A sociedade dos negociantes pode definir-se como uma
sociedade na qual as coisas desaparecem em proveito dos signos. Quando uma
classe dirigente avalia as suas riquezas, já não pelo hectare de terra nem pelo
lingote de oiro mas pelo número de cifras que idealmente correspondem a um
certo número de operações de câmbio, dedica-se ao mesmo tempo a pôr uma certa espécie
de mistificação como centro da sua experiência e do seu universo. Uma sociedade
fundada nos signos é, na sua essência, uma sociedade artificial em que a
realidade carnal do homem se acha mistificada. Ninguém então se admirará de que
essa sociedade tenha escolhido, para dela fazer a sua religião, uma moral de
princípios formais, e de que grave as palavras liberdade e igualdade tanto nas
suas prisões como nos seus templos financeiros. Entretanto, não é impunemente
que se prostituem as palavras. O valor hoje mais caluniado é certamente o valor
da liberdade. Bons espíritos (…) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo
ao verdadeiro progresso. Mas se disparates tão solenes puderam ser proferidos
foi porque, durante cem anos, a sociedade negociante fez da liberdade um uso
exclusivo e unilateral, considerou-a mais como um direito do que como um dever
e não receou pôr, tão frequentemente quanto pôde, uma liberdade de princípio ao
serviço de uma opressão de facto.
Albert Camus, in Discursos da Suécia (Conferência de 14 de
dezembro de 1957 - Universidade de Upsala).
1 comentário:
Vendo o interesse comum por Camus,tão inspirador pelo seu exemplo e pensamento para os que procuram fazer prevalecer a justiça e a fraternidade entre os homens, denunciando o culto idolátrico da riqueza, refiro um texto que escrevi - O exemplo do
" justo" no conto “a pedra que cresce”, de Albert Camus: Parte I
(cf o meu blog: verbiariovolatil@blogspot.pt.
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