Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, janeiro 18
sábado, janeiro 17
janeiro - dia 17
De súbito os governos dos países europeus - que integram a UE - surgem em cena assumindo todo o protagonismo na luta anti terrorista. Os responsáveis políticos da UE, e as suas instituições, passam a plano secundário. É como se se tivesse assumido uma estranha especialização: aos governos nacionais a politica, à UE a exigência que os governos nacionais cumpram as metas dos tratados. Assiste-se, sem escândalo, ao espectáculo do regresso em força dos nacionalismos em desfavor das conquistas de uma Europa como espaço de partilha de políticas comuns. Basta olhar às imagens das manifestações de Paris! A política acantona-se nas sedes dos governos nacionais, tendo desertado das instâncias da União Europeia. Resistirá a UE sem politica comum nas áreas militar e de defesa?
quinta-feira, janeiro 15
janeiro, dia 16
Fotografia de Hélder Gonçalves
Um mundo de violência, dividido pela posse da riqueza, como sempre ao longo da história, pela posse das matérias primas, das rotas, dos territórios; disputas pelo domínio da terra, do mar, do espaço vital, com guerra sempre à vista mesmo quando predomina a paz; cegueira ideológica, idolatria por chefes, desprestígio do sagrado, sedução e culto pelo dinheiro, sempre com novas formas, escalas e artes de cativar a maioria. A tirania espreita na esquina da intolerância. É preciso que se ergam vozes e luzam rostos capazes de, com realismo e coragem, enfrentarem, uma vez mais, o totalitarismo que, sob diversas vestes, se insinua por entre os povos que trabalham e aspiram à paz e à liberdade.
Um mundo de violência, dividido pela posse da riqueza, como sempre ao longo da história, pela posse das matérias primas, das rotas, dos territórios; disputas pelo domínio da terra, do mar, do espaço vital, com guerra sempre à vista mesmo quando predomina a paz; cegueira ideológica, idolatria por chefes, desprestígio do sagrado, sedução e culto pelo dinheiro, sempre com novas formas, escalas e artes de cativar a maioria. A tirania espreita na esquina da intolerância. É preciso que se ergam vozes e luzam rostos capazes de, com realismo e coragem, enfrentarem, uma vez mais, o totalitarismo que, sob diversas vestes, se insinua por entre os povos que trabalham e aspiram à paz e à liberdade.
segunda-feira, janeiro 12
RONALDO - UMA VEZ MAIS
Já escrevi muitas vezes acerca do Ronaldo, futebolista de profissão, como do futebol escrevi também, não tanto como acerca de Camus, ou citando-o amiúde, que também amava o futebol, tal como o sol, a água, a praia, gente do sul, e uma vez mais o celebro, Ronaldo, um homem que agradece num palco do mundo, na sua lingual mãe - o português. Bem haja!
domingo, janeiro 11
11 de janeiro - 2015
W. Whitman. «Lorsque la liberté s´en va de quelque part, elle n´est pas la première chose à s´en aller. Elle attend que toutes les autres s´en aillent, elle est la toute dernière.»
Albert Camus“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
sexta-feira, janeiro 9
DIAS DIFÍCEIS PARA A FRANÇA E PARA O MUNDO
Fotografia de Hélder Gonçalves
Fim de tarde/noite em Lisboa, cidade pacata de um país chamado Portugal, com uma longa história, que nunca deixou de ser europeu continental e ao mesmo tempo europeu atlântico, pela cultura e pela geografia. Portugal que foi, pelos idos dos séculos XV/XVI, uma potência global, dizem os entendidos - ao contrário de outras narrativas - a primeira de todas criando, mar afora, um império em rede tanto mais surpreendentemente grandioso quanto diminuta a sua dimensão demográfica e económica. Quando nos deixamos acantonar neste espaço diminuto de terra, rodeado do grande mar, perdemos força e influência na politica europeia e global. A União Europeia não pode servir para diminuir cada um dos seus membros. Tem que servir para os engrandecer num projecto comum evoluindo para a integração politica, projecto ousado, original e difícil, salvo se quiser dar-se ao sacrifício de uma inevitável implosão. A diversidade das Nações europeias, com seus povos, no espaço físico europeu, enquanto projecto politico comum, é uma vantagem num mundo que não mais será um conglomerado de autarcias. Os acontecimentos por estes dias em França estimulam, certamente, sentimentos nacionalistas extremos. É certo e sabido não sendo necessário ser especialista em politica internacional para o pressentir. Mas, ao mesmo tempo, é uma janela de oportunidade para que os dirigentes políticos democratas, exercitem, à vista de todos, capacidade para conciliar autoridade e tolerância, aspiração à justiça e defesa da liberdade. O Presidente francês tão impopular aos olhos da opinião pública francesa, tão desprezado pelos seus pares, julgo não me enganar, tem mostrado, neste momento difícil, perante acontecimentos dramáticos, uma dimensão de homem de Estado que é apreciável e deve ser reconhecida. Domingo próximo a França vai sair à rua pela liberdade. Estarei de corpo inteiro em Portugal como se marchasse pelos Campos Elísios. Portugal deveria estar representado nessa manifestação ao mais nível do Estado como parte de uma estratégia da sua afirmação no espaço comum europeu.
