domingo, maio 15

REGRESSO/SOFIA LOREN


Recorte de um postal de Agnes Vanda sobre a visita a Portugal de Sofia Loren em 1956. (Margarida Ramos)

Regresso

Hoje andei a visitar os meus mortos
mais antigos mas sempre presentes
e regresso

com a imagem deles presa à cabeça
o meu filho tomou nota dos nomes
e das datas

notou os seus rostos de camponeses
duros e conformados às vicissitudes
da espera

que crescesse a colheita ou morresse
à míngua de água ou de braços que a
tomassem

para si e lhes dessem de comer o pão
sem o qual se desespera ou se morre
enxuto

sempre à espera do tempo que havia
de lhes trazer aquela esperança eterna
já morta

Março de 2005

AS FARPAS


Ramalho Ortigão com a farda de sócio da Academia das Ciências [fotografia a preto e branco, publicada na Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 503, Lisboa, 11 de Outubro de 1915 -Fotografia da Casa Vidal & Fonseca, de A. Vidal e João Fonseca. Ramalho Ortigão nasceu em 24 de Outubro de 1836. In “O Portal da Historia”

Lembro-me, como se fosse hoje, da leitura de largos trechos das “Farpas” pelo Prof. Almodoval, sempre com a sua gabardina com um rasgão “pespontado”, nas aulas do Liceu. Era no tempo das turmas pequenas e dos professores fascinantes. Sempre podem haver professores fascinantes mas na escola elitista o seu peso era maior.
Aquelas leituras das “Farpas” eram uma bênção caída do céu. O tom irónico da crítica social assumia, no tempo da ditadura, uma espessura e intencionalidade política ("não dita") que era corrosiva e apaixonante. Sentia-se a subtil passagem de uma mensagem como que a dizer-nos: “não se deixem amordaçar”, “abram os olhos”, “tomem a realidade pelos cornos” … uma pedagogia da assumpção de uma cidadania antes do tempo da democracia.
Vi um dia o Prof. Almodoval, com um professor de “canto coral”, o Prof. Dores, num jogo de futebol no velho “Estádio Padinha”, em Olhão, e não mais me esqueci do sentimento de estranheza que me tomou acerca da sua presença ali. O que os teria levado ao futebol? Um gosto que eu não era capaz de colar aos seus gostos. Ignorância minha. Nunca conhecemos os homens pelas suas leituras mesmo quando pensamos que os conhecemos.
Desse professor, como de outros que me marcaram profundamente, nunca cheguei, de verdade, a conhecer nada. Somente a antever a sua cultura humanista e o seu prazer, comedido, em passar para os alunos o gosto por aprender, o estímulo à curiosidade e, no fundo, o apelo à insubmissão.
Comprei agora as “Farpas”, na edição preparada pela Filomena Mónica, para oferecer à minha mulher no dia do seu aniversário. Que gozo só de manusear o grosso volume e de sentir a argúcia, a subtileza e a actualidade da fina escrita de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Este menos conhecido e divulgado do que aquele e do qual aqui deixo um retrato e o acesso uma biografia.

sábado, maio 14

Aborto e Hierarquia Católica

A Ler no Prozacland

"Matar uma criança no seio materno é mais violento que matar uma criança de cinco anos".
(Pe. Domingos Oliveira)

"Criar para chegar mais perto dos homens?"


“Foto de António José Alegria, do amistad”

A escola não servia só para aprender as primeiras letras e a tabuada mas, antes de tudo, para nos tornar homens disciplinados, fiéis ao ideal de servir o patrão e a Pátria, a grande patroa de todo a Nação.

A verdadeira sensibilidade formava-se como que num outro lugar: na terra batida das ruas despojadas, na luz reflectida pelas paredes brancas e na imagem e falajar das pessoas sem história que retive na memória e dos íntimos que me marcaram.

Para além do meu irmão Dimas, os meus primos camponeses, mais velhos, Ezequiel, morto prematuramente por uma doença ruim, e o Gervásio, agricultor resistente às adversidades, o Damião, empregado de meu pai, que tanto chorei quando partiu, rumo à Argentina, cumprindo o seu destino de emigrante agora morto também.

Eles foram os verdadeiros lugares da minha infância e o bálsamo para o caminho incerto do meu futuro. Aqui e ali despontava um olhar promissor de mil carícias que se consumavam mas o tempo e a busca do destino separam os homens.

“Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...” (*)

(*) Camus - “Cadernos”

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (10 de 10)

CATEDRAL



Para conhecer a Catedral

França - pode ser que SIM

Referendo para a Constituição Europeia: o SIM ganha terreno

França, Sofres, 10 de Maio (último dia trabalho de campo)

Sim: 52%
Não: 48%

Ver no Margens de Erro

sexta-feira, maio 13

HORTELÃ



Para conhecer a Praça da República

DEFICIT=7%

Duas manchetes uma mesma realidade. “A Capital” antecipa o deficit que a “Comissão Constâncio” apurou. 7%. Em editorial Osório pergunta: “Não há responsabilidade criminal para os 7 por cento?” A resposta, defensiva, ao pré anúncio desta realidade está implícita na manchete exclusiva do “CM”: “Bagão Félix trava negócio da A7 e A11”.

“A Capital”

"Finanças Públicas - O défice real estimado pela Comissão Constâncio para 2005 ultrapassa as previsões do ministro das finanças, Campos e Cunha

Défice chega aos 7 por cento - Sócrates foi informado deste cenário no final da semana passada, tendo marcado uma reunião com o seu núcleo duro para analisar o assunto"

“Correio da Manhã”

"Bagão Félix trava negócio da A7 e A11"

Um santo homem, atento aos negócios de “última hora” do governo Santana Lopes, devoto à causa pública, poupado e seráfico, ministro pelo PP sem ser ministro do PP, político pelo PP sem ser político do PP, independente e indisponível para assumir as responsabilidades políticas.

Um Ministro das Finanças que, ao que parece, deixou um deficit de 7%. Tantas virtudes, para quê? Tudo se resume a ter “travado” o negócio da A7 e A11! É tudo muito evidente: a manchete exclusiva do "CM" tenta “tapar” a notícia dos 7% de deficit e as investigações em curso …

O que se seguirá na ardilosa estratégia, em falência, da direita e extrema direita?

Um Dia Nevou


Havia de fazer frio nalguns meses do ano. Mas desses meses não me lembro a não ser do dia 4 para 5 Fevereiro de 1954 em que nevou. Mas foi um dia excepcional. A memória perdeu esse dia no calendário que recuperei na leitura do “Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos de Oliveira, uns anos depois.

Guardo essa memória como de um dia quente. Somente um pouco menos do que habitualmente. Não sei explicar porquê! As casa eram todas baixas com terraços dos quais se avistavam os quintais e os alegretes das casas vizinhas. Plenas de cheiro a limões e a flor de laranjeira na época do desabrochar da floração. Mesmo nos lugares públicos mais notáveis a cidade guardava espaços abertos ás vistas.

Os pobres ostentavam, desabrigadas, a sua pobreza agreste, por vezes, bela contrariando os critérios dos nossos dias. É certo que a única vantagem daquela pobreza é pertencer ao passado. A sua lembrança não orgulha as suas vitimas: o povo deserdado e carente de todo o conforto.

O que tem a luz desses lugares a ver com a revolta? Nada. Foram simplesmente os lugares dela. O labirinto das ruas ensolaradas era o lugar da libertação e a aspereza da mestre escola o espaço da revolta.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (9 de 10)

quinta-feira, maio 12

Sophia de Mello Breyner Andresen


VI FLORESTAS E DANÇAS E TORMENTOS

Vi florestas e danças e tormentos
Cantavam rouxinóis e uivavam ventos
Nos céus atravessados por cometas.

Vi luz a pique sobre as faces nuas,
Vi olhos que eram como fundas luas
Magnéticas suspensas sobre o mar.

Vi poentes em sangue alucinados
Onde os homens e as sombras se cruzavam
Em gestos desmedidos, mutilados.

Levada por fantásticos caminhos
Atravessei países vacilantes,
E nas encruzilhadas riam anjos
Inconscientes e puros como estrelas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In “Dia do Mar” – 1947

“Foto de António José Alegria, do amistad”

Roberta Sá


Do Pentimento

Grata surpresa o disco Braseiro, de Roberta Sá. A cantora que, segundo me informaram, participou do programa Fama (sendo eliminada nas primeiras rodadas, tem uma voz suave), afinadinha e agradabilíssima, em alguns momentos chegando a lembrar Marisa Monte. Além disso, seu cd de estréia prima pelo repertório, bastante orgânico e irrepreensível sob o ponto de vista da qualidade. Gravada anteriormente por João Gilberto, a suingada Eu sambo mesmo (Janet de Almeida), que abre o álbum, ganha 'pegada' na gravação da moça. Em Pelas tabelas, do Chico, o registro está no mínimo à altura do feito pelo próprio autor. Merecem destaque também a contundente No braseiro ("Tão vendendo ingresso / pra ver nego / morrer no osso / vou fechar a janela / pra ver se não ouço / a mazela dos outros"), de Pedro Luís; a obra-prima Lavoura ("A tristeza é o grão / A saudade é o chão onde eu planto / Do ventre da solidão / É que nasce o meu pranto"), parceria da Teresa Cristina com o Pedro Amorim que no cd Roberta divide com Ney Matogrosso; a clássica A vizinha do lado ("A vizinha quando passsa / Com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há"), de mestre Dorival; e a dolorida Cicatrizes ("Amor que nunca cicatriza / Ao menos ameniza a dor / Que a vida não amenizou"), de Paulinho César Pinheiro e Miltinho.

