sexta-feira, novembro 22

25 DE ABRIL

Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o José Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.

Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.

A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.

48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.

Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.

Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos!

[Escrito em 22 de abril de 2005. Postado com uma fotografia do Hélder Gonçalves.]

quinta-feira, novembro 21

A PRIMEIRA IMAGEM

Em 8 de janeiro de 2005 a primeira imagem publicada neste blogue. Fotografia do meu amigo Hélder Gonçalves (um grande fotógrafo!).

quarta-feira, novembro 20

O Caminho das Figueiras

As figueiras e as suas sombras quentes são um laço que me prende à vida pela memória. Descia o caminho de casa à estrada e passava por elas, umas castelhanas, outras vulgares, de copas grandes e arredondadas, baixas e rasteiras e a todas conhecia de cor.


A minha mãe me ensinou o caminho para lhes chegar. Na época de verão, aí por Julho, os figos eram, quase sempre, suculentos. Arrancava-os com cuidado para uma cesta, primeiro os mais acessíveis, às minhas mãos de menino, depois os das ramadas mais altas, em bicos de pés.


Alguns sempre ficavam inacessíveis. Não me importava com esses. Nunca me importei com o que é inacessível a minhas mãos que não a meus olhos. Leitosos escorriam seiva e, por vezes, ressequidos, abriam fissuras finas por onde se iniciava a retirada da pele. Depois comia-os com prazer.


A apanha, a meio da tarde, era dolorosa. Ia-mos muitas vezes pela força do calor, como lá se diz, e ficava doente. Ou pelo sol que me fazia ferver a cabeça ou pelos figos que me descosiam o intestino. Ainda hoje algumas dessas figueiras estão à beira do mesmo caminho. A mais frondosa resiste defronte do antigo poço, abandonado, mas que noutros tempos alimentava de água o monte.


O prazer da sombra das figueiras, do cheiro ao campo, embebido no ar quente, do sabor dos frutos, colhidos à mão, nunca me deixou por um só momento. Somente, por vezes, descanso dele. É esse prazer físico da memória que me faz amar aqueles que me amam. E resistir às adversidades.


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Inspirado no “Lied da Figueira”, de René Char, poema com uma génese completamente diferente e que reproduzo:

Gelou tanto que os ramos leitosos
Enfadaram a serra e nas mãos se partiram.
A primavera não viu verdejar os graciosos.
A figueira pediu ao dono do lugar
O arbusto de uma nova fé.
Mas o verdelhão, seu profeta,
Na alva quente do seu regresso,
Ao pousar sobre o desastre,
Em vez de fome, morreu de amor.


“Regresso a Montante”
in O Nu Perdido (1964-70)

René Char
“Este Fanático das Nuvens”
Cotovia

[Publicado em 23 de dezembro de 2004, vésperas de Natal, certamente na minha cidade de Faro.]

FATAL

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.

Adélia Prado

[Publicado a 22 de dezembro de 2003, de uma poeta brasileira fascinante e por cuja poesia me apaixonei por esse tempo.]

terça-feira, novembro 19

DEIXAR UMA MARCA

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,
admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.

(um programa para o absorto)

Publicado no dia 19 de dezembro de 2003, pela tarde, dando início à atividade deste blogue. O texto que apelidei de "um programa para o absorto" mantém-se atual ...

segunda-feira, novembro 18

CONTINUANDO...

Amanhã faltará um mês exato para que este blogue complete dez anos (10) de existência e atividade ininterrupta. É muito tempo? Pouco tempo? Não sei falar com exatidão do tempo quando faço o que gosto e me dá prazer. O que por aqui passou quase já me esqueci sem temor de tudo o que ficou escrito e das imagens que a partir de um dado momento começaram a aparecer. Vou fazer o exercício de postar até 19 de dezembro uma seleção do que por aqui fui semeando. Sem nunca saber ao certo onde começa e acaba o texto que escrevo a maior parte das vezes diretamente na tela branca, como agora, sem rascunhos nem emendas. É esse trabalho artesanal que me faz prazer e me tem levado a manter este espaço de mim para poucas, e poucos, certamente os que mais estimo e me estimam. Continuando... 

 

quinta-feira, novembro 14

RESISTIR

Há dias em que o cansaço aperta mau grado as notícias dos amigos, os desafios, as propostas e os pequenos gestos cúmplices que nos confortam. Como se o corpo não resistisse ao espirito, talvez com excesso de peso para tão grados desafios. E a rua tão aparentemente normal, com os rostos mais fechados, esperando o imperscrutável futuro do qual se diz todos descreem. Foi colocada no ar uma longa metragem titulada de Austeridade. O mais difícil em tempos de escassez, sempre relativa, é não afastar as mãos dos corpos que desfalecem. E mantermos, contra todas as ignomínias, o espirito aberto ao diálogo e à diferença, para não nos tornarmos assassinos. O ar do tempo anuncia o salva-se quem puder, apesar de anúncios de melhorias, que se saúdam. Os que prezam e defendem o espaço vivo da cidadania, em democracia e liberdade, resistem mesmo quando resistir possa parecer não resistir.

Fotografia de Hélder Gonçalves
      

quarta-feira, novembro 13

A EUROPA DA PAZ CORRE PERIGO

Confuso o nosso tempo, não é verdade? Não terão sido sempre confusos todos os tempos. Cada tempo, defina-se como se quiser definir o tempo, tem suas qualidades, o seu lado luminoso e o lado obscuro, a mor das vezes, violento e pejado de mentiras.

À vista desarmada vislumbram-se os perigos da renúncia à solidariedade mesmo quando se proclamam as suas virtudes; à boca pequena se amesquinham adversários e traem ideais, criando o caldo de cultura de onde sempre emergiram as tiranias.

A Europa vê perigar o sonho dos europeístas que a projetaram como espaço comum, de negócios e de paz, de coexistência e diversidades, espaço de confluência de povos, culturas, religiões e línguas. A Europa da paz e da prosperidade, do desenvolvimento cientifico e social pode desmoronar-se não só pela pressão das economias emergentes como, a meu ver, mais pela fraqueza dos seus dirigentes máximos em cumprir com o ideal que juraram defender.

Estão assim abertas as portas aos extremismos legitimados pelo voto democrático, desde logo, da direita, que caso amarre a França a um programa populista, de natureza xenófobo e racista, seja qual for o disfarce, iniciará o principio do fim da época de paz mais longa da história da Europa moderna.

