Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
terça-feira, julho 4
OS MEUS SUBLINHADOS NOS CADERNOS DE CAMUS
Albert Camus
Pode ler aqui, na íntegra, o segundo post que escrevi para o blogue Cadernos de Camus.
Reproduzo a sua introdução:
Em sequência dos meus sublinhados da primeira leitura de juventude dos Cadernos aqui deixo os excertos que mereceram a minha admiração no Caderno nº 2 (22 de Setembro de 1937/Abril de 1939). Assinalo que Camus ingressou no Partido Comunista Argelino em 1934, no mesmo ano do seu casamento com Simone Hié. Entre 1934 e 1937 conclui a licenciatura em Filosofia, separa-se de Simone Hié e, em 1937, é expulso (ou abandona voluntariamente) o Partido Comunista. Este breve apontamento biográfico serve para chamar a atenção para o facto de, por vezes, num futuro aprofundamento deste projecto, ser necessário acompanhar a “acção” com a biografia pois não foi por acaso que Camus adoptou a designação de “Cadernos” e não de “Diário”. Camus tinha uma verdadeira aversão a retratar a sua vida pessoal não existindo nos Cadernos quase nenhumas referências directas às suas vivências pessoais. Mas elas estão lá em abundantes referências indirectas e aos seus projectos de trabalho.
Pode ler aqui, na íntegra, o segundo post que escrevi para o blogue Cadernos de Camus.
Reproduzo a sua introdução:
Em sequência dos meus sublinhados da primeira leitura de juventude dos Cadernos aqui deixo os excertos que mereceram a minha admiração no Caderno nº 2 (22 de Setembro de 1937/Abril de 1939). Assinalo que Camus ingressou no Partido Comunista Argelino em 1934, no mesmo ano do seu casamento com Simone Hié. Entre 1934 e 1937 conclui a licenciatura em Filosofia, separa-se de Simone Hié e, em 1937, é expulso (ou abandona voluntariamente) o Partido Comunista. Este breve apontamento biográfico serve para chamar a atenção para o facto de, por vezes, num futuro aprofundamento deste projecto, ser necessário acompanhar a “acção” com a biografia pois não foi por acaso que Camus adoptou a designação de “Cadernos” e não de “Diário”. Camus tinha uma verdadeira aversão a retratar a sua vida pessoal não existindo nos Cadernos quase nenhumas referências directas às suas vivências pessoais. Mas elas estão lá em abundantes referências indirectas e aos seus projectos de trabalho.
segunda-feira, julho 3
... e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando os corpos
Fotografia de Philippe Pache
(…)
e à volta um rosto paciente e sereníssimo
bastante para alguns primeiros planos de um filme a preto e branco
bastante pra pensar que apenas para o ver valeu a pena ter nascido
quando o mínimo gesto era um gesto criador
e as coisas começavam e o mundo sempre em simples sons se descobria
quando ninguém ainda se movia na periferia da necessidade ou da conveniência
e havia gigantescas tílias que nos davam sombra em troca do cansaço
e a formosura das mulheres se notava até na violência do silêncio
junto às folhas recentes das amigas amoreiras perto de ameixieiras encarnadas
quando as águas do mar eram ainda águas sem medida resolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro do suor
das mulheres quando após o esforço principia a arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando os corpos
(…)
Ruy Belo
(…)
e à volta um rosto paciente e sereníssimo
bastante para alguns primeiros planos de um filme a preto e branco
bastante pra pensar que apenas para o ver valeu a pena ter nascido
quando o mínimo gesto era um gesto criador
e as coisas começavam e o mundo sempre em simples sons se descobria
quando ninguém ainda se movia na periferia da necessidade ou da conveniência
e havia gigantescas tílias que nos davam sombra em troca do cansaço
e a formosura das mulheres se notava até na violência do silêncio
junto às folhas recentes das amigas amoreiras perto de ameixieiras encarnadas
quando as águas do mar eram ainda águas sem medida resolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro do suor
das mulheres quando após o esforço principia a arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando os corpos
(…)
Ruy Belo
A Margem da Alegria [9]
UM TRIO DE MULHERES DE BRANCO
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita: Isabel Cordovil, Emília Moura e Albertina
Um trio de mulheres de branco no jantar de extinção do MES aproveitando para, a propósito, constatar que as mulheres nunca dispuseram, no MES, de espaço para alcançar posições dirigentes. Excepto nas estruturas intermédias, se bem me recordo, nunca qualquer mulher tomou lugar de destaque nas estruturas de topo do Movimento.
É essa a dura realidade que se não pode escamotear. Não que escasseassem as mulheres com formação e capacidade política mas, na verdade, foi escassíssimo o seu protagonismo em funções dirigentes. É uma questão ancestral que ainda hoje está na ordem do dia quando se discute a legislação acerca da chamada questão da paridade.
Em todos os erros que cometemos, desde os pecados originais até às vicissitudes de um processo político exaltante, pois o mais certo é uma revolução passar uma só vez pelas nossas vidas, a flagrante desvalorização do papel das mulheres foi um dos que mais me amarga a memória.
(Desta vez, por pouco, não coloquei, de novo, a Inês no lugar da Isabel.)