Fim de tarde/noite em Lisboa, cidade pacata de um país chamado Portugal, com uma longa história, que nunca deixou de ser europeu continental e ao mesmo tempo europeu atlântico, pela cultura e pela geografia. Portugal que foi, pelos idos dos séculos XV/XVI, uma potência global, dizem os entendidos - ao contrário de outras narrativas - a primeira de todas criando, mar afora, um império em rede tanto mais surpreendentemente grandioso quanto diminuta a sua dimensão demográfica e económica. Quando nos deixamos acantonar neste espaço diminuto de terra, rodeado do grande mar, perdemos força e influência na politica europeia e global. A União Europeia não pode servir para diminuir cada um dos seus membros. Tem que servir para os engrandecer num projecto comum evoluindo para a integração politica, projecto ousado, original e difícil, salvo se quiser dar-se ao sacrifício de uma inevitável implosão. A diversidade das Nações europeias, com seus povos, no espaço físico europeu, enquanto projecto politico comum, é uma vantagem num mundo que não mais será um conglomerado de autarcias. Os acontecimentos por estes dias em França estimulam, certamente, sentimentos nacionalistas extremos. É certo e sabido não sendo necessário ser especialista em politica internacional para o pressentir. Mas, ao mesmo tempo, é uma janela de oportunidade para que os dirigentes políticos democratas, exercitem, à vista de todos, capacidade para conciliar autoridade e tolerância, aspiração à justiça e defesa da liberdade. O Presidente francês tão impopular aos olhos da opinião pública francesa, tão desprezado pelos seus pares, julgo não me enganar, tem mostrado, neste momento difícil, perante acontecimentos dramáticos, uma dimensão de homem de Estado que é apreciável e deve ser reconhecida. Domingo próximo a França vai sair à rua pela liberdade. Estarei de corpo inteiro em Portugal como se marchasse pelos Campos Elísios. Portugal deveria estar representado nessa manifestação ao mais nível do Estado como parte de uma estratégia da sua afirmação no espaço comum europeu.
quarta-feira, janeiro 7
segunda-feira, janeiro 5
CHOREI POR TI EUSÉBIO
Faz hoje um ano que morreu Eusébio. Nesse dia chorei por ele. Um herói e um símbolo para gerações de portugueses. O futebol é um jogo coletivo mas nele avultam alguns jogadores que o tornam mágico. Eusébio era um deles e desde criança me fez sonhar e acreditar que os mais fracos sempre podem vencer os mais fortes. Deixo em sua homenagem um texto que em tempos escrevi neste blogue em homenagem ao futebol. QUE VIVA!
Uma multidão no estádio, em nossa casa, parece-nos sempre pequena. Amigável. Conhecemos muitos rostos. Mesmo as vozes nos são familiares. Os ditos, as recriminações, “seu isto, seu aquilo …”. Uma multidão que incentiva os ídolos de um tempo que é o nosso é como se fosse alguém da nossa família. Os momentos de glória exigem uma multidão que aclame os heróis. Vista de longe a multidão é anónima. Uma massa de gente que grita, aclama, protesta e gesticula. Vista de perto é um mundo de paixões e afectos que se partilham com fervor. As claques podem ser uma degenerescência das multidões que aplaudem por puro prazer apoiando os seus à vitória. O tumulto pode substituir a festa. Mas a essência do futebol é a festa. A partilha do prazer entre pobres, remediados e ricos; homens e mulheres; crianças, jovens e velhos, misturados na turba que ferve na crença na vitória que, tantas vezes, se transforma na melancolia da derrota. A multidão que se manifesta mostra a alma de um povo que aspira a libertar-se das rotinas do trabalho e das agruras da vida. A história das multidões, para o bem e para o mal, é uma parte da própria história das nações, cidades, associações e famílias. O futebol é o sol que ilumina a vida da maioria nas comunidades.
domingo, janeiro 4
25 CITAÇÕES DE ALBERT CAMUS PELO 55 º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE
No dia do 55º aniversário da sua morte deixo 25 citações do Cadernos II – que acolhe os apontamentos escritos por Albert Camus entre Janeiro de 1942 e Abril de 1948. É muito interessante a proximidade desta escrita com a que, muitas vezes, somos levados a exercitar nas redes sociais.
