sábado, setembro 11

Uma conversa tardia com Nuno Brederode Santos

Hoje comprei o Público em papel. O tema dominante, como seria de esperar, é Jorge Sampaio. Surgem muitas referências ao MES em particular em testemunhos. A história politica oficial é sempre feita por aqueles que estão no poder. Sabemos. Muitas das referências ao MES são distorcidas ou mesmo falsas, repetindo ideias feitas esteriotipadas, outras são naturalmente fragmentos que correspondem à verdade. É interessante como um partido que se auto extinguiu por vontade dos seus próprios dirigentes à época, suscita tanta referencia a propósito da morte de um insigne dirigentes politico que, afinal, não o foi do dito extinto partido. Aqui deixo um post mais acerca do MES neste caso resultante de uma "conversa póstuma" com o verdadeiro ideólogo da rutura com o MES do chamado grupo da Flórida (GIS), de seu nome Nuno Brederode Santos. - A minha conversa com o Nuno Brederode Santos foi, além do prazer por desfrutar da companhia de uma personalidade fascinante, muito esclarecedora acerca de diversos aspectos substanciais, e de detalhe, que sempre haviam permanecido, para mim, um mistério no que respeita ao desenlace do I Congresso do MES. Este post que escrevi a propósito dessa conversa, e o seguinte, de autoria do Nuno, como resposta/esclarecimento à minha interpretação das circunstâncias em que decorreu o I Congresso (que publicarei amanhã), são o contributo possível para não deixar adormecidas nas memórias daqueles que foram protagonistas dos acontecimentos explicações que, apesar da sua subjectividade, assentaram no racional possível num contexto politico de desenfreada exaltação. - Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974. - Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa. - Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura. - Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista. - O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal. - Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido. - Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía. - Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela. - O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum. -
Post publicado nos Caminhos da Memória

