quarta-feira, abril 14

Uma mistificação e um sinal errado

Todos nos enganamos e raramente temos certezas. Onde é que eu já ouvi isto?
Mas não resisto a comentar uma mistificação e um sinal errado lançados para a opinião pública portuguesa. Vindos de onde vêm são preocupantes.

Mistificação: "ABRIL É EVOLUÇÃO". O Governo quer fazer crer que, em Portugal, não ocorreu uma REVOLUÇÃO NO 25 DE ABRIL DE 1974. Pretende fazer passar a ideia de que a passagem da ditadura para a democracia foi parte de um processo de transição reformista e pacífico.

É uma mistificação que pretende suprimir ao imaginário colectivo um período da nossa história do Século XX. É uma mixórdia propagandística inqualificável. Uma vergonha própria de um Governo que mente e sabe que mente. Fernando Rosas aborda este assunto hoje no Público Concordemos com tudo, ou não, do que ele diz, tem toda a razão. O 25 de Abril foi uma revolução.

Sinal Errado: Foi noticiado que o Presidente da República disse que "O debate sobre o futuro da Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN) é necessário, mas o país não pode ser uma reserva total de Norte a Sul do país que inviabilize a presença dos cidadãos e o seu próprio desenvolvimento". Uma dessas notícias pode SER LIDA AQUI.

É um sinal errado dado pelo PR à sociedade. Os obstáculos à concretização de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, coerente e realista, não vêm do lado dos defensores da preservação da natureza (mesmo os mais radicais) mas do lado dos grandes interesses que se movem em torno da exploração desenfreada - e sem lei - do território e dos recursos naturais.

Todos nos enganamos e raramente temos certezas. "Portugal aguenta!"

25 de Abril - notas pessoais

Os camaradas de armas


Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz uns contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.

Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à família.

Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do poder. Avisei o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Acertamos, entre nós, os passos a dar naqueles dias.

(21 de 32 continua)

terça-feira, abril 13

CANTIGA DE ABRIL


Às Forças Armadas e ao Povo de Portugal
"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade"

J. de S.


Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste país,
a conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até á raiz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram ser ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura,
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Jorge de Sena

26-28(?)/4/74

POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)
In "40 ANOS DE SERVIDÃO"
.



O Público e o Iraque

O Editorial de José Manuel Fernandes no Público de hoje corrige os editoriais antecedentes de autoria de outros editores. O Público pascal foi crítico da intervenção americana no Iraque. O Público pós pascal volta à crença natural, com o regresso de férias do seu director: faz a defesa da intervenção americana no Iraque. O pluralismo sempre é uma vantagem.

A questão é complexa. Os defensores da política externa da Administração Bush enrolam-se em explicações e justificações. Ainda haverá muito por explicar, concordo. E, certamente, um dia voltará a normalidade ao Iraque.

Mas quais os custos desta intervenção para a paz na região e no mundo? A paz não interessa? Pois é! Pelo sim pelo não o nosso Primeiro-ministro mandou retirar os portugueses do Iraque. Menos a GNR e o Dr. Lamego. Suponho.

Ainda bem. A coisa está preta!


25 de Abril - notas pessoais

Na expectativa do combate


Os dias de finais de Março e princípios de Abril de 1974 foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas.

Soube, em meados de Abril, após o contacto do Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.

Teriam que ser tomados os cuidados próprios de uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime cairia sem oferecer resistência feroz. Seria mais que provável o confronto militar pelo que o mais prudente era estarmos preparados para essa situação.

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Aldina Duarte

Acabei de ver a entrevista de Aldina Duarte por Ana Sousa Dias, na Dois (RTP). Extraordinário exercício de autenticidade e de cultura. A fadista Aldina Duarte, que não conheço enquanto fadista, é uma personagem fascinante. Demonstração, ao vivo, de como é possível fazer coexistir o talento e a capacidade de comunicação

segunda-feira, abril 12

POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)
In "40 ANOS DE SERVIDÃO"


"NUNCA PENSEI VIVER..."


Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade - (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
- no negro desespero sem esperança viva -
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?

Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe-
E agora, povo português?

Essas promessas - há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?

E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade ?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem ?
E agora, povo português?

Jorge de Sena

SB, 27/4/74





PÁSCOA DE CRISE

Nas viagens aprendemos a geografia dos lugares. Por vezes ficamos a conhecer melhor a alma das suas gentes. A minha viagem de Páscoa foi ao lugar ancestral das minhas origens. Dele sabemos mais do que julgamos. E menos do que queremos.

