segunda-feira, abril 26

25 de Abril - notas pessoais

O passo em frente


Os dias que se seguiram ao 25 de Abril foram de ansiedade e expectativa. Nas ruas a euforia disfarçava o nervosismo mas nos quartéis o ambiente não era de certezas definitivas. O Oficial que assumiu o Comando da minha unidade, certamente o Major Azevedo, mandou reunir os oficiais milicianos.

Formamos um semi-círculo e o comandante perguntou se alguém estava contra, ou tinha reservas, face ao Movimento das Forças Armadas. Quem estivesse contra daria um passo em frente. Silêncio e passividade total.

Eis senão quando o Graça, o de Moçambique, deu um passo em frente. Ficamos sem saber o que pensar. Mas ele explicou. Não tinha a certeza se os militares levariam até ao fim o processo de libertação do povo português e a descolonização.

Ficamos mais descansados e destroçamos com sorrisos. Na prática todos os oficiais milicianos do quartel estavam com o MFA.

(30 de 32 continua)

domingo, abril 25

CANTIGA DE MAIO


Da prisão negra em que estavas
a porta abriu-se p´ra rua.
Já sem algemas escravas,
igual à cor que sonhavas,
vais vestida de estar nua.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Na rua passas cantando,
e o povo canta contigo.
Por onde tu vais passando
mais gente se vai juntando,
porque o povo é teu amigo.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Entre o povo que te aclama,
contente de poder ver-te,
há gente que por ti chama
para arrastar-te na lama
em que outros irão prender-te.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Muitos correndo apressados
querem ter-te só p´ra si;
e gritam tão de esganados
só por tachos cobiçados,
e não por amor de ti.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Na sombra dos seus salões
de mandar em companhias,
poderosos figurões
afiam já os facões
com que matar alegrias.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

E além do mar oceano
o maligno grão poder
já se apresta p´ra teu dano,
todo violência e engano,
para deitar-te a perder.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Com desordens, falsidades,
economia desfeita;
com calculada maldade,
Promessas de felicidade
e a miséria mais estreita.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Que muito povo se assuste,
julgando que és tu culpada,
eis o terrível embuste
por qualquer preço que custe
com que te armam a cilada.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Tens de saber que o inimigo
quer matar-te à falsa fé.
Ah tem cuidado contigo;
quem te respeita é um amigo,
quem não respeita não é.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Santa Bárbara, 4/6/74

Jorge de Sena

In Poemas "Políticos e Afins" (1972-1977)
"40 Anos de Servidão"







ABÉBIA VADIA


A partir de hoje, 25 de Abril de 2004, vai surgir um novo blog baptizado de ABÉBIA VADIA de que serei co-autor. Está disponível no endereço www.abebia.weblog.com.pt No princípio seremos titubeantes nalgumas formulações de conteúdo e de forma. Escrever num espaço público com regularidade, mesmo diariamente, comporta o risco do erro e da vulgaridade. Seremos, certamente, vigilantes e exigentes.

Este blog surgiu das relações de amizade entre os seus editores e, convenhamos, de uma necessidade de intervenção cívica, sentida por todos, numa época de profundo desânimo e pessimismo na sociedade portuguesa. Julgo que todos assumimos a convicção de que esta onda de descrença não nos tornou menos capazes como cidadãos do que antes.

Somos, por outro lado, amigos mas não somos prisioneiros de qualquer compromisso político comum definido à partida. Julgo que a nossa vontade é a de contribuir para a animação do debate em torno de temas que interessam a todos os cidadãos de boa vontade.

Talvez fazer denúncias e gritar por liberdade e justiça naquele sentido que Jorge de Sena define, magistralmente, no final do seu "Poema de 28 de Maio ao contrário": "...a Justiça é a Liberdade que pensa mais nos outros que em si mesma". Se isto define uma atitude de esquerda então seremos de esquerda. Se isto define uma atitude de progresso então seremos progressistas.

Manterei o Absorto conjuntamente com a minha participação neste blog colectivo. No Absorto tomará mais importância uma faceta autobiográfica e de diário pessoal na minha intervenção no espaço da blogosfera. O Absorto é, de facto, um estímulo para a auto-disciplina na atenção crítica à realidade social que me envolve e, ao mesmo tempo, uma exigência diária de escrita.

A minha posição de princípio é a de haverei de chegar a um modelo de participação a partir do exercício dessa mesma participação. E como todos nós somos muito persistentes estou convicto que estas não são experiências de ocasião mas um sério compromisso de participação cidadã.