Da esquerda para a direita: Isabel Cordovil, Emília Moura e Albertina
Um trio de mulheres de branco no jantar de extinção do MES aproveitando para, a propósito, constatar que as mulheres nunca dispuseram, no MES, de espaço para alcançar posições dirigentes. Excepto nas estruturas intermédias, se bem me recordo, nunca qualquer mulher tomou lugar de destaque nas estruturas de topo do Movimento.
É essa a dura realidade que se não pode escamotear. Não que escasseassem as mulheres com formação e capacidade política mas, na verdade, foi escassíssimo o seu protagonismo em funções dirigentes. É uma questão ancestral que ainda hoje está na ordem do dia quando se discute a legislação acerca da chamada questão da paridade.
Em todos os erros que cometemos, desde os pecados originais até às vicissitudes de um processo político exaltante, pois o mais certo é uma revolução passar uma só vez pelas nossas vidas, a flagrante desvalorização do papel das mulheres foi um dos que mais me amarga a memória.
(Desta vez, por pouco, não coloquei, de novo, a Inês no lugar da Isabel.)
A MORTE DA BOA VONTADE
Fotografia de José Marafona
- Um querer que toda a gente fique satisfeita;
O sofrer duro de tal ser impossível;
Um querer que nada mostre senão bem
Com saber que tudo tem seu mal;
Não poder condenar totalmente o quer que seja
Certo que o escolher assim é impossível;
Isto passa por ser o contrário do desespero
Mas
É a única real forma possível
De ganhar desesperadamente a vida …
A pega disse:
- Sabes bem que não é toda a verdade.
A máscara serve-te mas não chega …
Vê se consegues dizer o que escondeste.
1.2.57
José Blanc de Portugal
In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
- Um querer que toda a gente fique satisfeita;
O sofrer duro de tal ser impossível;
Um querer que nada mostre senão bem
Com saber que tudo tem seu mal;
Não poder condenar totalmente o quer que seja
Certo que o escolher assim é impossível;
Isto passa por ser o contrário do desespero
Mas
É a única real forma possível
De ganhar desesperadamente a vida …
A pega disse:
- Sabes bem que não é toda a verdade.
A máscara serve-te mas não chega …
Vê se consegues dizer o que escondeste.
1.2.57
José Blanc de Portugal
In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
domingo, julho 2
RICARDO
Ricardo – Um guarda-redes para a história
Após a pausa prometida venho reconhecer que a minha previsão de ruína do “sistema” só aconteceu a 50%. Nesta fase final só um “out-sider” – Portugal – se intrometeu no lote dos quatro que podem aspirar ao título.
O Brasil caiu como, muito bem, explica Marcelo Moutinho no Pentimento.
Assim as quatro selecções das meias-finais são todas europeias: as representantes dos três mais importantes países da UE, Alemanha, França e Itália e o nosso pequeno Portugal. Estranha composição para um mundial assim reduzido a uma finalíssima entre selecções da Europa Ocidental.
O único caso, verdadeiramente interessante, é o de Portugal. Quando o russo Ivanov não foi capaz de nos mandar pela borda fora, após mostrar 9 cartões amarelos em 10 faltas cometidas pelos portugueses, no Portugal-Holanda, a FIFA mudou de estratégia. A partir desse momento algo se alterou nas arbitragens do Mundial. Não sou capaz de interpretar os meandros da coisa mas que houve “coisa” houve.
No Portugal-Inglaterra os jogadores portugueses deram uma lição de fair play: cometerem 6 faltas, no tempo regulamentar, batendo o record do menor número de faltas cometidas por qualquer equipa, a par do Brasil no jogo com o Japão. Diz-me quem viu, ao vivo, que as esposas das estrelas inglesas insultaram, ao mais baixo nível, nos bastidores, as mulheres de alguns jogadores portugueses.
Uma ”flotilha” de um pequeno país derrotar a armada de uma potência imperial também serve para mostrar a miséria moral dos vencidos que sempre se habituaram à glória das vitórias antecipadas. Mas os ingleses deviam saber que, na bola, Portugal sempre os venceu, em jogos oficiais, desde 1966.
Jogando para ganhar a todo o custo, ao contrário da tradição nacional, que sempre costuma assentar na lógica de fazer tudo para sair com honra da derrota, a selecção nacional, deu mais uma lição de capacidade de conquista, organização, coragem e qualidade no desempenho dos protagonistas – os jogadores e “Felipão”.
Só não entendo o que anda por ali a fazer o Postiga e …o Senhor Madaíl. De resto honra ao colectivo e, neste caso, ao Ricardo – um herói português – pois defender 3 penaltys, em quatro, é caso único em mundiais e não é fruto do acaso.
Agora os franceses que se cuidem! Quarta-feira volto ao tema.
Após a pausa prometida venho reconhecer que a minha previsão de ruína do “sistema” só aconteceu a 50%. Nesta fase final só um “out-sider” – Portugal – se intrometeu no lote dos quatro que podem aspirar ao título.
O Brasil caiu como, muito bem, explica Marcelo Moutinho no Pentimento.
Assim as quatro selecções das meias-finais são todas europeias: as representantes dos três mais importantes países da UE, Alemanha, França e Itália e o nosso pequeno Portugal. Estranha composição para um mundial assim reduzido a uma finalíssima entre selecções da Europa Ocidental.
