Fotografia de Hélder Gonçalves
Bruxelas, 1 de Março (1981)
Ao ler a correspondência Albert Camus-Jean Grenier. Tudo me é familiar: o tom, as referências, os livros citados, as datas, a própria natureza do diálogo.
Reencontro aqui o Camus que estudei, apetece-me quase escrever que conheci: o garoto do bairro popular de Belcourt, em Argel; o adolescente de Bab-El-Oued e da praia de Padovani aos domingos de manhã. Os primeiros anos da adolescência, a pobreza, a tuberculose. A inteligência tão cedo aberta ao mundo e a sensibilidade tão depressa fechada sobre si mesma. A descoberta da politica, ética em acção, como exigência de solidariedade. E logo, desde muito cedo também, a paixão de criar para melhor viver todas as vidas numa só vida.
Merecer-se a si mesmo, sem desmerecer do mundo. Sem excluir o deslumbramento ante “a parte luminosa do homem” de que a sua obra será vibrante testemunho. E já nessa altura o desejo de redescobrir e reinventar para a Europa as virtudes redentoras do homem mediterrânico por oposição ao figurino soviético e ao modelo atlântico.
E a última carta, datada de 25 de Dezembro de 1959, escrita uma semana antes de morrer com estas linhas premonitórias: “Quando terminar o meu livro, se porventura o terminar …”