A net é o futuro. Não tenho dúvida alguma acerca do seu papel no desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Não é uma moda. É um fenómeno estruturante na formação das opiniões públicas e, em consequência, das opções políticas dos governos a todos os níveis. Este papel será, certamente, cada vez mais decisivo assumindo novas formas nas sofisticadas relações entre a comunicação e as instituições tradicionais do poder político e mediático.

A internet é mais importante do que muitos, ainda hoje, pensam. Tenha essa consciência assim como os editores do ABÉBIA VADIA. Por isso aceitamos este desafio e esta aventura. Somos homens e mulheres. De todas as idades, diversas profissões, variados interesses intelectuais e afazeres profissionais.

Pela parte que me toca participo, livremente, neste projecto porque acredito no futuro.

sábado, abril 24

25 de Abril - notas pessoais

A rendição de um PIDE


Entramos, ia alta a noite, no Quartel e desde essa madrugada de 24 de Abril até ao 1º de Maio de 1974, inclusivé, não saí do quartel senão uma única vez. Não vivi na rua a verdadeira festa do 25 de Abril após a consumação da vitória da revolução.

Não assisti à enxurrada de manifestações populares nem participei, com muita pena minha, na manifestção do 1º de Maio. Os soldados ficaram horas a fio alinhados nas casernas, por detrás das janelas que davam para a rua, de armas apontadas para o que desse e viesse. Alguém tinha que cuidar desses detalhes da "cozinha" de qualquer revolução.

Muitos de nós, salvo as pacatas manifestções domésticas e aquelas que tinham lugar na rua, defronte do quartel, tiveram de se dar por satisfeitos com as imagens, a preto e branco, que passavam na televisão.

Num desses dias, estava de oficial-de-dia o António Dias, quando foi procurado por alguém que da rua pretendia falar. Era um agente da PIDE que se queria entregar. Foi recebido com deferência. Identificou-se e fez a entrega da arma. Uma bela pistola que me suscitou cobiça e nunca mais esqueci.

De seguida coube-me a tarefa de o escoltar a caminho da Ajuda onde o entreguei em "Cavalaria 7" ou "Lanceiros 2". Foi a minha única saída do quartel em todos aqueles dias de brasa.

No percurso, realizado em jeep, nem uma palavra se trocou. Lembro-me de ter cumprido a missão, com rapidez, respeitando e defendendo, do primeiro ao último momento, a dignidade de um homem aterrorizado que tinha passado, de um dia para o outro, de agente do poder a prisioneiro do poder.

(29 de 32 continua)

sexta-feira, abril 23

Entardecer

Aqui perto do sítio de onde escrevo situa-se a Praia da Maçãs perto do ponto mais ocidental do continente europeu. Hoje ao fim da tarde o pôr do sol que se avistava de uma esplanada sobre a praia foi verdadeiramente espectacular. Uma grande bola de um vermelho indiscritível parecia rolar na linha do horizonte sobre o vasto mar tranquilo. O sol escondeu-se em cerca de quatro minutos no mar. Não havia sinais de violência. As águas não estavam tintas de sangue. As crianças brincavam tranquilamente á beira mar. As guerras andam, aparentemente, longe de nós....

FURTOS

A notícia obteve pouca expressão pública. O "Semanário Económico" também abordou o furto dos computadores nos serviços de execuções fiscais da Administração Fiscal, em Lisboa. Como se fosse um vulgar caso de roubo de hardware.

Quais serão os resultados da investigação policial?

O ESTRANGEIRO

Chegou-me ás mãos uma edição do "O Estrangeiro", de Camus, trazida pelo meu filho da Escola Alemã. A biblioteca da Escola, de vez em quando, coloca fora das suas estantes alguns livros que põe à disposição dos alunos que os queiram, a título definitivo, levar para casa.

Ora sabendo o meu filho da minha paixão por Camus e tendo visto este titulo, que lhe é familiar, deu-mo de presente. É uma edição didáctica, em formato de bolso, muito interessante, em francês, com notas em rodapé em alemão, traduzindo algumas expressões ou palavras do texto original.

Agora vou esperar pacientemente que seja ele a ler a edição que me ofereceu. Está feita à medida das necessidades da sua educação mas numa língua que não conhece. É uma questão de esperar que amadureça e seja capaz de aprender o francês. São muitas línguas para quem, além do português, tem de ser fluente no alemão, condição e razão de ser da frequência de uma escola alemã, e aprender o inglês.

São muitas as dificuldades a vencer para os seus 13 anos. Mas haverá de vencê-las.