Esta viagem deu para perceber que a descrença dos portugueses no seu futuro é mais profunda do que pensávamos. A descrença alastrou e aprofundou-se. Não vale a pena disfarçar. Este não é um problema de esquerda ou de direita. É um problema nacional. Mas o governo que adubou o terreno da descrença foi este. O governo da direita.

Os social-democratas autênticos que se cuidem. Semearam ventos vão colher tempestades. Aliaram-se com os seus predadores. O divórcio vai ser litigioso. Um dos membros do "casal coligado" não olha a meios para atingir os seus fins. Já todos percebemos isso.

A não ser que haja um milagre económico, que todas as previsões negam, as melhorias, nos próximos tempos, serão pouco animadoras. As famílias e as empresas estão exaustas. Ninguém é capaz de prever a dimensão da crise que foi aberta com a gestão radical de combate ao déficit. Pode ser uma pequena e quase silenciosa convulsão económica, financeira e social, superável a breve prazo. Ou uma profunda e violenta crise de consequências difíceis de prever.

O António Barreto faz uma profissão de fé nas suas convicções de esquerda no Público...eis mais um sinal da gravidade da crise!

25 de Abril - notas pessoais

Capitão Teófilo Bento


Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974. Não sei já através de quem chegou até mim. Talvez tenha sido depois da tentativa frustada do golpe das Caldas da Rainha, em 16 de Março.

Falamos num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande, onde cumpria o serviço militar como oficial miliciano. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-General em Lisboa.

Tratava-se de um ponto fraco na rede de oficiais que preparavam o golpe. Não havia ninguém que eu conhecesse. Mas, após este encontro, fiquei com a certeza acerca da inevitabilidade do golpe o que, até esse dia, era uma mera convicção.

Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Desta vez era mesmo a sério.

Mantive a maior descrição. Não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis.

Após o fracassado "Golpe das Caldas" todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças.

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sexta-feira, abril 9

EURO 2004

Direito à opinião?

Texto enviado por R. L.

Que tipo de pessoa serei se afirmar que muitas vezes o mal de certas resoluções em algumas áreas fulcrais para o país será a possibilidade de todos nós termos direito à opinião?

Numa primeira leitura admito que a frase se torne demasiado extremista. Claro que como qualquer cidadão, também eu tenho direito a uma opinião sobre este ou aquele assunto, embora fosse essencial definir o território da terminologia da palavra. E como bom passatempo que o é, poder opinar sem qualquer limite sobre tudo dá-nos a sensação de utilidade e de preocupação sobre o respectivo assunto.

Mas será que todos nós deveremos opinar na melhor forma de recuperar o défice orçamental? E sobre a política na saúde? Ou sobre os métodos de ensino? Ou se foi benéfico ter ganho a organização do Euro 2004? Ou a melhor táctica para a selecção nacional?

Parece-me que em determinados assuntos, por vezes bem mais importantes, ninguém se preocupa ou opina! Concordo que dar uma opinião não faz mal e não será essa mesma opinião que irá mudar o rumo, mas concordarão que na grande maioria das vezes a opinião não é somente uma opinião! É principalmente uma crítica devastadora e destruidora, em que sofre uma mutação tão rápida como a necessidade de a alterar somente para continuar a criticá-la! Aí a "verdade" altera-se constantemente, nem que seja para nos apoiarmos na tese de Churchil que afirmou "prognósticos só no fim (...)".

A conclusão é tão simples como o ovo de Colombo, é verdade! A história faz-se de factos e não de opiniões. Não devíamos então primeiro parar, escutar e olhar (como as placas de sinalização que se encontram nas passagens de linhas férreas)? Dar a oportunidade?

No meu caso, quero fazer o meu prognóstico antes e não no fim, com todos riscos que corro. Quero afirmar, e tendo consciência que existem várias e importantes prioridades para o desenvolvimento do país, que concordo com a candidatura portuguesa ao Euro 2004!