O assunto é sério!   

sexta-feira, novembro 8

ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO

O centenário de Albert Camus, celebrado ontem, foi assinalado na comunicação social portuguesa de forma mais extensa do que eu imaginava possível. É verdade que não se produziram números especiais, nem separatas, nem surgiram nos escaparates reedições dos seus livros (não sabemos o que se passa com a editora que aparentemente tem o exclusivo da edição da obra de Camus em Portugal!). Mas não nos podemos queixar, pois se nem a maior parte dos autores clássicos portugueses são reeditados! Esta foi uma oportunidade para que muitas referências à sua obra e a diversas facetas da sua vida tivessem surgido à luz do dia, o que não é assim tão pouco importante como muitos querem fazer crer, em particular, os seus detratores. Os tempos que vivemos trazem no seu ventre perigos de ressurgimento de totalitarismos de diversas matizes, sejam de direita ou de esquerda, que Camus sempre combateu de forma frontal. Os tempos que vivemos são perigosos para a liberdade não tanto enquanto princípio filosófico mas na prática da vida quotidiana – liberdade de expressão de pensamento, liberdade de imprensa, liberdade de associação e de manifestação, que Camus sempre defendeu com todas as suas forças como jornalista, homem de teatro, romancista e resistente ao nazi fascismo. E mais importante, a celebração da obra e da vida de Camus, a propósito do centenário do seu nascimento, abriu algumas janelas para a valorização, hoje como ontem, da esperança no futuro, pois como ele próprio escreveu “o que mais nos impressiona hoje, com efeito, é que no mundo atual, em geral (e à exceção dos crentes de todas as espécies), a maior parte dos homens se encontra privada da noção de futuro. Ora não há vida vivida sem projeção no tempo, sem esperança de amadurecimento e progresso." ("Atuais")

quinta-feira, novembro 7

MES – Anti-autoritário e de esquerda toda a vida…

Aconteceu no dia 7 de novembro de 1981.

Na sequência do IV Congresso do MES, realizado a 8 de Julho de 1979, marcado pela vitória da moção intitulada «Nova Prática, Novo Programa, Outro Caminho», foi aberto o caminho para a auto-crítica em relação a algumas orientações políticas anteriores e para uma demarcação, assumida e sem regresso, do MES face à chamada «Esquerda Revolucionária».

Foi Vítor Wengorovius quem assumiu as funções de porta-voz desta ruptura que haveria de anteceder a extinção do MES, formalizada em 7 de Novembro de 1981, no emblemático jantar/festa realizado no pavilhão sobrevivente da Exposição do Mundo Português (ironias da história!).

Na política nada acontece por acaso, apesar dos imponderáveis que o acaso dita, e das idiossincrasias, por vezes bizarras que, em cada época, os dirigentes políticos ostentam. Tudo isto para dizer que, no caso do MES, não fui o primeiro a assumir a autocrítica dos seus erros, mérito que Nuno Brederode Santos, simpaticamente, me atribuiu, mas Vítor Wengorovius em entrevista concedida, em 19 (?) de Novembro de 1979, ao extinto diário Portugal Hoje:
«(…) Entre os erros cometidos interessa hoje sublinhar, não tanto os derivados de discutíveis atitudes pessoais ou de relativa inexperiência devida à juventude da maioria dos seus dirigentes, mas os próprios estratégicos ou os mais importantes a nível táctico.
Contrariando as vantagens das suas origens (…) o MES veio a enredar-se rapidamente no confronto apressado em torno do marxismo-leninismo, a querer construir voluntaristicamente um partido desse tipo, a querer disputar a cintura industrial de Lisboa, dando muito pouca atenção quer ao operariado de outras zonas do país quer aos trabalhadores de serviços, quer à juventude (…) e a perder assim o seu papel original. Vogou depois ao sabor das oscilações do processo revolucionário (…).»
Nessa mesma entrevista VW, em nome do MES, explicou também, com detalhe, as razões da decisão tomada na reunião da sua Comissão Política, realizada em 18 de Novembro desse ano, que consagrava o rompimento definitivo, com a chamada «esquerda revolucionária».

Embora mantendo em aberto, em teoria, uma via estreita para a criação de uma futura força partidária de esquerda «democrática, socialista e independente» (do PS e do PCP), que nunca viria a passar do papel, VW anunciou, publicamente, a 19 de Novembro de 1979, a decisão do MES de não concorrer às eleições legislativas intercalares de 2 de Dezembro de 1979 aconselhando, ao mesmo tempo, «aos partidos de esquerda com menores possibilidades de elegerem deputados que desistam a favor do PS ou da APU» tendo em vista o «voto eficaz contra a direita» que concorreria unida na «Aliança Democrática» (AD).

Em declarações prestadas à imprensa, nesse mesmo dia, VW explicou as razões que levaram ao fracasso das negociações entre o MES, a UDP e a UEDS tendo em vista a criação de uma «frente eleitoral» alternativa, destinada a concorrer às eleições intercalares que se avizinhavam: «E tal aconteceu (…) devido às posições de auto-afirmação partidária tomadas quer pela UDP quer pela UEDS, vindo estas a apresentar candidaturas isoladas que de forma nenhuma respondem às condições mínimas de uma candidatura unitária com verdadeira credibilidade.» [Diário de Lisboa de 21/11/79.]

Na verdade o IV Congresso do MES fez emergir uma orientação política que não podendo já fazer regressar o MES às suas origens de força política de «esquerda socialista», desempenhando um papel de «charneira» entre as diversas esquerdas, assumiu como inevitável o fim da sua breve, empolgante e solitária aventura partidária.

Talvez o MES tenha morrido não uma, mas três vezes: com a ruptura do I Congresso, em Dezembro de 74; com o apelo ao voto no PS, ou na APU, nas eleições intercalares de Dezembro de 79 e, finalmente, em apoteose, no Jantar/Festa de extinção, em Novembro de 81. Anti-autoritário e de esquerda toda a vida…

60 CITAÇÕES DE ALBERT CAMUS - CENTENÁRIO


ABSURDO/ ANTI-ABSURDO: “E assim nos tornamos profetas do absurdo! […] De que me servia depois afirmar que, na experiência que me interessava e sobre a qual aconteceu escrever, o absurdo não era senão um ponto de partida, ainda que a sua lembrança e emoção acompanhem os caminhos seguintes?” (O Verão)
 
 
AMIZADE: “Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FILOSOFIA: “Porque sou eu um artista e não um filósofo? É porque penso segundo as palavras e não segundo as ideias.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FINALIDADE: “A finalidade da arte não é de legislar ou reinar, mas em primeiro lugar, a de compreender. […] Por isso o artista, ao chegar ao fim do caminho, absolve em vez de condenar. Não é juiz, mas defensor. É o advogado perpétuo da criatura viva. Porque está viva. Exorta verdadeiramente ao amor ao próximo, que não é esse amor longínquo que degrada o humanismo contemporâneo do catecismo de tribunal.” (Discursos da Suécia)
 