1 – Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.
2 - Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais.
3 - Revolta: Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...
4 – Bob: nos prados de Verão da Normandia. O seu capacete coberto de goiveiros e ervas bravas.
5 - A reputação. É-nos dada por medíocres e partilhamo-la com medíocres e malandros.
6 - Peste. Há neste momento portos longínquos cuja água é rósea na hora do crepúsculo.
7 - 1 De Setembro de 1943.
Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco.
8 - (Dos mentirosos) “E não há nada onde a força de um cavalo melhor se conheça do que ao fazer uma paragem súbita.”
9 - O tempo não corre depressa quando o observamos. Sente-se vigiado. Mas tira partido das nossas distracções. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma.
10 - Não posso viver fora da beleza.
É o que me torna fraco diante de certos seres.
11 - A espessura das nuvens diminuiu. Logo que o sol se libertou, as terras começaram a fumegar.
13 - Esse vento singular que corre sempre à borda da floresta. Curioso ideal do homem: no próprio seio da natureza, possuir uma casa.
14 - 11 De Novembro. Como ratazanas (*).
15 - Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!
16 - O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui!
17 - A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário.
18 - Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
19 - O coração a envelhecer. Ter amado e nada todavia ser salvo!
20 – Dezembro. Esse coração cheio de lágrimas e de noite.
21 – Escreve-se nos momentos de desespero. Mas o que é o desespero?
22 - É preciso atravessar todo o país do amor antes de encontrar a chama do desejo.
23 -...foi quando tudo ficou coberto de neve que reparei que as portas e as janelas eram azuis
24 - Sei o que é o domingo para um homem pobre que trabalha.
25 - Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.
(*) – O desembarque aliado na África do Norte separa Camus da sua terra e dos seus.
NO DIA DO 55 º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ALBERT CAMUS
“Camus trabalhou assiduamente em O Primeiro Homem durante todo o ano de 1959. Em Novembro foi para Lourmarin para aí permanecer ate à passagem do ano; depois, em Paris, queria ficar com um teatro próprio e considerou também a hipótese de desempenhar o papel principal masculino no filme Moderato Cantabile baseado no conto de Marguerite Duras. O Natal passou-o com a família na casa da Provença e a família Gallimard passou com eles a festa do Ano Novo. A 2 de Janeiro a mulher de Camus teve de regressar a Paris com as crianças por causa do recomeço das aulas. Os Gallimard propuseram a Camus regressar de carro com eles no dia seguinte. Queriam ir calmamente e aproveitar para comer bem, pelo que previram dois dias para o regresso. A 4 de Janeiro o grupo em viagem almoçou em Sens, a cerca de cem quilómetros de Paris. Depois prosseguiram viagem pela estrada nacional, passando por uma série de pequenas aldeias. Próximo de Villeblevin, o carro derrapou sem razão aparente e chocou frontalmente contra uma árvore. À excepção de Camus, que ia sentado ao lado do condutor, foram todos cuspidos do carro: Michel Gallimard ficou gravemente ferido e foi levado para o hospital com a mulher e a filha que não mostravam ferimentos visíveis. Morreu poucos dias depois.
Camus fracturou o crânio e a coluna vertebral. Foi um tipo de morte violenta com que já tinha sonhado, uma morte, como Camus escrevera em 1951 nos Carnets, … em que se nos desculpem os gritos contra a dilaceração da alma. A isso contrapõe um fim longo e constantemente lúcido para que ao menos não se dissesse que eu fora colhido de surpresa.
O corpo de Camus foi depositado em câmara-ardente no salão da Câmara de Villeblevin e na manhã seguinte transladado para Lourmarin. Dois dias após o acidente realizou-se o funeral. Na frente do cortejo funerário iam Francine Camus, o irmão de Camus e René Char. Não levaram o caixão para a igreja, mas directamente para o cemitério que ficava a alguma distância, frente à casa de Camus. Aí tem Camus a sua campa entre as dos aldeões, de igual tamanho e com uma simples pedra.”