25 de Abril - notas pessoais

Salgueiro Maia


Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução.

A sua impassividade e serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho.

A serenidade do Capitão Salgueiro Maia sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador congelou a situação.

Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o embaraço do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.

Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entramos pacificamente no 2º GCAM.

(28 de 32 continua)

PALESTINA

Imagens impressionantes de jovens palestinianos, nas encostas ressequidas e poeirentas da sua terra, apedrejando os grandes e inexpugnáveis carros de guerra israelitas. Eles avançam e recuam perante os disparos numa dança macabra mas, ao mesmo tempo, bela.

São quase todos jovens e os seus vultos não deixam esconder o seu desespero, ou fanatismo, conforme os pontos de vista. A beleza da guerra é uma blasfémia. A heroicidade um estímulo para a criação. Os repórteres do canal da televisão francesa (?) relatam os mortos palestinianos desta guerra sem fim à vista.

Os ultras conservadores no poder, em Israel e nos EUA, parecem dispostos a rasgar todos os acordos antigos e recentes acerca da divisão territorial naquela região colocando os palestinianos no inferno de uma pátria acossada e sem território. O mesmo que sucedeu ao povo judeu noutro tempo e noutra circunstância histórica. Tudo é diferente nas diversas versões dos acontecimentos. Mas os povos sofrem no concreto das suas vidas. Os cronistas somente relatam e comentam no conforto das suas convicções limpas de sangue.

O sangue escorre da carne dos povos que sofrem e morrem sem, a mais das vezes, saberem das verdadeiras razões das guerras. As imagens e as notícias, que as nossas televisões quase não mostram, são demasiado cruéis e injustas para os povos israelita e palestiniano. Algo tem que acontecer para por fim à tragédia.

quinta-feira, abril 22

CHOMSKY CRIOU BLOG

"Turning the tide" - "Mudar a maré" é o blog de Chomsky que se integra numa onda para afastar BUSH da presidência dos EUA nas próximas eleições presidenciais de Novembro.


POETAS

Não esperava por esta do Francisco Sarsfield Cabral. Sinceramente não esperava por esta. Um dos "10 grandes educadores da opinião pública portuguesa", no caso, pertencente à minoria decente dos mesmos, resolveu falar, no DN, acerca do 25 de Abril.

Tudo bem. Eis senão quando me deparo com esta frase: "A ilusão do império colonial desvaneceu-se de maneira trágica para africanos e europeus, sobretudo em Angola. E os portugueses continuam a ser o que sempre foram: incultos, desorganizados, pobres, complexados e poetas" ...

Os poetas são metidos no mesmo monte infecto da gente espúria, incapaz, nociva, enfim, lixo...Se o prestígio de Portugal no Mundo estivesse entregue aos poetas Portugal era um grande país: Camões, Pessoa, Sena, Sofia, …tantos, tantos…

Ao ponto a que chegou o nacional-comentarismo.

25 de Abril - notas pessoais

O renascimento da liberdade


Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António, num daqueles momentos raros da história das nações em que algo de essencial muda.

A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores. Assistimos e participamos, ao vivo, a uma página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade.

Estamos todos vivos e os nossos nomes são verdadeiros: António Cavalheiro Dias, João Mário Anjos e Eduardo Graça.

De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzamos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis, meu conterrâneo, que ainda outro dia vi num pequeno café da minha cidade de Faro. Ironia da história: Salgueiro Maia, o vencedor, está morto e Junqueira dos Reis, o vencido, está vivo.

O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na entrada de Monsanto.

Ao longo destas digressão pela cidade sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receie que fosse destroçada em poucos minutos.

(27 de 32 continua)

quarta-feira, abril 21

ROLAND BARTHES

Descobri agora, nestas buscas a propósito do 25 de Abril, o original de um livro artesanal que fiz, pouco tempo depois da morte de Roland Barthes, talvez no decurso de 1981, com fragmentos da sua obra declaradamente autobiográfica, "Roland Barthes por Roland Barthes", editada em Portugal, em 1976, pelas "Edições 70", a partir de uma edição francesa de 1975.

Um dia destes, quando o blog colectivo, que está em preparação e do qual vou ser co-editor, estiver "na rua" vou editar aqui esse livro artesanal composto por 23 páginas A4, com citações do livro autobiográfico de Barthes com breves comentários meus. Esta leitura de Barthes foi uma das que me deram mais prazer em toda a vida.

Os textos de Barthes, vertidos neste livro, foram escritos, curiosamente, no período de 6 de Agosto de 1973 a 3 de Setembro de 1974 abarcando, portanto, a época da revolução portuguesa do 25 de Abril.
.