 
ARTE: “A arte não é para mim um prazer solitário É uma maneira de comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e alegrias comuns.” (Discursos da Suécia)
 
 
BOMBA ATÓMICA: “O mundo é o que é, isto é, pouca coisa é. Eis o que cada um pode concluir depois de ontem, depois de ouvir o formidável concerto que a rádio, os jornais e as agências de informação harmoniosamente acabam de difundir sobre a bomba atómica. Podemos concluir com efeito, entre os numerosos comentários entusiastas, que qualquer cidade de importância mediana pode ser totalmente destruída por uma bomba com o tamanho de uma bola de futebol. Vai ser preciso escolher, num futuro mais ou menos próximo, entre o suicídio coletivo e a utilização inteligente das conquistas científicas.” (Atuais)
 

CONHECIMENTO: “Não creio suficientemente na razão para subscrever o progresso. Nem em nenhuma filosofia da História. Creio, porém, que os homens não deixaram de aumentar a consciência que tinham do seu destino. Não ultrapassámos a nossa condição, e, no entanto, conhecemo-la melhor.” (O Verão)


CRISTIANISMO: “Se o Cristianismo é pessimista quanto ao homem e otimista quanto ao destino da humanidade, pois bem, eu direi que, embora pessimista quanto ao destino da humanidade, sou otimista quanto ao homem.” (Atuais)


DESESPERO: “A primeira coisa é não desesperar. Não prestemos ouvidos demasiadamente àqueles que gritam, anunciando o fim do mundo. As civilizações não morrem assim tão facilmente; e mesmo que o mundo estivesse a ponto de vir abaixo, isso só ocorreria depois de ruírem outros. É bem verdade que vivemos numa época trágica. Contudo, muita gente, confunde o trágico com o desespero. ‘O trágico’, dizia Lawrence, ‘deveria ser uma espécie de grande pontapé dado na infelicidade’. Eis um pensamento saudável e de aplicação imediata. Hoje em dia, há muitas coisas que merecem esse pontapé.” (Núpcias)


DETERMINISMO: “Vivemos no terror porque a persuasão já não é possível, porque o homem se entregou inteiro à História.” (Atuais)


DEUS: “O segredo do meu universo: imaginar Deus sem a imortalidade humana.” (Cadernos)


DIÁLOGO: “Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo refletido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras.” (Atuais)


ENCANTAMENTO: “É nisso precisamente que reside um dos elementos de sedução da música: ela representa a perfeição de uma maneira suficientemente fluida e ligeira para podermos prescindir do esforço.” (Escritos de Juventude)


ESCREVER/ VIVER: “Viver, claro, é um pouco o contrário de exprimir.” (Núpcias)


ESCRITA: “É para brilhar depressa que não tentamos reescrever.” (Cadernos)


ESTILO: “Quando o grito mais dilacerante encontra a sua linguagem mais rigorosa, a revolta satisfaz a sua verdadeira exigência, e extrai dessa fidelidade a si mesma uma força de criação. Se bem que isso vá contra os preconceitos da época, o mais belo estilo em arte é a expressão da mais viva revolta.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ EXISTÊNCIA: “Onde descobrir a essência senão ao nível da existência? Mas nós não podemos dizer que o ser não é senão existência. […] O ser não pode manifestar-se senão no devir, o devir nada é sem o ser.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não aceitamos a filosofia existencialista só porque afirmamos que o mundo é absurdo. Se assim fosse, 80% dos passageiros do metro, a acreditar nas conversas que ouço, seriam existencialistas. O existencialismo é uma visão completa, uma visão do mundo que pressupõe uma metafísica e uma moral. Se bem que me aperceba da importância histórica do movimento, não tenho suficiente confiança na razão para aderir a um sistema. Isto é tão verdade que o manifesto de Sartre, publicado no primeiro número dos Temps Modernes, me parece inaceitável.” (Carta à revista Le Nef, 1/ 1946)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não, não sou existencialista. Sartre e eu surpreendemo-nos sempre quando vemos os nossos dois nomes associados. Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio em que os abaixo assinados afirmarão nada ter em comum, e recusarão responder pelas dívidas contraídas pelo outro.” (Entrevista a Nouvelles Littéraires, 15/11/1945)


EXISTENCIALISMOS: “Se as premissas do existencialismo se encontram, como creio, em Pascal, Nietzsche, Kirkegaard ou Chestov, então estou de acordo com elas. Se as suas conclusões são as dos nossos existencialistas, não concordo com elas, pois são contrárias às premissas.” (Última entrevista de Albert Camus, 20/12/1959)


FORÇA: “Aprendemos à nossa custa que, contrariamente ao que por vezes pensamos, o espírito nada pode contra a espada, mas também que o espírito unido à espada sempre vence a espada que se ergue em prol de si mesma.” (Carta a um Amigo Alemão, I)


GÉNIO: “O génio é a inteligência que conhece as suas fronteiras” (O Mito de Sísifo)

 
GLOBALIZAÇÃO: “Sabemos hoje que não há ilhas, e que são vãs as fronteiras. Sabemos que, num mundo em constante aceleração, quando o Atlântico se atravessa em menos de um dia ou Moscovo contacta com Washington em poucas horas, estamos obrigados à solidariedade ou à cumplicidade, segundo os casos. O pão fabricado na Europa vende-se em Buenos Aires, e as máquinas que trabalham na Sibéria foram fabricadas em Detroit. Hoje, a tragédia é coletiva. Sabemos pois todos, sem sombra de dúvida, que a nova ordem que buscamos não pode ser somente nacional, ou sequer continental, e muito menos ocidental ou oriental. Ela só pode ser universal.” (Atuais)

 
HELENISMO: “O mundo em que mais á vontade me sinto: o mito grego.” (Cadernos)

 
HETERONÍMIA/ ROMANCE : «Com efeito, o romance exige o estilo mais complexo de todos : o que se submete por inteiro ao objeto descrito. Podemos pois conceber um autor que escrevesse cada um dos seus romances num estilo diferente.” (Cadernos)

 
HISTÓRIA/ POLÍTICA: “É por demais evidente que o pensamento político se encontra cada vez mais ultrapassado pelos acontecimentos. […] Bem entendido, o espírito segue arrastado pelo mundo. A História corre, enquanto o espírito medita. Mas esse atraso inevitável aumenta hoje na proporção da aceleração histórica. O mundo mudou mais nos últimos cinquenta anos do que tinha mudado nos duzentos anteriores. E vemos hoje o mundo empenhado em regulamentar problemas de fronteiras, quando todos sabemos que as fronteiras são hoje abstratas.” (Atuais)