sexta-feira, setembro 10

Jorge Sampaio e o MES, o MES e Jorge Sampaio

Disseram-me pois não tenho visto televisão (isto das férias também passa por aí) que a propósito da morte de Jorge Sampaio têm sido feitas diversas referências ao MES. Diga-se que o envolvimento de Sampaio no processo de criação do MES, assim como das vicissitudes da sua não entrada formal no mesmo, está bastante bem documentado e entendido. Eu próprio já escrevi algumas peças acerca do assunto pela simples razão de que o vivi de perto e, mais recentemente, suscitei uma conversa com Nuno Brederode Santos que permitiu ter ficado esclarecido acerca de alguns pontos que ainda não tinha plenamente entendido. Vou pois republicar nestes dias dois ou três postes antigos que permitem colocar a questão da relação de Jorge Sampaio com o MES no lugar certo segundo o meu entendimento e conhecimento direto. Eis o primeiro: Dando sequência à republicação dos posts publicados em 2008 nos Caminhos da Memória, tomando por tema os "dirigentes fundadores", surge este que faz uma abordagem da questão política mais relevante que esteve presente desde a preparação até à realização do próprio I Congresso do MES. 40 anos depois ... imaginem! Pretendia abordar, tão só, a temática dos dirigentes fundadores do MES, neste caso os que foram eleitos no I Congresso, realizado nos dias 21 e 22 de Dezembro de 1974, na Aula Magna da Cidade Universitária, de Lisboa. Mas, neste caso, terei que ser um pouco mais extenso já que o I Congresso, como é do conhecimento geral, foi marcado pela cisão protagonizada pelo grupo que viria a dar origem ao GIS («Grupo de Intervenção Socialista»). Esse conjunto de activistas do MES apresentou ao Congresso um longo, e muito bem estruturado, documento intitulado: O MES E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO, datado de 30 Novembro de 1974, subscrito por Armando Trigo e Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Joaquim Mestre, João Bénard da Costa, João Cravinho, Jorge Sampaio, José Manuel Galvão Teles e Nuno Brederode Santos [1]. Reli, quase 34 anos depois, com os olhos de hoje, as 39 páginas (3 delas quase ilegíveis) do documento em apreço e senti uma inesperada sensação de espanto e perplexidade acerca das razões dessa ruptura protagonizada por algumas das personalidades mais proeminentes da esquerda portuguesa. Serei o mais breve possível, atendendo, em particular, à natureza deste meio, tomando como base desta reflexão o reencontro tardio com um documento que pairava na minha memória e que logo na apresentação toma todos os cuidados sendo apresentado, pelos seus autores, como base de uma iniciativa destinada a «contribuir para o debate interno com vista à preparação do Congresso». Há neste documento, pelo menos, dois aspectos a sublinhar: 1) Desde logo o seu título: O M.E.S E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO que parece denotar uma verdadeira, e autêntica, intenção de participação. No documento é apresentada uma proposta de metodologia e são avançados os temas destinados a alimentar a discussão no qual avultam dois pontos genéricos: «Análise da situação actual e as tarefas imediatas” e as «Linhas Programáticas Sectoriais». No entanto, atentas as datas e a memória que guardo, a discussão, anterior ao Congresso, foi bastante irrelevante o que demonstra que a iniciativa deste grupo de personalidades, tendo sido precedida de um confronto prático aceso acerca do papel de um Partido de «esquerda socialista» naquele concreto «processo revolucionário», deve ter sido encarada como uma espécie de anúncio e explicação de uma ruptura inevitável. 2) O documento surge, em qualquer caso, como uma tentativa notável, no contexto da época, de encontrar os temas e o tom para um debate sério em torno de «soluções políticas», ou seja, das diversas alternativas de regime político que se poderiam perfilar como saída possível para a designada «actual fase da luta revolucionária». É notório, ao longo do texto, que os autores não escaparam à utilização dos estereótipos da linguagem revolucionária nem à adopção de propostas cujo teor – à luz dos condicionalismos da época – poderiam ter sido, caso tivesse havido vontade e capacidade negocial de ambas as partes, uma boa base para a criação de um partido que teria, certamente, relevância política e eleitoral após aquele Congresso inaugural. Assim não aconteceu e, pela parte que me toca, muito me penalizo por isso. Poder-se-á questionar, então, quais as diferenças políticas entre as duas posições que se confrontaram no I Congresso do MES e as verdadeiras razões da ruptura que se produziu para além dos aspectos meramente pessoais que, tendo existido, terão sido irrelevantes. Não vou tentar construir uma teoria acerca do assunto. Mas é de todo evidente que no período que decorreu desde as vésperas do 25 de Abril de 1974 até ao final do mês de Dezembro desse ano, data de realização do I Congresso, (os meses de uma verdadeira, e rara, «fusão revolucionária») se delapidou o capital de confiança, pessoal e política, que permitiria conciliar um modelo de «esquerda socialista», inspirado no PSU, de Rocard, e um outro de «esquerda revolucionária», influenciado pela ideologia da «democracia directa», designada por «Poder Popular», na linha da tradição anarco-sindicalista e dos movimentos revolucionários da América latina (Chile de Allende incluído), que pensava encontrar legitimidade no próprio curso dos acontecimentos que se viviam, freneticamente, em Portugal, sob o olhar atónito do mundo. É claro que as propostas levadas ao debate por Jorge Sampaio, e seus companheiros, não deixavam de fazer referência ao «poder popular», mas preocupavam-se, numa leitura mais distanciada e atenta, em atenuar a deriva