neles procurando o desejo
De reencontrar os versos que não escrevi,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando desencontro-me
Com as palavras e deixo o tempo passar
Na espera que se faça silêncio na memória,
E recomeçam porque assim decidi.
Lisboa, 20 de Agosto de 2004
De vez em quando reencontro uns versos
Perdidos na soleira dos livros
Que começados não se perdem,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando largo as palavras a meio
Não lhes encontro o nexo
Nem me reencontro nelas e desejo perdê-las,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando mudo as palavras de lugar
Olho os livros neles procurando o desejo
De reencontrar os versos que não escrevi,
E recomeçam porque assim decidi.
De vez em quando desencontro-me
Com as palavras e deixo o tempo passar
Na espera que se faça silêncio na memória,
E recomeçam porque assim decidi.
Lisboa, 20 de Agosto de 2004
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