 
HONRA: “De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?” (O Primeiro Homem)


JORNALISMO: “É importante pensarmos no que é o jornalismo de opinião. A concepção que a impressa francesa tem de informação podia ser melhor, já o dissemos. Queremos informar depressa em vez de querer informar bem. A verdade não fica a ganhar. […] Como vemos, tal equivaleria a perguntar se os artigos de fundo têm algum fundamento, e que se evitasse publicar como verdadeiro o que é falso ou duvidoso. É a esse procedimento que eu chamo ‘jornalismo crítico’. Uma vez mais, nada disto se faz sem inflexão e sem o sacrifício de muitas outras coisas. Mas talvez bastasse começar a pensar nisto.” (Atuais)

 
JUSTIÇA: “ (...) amo os que vivem hoje na mesma terra que eu, e são esses que saúdo. É por eles que luto e é por eles que estou disposto a morrer. E por uma cidade longínqua, de que não tenho sequer a certeza, não irei contra os meus irmãos. Não aumentarei a injustiça viva em nome de uma justiça morta.” (Os Justos)

 
LIBERALISMO/ MARXISMO: “Estas ideologias, nascidas há um século, no tempo da máquina a vapor e do ingénuo otimismo científico, são hoje caducas, e incapazes, nas suas formas atuais, de resolver os problemas que se põem ao século do átomo e da relatividade.” (Atuais)

 
LIBERDADE E JUSTIÇA: “Não o devemos ignorar: é difícil conciliá-las. A crer na História, pelo menos, nunca foi possível. Como se houvesse nestes dois princípios uma intrínseca incompatibilidade. Como poderiam não a ter? A liberdade para cada um é também a liberdade do banqueiro, ou do ambicioso: depressa a injustiça se instala. A justiça para todos é a submissão da personalidade ao bem coletivo: como falar então de liberdade absoluta? […] Devemos pois renunciar a esse esforço inútil? Não, não devemos renunciar. É preciso simplesmente tomarmos consciência dessa imensa dificuldade em as conciliar e tornar essa dificuldade evidente para aqueles que, ainda que animados de boa-fé, tudo querem simplificar. Para o demais, saibamos somente que é esse o único esforço pelo qual, nos dias de hoje, vale a pena viver e lutar.” (Atuais)
 
 
LIBERDADE: “Esquecei os vossos mestres, aqueles que tanto vos mentiram, disso tendes vós a certeza agora, e também os outros, pois não souberam persuadir-vos. Esquecei todos os mestres, esquecei todas as ideologias moribundas, os conceitos gastos, os slogans vetustos de que vos querem ainda alimentar. Não vos deixeis intimidar por nenhuma chantagem, de direita ou de esquerda. E finalmente não aceitai lições senão daqueles jovens combatentes de Budapeste dispostos a morrer pela liberdade. Esses de certeza vos não mentiram ao gritar que o espírito livre e o trabalho livre, numa nação livre, no seio de uma Europa livre, são os únicos bens deste mundo por que vale a pena lutar e morrer.” (Atuais)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Não sou um romancista no sentido em que normalmente se entende. Mas antes um artista que cria mitos à medida da sua paixão e da sua angústia.” (Cadernos)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Os grandes romancistas são romancistas filósofos.” (O Mito de Sísifo)
 
 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Um romance não é senão uma filosofia em imagens.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)

 
LITERATURA/ VIDA: “[…] o erro de uma certa literatura é acreditar que a vida é trágica porque é miserável. Ela pode ser surpreendente e magnífica, eis toda a sua tragédia.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)


MAL: “Estancamos diante do mal. E para mim é bem verdade que me sinto um pouco como esse Santo Agostinho que, antes da sua conversão ao Cristianismo, dizia: ‘Procurava donde vinha o mal e não saía nunca dele’. Mas é também verdade que eu sei, como outros, o que é preciso fazer, se não para diminuir o mal, pelo menos a forma de o não aumentar.” (Atuais)

 
MARXISMO: “Contar-se-iam pelos dedos das mãos os comunistas que chegaram à revolução pelo estudo do marxismo. Convertem-se primeiro e só depois leem as Escrituras.” (O Homem Revoltado)

 
MEDO E POLÍTICA: “O século XVII foi o século das Matemáticas, o XVIII das Ciências Físicas, o XIX da Biologia. O nosso século XX é o século do Medo. Dir-me-ão que o medo não é uma ciência. Mas também a Ciência aqui se encontra implicada, já que os últimos progressos teóricos a levaram a negar-se a si própria, e os avanços práticos hoje ameaçam destruir toda a terra. Além do mais, se o medo não pode considerar-se em si uma ciência, não há dúvida que ele é, apesar de tudo, uma técnica. O que mais nos impressiona hoje, com efeito, é que no mundo atual, em geral (e à exceção dos crentes de todas as espécies), a maior parte dos homens se encontra privada da noção de futuro. Ora não há vida vivida sem projeção no tempo, sem esperança de amadurecimento e progresso.” (Atuais)
 
 
MEIOS/ FINS: “Quando um trabalhador, em qualquer ponto do mundo, ergue os seus punhos nus diante de um tanque e grita que não é um escravo, que somos nós se a isso ficarmos indiferentes?” (Atuais)

 
MITO/ ESTILO: A obra de um homem não é senão esse longo caminho para encontrar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes sobre as quais o coração pela primeira vez se abriu.” (Prefácio a O Avesso e o Direito)

 
MULHERES: “As rosas retardatárias de Santa Maria Novella e as mulheres, neste domingo de manhã em Florença. Os seios libertos, os olhos e os lábios que vos fazem bater o coração, a boca seca e um calor nos rins.” (Núpcias)

 
MUNDO: “Todas as gerações, sem dúvida, se julgam fadadas para refazer o mundo. A minha sabe, no entanto, que não poderá refazê-lo. A sua tarefa é talvez maior. Consiste em impedir que se desfaça, partindo unicamente das suas negações.” (Discursos da Suécia)

 
MÚSICA: “A música é a expressão perfeita de um mundo ideal que nos é comunicado através da harmonia. Esse mundo existe. Não a um nível superior ou inferior a ujm mundo real, mas paralelamente a ele. Mundo das ideias? Talvez. Ou então mundo dos números, pois nos é comunicado pela harmonia.” (Ensaio sobre a Música)

 
NIILISMO: “Perante o mais cerrado niilismo, não procurei senão as razões para ultrapassar esse niilismo. E isto não por virtude ou por uma rara elevação de alma, mas por uma fidelidade instintiva à luz em que nasci, e onde, desde há milhares de anos, os homens aprendem a saudar a vida, mesmo na dor.” (Discursos da Suécia)