A convergência vai demorar 92 anos

É PRECISO MUITO OPTIMISMO OH VASCONCELOS!

25 de Abril - notas pessoais

Rua do Arsenal


Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno. Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso.

Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão. Ultrapassamos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo.

O povo ainda não tinha descido à rua. Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime.

Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas.

(26 de 32 continua)

MÁRIO SOARES

Acabei de ver uma grande entrevista de Mário Soares no programa "Sociedade Aberta" na SIC Notícias. Plena de vigor e de capacidade de afirmação dos valores essenciais do 25 de Abril: defesa da liberdade cidadã, das conquistas sociais, da concórdia nacional, da descolonização, sem a qual não seria possível a democracia, em suma, do progresso humano.

Não vale a pena perder tempo com os anões conservadores da política portuguesa depois de ouvir Mário Soares. Nem ficarmos preocupados, em demasia, com os ERRES da efeméride abrilista. Ninguém escapa, mesmo quem queira trocar as voltas à história, à nova realidade política e social que o 25 de Abril implantou em Portugal.

Mário Soares é, sem dúvida, quem melhor encarna os valores desse Portugal contemporâneo, na essência, democrático e progressista.

terça-feira, abril 20

Operação "mãos limpas" no futebol?

O Expresso on line informa que Avelino Ferreira Torres foi procurado pela PJ mas está em parte incerta. Ao mesmo tempo notícia a detenção de Valentim Loureiro.

Pode ser uma operação "mãos limpas" à portuguesa no futebol. Se assim for ainda bem apesar da imagem do país no estrangeiro se degradar ainda mais a curto prazo.

Mas mais vale correr esse risco a deixar "correr o marfim".

FUTEBOL

Uma paixão antiga. Desde criança, como milhões de crianças pelo mundo, sou um apaixonado pelo futebol. A prenda que mais me marcou na vida foi a primeira bola que meu pai me ofereceu em dia de aniversário. Uma bola de borracha com aquele cheiro tão característico.

No estádio de S. Luís, em Faro, vi jogos e treinos sem fim. Em todas as divisões possíveis e imaginárias. O futebol é um jogo fascinante. Desde logo porque é jogado com os pés, excepto o guarda redes. As mãos ficam de fora.

Ao ar livre. Faça chuva ou faça sol. O futebol sobreviverá a alguns dos seus dirigentes. A este tropel miserável de corruptores e corrompidos que invadiram o futebol profissional.

Sabem que também há o outro futebol, amador, praticado por amor ao jogo? Esse tem mais jogadores que espectadores. O espectáculo aí são os próprios jogadores protagonistas e espectadores do seu próprio jogo.

25 de Abril - notas pessoais

Na peugada da coluna de Salgueiro Maia


Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande ou seguir atrás da coluna militar tomamos a opção de perseguir a coluna. Mas antes deixamos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, seguimos atrás da coluna de Salgueiro Maia.

A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante.

Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar. Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna. Seriam 4 horas da madrugada e saíam clientes do "Cantinho do Artista" no Parque Mayer.

Éramos, certamente, os únicos perseguidores e acompanhantes exteriores daquela força e queríamos viver os acontecimentos ao vivo.

(25 de 32 continua)

segunda-feira, abril 19

POEMA DE 28 DE MAIO AO CONTRÁRIO


Gigante foi a luz que acesa se estendeu
por sobre as trevas de um povo prisioneiro

Ninguém esperava que no primeiro impulso
de um movimento militar se abrissem todas as janelas

e todas as portas. Mas abriram-se e por elas
a luz e as vozes foram restituídas.

Todos agora, exército e povo, os militares e os políticos,
e quantos nunca pensaram que a política é coisa

de todos os dias ter de aprender-se a ver,
a falar e a ouvir, lá onde na caverna

só sombras de fantasmas existiam.
Todos têm de aprender a governar e a governar-se n`alma

e a fazer governo a liberdade e as vozes
e o direito de existir-se à luz do dia

como gente viva num país que é ela.
Todos têm de aprender que a liberdade não existe

apenas porque é dada, pois pode ser tirada,
ou apenas porque é conquistada, pois pode ser

licença em que não reste senão ela perder-se.
Têm de aprender que não pode ter-se num só dia

o que se perdeu em décadas. E que a Justiça
é a Liberdade que pensa mais nos outros que em si mesma.

Santa Bárbara, 28/5/74

Jorge de Sena


POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)
In "40 ANOS DE SERVIDÃO"