O único caso, verdadeiramente interessante, é o de Portugal. Quando o russo Ivanov não foi capaz de nos mandar pela borda fora, após mostrar 9 cartões amarelos em 10 faltas cometidas pelos portugueses, no Portugal-Holanda, a FIFA mudou de estratégia. A partir desse momento algo se alterou nas arbitragens do Mundial. Não sou capaz de interpretar os meandros da coisa mas que houve “coisa” houve.
No Portugal-Inglaterra os jogadores portugueses deram uma lição de fair play: cometerem 6 faltas, no tempo regulamentar, batendo o record do menor número de faltas cometidas por qualquer equipa, a par do Brasil no jogo com o Japão. Diz-me quem viu, ao vivo, que as esposas das estrelas inglesas insultaram, ao mais baixo nível, nos bastidores, as mulheres de alguns jogadores portugueses.
Uma ”flotilha” de um pequeno país derrotar a armada de uma potência imperial também serve para mostrar a miséria moral dos vencidos que sempre se habituaram à glória das vitórias antecipadas. Mas os ingleses deviam saber que, na bola, Portugal sempre os venceu, em jogos oficiais, desde 1966.
Jogando para ganhar a todo o custo, ao contrário da tradição nacional, que sempre costuma assentar na lógica de fazer tudo para sair com honra da derrota, a selecção nacional, deu mais uma lição de capacidade de conquista, organização, coragem e qualidade no desempenho dos protagonistas – os jogadores e “Felipão”.
Só não entendo o que anda por ali a fazer o Postiga e …o Senhor Madaíl. De resto honra ao colectivo e, neste caso, ao Ricardo – um herói português – pois defender 3 penaltys, em quatro, é caso único em mundiais e não é fruto do acaso.
Agora os franceses que se cuidem! Quarta-feira volto ao tema.
(Alterei a redacção do primeiro parágrafo após uma pertinente observação da minha amiga italiana Monica Goracci que faz parte da equipa de torcedores de bancada que têm levado Portugal à vitória. Estava confuso e, além do mais, apresentava um vaticínio, precipitado e injusto, de vitória da Alemanha sobre a Itália.)
sábado, julho 1
BASTE SER GENTE!
Fotografia de Philippe Pache
Dure-me a vida apenas quanto baste
P´ra me sentir entre raiz e flor apenas haste
De todo alheia ao seu nascer e morte
Igual alheia a todo azar ou sorte;
E eu, apenas não diferente,
Poder vogar meus dias sendo apenas gente.
21.7.66
José Blanc de Portugal
Dure-me a vida apenas quanto baste
P´ra me sentir entre raiz e flor apenas haste
De todo alheia ao seu nascer e morte
Igual alheia a todo azar ou sorte;
E eu, apenas não diferente,
Poder vogar meus dias sendo apenas gente.
21.7.66
José Blanc de Portugal
In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
DEUS NOS AJUDE!
Até agora, no Mundial, tudo corre conforme manda o “sistema”. Já passaram a Alemanha e a Itália. Agora só faltam a Inglaterra e o Brasil. Aviso, desde já, que hoje o post da bola não surgirá logo após o apito final do Portugal-Inglaterra. Não porque a alegria da vitória me tenha embotado os sentidos ou a amargura da derrota me tenha atirado para a mais funda desesperação.
Vou ver o jogo fora tomado de um súbito ataque de crença primária. É que assim o vejo com os mesmos que suaram sangue assistindo ao Portugal-Holanda. Em equipa que vence não se mexe.
Dirão os mais sofisticados blogueiros que nada justifica não publicar um post na hora pois as tecnologias existem para nos servir e não para que se sirvam de nós. Mas não vou reagir guardando um prudente período de nojo entre o fim da função e o exercício da punção. Não é por nada. Não me apetece versar o tema a quente.
E tomei nota da saída de Freitas na véspera da disputa com os bretões e também das pré-claras declarações de Figo: "Se pensamos no título? O nosso principal objectivo é ganhar o próximo jogo, pois não podemos pensar em ser campeões se não conseguirmos bater a Inglaterra.”
Vou ver o jogo fora tomado de um súbito ataque de crença primária. É que assim o vejo com os mesmos que suaram sangue assistindo ao Portugal-Holanda. Em equipa que vence não se mexe.
Dirão os mais sofisticados blogueiros que nada justifica não publicar um post na hora pois as tecnologias existem para nos servir e não para que se sirvam de nós. Mas não vou reagir guardando um prudente período de nojo entre o fim da função e o exercício da punção. Não é por nada. Não me apetece versar o tema a quente.
E tomei nota da saída de Freitas na véspera da disputa com os bretões e também das pré-claras declarações de Figo: "Se pensamos no título? O nosso principal objectivo é ganhar o próximo jogo, pois não podemos pensar em ser campeões se não conseguirmos bater a Inglaterra.”
UM TRIO DE CARA LISA
Fotografia de António Pais
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita: João Grade, Luís Cruz e Silva e António Pidwell Tavares
Prosseguindo a digressão por esta surpreendente reportagem fotográfica do jantar de extinção do MES (Movimento de Esquerda Socialista), realizado em 7 de Novembro de 1981, eis um trio de cara lisa. Sublinho o encontro das mãos, a transparência dos olhares, a jovialidade, a alegria e o desprendimento que irradiavam nos rostos captados pela câmara do António Pais.