 
NUANCES: “Lutamos por essa indelével nuance que distingue o sacrifício do misticismo, a energia da violência, a força da crueldade, por essa nuance ainda mais subtil que separa o falso do verdadeiro, e o homem em que nos esperamos tornar dos deuses cobardes com que vós sonhareis.” (Carta a um Amigo Alemão, I)

 
ORDEM SOCIAL: “Fala-se agora muito de ordem. Porque a ordem é uma coisa boa que bem falta nos fez. […] Evidentemente, a ordem de que se fala muito hoje é a ordem social. Mas a ordem social é somente a da tranquilidade nas ruas? Não é certo. […] Talvez ajude para saber o que é a ordem social a comparação com a conduta individual. Quando dizemos nós que um indivíduo pôs a sua vida em ordem? Quando ele vive de acordo com ela e conformou a sua conduta ao que julga verdadeiro. Um insurreto que, sob a desordem das paixões, morre por uma ideia que fez sua, é na verdade um homem de ordem, porque ordenou toda a sua conduta segundo um princípio que lhe parece evidente. Mas não podemos nunca dizer que tem a vida em ordem um privilegiado que faz regularmente, durante toda a sua vida, três refeições por dia, e baseia a sua fortuna em valores seguros, mas que se fecha em casa quando ouve barulho na rua. Trata-se somente de um homem com medo e poupado. E se a ordem francesa fosse a da prudência e a da secura do coração, estaríamos tentados a ver nela a pior das desordens, já que, por indiferença, se passariam a permitir todas as injustiças. De tudo isto se concluiria que não há ordem sem equilíbrio e sem acordo. Não basta exigir ordem para bem governar, porque bem governar é a única forma de atingir uma ordem que faça sentido. Não é a ordem que dá força à justiça, mas a justiça que dá a certeza da ordem.“ (Atuais)

 
POBREZA: “A miséria impediu-me de acreditar que tudo está bem sob a luz do sol da História; o sol ensinou-me que a História não é tudo.” (O Avesso e o Direito)

 
POLITICA: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.” (Cadernos)

 
REALISMO: “Todos somos realistas e ninguém o é. A arte não significa nem a recusa total nem o total assentimento daquilo que é. […] Sendo simultaneamente recusa e assentimento, […] o artista encontra-se sempre nesta ambiguidade, incapaz de negar o real e, no entanto, eternamente votado a contestá-lo no que ele tem de eternamente inacabado.” (O Homem Revoltado)


RESPONSABILIDADE: “Não podemos impedir que esta criação seja aquela em que são torturadas crianças. Mas podemos diminuir o número de crianças torturadas.” (Atuais)

 
RETRATO DO ESCRITOR: “[…] não possuindo títulos que não partilhe com os seus companheiros de luta, vulnerável mas persistente, injusto mas apaixonado pela justiça, construindo a sua obra, sem vergonha mas sem orgulho perante todos, sempre dividido entre a beleza e a dor, e votando por fim todo o seu esforço a gerar do seu ser duplo as criações que obstinadamente edifica no movimento destruidor da História.” (Discursos da Suécia)

 
ROMANCE DE TESE: “O romance de tese, a obra que pretende provar, a mais detestável de todas, é aquela que mais frequentemente é inspirada num espírito satisfeito.” (O Mito de Sísifo)

 
SANTA BÁRBARA DE ORÃO: “Sabeis que eu não sou muitas vezes religioso. Mas se acontecer eu sê-lo, sabei que não necessito de Deus e que não o posso ser senão quando quiser fingir que o sou, porque um comboio vai partir e a minha oração não tem amanhã.” (Cadernos)

 
SARTRE: “Não é por acaso que o filósofo que inspira hoje o pensamento europeu é aquele que escreveu que só a vida moderna permite que o espírito tome consciência de si mesmo, e que foi até ao ponto de afirmar que a natureza é abstrata, e que só a razão é concreta.” (Atuais)

 
SOFRIMENTO: “Sim, são as faltas que originam os nossos piores sofrimentos. Mas que importa, na verdade, o que nos falta, quando o que possuímos se não esgotou ainda? Tantas coisas são suscetíveis de ser amadas que nenhum desfalecimento pode ser definitivo. Saber sofrer é saber amar. E quando tudo rui tudo recomeçar, com simplicidade, enriquecidos pela dor, quase felizes com a sensação da nossa infelicidade.” (Escritos de Juventude)

 
SURREALISMO: “A verdadeira destruição da linguagem, que o surrealismo procurou com tanta obstinação, não se encontra na incoerência ou no automatismo. Antes se encontra na palavra de ordem.” (O Homem Revoltado)

 
TERRORISMO: “Se um terrorista lança uma granada no mercado de Belcourt frequentado pela minha mãe e ele a mata, serei responsável se, para defender a justiça, eu tiver igualmente de defender o terrorismo. Amo a justiça, mas amo também a minha mãe.” (Camus a Roblés, testemunho)

 
TRAGÉDIA/ MELODRAMA: “O que é afinal uma tragédia? […] Eis o que me parece distingui-la: as forças que se confrontam na tragédia são igualmente legítimas. No melodrama, ou no drama, pelo contrário, somente uma é legítima. […] Na primeira, cada força é, ao mesmo tempo, boa e má. Nos segundos, uma força representa o bem e outra o mal (por isso, na nossa época, o teatro de propaganda não é senão uma ressurreição do melodrama). Antígona tem razão, mas Creonte não tem menos. Também Prometeu é ao mesmo tempo justo e injusto. E Zeus, que o castiga sem piedade, está no seu direito.” (Sobre o Futuro da Tragédia)
 

 
UTOPIA: “O mundo deve hoje escolher entre o pensamento político anacrónico e o pensamento utópico. O pensamento anacrónico está em vias de nos matar. Por mais desconfiados que sejamos (e que eu seja), o espírito da realidade logo nos reconduz a esta utopia relativa. Quando essa utopia entrar na História, como sucedeu com muitas outras utopias do mesmo género, os homens lhe chamarão realidade. É assim que a História não é senão o esforço desesperado dos homens para dar forma aos seus sonhos mais clarividentes.” (Atuais)

Seleção de Maria Luísa Malato e Eduardo Graça

terça-feira, novembro 5

7 de novembro de 2013 – O Renascimento de Albert Camus

Paul Valéry, desdenhando das biografias, escreveu um dia: “Ainda que pouco saibamos sobre Homero, permanece para nós intacta a beleza marítima da Odisseia”. Mas o exemplo de Homero, talvez rapsodo de textos alheios, não parece adequar-se à vida e obra de Albert Camus. Sabida a vida de Albert Camus nos damos conta de que alguns autores fazem também da vida uma obra. Quase nada na sua vida é provável, quase tudo é a demonstração de uma alargada coerência estilística que vai do pensamento ao gesto, do gesto à palavra, e da forma da palavra ao conteúdo da palavra. E por isso quanto mais sabemos sobre a vida de Albert Camus mais ela nos persuade da verdade da obra. E da urgência de a lermos, se andamos sedentos de verdade.  
 