In Camus, de Brigitte Sändig
Circulo de Leitores
sexta-feira, janeiro 2
COM QUE ENTÃO LIBERTOS, HEIN?.
Com que então libertos, hein? Falemos de política,
discutamos de política, escrevamos de política,
vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um,
essa coisa de cada um que era tratada como propriedade do paizinho.
Tenhamos sempre presente que, em política, os paizinhos
tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos.
E aprendamos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua
não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la,
mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso,
uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos.
Com o país dividido quase meio século entre os donos da verdade e do poder,
para um lado, os réprobos para o outro só porque não aceitavam que
não houvesse liberdade, e o povo todo no meio abandonado à sua solidão
silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que discursos de salamaleque,
há que aprender, re-aprender a falar política e a ouvir política.
Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente
e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem,
mas para o trabalho mais duro e mais difícil de - parece incrível -
refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma parcela só
da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e é magnífico
o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma nação inteira.
Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é também
o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos
os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos sobre o abismo
em que se afundam os povos e as nações que deixaram fugir
a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há que caminhar
com cuidado, como quem leva ao colo uma criança:
uma pátria que renasce é como uma criança dormindo,
para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos tudo,
até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros passos.
De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos gratos
os que o fizeram possível. Mas, com toda a inteligência
que se deve exigir do amadurecimento doloroso desta liberdade
tão longamente esperada e desejada, trabalhemos cautelosamente,
politicamente, para conduzir a porto de salvamento esta pátria
por entre a floresta de armas e de interesses medonhos
que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a ela.
Jorge de Sena
SB, 2/5/74
POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)
In "40 ANOS DE SERVIDÃO"
O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
Alexandre O'Neill
In ”Tempo de Fantasmas”
“Cadernos de Poesia” – Fascículo Onze - Segunda Série
Novembro de 1951
quinta-feira, janeiro 1
1 de Janeiro
Primeiro dia do ano da graça de 2015. Não sei o que escrevi, por aqui, desde 2004, no primeiro dia dos últimos dez anos. Insisto, por gosto, em manter este espaço escrevendo quase sempre directo na tela esbranquiçada. O tempo tende a corroer a memória e a percepção desse fenómeno leva-me a preservar um espaço público (que sei que é restrito) no qual a possa evocar. A evocação da memória que está ao meu alcance evocar e que muitos dos meus amigos visitantes (alguns amigos pessoais) não se importam em comigo partilhar. Não me sentiria de bem comigo sem a sua presença, sua atenção atenta e crítica, que é parte da construção deste espaço de comunicação sem custos, nem constrangimento a fidelidades certas. Prossigamos.
terça-feira, dezembro 30
2014/2015
Ao longo de tanto tempo a escrevinhar por aqui e por ali, sem destinatários pré definidos, reparo que muitos nomes, rostos e vozes, se esconderam, silenciaram ou desapareçam. Ressoa na minha cabeça a sua lembrança. É a lei da vida, no ronronar do tempo, e curvo-me perante a inevitabilidade do esquecimento de uns e pela memória de outros que permanece viva em mim. Prossigamos!
segunda-feira, dezembro 29
2015
As previsões para 2015 surgem em catadupa. E somente tomamos conhecimento de muito poucas... O circulo delas estreita-se e, finalmente, fecha-se em torno de cada um de nós. Mesmo neste circulo pessoal, uninominal, é difícil fazer previsões. Costumo sintetizar o que mais desejo para familiares e amigos com uma palavra que encerra o mais importante: saúde! E acrescento outra, sem ironia: prosperidade! Para todas e todos.
domingo, dezembro 28
2014
Balanços do ano, cada um faz os seus, em tempo de desencanto como sempre acontece quando esmorece a esperança fundada em expectativas herdadas de um tempo que acabou. Os "trinta anos gloriosos", do pós II guerra mundial, deram lugar a tempos de abrandamento do crescimento, estagnação, atenuação do papel do Estado, libertando as chamadas forças do mercado. Uma história que se repete ciclicamente com guerras de permeio, ou conflitos regionais, que destroem riqueza, transferem rendimentos do trabalho para o capital, ou vice versa. O certo é que os longos ciclos, que podem ser lidos através de séculos, não iludem as necessidades e expectativas do homem no seu tempo concreto. Daí a ilusão ou a desilusão, a revolta ou o acomodamento. É só escolher a quem pode escolher.
sábado, dezembro 27
A BELEZA
“Pequena baía antes de Tenés, na base de uma cadeia de montanhas. Semicírculo perfeito. Ao cair da noite uma plenitude angustiada plana sobre as águas silenciosas. Compreende-se então porque é que os Gregos formaram a ideia do desespero e da tragédia sempre através da beleza e do que nela há de opressivo. É uma tragédia que culmina. Ao passo que o espírito moderno produz o seu desespero a partir da fealdade e do medíocre.