Como profissional na área, na possível distinção entre a excitação e a razão, fico muito satisfeito que tenhamos vencido. Que não estou à espera das falhas ou das derrotas para dizer mal da organização e do seleccionador! Que a organização de tal evento, proporciona a renovação de muitos equipamentos desportivos e de equipamentos secundários (hotelaria, estradas, acessibilidades, hospitais, aspectos cívicos, etc.). Que dos 25 % fornecido pelo Estado para a concretização de cada estádio, 19 % é recuperado logo à partida e 19 % dos outros 75 % também vai para os nossos cofres, ou seja, num simples raciocínio, num estádio que custou 10 milhões de euros, o Estado suportou 2,5 milhões de euros, mas recuperou 760 mil euros mais 19 % dos restantes 7,5 milhões, perfazendo um total de 2,185 milhões de euros.

Sim, é verdade que esse dinheiro podia ser investido em outras áreas se calhar bem mais importantes para o país, mas deixo isso para quem tem a responsabilidade de decidir e de governar.

Sebastião da Gama - Aniversário


Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, em 10 de Abril de 1924 e faleceu em Lisboa em 1952. Licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, tendo sido professor. Desde a juventude atingido pela tuberculose, foi, por prescrição médica, viver para a Arrábida.

Obras: Serra-Mãe (1945), Loas a Nossa Senhora da Arrábida (1946), Cabo da Boa Esperança (1947), Campo Aberto (1951), Pelo Sonho é que Vamos (1953), Diário (1958), Itinerário Paralelo (1967 - compilação de David Mourão-Ferreira), O Segredo é Amar (1969).

O Sonho


Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.




quinta-feira, abril 8

JORGE DE SENA

A propósito dos 30 anos do 25 de Abril encontrei nas minhas pesquisas, em papéis antigos, um pequeno "livro" policopiado com 5 poemas de Jorge de Sena e 5 poemas da minha autoria. Uma nota esclarece a modéstia da empresa: "5 pares de poemas para alguns amigos sem ofensa para Jorge de Sena. Deste são os cinco retirados de "Poesia I" e de "40 Anos de Servidão" e o último solto de que gosto muito e é o pai dos meus. Natal de 1980."

Não os vou divulgar aqui mas este último de Sena já antes o divulguei e por ser curto e "pai dos meus" o divulgo de novo:

"QUISERA ADORMECER"

Quisera adormecer
como a criança acorda
à beira de outro tempo, que é o nosso.

Só quero o que não posso.

O que vou fazer, nos próximos tempos, é divulgar alguns dos poemas "Políticos e afins" (1972-1977), publicados no livro "40 ANOS DE SERVIDÃO", ou seja, aqueles datados do período coincidente, com o próprio 25 de Abril de 1974.

A iniciar em breve.

"A Segunda Guerra Iraquiana"

O Público muda de orientação editorial conforme o editorialista. O director, José Manuel Fernandes, deve estar de férias. O Público, nas férias do director, muda de posição acerca da questão do Iraque. Não é uma questão de pormenor. Senão leiam o editorial de hoje Por EDUARDO DÂMASO

"Os combates que se travam no Iraque entre as forças da coligação e grupos armados sunitas e xiitas, fiéis ao líder religioso Moqtada al-Sadr, demonstram a cada dia o erro norte-americano de ter instrumentalizado a luta global contra o terrorismo na diabolização de Saddan Hussein, tendo em vista o seu derrube e a ocupação do Iraque num contexto de reconstrução assente quase exclusivamente nos interesses económicos norte-americanos. "Ler editorial aqui

quarta-feira, abril 7

25 de Abril - notas pessoais

Terminada a componente dedicada ao MES a publicação prossegue na próxima 2ª feira. Os restantes posts são exclusivamente dedicados à componente militar da minha participação, como oficial miliciano, no 25 de Abril. Para a fixação de alguns detalhes, contidos no conjunto das notas que se vão seguir, foi preciosa a colaboração do meu "companheiro de armas" António Cavalheiro Dias. Para ele os meus agradecimentos antecipados.

Abandono Escolar

O Governo anunciou um Programa para combater o abandono escolar. Fica assim provada a importância e gravidade do assunto e a urgência da sua abordagem integrada. Congratulo-me com o anúncio. Não conheço os detalhes. É um daqueles projectos que devem merecer a atenção de todas as forças políticas e sociais. Seja para apoiar seja para criticar o seu lançamento, execução e resultados. O artigo sob o título "Abandono Escolar - Uma emergência nacional", publicado na última 6ª feira, no "Semanário Económico", já está disponível aqui.