revolucionária como, por exemplo, quando se escrevia no final do ponto 3), intitulado, significativamente, «As soluções políticas»: «A eventualidade da revolução socialista em Portugal e mau grado certo desenvolvimento das forças produtivas parece afastada, pelas razões seguintes: a) A posição que Portugal ocupa no contexto capitalista europeu e internacional faz cair o país na órbita da esfera da influência americana e torna-o peça essencial no sistema da NATO e do imperialismo donde sairia com extrema dificuldade e necessariamente a médio ou longo prazo; b) A ausência de memória colectiva das classes trabalhadoras e, por conseguinte, de uma consciência de classe e de organização autónomas dado, por um lado, a repressão fascista das lutas de classe e, por outro, o facto de toda a mobilização popular e luta politica se haver feito em torno da luta anti-fascista e democrática que conjugavam classes e sectores sociais com interesses objectivos diversos, o que implicou a confusão sistemática entre objectivos de luta proletária e objectivos de luta democrática.» E este capítulo que escolhi como paradigma das dificuldades de afirmação de uma ideia de «reforma da revolução» remata com uma cautelosa, e surpreendente, solução que busca, em qualquer caso, atentos os condicionalismos da época, conciliar o inconciliável: «Neste quadro restará questionar a viabilidade de uma solução que evitando o autoritarismo burguês e o militarismo progressista avance formas transitórias no sentido da instauração a médio ou longo prazo de um futuro regime socialista que se reconhece impossível de instituir a breve trecho. Este projecto será revolucionário na medida em que se proporá a alteração das relações de produção substituindo a propriedade colectiva à propriedade privada mas terá de saber inserir-se no contexto específico da sociedade portuguesa actual evitando a transposição mecânica de estratégias ou modelos exteriores e a repetição verbalista de fórmulas vazias de conteúdo prático.» O ponto 4), intitulado «A crise do reformismo e do esquerdismo», elabora, por outro lado, uma crítica radical às orientações políticas do PS e do PCP que culmina com a rejeição da chamada «democracia burguesa»: «O reformismo, ao defender a democracia burguesa, apoia, no fundo, a única forma possível dessa democracia: o autoritarismo burguês de fachada democrática»; critica, depois, de forma não menos radical o «esquerdismo«, ou seja, a própria essência da orientação com a qual se confrontava no seio do MES: «O esquerdismo tem a vantagem da simplicidade e os inconvenientes da abstracção»; «O esquerdismo é incapaz de propor etapas, estádios, e objectivos intermédios susceptíveis de mobilizar as massas. O esquerdismo é, assim, uma teoria apocalíptica da tomada do poder»; «O esquerdismo esquece que todo o projecto político exige uma alternativa concreta e também uma aliança de forças políticas capazes de o apoiar e levar a cabo». E depois de escalpelizar o reformismo e o esquerdismo conclui: «Saber ligar a mobilização de base à luta política, a luta no local de trabalho à luta global, ou seja, encontrar a tradução na instância política das lutas de massa, é tarefa revolucionária principal das organizações políticas verdadeiramente de esquerda.» Mas é no ponto 6) do documento, sob o título O M.E.S. e as tarefas actuais que, deverá ter estado o busílis da questão da ruptura política deste I Congresso. Nunca abandonando a defesa da autonomia política do M.E.S., nem o jargão revolucionário próprio da época, os autores avançam com uma proposta de um «pacto» que permitisse «agrupar um conjunto de forças políticas e organizações partidárias capazes de veicular, ao nível das instâncias políticas, a luta de massas e de traduzir politicamente essa alternativa apoiada nas massas (…) a constituição de um bloco de forças de esquerda não terá impacto político nem credibilidade se não for capaz de aliar as forças socialistas não dogmáticas com forças reformistas (P.C. e P. S) numa unidade de tipo popular» salvaguardando, no entanto, que «esta unidade pode não revestir a natureza de uma frente política limitando-se a um acordo sobre uma base de realizações mínimas aceitáveis pelo MFA». O «pacto» político a que se faz apelo, fosse qual fosse a fórmula adoptada, e a sua viabilidade prática, teria uma repercussão significativa no posicionamento do MES face às eleições que estavam no horizonte: «Julga-se que a participação eleitoral do M.E.S. se deveria fazer no âmbito do pacto político explicitado acima, agrupando um conjunto significativo de forças da esquerda, incluindo as reformistas, cujo apoio popular é inegável. Este pacto político seria, no tocante à generalidade das forças agrupadas, um acordo de princípio salvaguardando a total autonomia política do M.E.S. e a possibilidade de explicitação da sua perspectiva revolucionária, alternativa ao reformismo e expressão da autonomia de classe do proletariado.»
Vista com o distanciamento que só a passagem do tempo permite, apesar de todas as salvaguardas, que este último parágrafo ilustra, as teses contidas nesta proposta apresentada ao I Congresso, na verdade, pouco discutida, estavam condenadas à derrota por uma maioria radicalizada sendo apelidadas de «posições oportunistas quase sempre encobertas na ambiguidade da fazer o “máximo de revolução possível”, o que sempre veio a dar em não “fazer “revolução nenhuma» [2] … originando a ruptura que designei, noutro texto, como «a primeira morte do MES». [1] A Joana Lopes teve a amabilidade de me enviar uma cópia em papel desse documento pois, na verdade, não o tinha na minha posse. [2] In «Relatório da Comissão Política ao II Congresso – 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976».