O fim assumido de uma experiência política partidária, com aspectos gratificantes e dolorosos, cumpria uma liturgia na qual a festa se sobrepunha ao luto. Como se cada um de nós estivesse a celebrar o último encontro anunciando uma separação física irreversível e, ao mesmo tempo, o sagrado da reconciliação com o espírito de rebeldia que presidiu à fundação do movimento ao qual quisemos pôr fim.
O João, o Luís e o António, um trio de cara lisa, sorriem. O João e o Luís continuam, certamente, a sorrir. O António morreu jovem tal como jovem tinha morrido, antes, o seu irmão Alberto que é, se não sabiam ficam a saber, o consagrado poeta Al Berto.
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita: João Grade, Luís Cruz e Silva e António Pidwell Tavares
Prosseguindo a digressão por esta surpreendente reportagem fotográfica do jantar de extinção do MES (Movimento de Esquerda Socialista), realizado em 7 de Novembro de 1981, eis um trio de cara lisa. Sublinho o encontro das mãos, a transparência dos olhares, a jovialidade, a alegria e o desprendimento que irradiavam nos rostos captados pela câmara do António Pais.
O fim assumido de uma experiência política partidária, com aspectos gratificantes e dolorosos, cumpria uma liturgia na qual a festa se sobrepunha ao luto. Como se cada um de nós estivesse a celebrar o último encontro anunciando uma separação física irreversível e, ao mesmo tempo, o sagrado da reconciliação com o espírito de rebeldia que presidiu à fundação do movimento ao qual quisemos pôr fim.
O João, o Luís e o António, um trio de cara lisa, sorriem. O João e o Luís continuam, certamente, a sorrir. O António morreu jovem tal como jovem tinha morrido, antes, o seu irmão Alberto que é, se não sabiam ficam a saber, o consagrado poeta Al Berto.
sexta-feira, junho 30
CADERNOS DE CAMUS
Capa do “Carnets – III”, o último dos volumes, nunca publicado em edição portuguesa
Passaram dois anos e meio quando decidi, nos primórdios do absorto, encetar uma participação num projecto muito apetecível do José Pacheco Pereira, através de um blogue, aberto à participação dos interessados na obra de Albert Camus, que haveria de ser interrompido pouco tempo depois.
Passaram dois anos e meio quando decidi, nos primórdios do absorto, encetar uma participação num projecto muito apetecível do José Pacheco Pereira, através de um blogue, aberto à participação dos interessados na obra de Albert Camus, que haveria de ser interrompido pouco tempo depois.
Era uma oportunidade para recolher os meus sublinhados da primeira leitura dos “Carnets”, de Albert Camus, que é “o livro da minha vida”. Nunca mais esqueci muitos pensamentos, citações e citações de citações de Camus descrevendo os ambientes, os cheiros, as luminosidades, as vozes, as reflexões e perplexidades de um homem confrontado com as contradições do seu tempo.
Pode ler aqui o primeiro de um conjunto de longos posts que elaborei, em Janeiro de 2004, para o blogue Cadernos de Camus.
Pode ler aqui o primeiro de um conjunto de longos posts que elaborei, em Janeiro de 2004, para o blogue Cadernos de Camus.
quinta-feira, junho 29
... e à volta um rosto paciente e sereníssimo ...
Fotografia de Philippe Pache
(…)
das coisas transmitidas de uma geração pra outra geração
quando a estratégia do prazer era tão minuciosa e forte
que com a astúcia habitual da morte conspirava
mas sempre era possível a surpresa do prazer
independentemente da cíclica multiplicação das represálias
como narrar à noite a última aventura desse dia
ou apenas falar de uns olhos onde havia a água da doçura
e à volta um rosto paciente e sereníssimo
(…)
(…)
das coisas transmitidas de uma geração pra outra geração
quando a estratégia do prazer era tão minuciosa e forte
que com a astúcia habitual da morte conspirava
mas sempre era possível a surpresa do prazer
independentemente da cíclica multiplicação das represálias
como narrar à noite a última aventura desse dia
ou apenas falar de uns olhos onde havia a água da doçura
e à volta um rosto paciente e sereníssimo
(…)
Ruy Belo
A Margem da Alegria [8]
quarta-feira, junho 28
"VIVER POR CIMA"
Albert Camus
“A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.
A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.”
Albert Camus– “A Queda” (Sublinhados de Ana Alves)
In “Cadernos de Camus”
“A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.
A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.”
Albert Camus– “A Queda” (Sublinhados de Ana Alves)
In “Cadernos de Camus”
ZIDANE E O "SISTEMA"
O que me levou, na verdade, a escrever este post foi Zidane e a campanha em curso para intimidar Portugal. Estava assumido, ao menos, pelos “nuestros hermanos”, que os “velhinhos” franceses seriam esmagados pela fúria da juventude espanhola. Afinal a sabedoria ganhou à fúria. Que beleza observar a arte de Zidane como se entre ele, a bola e o espaço circundante se desvanecessem as fronteiras e os opositores. Assim acontecem os milagres que podem derrubar todos os “sistemas”.