25 de Abril - notas pessoais

As duas mortes do MES

A sessão final do I Congresso, calorosa e colorida, o símbolo do MES em pano de fundo, desenhado com os pés descalços dos militantes calcando a tinta vermelha, escondia a ruptura que todos assumimos com mais ou menos amargura.

Pela minha parte não falei nem subi ao palco. O argumento da minha recente saída do serviço militar e a invocada necessidade de salvaguardar, por razões de segurança, alguns dirigentes da exposição pública, ajudaram a compor a argumentação que me "salvou" desse sacrifício que a minha timidez natural também favorecia.

Tinha sido o nome mais votado para a Direcção o que pude verificar, pessoalmente, no momento do escrutínio. Mas a lógica colectivista já se tinha imposto, na prática, às afirmações individuais e todos a aceitamos sem questionar o sentido dos acontecimentos.

Assisti a essa sessão de encerramento nos bastidores da Aula Magna, a sós, na companhia de Jorge Sampaio. Posso agora dizê-lo sem constrangimentos: sentia-me um vencedor derrotado e o meu coração estava destroçado. Foi a primeira morte do MES.

Mas a vida tinha de continuar e não deixei de ser solidário, até ao fim, com todos os que julgaram, em boa fé, que o melhor caminho era aquele que a maioria tinha acabado de escolher.

Essa solidariedade assumida, de forma colectiva e responsável, até ao fim, continua presente na convocatória para o jantar de extinção do MES, datada de 31 de Julho de 1981, na qual se afirmava: "Pretende-se assim extinguir o MES, política e públicamente, com a dignidade que a sua rica experiência merece, assegurando, ao mesmo tempo, um destino útil para o seu património."

Os contactos deveriam ser efectuados para o subscritor destas notas e para A. Borges da Gama, dos quais se indicavam os contactos pessoais para recolha das necessárias inscrições prévias. A data apontada para a reunião, que deveria assumir a forma de "almoço ou jantar", era 4 ou 5 de Outubro de 1981. Acabou por ser jantar e deve ter decorrido num destes dias.

Na cópia da convocatória que tenho na minha posse, certamente por ter sido dirigida a um destinatário muito íntimo, escrevi, à mão: "Com mil lágrimas mas com um olhar seco que nestas coisas é preciso. Para tomares conhecimento."

E assim, de forma digna e original, o MES morreu pela segunda vez. Bem hajam todos os que nele acreditaram.

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terça-feira, abril 6

Abandono Escolar - uma emergência nacional (II)

Contrariar a tendência de agravamento da taxa de abandono escolar, em Portugal, é uma tarefa do Estado, quer dizer, da comunidade. O núcleo essencial para atacar o problema é a escola. A comunidade escolar conhece os problemas dos alunos, as suas dificuldades, as tensões que atravessam as suas vidas concretas.

O combate ao abandono da escola, antes do fim da escolaridade obrigatória, deveria ser considerado um grande desígnio nacional. Assim uma espécie de Euro 2004. Com prazos fatais. E obras emblemáticas. E figuras públicas reconhecidas envolvidas na promoção. Uma campanha a sério com objectivos quantificados e fiscalização da sua execução.

Não sei se seremos capazes de planear a médio/longo prazo um projecto de redução drástica desta hemorragia de recursos que representa o abandono escolar.

Será necessária muita clareza nas medidas, muita determinação e rigor nas acções a empreender tornando-as mobilizadoras para toda a comunidade nacional.

Não se trata tanto de uma questão de recursos materiais mas de vontade política e de mobilização cívica.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" - 2 de Abril de 2004)

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Turismo em retrocesso

A evolução da actividade turística é um importante indicador da "saúde" da economia. O volume de turistas e o número de viagens turísticas realizadas pelos portugueses são indicadores do desenvolvimento sócio-económico do país. Nos últimos anos a actividade turística sempre cresceu assim como as "viagens turísticas dos residentes".

A notícia que nos chega do INE é que, em 2003, andamos para trás…

"Viagens Turísticas dos Residentes descem no último trimestre de 2003

No quarto trimestre de 2003, o número de turistas e de viagens realizadas pelos residentes em Portugal baixou quando comparado com igual período do ano anterior. Esta redução concretizou-se numa quebra de 10,4% no total das viagens realizadas e de 1,5 pontos percentuais na proporção da população que as efectuou. No período em análise, o número total de viagens foi de, aproximadamente, 2,36 milhões, representando um decréscimo homólogo de 10,4%.