Jorge Sampaio

No segundo dia de um curto período de férias sou confrontado com a notícia da morte de Jorge Sampaio. Apesar de expetável a notícia fez-me ter que reprimir uma súbita vontade de chorar. Não sei fixar ao certo a data em que o conheci, talvez nos primórdios das eleições de 1969, de forma mais próxima nos tempos da fundação do MES e, posteriormente, como seu adjundo no gabinete pessoal na CML. Os encómios públicos serão muitos de todos os quadrantes pelo que lhe deixo simplesmente a minha singela homenagem como homem público honrado, e as condolências à sua família. Deixo um escrito antigo que lhe foi dedicado:
Na primeira fase do MES, que decorreu até ao 1º Congresso, de Dezembro de 1974, a mais importante personalidade politica que integrou o processo da sua criação foi Jorge Sampaio que tinha emergido como o mais destacado dirigente estudantil da crise académica de 1961/62. Ele é, desde essa data, uma referência cívica e política incontornável da esquerda portuguesa. Afirmou-se pela sua inteligência, cultura e capacidade de liderança. Jorge Sampaio é alguém que gera confiança, racional e generoso, culto e emocional, organizado e consensual, um conjunto de características fora do comum na cultura meridional. É um facto que não integrou o MES, enquanto partido político formal, criado após o 1º Congresso. Jorge Sampaio, com um grupo de activistas, havia de constituir o GIS (Grupo de Intervenção Socialista), tendo abandonado o movimento logo no acto da sua institucionalização em Partido no decurso daquele Congresso fundador. Foi a primeira morte política do MES. Também Alberto Martins, o mais importante dirigente estudantil da crise académica de 1969, em Coimbra, (cujo cinquentenário se comemora por estes dias) aderiu ao MES e nele se manteve, após 1º Congresso, tal como um conjunto alargado de dirigentes e ex-dirigentes estudantis que tinham assumido papéis relevantes em todas as crises académicas, a partir do início dos anos 60. Entre eles não posso deixar de destacar Afonso de Barros, já falecido, que sempre me apoiou, pessoalmente, nos momentos mais difíceis.

quinta-feira, setembro 9

Coisas da vida

Não tenho vindo aqui por razões profissionais na azáfama de organizar uma Cimeira Ibérica da Economia Social que se realizou ontem em Coimbra felizmente com sucesso. Nos intervalos chegam-me comunicações das autoridades que cobram impostos e correlativos com chamadas a pagamento de pretensas dívidas antiquissímas. Suponho que é resultado do incentivo pecuniário aos respetivos funcionários pela cobrança. É coisa de doidos este insaciável apetite pela perseguição aos cidadadãos cumpridores enquanto se assiste ao espetáculo degradante da tentativa de fuga à justiça dos verdadeiros predadores da coisa pública, sabendo-se que só uma pequena parte desses casos vem a público. Não nos admiremos pois pela emergência dos populismos de todos os matizes.