Após a eliminação da sobranceira Espanha, o estado da arte, imaginando a sujeira dos bastidores [vide algumas arbitragens vergonhosas, a entrevista falsa com Pauleta na imprensa inglesa, as declarações de Parreira ...], é o seguinte:
Das oito selecções sobreviventes, apuradas para os quartos de final, constam duas “out-siders”: Portugal e Ucrânia. Um pequeno país, com uma selecção de grandes jogadores emigrantes, dirigida por um seleccionador brasileiro, e um grande país de emigrantes, rival da Rússia, com um seleccionador que foi um grande jogador da antiga União Soviética. A lógica apontava para que fossem apuradas a Holanda e a Suíça. Mas, no primeiro caso, o árbitro russo Ivanov não foi capaz de eliminar Portugal e, no segundo, os Suíços não foram capazes de eliminar a Ucrânia.
Se o “sistema” funcionar serão apurados para as meias-finais: Brasil, Alemanha, Inglaterra e Itália, a partir dos jogos dos quartos de final cujo calendário é o seguinte: Portugal-Inglaterra; Brasil-França; Argentina-Alemanha e Itália-Ucrânia. O aparelhamento dos quartos de final não permitiu atingir a perfeição pois tem uma disfunção perceptível aos leigos: o Argentina-Alemanha.
Mas imaginem que o “sistema” entra em falência parcial e se apuram: Portugal, França, Argentina e Ucrânia. Teríamos nas meias-finais Portugal-França e Argentina-Ucrânia. Bonito! E imaginem uma final: Portugal-Ucrânia? O “sistema” ficava de pantanas!
Mas não vai ser assim e aposto que a final oporá o Brasil (campeão do mundo em título) e a Alemanha (selecção da casa). Desta forma o mundo continuará a acreditar na justiça praticada entre os homens de boa vontade.
Após a eliminação da sobranceira Espanha, o estado da arte, imaginando a sujeira dos bastidores [vide algumas arbitragens vergonhosas, a entrevista falsa com Pauleta na imprensa inglesa, as declarações de Parreira ...], é o seguinte:
Das oito selecções sobreviventes, apuradas para os quartos de final, constam duas “out-siders”: Portugal e Ucrânia. Um pequeno país, com uma selecção de grandes jogadores emigrantes, dirigida por um seleccionador brasileiro, e um grande país de emigrantes, rival da Rússia, com um seleccionador que foi um grande jogador da antiga União Soviética. A lógica apontava para que fossem apuradas a Holanda e a Suíça. Mas, no primeiro caso, o árbitro russo Ivanov não foi capaz de eliminar Portugal e, no segundo, os Suíços não foram capazes de eliminar a Ucrânia.
Se o “sistema” funcionar serão apurados para as meias-finais: Brasil, Alemanha, Inglaterra e Itália, a partir dos jogos dos quartos de final cujo calendário é o seguinte: Portugal-Inglaterra; Brasil-França; Argentina-Alemanha e Itália-Ucrânia. O aparelhamento dos quartos de final não permitiu atingir a perfeição pois tem uma disfunção perceptível aos leigos: o Argentina-Alemanha.
Mas imaginem que o “sistema” entra em falência parcial e se apuram: Portugal, França, Argentina e Ucrânia. Teríamos nas meias-finais Portugal-França e Argentina-Ucrânia. Bonito! E imaginem uma final: Portugal-Ucrânia? O “sistema” ficava de pantanas!
Mas não vai ser assim e aposto que a final oporá o Brasil (campeão do mundo em título) e a Alemanha (selecção da casa). Desta forma o mundo continuará a acreditar na justiça praticada entre os homens de boa vontade.
UM TRIO DE BARBA RIJA
(Clique na fotografia para ampliar)
Da esquerda para a direita: António Silva, Diomar Santos e António Marques.
A reportagem do jantar de extinção do MES, a 7 de Novembro de 1981, um facto longínquo mas original, ainda tem mais algumas fotografias interessantes. Este é um trio de barba rija, típico da época.
Os personagens fotografados estão activos e desempenham papéis interessantes na nossa sociedade. Bem hajam. Não sei se alguma daquelas barbas resistiu à passagem do tempo como é o caso da minha própria.
Um dia, como já contei uma vez, resolvi “dar o salto” escapando ao que julgava uma prisão iminente. Estávamos, está bem de ver, no tempo da ditadura. Isso mesmo: a ditadura. Mas o plano falhou e fui obrigado, após ter cortado a barba, a regressar à base.
Verifiquei ao vivo um fenómeno extraordinário: ninguém me reconheceu. Só fui denunciado quando na Esplanada da Estrela, o meu poiso habitual, pedi a “bica” ao empregado do costume. O homem olhou para mim como se estivesse a ver um fantasma. Afinal a voz era o sinal mais forte da minha identificação. A barba, não!
Da esquerda para a direita: António Silva, Diomar Santos e António Marques.
A reportagem do jantar de extinção do MES, a 7 de Novembro de 1981, um facto longínquo mas original, ainda tem mais algumas fotografias interessantes. Este é um trio de barba rija, típico da época.
Os personagens fotografados estão activos e desempenham papéis interessantes na nossa sociedade. Bem hajam. Não sei se alguma daquelas barbas resistiu à passagem do tempo como é o caso da minha própria.