É o que Char quer dizer talvez. Para os Gregos, a beleza é o ponto de partida. Para um europeu, é um fim, raramente atingido. Não sou moderno.”
Albert Camus, in Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).
quarta-feira, dezembro 24
segunda-feira, dezembro 22
MES - 40º ANIVERSÁRIO DO I CONGRESSO (Pela última vez desta vez)
Passam por estes dias de solstício de inverno (21 e 22 de
dezembro) 40 anos sobre o I Congresso do MES. Para quem não saiba, por razões
da usura do tempo, trata-se de um pequeno partido político criado, de facto,
imediatamente antes do 25 de abril de 1974 mas formalizado somente após a
restauração das liberdades, em data imprecisa no plano burocrático, mas precisa
no plano político, a meu ver, na manifestação do 1º de maio de 74, em Lisboa,
através da inscrição da sua sigla – ainda sem símbolo - num pano que muitas
generosas mãos arvoraram.
Foi longo o período de gestação
do MES, ainda mais se medido à velocidade vertiginosa dos acontecimentos pós 25
de abril de 1974, sendo o seu I Congresso realizado somente cerca de oito meses
após o dia 25 de abril. Naquele contexto oito meses era uma eternidade … Este
processo, trespassado por lutas e debates, teve muitos e ilustres protagonistas
oriundos de diversos sectores da oposição à ditadura. Muito já foi escrito,
estudado e debatido acerca da ditadura, seus protagonistas e processos (apesar
de alguns, nos quais me incluo, acharem que foi pouco).
O despretensioso escrito que dou
à estampa deve-se, no essencial, à necessidade que sinto, de manter viva a
memória e divulgar nomes de cidadãos – dos quais somente uma meia dúzia têm
notoriedade pública - que partilharam a experiência única, e irrepetível, de participarem
numa revolução. De onde surgiram, o que os impeliu a reunirem-se sob uma mesma
bandeira, o que os entusiasmou, o que ganharam e perderam, quando, e como, se
desiludiram, quais os percursos pessoais e profissionais que percorreram não
vem ao caso.
O que quero mesmo, repetidamente,
de forma consciente e voluntária, é colocar a memória e os nomes de
protagonistas do MES (infelizmente somente parte deles) não como resquício de
um passado glorioso, mas como legenda de um acontecimento histórico concreto
que permitiu restaurar, apesar de todas as faltas e erros, o mais precioso bem
de que uma comunidade humana se pode orgulhar, a liberdade. Aquisição que, como
todos sabemos, nunca é definitiva conquistando-se, a duras penas, no quotidiano
da vida, ontem, hoje e amanhã.
Tenho escrito acerca do MES, que
o mesmo é dar rosto a pessoas que, a partir da segunda metade do século XX,
fizeram parte de um relevante sector intelectual não-alinhado com o Partido
Comunista, de um segmento do movimento sindical/operário de base forjado num
programa inovador de cariz, assumidamente, anti capitalista, de um núcleo duro
do movimento estudantil que se havia radicalizado, saindo da órbita dos
comunistas e dos grupos maoistas, após as lutas de 1969 e de uma franja
significativa do movimento católico progressista que se bateu duramente, em
particular, contra a guerra colonial.
As confluências de diversas correntes
sectoriais, através dos seus activistas, no MES foi possível pela acção de
muita gente que assumiu simples, ousadas ou mesmo inúteis tarefas, assumindo um
papel relevante em cada uma delas, que não sou capaz de fazer caber neste
escrito, mas que me apetece referenciar, correndo o risco do subjectivismo de
meu juízo, algumas individualidades que muito influenciaram o desenvolvimento
da curta história do MES.
Serei inevitavelmente injusto
para muitos amigos que prezo mas preciso, neste breve exercício, de ser
sucinto.