sexta-feira, setembro 3

O meu pai Dimas

Amanhã, 4 setembro, é o dia de aniversário do meu pai Dimas, uma das poucas efemérides familiares que nunca esqueço. O meu pai Dimas levou-me com ele a muitos lugares além daqueles a que os deveres de família obrigavam. Os tempos eram austeros. Os lugares a que me levou vistos de hoje ficavam perto, mas no seu tempo longe. Essas viagens e as suas mãos quando tomava as minhas para me levar com ele onde fosse marcaram muito a minha maneira de ser e de estar. Pequenas coisas que o mais profundo de nós guarda e que tudo faço para preservar com a maior força de que sou capaz.

quinta-feira, setembro 2

Cristiano Ronaldo

Sei que há muita gente que não gosta de futebol. Nem discuto aqui e agora as diferenças profundas entre o jogo e a indústria que instrumentaliza o jogo, os interesses de uma multidão de agentes e dirigentes que tornaram o futebol profissional numa selva mercantilista. Enoja-me essa realidade que está à vista de todos. Mas sei que há muita gente que gosta de futebol, nos quais me incluo, por uma multidão de razões que outras vezes abordei. Dentro do jogo que observamos com mais ou menos paixão emergem personalidades de jogadores que ninguém pode ignorar pela magia e emoção que fazem transbordar do seu trabalho. É o caso de Cristiano Ronaldo pois além do seu desempenho futebolistico ameaça desafiar a finitude fisica de uma qualquer carreira profissional, mesmo de desgaste rápido. A ver vamos.

domingo, agosto 29

Congresso do PS

Nunca menosprezar a realização de uma reunião magna do primeiro partido português, nem de nenhum outro, ainda para mais em forma presencial no contexto da pandemia. Ter-se realizado é uma primeira boa notícia; a segunda é a que nele desapareceu o nome de Sócrates que havia sido tema central no anterior; a terceira é a de que, ao contrário do que alguns criticos referem, ter sido pacifico, sem ruturas nem anúncios de crises internas; a quarta ter feito emergir, de forma elegante, a questão da sucessão de Costa na liderança o que pode acontecer em 2023 mas, quem sabe, ainda antes; a quinta a de ter sido assumido, de forma implicita, que a proxima liderança pode ser encarnada por uma mulher; a sexta e última que enuncio neste breve escrito a de ter assegurado continuidade e previsibilidade das politicas do governo em funções. Nada mau nos tempos que correm. E tudo o que tiver que acontecer de mudança politica no país acontecerá num futuro mais ou menos próximo mantendo o clima de cohabitação entre os titulares dos três princippais órgãos de soberania.

sábado, agosto 28

O texto político

"O texto político O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico." Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão." Fragmentos de Leitura "Roland Barthes por Roland Barthes"- 33 (pag. 13, 4 de 4) Edição portuguesa - Edições 70 [Publicado em 28 de agosto de 2004 e republicado diversas vezes mais tarde. Um dos posts mais visitados deste blogue apesar da sua complexidade. Resultou da transcrição de um conjunto de excertos da minha leitura inaugural de "Roland Barthes por Roland Barthes", excertos que, nos idos de 80, publiquei em edição policopiada para os amigos como continuo a fazer ainda hoje de forma artesanal embora um pouco mais sofisticada.]

quarta-feira, agosto 25

Ainda bem que avisas

"Líder dos autarcas do PSD defende que coligações com o Chega não devem ser excluídas após eleições", título de notícia do Público, que poderia dar origem a um ensaio. Fico-me por um breve comentário: ainda bem que avisas!

Breve apontamento de verão

Todos sabemos que grande parte das notícias escondem ou substimam a realidade pois sendo sempre uma representação dela cada vez mais são meramente instrumentais à captura das audiências. Um negócio que se alimenta a si próprio, gerando e promovendo outros negócios, a maior parte das vezes à custa de vitimas inocentes. Terá sido sempre assim, mas com a emergência das chamadas redes sociais (como se desgasta a palavra social!), e sua interação com os meios tradicionais, atingiu um patamar de carnificina populista.