Um dia, como já contei uma vez, resolvi “dar o salto” escapando ao que julgava uma prisão iminente. Estávamos, está bem de ver, no tempo da ditadura. Isso mesmo: a ditadura. Mas o plano falhou e fui obrigado, após ter cortado a barba, a regressar à base.
Verifiquei ao vivo um fenómeno extraordinário: ninguém me reconheceu. Só fui denunciado quando na Esplanada da Estrela, o meu poiso habitual, pedi a “bica” ao empregado do costume. O homem olhou para mim como se estivesse a ver um fantasma. Afinal a voz era o sinal mais forte da minha identificação. A barba, não!
terça-feira, junho 27
MORALE
Fotografia de Angèle
«Morale. Ne pas prendre ce que l´on ne désire pas (difficile)*.
J´ai toujours espéré devenir meilleur. J´ai toujours décidé de faire ce qu´il fallait pour cela. Si je l´ai fait c´est une outre question.»
* Cf. La Chute : « … on se trouve un jour dans la situation de prendre sans désirer.»
Albert Camus
«Morale. Ne pas prendre ce que l´on ne désire pas (difficile)*.
J´ai toujours espéré devenir meilleur. J´ai toujours décidé de faire ce qu´il fallait pour cela. Si je l´ai fait c´est une outre question.»
* Cf. La Chute : « … on se trouve un jour dans la situation de prendre sans désirer.»
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard
"Percebe"
Fotografia de M. G.
“Percebe” – “crustáceo da ordem dos cirrípedes que vive agarrado às rochas e corpos submersos por um comprido pedúnculo comestível …” Dicionário – Academia das Ciências de Lisboa”.
Na imagem, recebida hoje, vislumbra-se um V de vitória, desenhado pelo “percebe”, no fundo de um ambiente de claridade, nas Azenhas do Mar.
Obrigado M. G./ Portugal e Itália / Itália e Portugal/ pode ser que o “pedúnculo” resista até ao fim …
“Percebe” – “crustáceo da ordem dos cirrípedes que vive agarrado às rochas e corpos submersos por um comprido pedúnculo comestível …” Dicionário – Academia das Ciências de Lisboa”.
Na imagem, recebida hoje, vislumbra-se um V de vitória, desenhado pelo “percebe”, no fundo de um ambiente de claridade, nas Azenhas do Mar.
Obrigado M. G./ Portugal e Itália / Itália e Portugal/ pode ser que o “pedúnculo” resista até ao fim …
... das coisas transmitidas de uma geração pra outra geração ...
Fotografia de Philippe Pache
e variegados tons ostentam os seus rostos
sob os ramos mais derramados dos chorões
mas prontas a romper em pranto ao simples canto
de uma ave talvez oculta numa umbrosa laranjeira de dezembro
quando flores inominadas de repente começavam a dilacerar-se
na íntima penumbra dos palácios populosos
e doentes doridos indefesos ante os dados dos sentidos
tinham toda a sensibilidade de quem tem a curto prazo a duração ameaçada
e sabiam que a tinham talvez devido às palavras cegas
de algum profeta industriado na indústria de viver
com os pés postos em arroz selvagem e a cabeça vizinha de sinceiros
quando algumas pessoas decidiam sacudir a solidão
e vagabundear por corações alheios sugando-lhes o sangue
embora nos antigos sacrifícios nunca ninguém bebesse o sangue
das vítimas não tivesse também de lhes beber as almas
quando nas casas a confiança da infância ainda não esmorecera
e havia gente interessada no ressurgimento da cartilha da emoção
e já se pressentia a delicada dinastia
das coisas transmitidas de uma geração pra outra geração
(…)
Ruy Belo
e variegados tons ostentam os seus rostos
sob os ramos mais derramados dos chorões
mas prontas a romper em pranto ao simples canto
de uma ave talvez oculta numa umbrosa laranjeira de dezembro
quando flores inominadas de repente começavam a dilacerar-se
na íntima penumbra dos palácios populosos
e doentes doridos indefesos ante os dados dos sentidos
tinham toda a sensibilidade de quem tem a curto prazo a duração ameaçada
e sabiam que a tinham talvez devido às palavras cegas
de algum profeta industriado na indústria de viver
com os pés postos em arroz selvagem e a cabeça vizinha de sinceiros
quando algumas pessoas decidiam sacudir a solidão
e vagabundear por corações alheios sugando-lhes o sangue
embora nos antigos sacrifícios nunca ninguém bebesse o sangue
das vítimas não tivesse também de lhes beber as almas
quando nas casas a confiança da infância ainda não esmorecera
e havia gente interessada no ressurgimento da cartilha da emoção
e já se pressentia a delicada dinastia
das coisas transmitidas de uma geração pra outra geração
(…)
Ruy Belo
A Margem da Alegria [7]
domingo, junho 25
GANHAR, AINDA OUTRA VEZ
Fotografia daqui
Este Portugal-Holanda, para o mundial, foi mais do que um jogo de futebol. A selecção portuguesa, mesmo para os que não prezam o futebol, mostrou a faceta vencedora de um país que se relaciona mal com o sucesso.