Trata-se, enfim, de um daqueles raros cds para serem ouvidos do início ao fim - não há nem sequer uma faixa ruim.

Para postar, escolhi a lírica Casa pré-fabricada, canção inspirada de Marcelo Camelo que a cantora gravou com a delicadeza que letra e melodia sugerem...

"Casa pré-fabricada"

Marcelo Camelo

"Abre os teus armários eu estou a te esperar,
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar,
E fazer do teu sorriso um abrigo
Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca
Mais vale o meu pranto que este canto em solidão,
Nesta espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela a Primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota
Canto que é de canto que eu vou chegar,
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca mais."

(Vamos procurar o CD aqui em Portugal)


Peixes/Fische


Desenho do meu filho na pré-primária (ou no 1º ano?). Peixes. Uma paixão antiga. Os amigos são peixes grandes. Os professores peixes pequenos. Com excepções. A mãe não foi esquecida mas o pai sim. Não tem importância.

Zeichnung meines Sohnes im Kindergarten (oder in der Grundschule?). Fische. Eine alte Leidenschaft. Die Freunde sind groβe Fische, die Lehrer sind kleine Fische – mit einigen Ausnahmen. Auch die Mutter ist hier. Aber nicht der Vater. Macht nichts.

A Morte da Política


A morte de Germânico 1627, [óleo sobre tela, 1480 x 1980 mm Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Estados Unidos da América - Quadro de Nicolas Poussin (1594 -1665 ).] O imperador Calígula, filho de Germânico, foi assassinado em 24 de Janeiro do ano 41 d. C. durante os Jogos Palatinos, após um reino de apenas quatro anos. In "O Portal da História".

A imagem que me ocorreu acerca do declínio da política em Portugal, e em toda a parte, hoje, e em todos os tempos, após as notícias que trazem à liça alguns acontecimentos envolvendo ministros do anterior governo.

Tão avisados que estavam todos. Tantas vezes os mesmos métodos em tudo. As notícias correndo à frente das acusações e os negócios correndo à frente de tudo o resto, ou como diz o anúncio do SKIP, ocupando todas as paredes de Lisboa, “sujar-se é bom!” (?).

O símbolo que esse anúncio ostenta é igual (ou muito parecido) ao dos cartazes de Manuel Maria Carrilho, promovendo a sua candidatura à Presidência da CML, ou é engano meu?

O Branco da Cal


Uma linha recta, sem mais nada, rodeado das paredes brancas das casas - pintadas a cal - e as ruas de terra batida. A minha memória fixou os recantos das ruas e os rostos das pessoas. A rua em que nasci era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados.

A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida.

Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir. Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia.

A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido. Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente.

Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação.

Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (8 de 10)

quarta-feira, maio 11

Bocage


Retrato de Bocage ? [1797, óleo sobre tela, 87 x 64 cm - Colecção particular Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837), representando, de acordo com uma tradição familiar, o poeta. O que parece pouco verosímil, pois não há notícia que tivesse direito a utilizar a Cruz de Cristo.] Bocage nasceu em 15 de Setembro de 1765. In "O Portal da História".


Soneto

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Em Defesa do Parque de Ramalde


Sei do que fala o Dias com Árvores.

Nos 70 anos de vida do INATEL, a cumprir no próximo dia 13 de Junho, 10% foram dirigidos por uma equipa a que eu próprio presidi. (1996/2003).

Em qualquer projecto –por mais ousado que seja - nunca se conclui tudo o que se projecta realizar. Em regra adoptei três princípios na gestão do vasto património do INATEL, em que se incluiu, pela primeira vez, de forma explícita e prática, o conceito de gestão ambiental: preservar, qualificar, utilizar.

Sempre pensei, no entanto, que se existissem dificuldades, ou dúvidas, acerca da avaliação das vantagens de uma qualquer intervenção, na sua vertente ambiental, mais valia estar quieto.