segunda-feira, agosto 23

A Voz dos Jovens

Venho para manifestar o meu júbilo pelas palavras ditas aos diversos OCS, no decurso do passado fim de semana, por muitos jovens nos centros de vacinação. Poderá ser surpreendente para quem descrê do progresso que jovens dos 12 aos 15 anos, em particular, os mais jovens dos jovens, expontâneamente afirmem de forma articulada e clarividente, em palavras breves, claras e informadas, a sua crença na ciência, no caso em prol dos beneficios da vacinação. Não que não surgam dúvidas, receios e angústias, mas o que mais me interessa é destacar o surgimento de uma vaga de juventude, realista mas crente nas virtude dos deveres cívicos próprios de uma sociedade livre e solidária.

domingo, agosto 22

Eleições na Alemanha/26 setembro

"O bloco conservador e o Partido Social Democrata (SPD) estavam empatados em termos de intenções de voto, com 22%, numa sondagem divulgada hoje pelo diário Bild, a cinco semanas das eleições de 26 de setembro na Alemanha." Esta é a notícia do dia pela simples razão de se tratar de uma sondagem referente às eleições legislativas que se realizam na Alemanha a 26 etembro (no mesmo dia das eleições autárquicas em Portugal). O mais surpreendente é o score alcançado nesta sondagem pelo SPD que, aparentemente, o coloca em posição de disputar a liderança do governo ganhando autonomia face ao designado "bloco conservador". Uma leitura direta dá-nos a perceção que o governo na Alemanha pós eleiçoes pode ser formado com a mesma base do atual, com mais om menos ajustamentos, ou seja, deverá estar garantido o afastamento dos extremos da área do poder. O que é uma boa notícia.

sábado, agosto 21

Os dois grandes desafios políticos

Confrontamos-nos a nível nacional, tal como a nível europeu, com dois grandes desafios políticos: as lutas contra a pandemia e contra os seus efeitos sociais e económicos. Estamos ainda em plena pandemia apesar de tudo indicar no terço final da sua existência, antes de passar à chamada fase endémica. O sucesso do processo de vacinação - tal como mais tarde o da difusão dos remédios em fase final de testes - será também o sucesso politico dos governos. No meio da incerteza a cada vez maior cobertura da vacinação é fator de segurança o que é reconhecido por todos exceto pelos negacionistas que entre nós são uma escassa minoria, ao contrário de outros países como os USA. Por outro lado a correspondente atenuação das medidas de controlo sanitário permitem a recuperação da economia e de equilibrios sociais tradicionais. Quanto mais crescer a economia no seu conjunto, mesmo com desequilibrios entre sub setores, maior o sucesso dos governos. Salvo o surgimento de qualquer nova variante do virus não coberto pelas vacinas atualmente ministradas, o segundo semestre de 2021 poderá ser um passaporte para a surpreendente vitória dos governos que assumiram responsabilidades desde o surgimento da pandemia. Se assim for não deidará de ser surpreendente.

sexta-feira, agosto 20

Nova vida

A partir de hoje vou reativar este velho blog publicando aqui com mais regularidade. Volto assim aos primórdios da sua criação nos idos de 2003, logo após ter sido flagelado pela insanidade de um goverrnante que nem cito o nome. Vou fazer férias das redes sociais mais em voga.

domingo, julho 25

Otelo

Morreu Otelo. Honra à sua memória. Viva o 25 de abril. Vivam a liberdade e a democraia!

Retomar

Tanto tempo passado, em pleno verão, volto a esta página branca a qual sempre me fascinou. Vivemos tempos únicos nunca antes experimentados pelas gerações vivas. Luta-se por viver, o Estado voltou a mostrar a sua importância, a ignorância tem sido erigida em bandeira de luta pela liberdade, tempos difíceis para os defensores da liberdade e da democracia. Não se pode ceder à tentação da simplificação de tudo, nem à negação dos valores humanistas que são a base das democracias politicas modernas.