Espírito de equipa, saber assumir os riscos, coragem, capacidade de sofrer e vontade de vencer. Além da qualidade dos verdadeiros protagonistas de qualquer jogo: os jogadores. Muitos portugueses ainda não entenderam quanto vale esta imagem para a promoção de Portugal no mundo.
Os críticos de Scolari, o “Sargentão”, já perderam seja qual for o resultado do próximo jogo. É que não serve de nada espalhar o perfume de uma arte de mágicos e, no fim, chorar a derrota. Mais vale empunhar as armas que as regras do jogo colocam à nossa disposição e, enfrentando as adversidades, ganhar.
No próximo sábado, depois do Portugal-Inglaterra, volto ao tema.
Este Portugal-Holanda, para o mundial, foi mais do que um jogo de futebol. A selecção portuguesa, mesmo para os que não prezam o futebol, mostrou a faceta vencedora de um país que se relaciona mal com o sucesso.
Espírito de equipa, saber assumir os riscos, coragem, capacidade de sofrer e vontade de vencer. Além da qualidade dos verdadeiros protagonistas de qualquer jogo: os jogadores. Muitos portugueses ainda não entenderam quanto vale esta imagem para a promoção de Portugal no mundo.
Os críticos de Scolari, o “Sargentão”, já perderam seja qual for o resultado do próximo jogo. É que não serve de nada espalhar o perfume de uma arte de mágicos e, no fim, chorar a derrota. Mais vale empunhar as armas que as regras do jogo colocam à nossa disposição e, enfrentando as adversidades, ganhar.
No próximo sábado, depois do Portugal-Inglaterra, volto ao tema.
VIDA E OBRAS
Fotografia de Angèle
Hesita a mão, a voz, o pensamento;
Vacila o querer, o próprio desejar
Nem sequer exprime o lamento
De às cegas algo procurar.
Se preciso paz, desejo guerra;
Dão-me batalha, tréguas peço;
Vendo certo que meu pensar erra
Calculo em zero o erro que meço.
Que vejo em volta sempre julgo estranho,
Admiro muito, e maravilhado,
Mas avassala-me o enorme tamanho
Da podridão do mundo afogado
Em busca de terrena vã fortuna:
Ri-se de mim a vida inoportuna.
Até agora o que fiz
Em tempos mais descuidados?
Livrinhos que por um triz
Não ficaram embrulhados
Na papelada que jaz
Pela casa baralhada
Onde só descansa em paz
Essa mesma papelada.
Mais mil linhas de escrituras
Que valem mais do que nada:
O que sobra às criaturas
Depois de bem depenada
A invenção que tiveram,
Quando meiada par´cer
Vida que de ter houverem
Conta bem pouco avondada.
Dos trigais orlados de olivedo
Aos imbondeiros para além do mar,
Do jardim das donas e seu lago ledo,
Ao charco dos jacarés a atravessar
Da Estrela às serras onde nasce o Nilo
Arderam meus pés na força da sazão.
O que havia de fazer eu fi-lo
Certo no rumo, incerto na razão
Das rotas que a sorte me indicava:
Debuxo dos Fados bem traçado
Faltava-lhe a linha que o terminava
Quando o portulano me foi dado.
……............................................
José Blanc de Portugal
Hesita a mão, a voz, o pensamento;
Vacila o querer, o próprio desejar
Nem sequer exprime o lamento
De às cegas algo procurar.
Se preciso paz, desejo guerra;
Dão-me batalha, tréguas peço;
Vendo certo que meu pensar erra
Calculo em zero o erro que meço.
Que vejo em volta sempre julgo estranho,
Admiro muito, e maravilhado,
Mas avassala-me o enorme tamanho
Da podridão do mundo afogado
Em busca de terrena vã fortuna:
Ri-se de mim a vida inoportuna.
Até agora o que fiz
Em tempos mais descuidados?
Livrinhos que por um triz
Não ficaram embrulhados
Na papelada que jaz
Pela casa baralhada
Onde só descansa em paz
Essa mesma papelada.
Mais mil linhas de escrituras
Que valem mais do que nada:
O que sobra às criaturas
Depois de bem depenada
A invenção que tiveram,
Quando meiada par´cer
Vida que de ter houverem
Conta bem pouco avondada.
Dos trigais orlados de olivedo
Aos imbondeiros para além do mar,
Do jardim das donas e seu lago ledo,
Ao charco dos jacarés a atravessar
Da Estrela às serras onde nasce o Nilo
Arderam meus pés na força da sazão.
O que havia de fazer eu fi-lo
Certo no rumo, incerto na razão
Das rotas que a sorte me indicava:
Debuxo dos Fados bem traçado
Faltava-lhe a linha que o terminava
Quando o portulano me foi dado.
……............................................
José Blanc de Portugal
In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
sábado, junho 24
XANANA GUSMÃO
Xanana Gusmão
Discurso de Xanana Gusmão ao Povo Amado e Sofredor e aos Líderes e Membros da FRETILIN
Discurso de Xanana Gusmão aos timorenses no dia 22 de Junho de 2006. Um discurso histórico, explosivo e decisivo para a compreensão do que se está a passar em Timor e que aqui publicamos na integra. Na ausência de uma tradução oficial, o PÚBLICO recorreu a uma tradução do escritor e professor de tétum Luís Cardoso a quem agradece. (Foto António Dasiparu/EPA)
Seja qual for o curso dos acontecimentos em Timor, Xanana Gusmão, como Presidente da República e como herói da luta de resistência que conduziu à criação do estado independente de Timor, será sempre a referência determinante no processo político timorense.