1913-1917- Albert Camus argelino, pelo nascimento, filho de emigrantes, nasceu pobre. A sua mãe, Catherine Sintès, era de ascendência espanhola (Baleares) e seu pai, Lucien Camus, de ascendência francesa. O pai morreu em 11 de outubro de 1914, no hospital militar de Saint-Brieuc, depois de ter sido gravemente ferido na Batalha de Marne. A família muda-se para o bairro Belcout, em Argel. 
 
1918-1923 - Camus frequenta a escola comunal de Belcourt tendo chamado a atenção de Louis Germain, seu professor, que admirando as qualidades do seu jovem aluno e apercebendo-se da vontade da família para que abandonasse os estudos por motivos económicos, intercedeu junto da avó de Camus (a verdadeira matriarca da família) para que lhe fosse permitido prosseguir. A diligência foi bem-sucedida e, em 1923, Camus ingressa, como bolseiro, no liceu Bugeaud, em Argel. 
 
1924-1931 - Frequenta o curso liceal nunca tendo esquecido o seu mestre Louis Germain a quem dedicará os Discursos da Suécia, pronunciados em dezembro de 1957, por ocasião da entrega do Prémio Nobel da Literatura. Segue Filosofia, tendo como professor Jean Grenier, um notável escritor, cuja influência se revelará decisiva na formação intelectual e humana de Camus. Pelos seus 17 anos, em 1930, atingido pela tuberculose, é acolhido em casa de seu tio Gustave Acault, dono de um talho, franco-mação, homem de uma cultura invejável, em cuja vasta e eclética biblioteca, Camus toma contacto com os clássicos e lê obras de Balzac, Victor Hugo, Émile Zola, Anatole France e de outros autores. Quando, em 1946, lhe anunciam a morte do tio Gustave confia a Jean Grenier: “Foi o único homem que me fez imaginar o que poderia ser um pai.” Em 1931, é obrigado a abandonar a paixão pelo futebol, de que chegou a ser praticante numa equipa da Universidade de Argel, devido aos primeiros sinais da tuberculose, doença que o impedirá naquele ano de fazer as provas de acesso à Faculdade. 
 
1932-1935 - Prepara a sua licenciatura em filosofia na Universidade de Argel. Publica alguns artigos na revista Sud. Jean Grenier publica As Ilhas. Em 1933 Camus perfaz 20 anos e Hitler sobe ao poder. Em 16 de junho de 1934, Camus casa-se, pelo civil, com Simone Hié. Nesse mês, obtém o certificado de Psicologia e, em novembro de 1934, o Certificado de Estudos Literários Clássicos. O ano de 1935 revela-se fecundo: obtém o certificado de Filosofia Geral e História da Filosofia. Começa a escrever L´Envers et l´Endroit e, em maio, inicia a escrita dos Cadernos e funda o Teatro do Trabalho. Compõe, “em coletivo”, a peça Revolta nas Astúrias e, por influência de Jean Grenier, no outono de 1935, adere ao Partido Comunista Argelino. 
 
1936 - Em abril, é proibida a representação de Revolta nas Astúrias, mas a peça é publicada pela editora Charlot; em maio, Camus obtém o Diploma de Estudos Superiores em Filosofia com uma tese intitulada Metafísica Cristã e Neoplatónica: Plotino e Santo Agostinho; nesse mesmo mês, a Frente Popular vence as eleições em França; a 17 de julho, tem início a Guerra Civil Espanhola que o marcou profundamente e na qual toma, declaradamente, o partido dos republicanos. Mais tarde será condecorado pelo governo espanhol republicano, no exílio, numa peculiar cerimónia, em que comparece sozinho; realizou uma viagem, marcante, à Europa Central e separou-se de Simone Hié. 
 
1937 - Edita, em Argel, com uma tiragem reduzida, L´Envers et l´Endroit; elabora o projeto para La Mort heureuse e trabalha na redação de Noces; doente, parte para Paris, Marselha e visita o norte de Itália, deixando nos Cadernos notáveis apontamentos desta visita; de regresso à Argélia, recusa o lugar de professor em Sibi-bel-Abbès (Orão); o Teatro do Trabalho passa a chamar-se Teatro da Equipa. Em agosto de 1937, é excluído do Partido Comunista, acusado de “trotskista”. Encontra, pela primeira vez, Francine Faure, sua futura mulher. 
 
1938 - Concluindo Noces, toma notas para Calígula e trabalha, intensamente, na atividade teatral, destacando-se uma adaptação de Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, na qual interpretará o papel de Ivan Karamazov. Conhece Pascal Pia, redator-chefe do novo jornal Alger Républicain, do qual se torna redator. Faz a apresentação do primeiro número da revista Rivages. 
 
1939 - Publicou, em Argel, Noces, nas edições Charlot; a França e a Inglaterra declaram, a 3 de setembro, guerra à Alemanha; o seu alistamento voluntário no exército é recusado por razões de doença. Proibição do Soir Républicain que havia sucedido ao Alger Républicain. 
 
1940 - Camus parte, em 14 de março, para Paris, onde se junta a Pascal Pia, assumindo funções no secretariado da redação do Paris-Soir. No dia 1º de Maio, escreve numa carta a Francine: “Acabei o meu romance […] Sem dúvida, não terminei o meu trabalho”. Tratava-se de L´Étranger. Nos inícios de junho, face à iminência da ocupação de Paris pelos alemães, Camus acompanha a redação do Paris-Soir para Clermont-Ferrand, instalando-se, em setembro, na cidade de Lyon; em novembro, junta-se-lhe Francine Faure e, a 3 de Dezembro, casam em Lyon, tendo como testemunhas Pascal Pia e três tipógrafos do jornal; logo de seguida, no final do ano, é despedido, regressando à Argélia, Orão. 
 
1941 - Este regresso forçado à Argélia, para junto dos familiares da mulher, em Orão, cidade que detestava, coincidiu com uma época de dificuldades materiais; a 21 de fevereiro, escreve nos Cadernos: “Acabei Sísifo. Os três Absurdos estão terminados”. Faz circular o manuscrito de O Estrangeiro; em abril, regressa a Argel e, em novembro, O Estrangeiro é aceite pela equipa de leitura da editora Gallimard. 
 