- No sector intelectual, Nuno Brederode Santos que, como já
descrevi noutras crónicas, com descrição e rara inteligência/intuição política,
foi o verdadeiro mentor da opção pela saída do MES da corrente política que
sempre foi publicamente associada à liderança de Jorge Sampaio, a sua personalidade de referência mais marcante em
termos políticos e com notoriedade pública até ao presente;
- No sector sindicalista/operário
António Santos Júnior, líder
incontestado do movimento operário, com origem nas lutas da TAP, que havia de encabeçar
uma lista vencedora nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, sendo
silenciado quando se preparava para tomar a palavra no comício do 1º de maio em
nome do MES e Agostinho Roseta,
desde sempre ligado de forma continuada, e persistente, à acção
politico-sindical que originou uma corrente sindical não comunista que haveria
de desembocar, com todas as suas vicissitudes, na UGT;
- No movimento estudantil Alberto Martins, pelo papel
desempenhado no despoletar da crise académica de 1969 em Coimbra, afrontando de
forma desabrida os ditamos do regime e Ferro
Rodrigues no movimento estudantil de Lisboa, em particular, em Económicas
que havia sido transformada, após 1968, na peugada do movimento de Maio em
França, numa espécie de "território libertado”;
- No movimento dos católicos
progressistas, Nuno Teotónio Pereira,
oriundo de famílias conservadoras, com obra de referência na actividade
profissional de arquitecto, tendo vindo a tornar-se numa referência
incontornável na luta contra a guerra colonial, e a ditadura, para as novas
gerações e Vítor Wengorovius, o mais
intenso mobilizador de vontades, o orador mais infatigável de todos, sempre
buscando consensos, superando divergências e reparando relações.
(Manuel Serra adversário direto,
e assumido, de Mário Soares no I Congresso do PS, realizado a uma semana de
distância do I do MES, no mesmo local, contou-me, na última conversa antes de
falecer, que havia reunido com VW para desafiar o MES a aderir ao PS logo em
dezembro de 1974, criando condições para ganhar aquele Congresso, o que VW nunca me revelou.)
O MES constituiu-se,
formalizando-se, num Partido a custo pois as suas raízes beberam muito da
ideologia libertária, que havia esmorecido ao longo do período da ditadura, mas
que César de Oliveira fez retornar propondo,
e fazendo vencer, a consigna que o MES adaptou nos seus primórdios: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser
obra dos próprios trabalhadores».
O MES foi, na verdade, um partido
minoritário de elites, e de causas perdidas, nunca se assumindo como projecto
politico de poder, abordando as eleições às quais concorreu – constituintes de
1975 e legislativas de 1976 - com um surpreendente espírito de cruzada
pedagógica junto dos portugueses, que nunca haviam conhecido a cor da
liberdade, razão pela qual, sem apelo nem agravo, em todas foi estrondosamente
derrotado.
O MES foi, no seu âmago, um partido da
esquerda radical, mais do que um partido esquerdista, lidando mal com
alinhamentos ideológicos mesmo aquando da sua deriva marxista-leninista, reconheçamo-lo,
uma mera proclamação artificial e dolorosamente patética. O MES foi um esboço
de casa comum na qual se acolheram cidadãos desalinhados – livres de
compromissos com o antigo regime - que aspiravam combater as brutais
desigualdades e iniquas misérias herdadas do “Estado Novo”.
Nele se acolheram
uma plêiade de altos quadros intelectuais, operários, sindicalistas, estudantis,
activistas de movimentos sociais emergentes, com escassa experiência política, que
na voragem de um singular tempo de brasa, sonhavam – sob diversos e
contraditórios ideários socializantes - a mudar tudo na sociedade portuguesa
fazendo do MES, na sua breve existência, antes e pós I Congresso de 21 e 22 de
dezembro de 1974, um espaço de rebeldia e, no período fundador, de criatividade
como revelam, por exemplo, as designações de inúmeras estruturas criadas e a
obra gráfica, criada por Robin Fior, para a criação de uma imagem para o MES.
O MES foi, por fim, um partido
que ousou auto extinguir-se – se bem que nem todos os que nele tomaram parte
tenham concordado com o “sacrifício” - tendo cada um dos seus membros, ao longo
do tempo, saído, em liberdade, dando ca aminho às suas vidas nos mais diversos
caminhos. Extinguindo-se, por ato público o MES assumiu, de forma radical, o
fracasso do seu projecto político salvando a essência dos sonhos que presidiram
à sua criação.
Um Movimento que influenciou uma geração
inteira e que, 40 anos passados, deixou um legado de luta por causas que
genuinamente foram (e são) assumidas por justas, porque fundadas na aspiração à
igualdade, justiça social e liberdade.
Que viva!
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