Travei todas as batalhas possíveis, mesmo as menos populares e simpáticas para os poderes e os cidadãos utentes do INATEL, para impedir diversas intervenções com consequências negativas para o interesse público e ambiental.

Quando saí do INATEL deixei mais património, e mais valioso, do que aquele que encontrei à data da minha entrada. Querem, aliás, fazer-me pagar por isso. É uma estranha forma de reacção dos poderes estabelecidos, em Portugal, contra aqueles que não se dispõem a fazer “fretes” aos chamados “interesses”.

O Parque de Ramalde sempre esteve no fio da navalha. Não foi possível, infelizmente, executar uma intervenção de requalificação - prevista - que teria retirado alguma margem de manobra às tentativas posteriores de destruição do Parque.

Mas nada justifica a sua destruição. Existem muitos modelos de gestão possíveis para que o Parque de Ramalde possa ser, ao mesmo tempo, preservado, no plano ambiental, e colocado ao serviço da comunidade em benefício da sua qualidade de vida.

A sua destruição é, em todo o caso, um crime contra a natureza e, no limite, é preferível deixar ficar tudo como está a ceder aos interesses imobiliários que, certamente, estão por detrás desta sanha destruidora.

As palavras e imagens do blog Dias com Árvores (que está entre os meus favoritos e por isso tomei conhecimento deste post) ajudam a compreender, com bastante evidência, a justeza desta asserção.

"No dia em que surgem mais algumas notícias de contestação ao projecto de destruição do Parque Desportivo do Inatel em Ramalde, aqui ficam mais algumas fotografias. Para que quem não o conhece, fique a saber do que se está a falar e a razão da nossa incredulidade e revolta. E realize também a importância que têm, para certos planeadores da nossa cidade, os espaços verdes relativamente às vias para automóveis."

As notícias:Inatel promete contestar solução do PDM do Porto (no Público)
INATEL pediu ao tribunal para ser esclarecido (no JN)

terça-feira, maio 10

Girassol


Do Pentimento

"Um girassol da cor do seu cabelo"

Lô Borges / Márcio Borges

"Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Se eu cantar, não chore não, é só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar bom dia, como vai você?
Sol girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo?
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer, não chore não
É só a lua, é seu vestido cor de mar
É filha nua ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo"

FRANCISCO SIMÕES


É linda a retribuição da Guida ao poema “Como uma Seta”, ou “A Caminho do Sul”, alusivo ao seu aniversário, postado ontem.

Foto de José Carlos Nascimento – Escultura de Francisco Simões

In Poesias de David Mourão Ferreira – Publicação da C. M. Coimbra (1996)

segunda-feira, maio 9

CAVAFY


“Foto de António José Alegria, do amistad”

CORPO, LEMBRA …

Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.

(1918)

Constantino Cavafy

Tradução de Jorge de Sena - “90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA

O Meu Avô Dimas


O meu avô paterno, por sua vez, tinha regressado de uma longa estadia de emigrante no Brasil vindo morrer, um mês depois do meu nascimento, a casa de D. Maria, sua amante.

A casa era também uma “venda”, estabelecimento de comes e bebes, mais bebes que comes. Foi lá que provei, pela primeira e última vez na vida, “sopas de cavalo cansado”.

Era perto da casa de meus pais, numa esquina da Rua da Circunvalação onde se fixou depois, por longos anos, uma afamada, e muito bem sucedida, sapataria popular – a "Sapataria Limpinho".

Desse meu avô herdei o nome – Eduardo – depois de meu irmão já ter herdado, onze anos antes, Dimas que já era o nome de meu pai. Todos ficamos com o nome de meu avô Dimas Eduardo Graça.

A fotografia do meu avô paterno está em lugar de destaque ao lado da Bíblia Sagrada. A imagem de uns e a herança de outros. No seu esplendor tem algo de institucional. É uma daquelas fotografias grandiloquentes, com selo a água de fotógrafo do Brasil (Santos), mostrando, na sua claridade sóbria, a razão porque somos todos, na família, iguais a ele.

No rosto, e porventura, no temperamento. Lá dormi, algumas vezes, não nos braços de meu avô, pois não nasci a tempo, mas na cama onde ele dormiu com a sua amante Maria e onde morreu.

O padre por esse desvio liberal que, suponho, foi a forma de encontrar, fora do casamento, o consolo para as desditas da vida, não lhe quis fazer o funeral católico. E não fez. Meu pai cortou, de imediato, relações com o dito padre e fez bem.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (7 de 10)