1942 - Sofre uma recaída da tuberculose e, a meio de agosto, muda-se para as terras altas de Auvergne; em maio, é publicado pela Gallimard, L´Étranger, acabado de imprimir em 21 de abril, que continua a ser o livro mais vendido das edições Gallimard, a que se segue, em outubro, a publicação, pela mesma editora, de Le Mythe de Sisyphe. Escreve La Peste; a 8 de novembro, as tropas aliadas desembarcam em Marrocos e na Argélia, separando-o da mulher, que havia regressado à Argélia no mês anterior; reencontrar-se-ão somente após a Libertação. 
 
1943-1944 - Estabelece contacto com o movimento clandestino da Resistência Combat; em junho de 1943 conhece Sartre, em Paris, aquando da estreia da peça As Moscas; encontra-se com Claude Bourdet, do Comité Nacional da Resistência, assumindo funções, cada vez mais importantes, no jornal Combat que o levaram a assumir, no início de 1944, a direção do jornal; a 6 de junho, as tropas aliadas desembarcam na Normandia; em junho, Le Malentendu sobe à cena, sob a direção de Marcel Herrand. O seu empenhamento no teatro, de que tanto gostava, propicia a paixão pela atriz Maria Casarès, com a qual manterá um longo relacionamento amoroso; em 21 de agosto, é editado o primeiro número legal do jornal Combat com um editorial assinado, pela primeira vez, com o nome de Camus, intitulado: Le Combat continue …; 25 de Agosto é o dia da libertação de Paris e Camus intitula o seu editorial La Nuit de la Vérité; a partir de 31 de agosto escreve no Combat uma série de notáveis artigos acerca da liberdade de imprensa. 
 
1945 - No pós-guerra, Camus desenvolveu uma intensa atividade jornalística e política; uma das suas mais relevantes tomadas de posição refere-se ao lançamento da primeira bomba atómica sobre Hiroshima, a 6 de agosto, tendo, dois dias depois, publicado um editorial referindo “as terríveis perspetivas que se abrem à humanidade”; a 5 de setembro, nascem os seus filhos gémeos, Catherine e Jean. Representação de Calígula no teatro Hébertot e publicação, pela Gallimard, de Lettres à un Ami Allemand, em memória de René Leynaud. 
 
1946 - Em março/junho, viaja para os Estados Unidos e Canadá; pelo outono nasce uma mútua, e profunda, amizade com René Char (“Char que eu amo como a um irmão”- dirá a Pierre Berger), que, para Camus, era mais do que um poeta, um resistente, o Capitão Alexandre da Resistência, chefe do “maquis”; em novembro, escreveu uma série de oito artigos para o Combat, reunidos sob o título Nem vítimas nem carrascos. Reescreve La Peste. 
 
1947 - A 3 de junho, Camus abandona o jornal Combat, cuja redação se havia dividido a propósito da criação por De Gaulle do RPF (Rassemblement du Peuple Français); no dia 10 do mesmo mês, é publicado La Peste, edição da Gallimard: é o seu primeiro grande sucesso editorial tendo sido vendidos, entre julho e setembro, 96.000 exemplares, e com ele obterá o “Prémio dos Críticos”. 
 
1948 – Em janeiro, termina a redação de L´État de Siège, no qual trabalhará ainda em julho; em outubro, esta peça sobe à cena, com encenação de Jean-Louis Barrault, tendo constituído um tremendo fracasso, tanto para a crítica como para o público. 
 
1949-1951 - Em julho/agosto de 1949, Camus realiza uma longa viagem à América do Sul, para proferir uma série de Conferências; regressa gravemente doente; durante a viagem, concluira a peça Les Justes que, em dezembro, sobe à cena, com encenação de Paul Oettly, tendo Serge Reggiani e Maria Casarés nos principais papéis. Segundo as suas próprias palavras, tratou-se de um semi-sucesso. No ano de 1950, além da publicação de Actuelles, Chroniques 1944-1948, Camus recupera da doença. Em 1951, termina a redação de L´Homme Révolté, publicado em outubro, pela Gallimard, desencadeando então uma forte polémica que ganhará sobretudo expressão no ano seguinte. Camus aborda, de forma desassombrada, para o seu tempo, a questão dos totalitarismos: “o fascismo é a glorificação do carrasco por ele próprio; o comunismo, mais dramático, a glorificação do carrasco pelas vítimas”. 
 
1952 - Alguns dias antes da saída do livro, Camus dissera a Oliver Todd, seu biógrafo: “Apertemos as mãos. Porque daqui a alguns dias não haverá muita gente para me apertar a mão”. Camus sabia que a liberdade de pensamento nem sempre é bem aceite. Em L´Homme Révolté, Camus realiza um esforço sério para compreender o seu tempo, ousando condenar não só a barbárie nazi, mas também o Goulag, contra a opinião dos seus amigos da esquerda sob a hegemonia do Partido Comunista Francês. Em maio, na revista Temps Modernes, Francis Jeanson, a mando de Sartre, publica um artigo violento, e insultuoso, contra o ensaio de Camus, que responde dirigindo-se ao diretor da revista, ou seja, ao próprio Sartre, levando ao corte de relações entre ambos. Em dezembro, Camus publica Post-sciptum, texto no qual procura explicar as razões que o tinham levado a escrever L´Homme Révolté. Recusa-se a colaborar com a UNESCO, em protesto contra a admissão da Espanha franquista na organização. 
 
1953 - Camus desenvolve intensa atividade no campo teatral e toma posições públicas de protesto contra a prisão, na Argentina, de Victoria Ocampo, contra a intervenção da União Soviética em Berlim Leste e contra a repressão, pela polícia de Paris, de manifestantes da África do Norte; a Gallimard publica o volume Actuelles II (1948-1953); surge nos Cadernos a primeira referência ao esboço do que viria a ser a sua última obra, Le Premier Homme. Sua mulher Francine dá sinais de uma grave depressão. 
 
1954 - O estado depressivo de Francine agrava-se e Camus vive um período de grande cansaço e desilusão; a Gallimard publica L´Été, na coleção Les Essais; profere intervenções públicas a favor de sete tunisinos condenados à morte; a 7 de maio, escreve nos Cadernos: “Queda de Dien Bien Phu. Como em 40, sentimento partilhado de vergonha e de fúria”; em setembro, Francine apresenta melhoras; viagens à Holanda e a Itália, para uma série de conferências, enquanto eclode, na Argélia, a luta armada de libertação. 
 