domingo, maio 16

Racismo

A relação privilegiada Ele não procurava a relação exclusiva (possessão, ciúme, cenas); também não procurava a relação generalizada, comunitária; o que ele queria era, de todas as vezes, uma relação privilegiada, assinalada por uma diferença sensível, remetida ao estado de uma espécie de inflexão afectiva absolutamente singular, como a de uma voz de timbre incomparável; e, coisa paradoxal, ele não via qualquer obstáculo a que essa relação privilegiada fosse multiplicada: nada senão privilégios, em suma; a esfera da amizade era assim povoada por relações dualistas (donde uma grande perda de tempo: era preciso estar com os amigos um por um: resistência ao grupo, ao bando, ao magote). O que era procurado era um plural sem igualdade, sem in-diferença. Como diz Freud (Moisés), um pouco de diferença leva ao racismo. Mas muitas diferenças afastam dele, irremediavelmente. Igualar, democratizar, massificar, todos estes esforços não conseguem expulsar "a mais pequena diferença", gérmen da intolerância racial. O que era preciso era pluralizar, subtilizar desenfreadamente." "Roland Barthes por Roland Barthes" Edição portuguesa: "Edições 70"

domingo, maio 2

Dia da mâe

Reconheço o amor nos olhos que me olham com desmedida atenção enquanto durmo. Os olhos de minha mãe adoravam ter esperança no futuro no qual jogava a sua crença de ir mais longe. A primeira mulher da minha vida. A mais ousada na sua imprevisível arte de romper barreiras e chegar mais além. A fonte da força que me mantém de pé contra todas as adversidades. Uma mulher de um só homem que não era homem de uma só mulher. A fidelidade nascida da tradição que não da fraqueza ou da futilidade. A irreverência herdada da rudeza do campo, das agruras da natureza à força de puxar a besta e de encaminhar a água à raiz certa não fosse perder-se uma gota. A escola da escassez sonhando a fartura que havia de vir fruto do trabalho honrado. Não perder tempo chorando o tempo perdido. Fazer do tempo um passeio para espairecer e voltar ao arado da vida com sonhos lá dentro. A mulher que se fez a si própria descobrindo os outros e o que se pode e se não pode fazer com eles. Aceitar mudar e escolher o caminho da mudança. Tactear o caminho levando ao colo os seus amores. A primeira mulher que acreditou no caminho hesitante que me havia de fazer homem. Sem saber para onde ia ao certo. Nem ninguém sabia, ninguém nunca sabe, mas não duvidou que havia de chegar a um lugar onde brilharia o sol e sou capaz de a lembrar como a minha primeira mulher. Aquela que mais me amou, sempre me amou além do que a vida pode conter de riqueza material. Um dia ao fim de uma longa caminhada sem sequer saber dos meus males escolheu morrer nos meus braços. A mais sublime homenagem que alguém pode prestar a alguém. De súbito suavemente, na alegria da celebração da juventude, deixou para sempre a esfusiante tradição de me abraçar como se fosse a criança que para ela nunca deixara de ser. [21/1/2008]

quarta-feira, abril 28

Aniversário

Aniversário, sempre igual, sempre diferente, um ano mais de caminhada, sempre com os olhos postos no futuro, a vida, o trabalho, o gesto comum que se aprecia, um olhar, uma palavra, nada mais simples do que festejar, o mais, o menos, o que se deseja, olhos abertos ao céu que ilumina o mundo, ao mar que reflete o sonho, ir mais além, de cabeça levantada sem temor de nada, a não ser nunca ter agradecido o suficiente aos que sempre nos amaram. Haja saúde!

quinta-feira, abril 8

Jorge Coelho morreu

O que fazia a diferença do Jorge Coelho político é que criava a percepção aos olhos de todos de ser uma pessoa comum. Mas na verdade era uma pessoa fora do comum. Um fazedor ao arrepio da imagem recorrente de muitos políticos; um tribuno directo e vibrante, ao contrário dos punhos de renda; um homem da terra, de palavra chã, como se não se desprendesse nunca dela; um politico que fazia dos bastidores um palco de todos os acertos; um homem cordato mas não crédulo; politico que escolhia os campos de suas lutas, perdia ou ganhava, mas não escondia a preferência nem fintava a derrota; enfim um Homem e Politico admirável.