Além do mais, como este discurso revela, estamos na presença de um líder natural que incorpora, na sua acção e no seu discurso, o que há de mais profundo na identidade cultural do seu povo.
Discurso de Xanana Gusmão ao Povo Amado e Sofredor e aos Líderes e Membros da FRETILIN
Discurso de Xanana Gusmão aos timorenses no dia 22 de Junho de 2006. Um discurso histórico, explosivo e decisivo para a compreensão do que se está a passar em Timor e que aqui publicamos na integra. Na ausência de uma tradução oficial, o PÚBLICO recorreu a uma tradução do escritor e professor de tétum Luís Cardoso a quem agradece. (Foto António Dasiparu/EPA)
Seja qual for o curso dos acontecimentos em Timor, Xanana Gusmão, como Presidente da República e como herói da luta de resistência que conduziu à criação do estado independente de Timor, será sempre a referência determinante no processo político timorense.
Além do mais, como este discurso revela, estamos na presença de um líder natural que incorpora, na sua acção e no seu discurso, o que há de mais profundo na identidade cultural do seu povo.
sexta-feira, junho 23
CAMUS E OS MANDARINS
«12 décembre
Un journal me tombe dans les mains. La comédie parisienne que j´avait oubliée. La farce Goncourt. Aux Mandarins* cette fois. Il paraît que j´en suis le héros. En fait l´auteur pris en situation (directeur d´un journal issu de la résistance) et tout le reste est faux, les pensées, les sentiments et les actes. Mieux : les actes douteux de la vie de Sartre me sont généreusement collés sur le dos. Ordure à part ça. Mais pas volontaire, comme on respire en quelque sorte.
État meilleur. Journée grise. Il pleut sur Rome dont les coupoles bien lavées brillent faiblement. Déjeuner chez F. G. Soir, seul, fièvre passée.»
* Le roman de Simone de Beauvoir.
Albert Camus
Un journal me tombe dans les mains. La comédie parisienne que j´avait oubliée. La farce Goncourt. Aux Mandarins* cette fois. Il paraît que j´en suis le héros. En fait l´auteur pris en situation (directeur d´un journal issu de la résistance) et tout le reste est faux, les pensées, les sentiments et les actes. Mieux : les actes douteux de la vie de Sartre me sont généreusement collés sur le dos. Ordure à part ça. Mais pas volontaire, comme on respire en quelque sorte.
État meilleur. Journée grise. Il pleut sur Rome dont les coupoles bien lavées brillent faiblement. Déjeuner chez F. G. Soir, seul, fièvre passée.»
* Le roman de Simone de Beauvoir.
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard
(Curiosidade rara deste excerto : as relações com Sartre e o grupo dos «Temps Modernes» tinha atingido a ruptura e Camus demonstra, face à atribuição do prémio Goncourt aos « Mandarins », de forma explícita e violenta, os seus sentimentos face aquele grupo a partir de uma obra na qual ele próprio se sente retratado.)
CHOQUE FRONTAL
GM informou trabalhadores da Azambuja que irá encerrar a fábrica em Outubro
O que a GM merecia era que o povo português, a partir do dia do encerramento da fábrica da Azambuja, boicotasse os seus produtos.
Uma campanha com um slogan mais ou menos assim: “NEM MAIS UM OPEL NAS ESTRADAS DE PORTUGAL”.
O que a GM merecia era que o povo português, a partir do dia do encerramento da fábrica da Azambuja, boicotasse os seus produtos.
Uma campanha com um slogan mais ou menos assim: “NEM MAIS UM OPEL NAS ESTRADAS DE PORTUGAL”.
quinta-feira, junho 22
ORDENS E ORÁCULO
Fotografia de Angèle
Disse a ave esconjurada:
Vai tu aos confins da Lunda
Não metas pedras na funda
Nem carregues a lingada
Vê a bela desterrada
Incendeia a cidadela
Não olhes p´ra ele nem ela
Depois da praça esturrada.
Foge que o mal não é teu
O que fizeste te escapa
Põe-no debaixo da lapa
O que lá vai já ardeu.
Tens para ti o futuro
Deixa-os lá que eles não acabam
Quando as paredes desabam
Fique apenas o teu muro.
O que a ave disse fiz.
Só não disse o que não quis.
13.12.56
José Blanc de Portugal
Disse a ave esconjurada:
Vai tu aos confins da Lunda
Não metas pedras na funda
Nem carregues a lingada
Vê a bela desterrada
Incendeia a cidadela
Não olhes p´ra ele nem ela
Depois da praça esturrada.
Foge que o mal não é teu
O que fizeste te escapa
Põe-no debaixo da lapa
O que lá vai já ardeu.
Tens para ti o futuro
Deixa-os lá que eles não acabam
Quando as paredes desabam
Fique apenas o teu muro.
O que a ave disse fiz.
Só não disse o que não quis.
13.12.56
José Blanc de Portugal
In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
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