1955 - Em fevereiro, viaja para a Argélia, visitando as regiões atingidas por um violento tremor de terra no ano anterior enquanto a crise política argelina se agrava, tendo sido instaurado, por Edgar Faure, Presidente do Conselho, o “estado de emergência”; em abril/maio, realiza um sonho antigo: a viagem à Grécia, onde profere uma série de conferências. Em julho/agosto, visita, de novo, a Itália; em Julho escreveu, no L´Express, dois longos artigos - Terrorisme et Répression e L´Avenir Algérien - acerca da situação argelina, apelando à realização de uma conferência com vista a alcançar uma solução política, uma “espécie de nação mista, na qual franceses e árabes viveriam livremente e em igualdade de direitos em solo argelino”; entretanto, a situação política agrava-se na Argélia e, no 1º de outubro, escreve Lettre à un Militant Algérien e outros artigos acerca da situação argelina, nos quais defende uma conciliação entre os interesses em presença, afirmando que “a Argélia não é a França” mas que nela vivem um milhão de franceses; a escalada da guerra na Argélia tornara-se insuportável para Camus que viveu a “infelicidade argelina como uma tragédia pessoal “. Apoia a Frente Republicana e o programa eleitoral de Mendes-France. Em novembro, publica, no Le Monde libertaire, L´Espagne et le Donquichottisme. 
 
1956 - Numa última tentativa de conciliação no conflito argelino, que se agravava dia a dia, Camus viaja para a Argélia, onde lança, perante uma assembleia tensa e conturbada, um dramático apelo em prol de uma trégua que poupasse os civis: “ (…) porque mesmo o mais decidido entre vós conserva no meio da confusão da luta um recanto do seu coração, no qual, eu sei bem, não se conforma com o assassínio e o ódio e sonha com uma Argélia feliz. É a esse recanto em cada um de vós, franceses e árabes, que nós apelamos”. Olivier Todd, no final da sua biografia, Albert Camus, une Vie, (Gallimard, 1996), escreverá depois que “face ao problema argelino, Camus foi legalista e moralista (...) ele queria para a Argélia o que alguns, com Nadine Gordimer à cabeça, sonharam para a África do Sul: a coexistência na igualdade de direitos; dois povos numa só nação e um estado de direito multirracial”. Mas tal sonho tornara-se irrealizável na Argélia. Em maio, a Gallimard publica La Chute; em 2 de julho, Camus assina um texto de protesto contra a repressão em Poznan (Polónia); em 4 de novembro, as tropas soviéticas entram em Budapeste, esmagando a insurreição húngara; responde ao apelo dos escritores húngaros e pede à ONU que mande retirar as tropas da URSS da Hungria: Pour une démarche commune à l´ONU des intellectuels européens” (Franc-Tireur). 
 
1957 - Em março, discursa na Sala Wagram contra a intervenção na Hungria (Kadar a eu son jour de peur) e publica, pela Gallimard, L´Exil et le Royaume. Mas este é o ano do Nobel da Literatura que lhe seria atribuído, em 16 de outubro, “pelo conjunto de uma obra que lança luz sobre os problemas que se colocam, nos nossos dias, à consciência do homem”. A reação de Camus à notícia ficou registada nos Cadernos, no dia 17 de outubro, com uma pungente referência à sua infância pobre, lembrando a mãe: “O Nobel. Estranho sentimento de abatimento e melancolia. Aos 20 anos, pobre e nu, conheci a verdadeira glória. A minha mãe.” Mas, logo no dia 19, nos mesmos Cadernos, o reverso da medalha: “Assustado com tudo o que me acontece e que eu não pedi. E para cúmulo ataques tão baixos que me deixam apertado o coração”. René Char, por sua vez, de coração aberto, exulta, numa carta dirigida a Camus: “Espero bem, creio que consta o que será certo. Assim, a certeza do que circula na imprensa incita-me sem reservas a regozijar-me e a achar que esta quinta-feira, dia 17 de outubro de 1957, é para mim o melhor, o mais esplendoroso, sim o melhor dia de há muito, entre tantos dias de desespero. Peço-lhe que aceite, para memória deste dia, esta pequena caixa que me salvou a vida quando combatia na resistência, e que eu desde então conservei como uma relíquia verdadeiramente íntima”. No outono, publicou, pela Calmann-Lévy, Réflexions sur la peine capitale, na Suécia, a partir de 9 de dezembro, proferia, além do discurso de aceitação do Prémio Nobel, duas conferências, em Estocolmo e Upsala; na primeira das quais, interpelado por um jovem argelino, profere uma célebre, e polémica, frase: ”Creio na justiça, mas defenderia a minha mãe antes da justiça”. 
 
1958 - Com o dinheiro do Prémio Nobel compra uma casa em Lourmarin. Sua mãe recusa sair da Argélia e Camus decide abster-se de qualquer intervenção direta no conflito argelino. Em janeiro, publica, na Gallimard novamente, Discours de Suède e, em junho, Actuelles III, Chroniques algériennes (1939-1958). Em março/abril, visita a Argélia e, em junho, doente, regressa à Grécia. Trabalha na adaptação teatral de Os Possessos, de Dostoievski, que sobe à cena, em janeiro do ano de 1959, com encenação do próprio Camus. 
 
1959 - No mês de março, nova visita à Argélia, para ver a mãe, recentemente operada; começa a escrever, finalmente, Le Premier Homme, a que dedica todo o ano; apresentação de Possédés em Veneza, assim como em França e noutros países; a 14 de dezembro tem o seu derradeiro encontro público, com estudantes estrangeiros em Aix-en-Provence, no qual em resposta à pergunta: “Considera-se um intelectual de esquerda?”, responde: “Não estou certo de ser um intelectual. Quanto ao resto, sou pela esquerda, apesar de mim, e apesar dela”. 
 
1960 - No dia 3 de janeiro, Camus parte da sua casa de Lourmarin, onde havia passado o fim de ano, de regresso a Paris, no Facel Vega conduzido por Michel Gallimard. Francine Camus fizera a viagem de comboio na qual deveria ter sido acompanhada por Camus; no dia seguinte, no prosseguimento da viagem, o carro despista-se, numa longa reta, em Villeblevin, perto de Montereau, embatendo num plátano, provocando a morte imediata de Camus e, cinco dias mais tarde, a de Michel Gallimard. Na pasta de couro de Camus, encontrava-se, além de diversos objetos pessoais, o manuscrito de Le Premier Homme, um romance inacabado, cento e quarenta e quatro páginas que sua mulher Francine haveria de dactilografar e sua filha, Catherine, fixaria em texto, publicado pela Gallimard, na primavera de 1994. 
 
Albert Camus está sepultado em Lourmarin. 
  
Eduardo Graça 
 
[Publicado na edição do passado sábado do Expresso pelo Centenário do nascimento de Albert Camus.]