Portugal foi o principal destino para 91,2% das viagens realizadas e apenas 8,8% das viagens efectuadas tiveram como principal destino o estrangeiro. Relativamente ao meio de transporte, o automóvel constituiu 79,3% das viagens realizadas, aumentando 10,3% na sua importância relativa face ao período homólogo do ano anterior."

Diário Económico















25 de Abril - notas pessoais

Do MES à "Nova Esquerda"


Nas reuniões e discussões prévias ao I Congresso lembro-me de ter, em diversos momentos, divagado a sós, angustiado pela percepção da "quadratura do círculo" que constituía, naquelas circunstâncias, conciliar a democracia representativa com a democracia directa, ou "poder popular".

Uma síntese impossível. Era necessário ganhar tempo, mas a gestão do tempo não era o nosso forte, nem o "espírito da época" favorecia as esperas sábias e pacientes.

As revoluções criam uma especial escala do tempo em que nos sentimos atraídos pela acção e a acção exige mais acção. A única saída possível para tornar o MES um Partido útil, na construção da democracia representativa e participativa, tinha-se esfumado com o desenlace daquele Congresso.

Os que romperam prepararam pacientemente a sua integração no PS. Os que ficaram, por convicção ideológica ou devoção a amizades autênticas, forjadas nas lutas do passado, foram absorvidos pela voragem dos acontecimentos e foram saindo, em levas sucessivas, até à extinção do movimento no célebre jantar do Mercado do Povo.

Após a extinção do MES alguns de nós dinamizaram, no início dos anos 80, a criação da "Nova Esquerda" em cuja declaração de princípios se preconizava o "desenvolvimento de um novo pensamento de esquerda que, assentando fundamentalmente na ideia do socialismo democrático, clarifique as suas fronteiras, encare os valores da liberdade individual, da solidariedade social e da iniciativa modernizadora (tanto ao nível económico como cultural), como elementos constitutivos essenciais."

Defendia-se, num notável documento de Julho de 1984, que mantém plena actualidade, entre outros objectivos, o debate "aberto e inconformista que envolva todos os sectores interessados na modernização do país", o "reforço da democracia" e a "adesão à CEE".

Esse documento preparado para a criação de uma abortada "Cooperativa Nova Esquerda" foi assumido por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça, Eurico de Figueiredo, Jofre Justino, José Leitão, Júlio Dias, Margarida Marques, Sara Amâncio, Tereza de Sousa e Vitor Wengorovius.

Em 21de Abril de 1986 a Comissão Coordenadora da "Nova Esquerda", constituída por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça e Vitor Wengorovius anuncia que, após seis anos, a "atitude de solidariedade crítica externa ao PS se esgotou e deve ser superada por uma intervenção política concreta que, para a maioria dos membros desta comissão, pode e deve ser realizada, desde já, dentro do PS."

Em consequência, no decurso do ano de 1986, todos os membros da Comissão da "Nova Esquerda", com excepção de Vitor Wengorovius, entre outros ex-activistas do MES, aderiram colectivamente ao PS.

(17 de 32 continua)

segunda-feira, abril 5

Abandono Escolar - uma emergência nacional (I)

A Comissão Europeia divulgou um "projecto de relatório intercalar" acerca dos objectivos da "Estratégia de Lisboa" para os sistemas de educação e de formação na Europa.

Esse relatório revela que, considerando os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, a "taxa média de casos de abandono escolar, precoce, na União é de 18,8 %".

Surpreendente, ou talvez não, os dez países aderentes apresentam melhor desempenho que os actuais Estados membros da União com uma taxa de 8,4 %.

Outro facto relevante é que Portugal apresenta a mais alta taxa de abandono escolar da União Europeia com 45,5%. Ainda mais preocupante é o facto de Portugal (com a Dinamarca) ter invertido, a partir de meados da década de 90, a tendência para a melhoria deste indicador, encetada no início dessa mesma década.

Mesmo que se tente suavizar a situação, questionando os critérios adoptados para construir estes indicadores, são notícias preocupantes para a Europa e, em particular, para Portugal.

É uma situação reveladora da profunda "desvantagem competitiva" de Portugal face aos restantes países da EU. Não está em causa a estatística mas a economia e as vidas que se escondem por detrás da estatística.

Os jovens, na maior parte dos casos, abandonam a escola por razões económicas no quadro de situações familiares à beira do limiar da sobrevivência.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" - 2 de Abril de 2004)

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