quinta-feira, maio 12

Sophia de Mello Breyner Andresen


VI FLORESTAS E DANÇAS E TORMENTOS

Vi florestas e danças e tormentos
Cantavam rouxinóis e uivavam ventos
Nos céus atravessados por cometas.

Vi luz a pique sobre as faces nuas,
Vi olhos que eram como fundas luas
Magnéticas suspensas sobre o mar.

Vi poentes em sangue alucinados
Onde os homens e as sombras se cruzavam
Em gestos desmedidos, mutilados.

Levada por fantásticos caminhos
Atravessei países vacilantes,
E nas encruzilhadas riam anjos
Inconscientes e puros como estrelas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In “Dia do Mar” – 1947

“Foto de António José Alegria, do amistad”

Roberta Sá


Do Pentimento

Grata surpresa o disco Braseiro, de Roberta Sá. A cantora que, segundo me informaram, participou do programa Fama (sendo eliminada nas primeiras rodadas, tem uma voz suave), afinadinha e agradabilíssima, em alguns momentos chegando a lembrar Marisa Monte. Além disso, seu cd de estréia prima pelo repertório, bastante orgânico e irrepreensível sob o ponto de vista da qualidade. Gravada anteriormente por João Gilberto, a suingada Eu sambo mesmo (Janet de Almeida), que abre o álbum, ganha 'pegada' na gravação da moça. Em Pelas tabelas, do Chico, o registro está no mínimo à altura do feito pelo próprio autor. Merecem destaque também a contundente No braseiro ("Tão vendendo ingresso / pra ver nego / morrer no osso / vou fechar a janela / pra ver se não ouço / a mazela dos outros"), de Pedro Luís; a obra-prima Lavoura ("A tristeza é o grão / A saudade é o chão onde eu planto / Do ventre da solidão / É que nasce o meu pranto"), parceria da Teresa Cristina com o Pedro Amorim que no cd Roberta divide com Ney Matogrosso; a clássica A vizinha do lado ("A vizinha quando passsa / Com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há"), de mestre Dorival; e a dolorida Cicatrizes ("Amor que nunca cicatriza / Ao menos ameniza a dor / Que a vida não amenizou"), de Paulinho César Pinheiro e Miltinho.

Trata-se, enfim, de um daqueles raros cds para serem ouvidos do início ao fim - não há nem sequer uma faixa ruim.

Para postar, escolhi a lírica Casa pré-fabricada, canção inspirada de Marcelo Camelo que a cantora gravou com a delicadeza que letra e melodia sugerem...

"Casa pré-fabricada"

Marcelo Camelo

"Abre os teus armários eu estou a te esperar,
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar,
E fazer do teu sorriso um abrigo
Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca
Mais vale o meu pranto que este canto em solidão,
Nesta espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela a Primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota
Canto que é de canto que eu vou chegar,
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca mais."

(Vamos procurar o CD aqui em Portugal)


Peixes/Fische


Desenho do meu filho na pré-primária (ou no 1º ano?). Peixes. Uma paixão antiga. Os amigos são peixes grandes. Os professores peixes pequenos. Com excepções. A mãe não foi esquecida mas o pai sim. Não tem importância.

Zeichnung meines Sohnes im Kindergarten (oder in der Grundschule?). Fische. Eine alte Leidenschaft. Die Freunde sind groβe Fische, die Lehrer sind kleine Fische – mit einigen Ausnahmen. Auch die Mutter ist hier. Aber nicht der Vater. Macht nichts.

A Morte da Política


A morte de Germânico 1627, [óleo sobre tela, 1480 x 1980 mm Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Estados Unidos da América - Quadro de Nicolas Poussin (1594 -1665 ).] O imperador Calígula, filho de Germânico, foi assassinado em 24 de Janeiro do ano 41 d. C. durante os Jogos Palatinos, após um reino de apenas quatro anos. In "O Portal da História".

A imagem que me ocorreu acerca do declínio da política em Portugal, e em toda a parte, hoje, e em todos os tempos, após as notícias que trazem à liça alguns acontecimentos envolvendo ministros do anterior governo.

Tão avisados que estavam todos. Tantas vezes os mesmos métodos em tudo. As notícias correndo à frente das acusações e os negócios correndo à frente de tudo o resto, ou como diz o anúncio do SKIP, ocupando todas as paredes de Lisboa, “sujar-se é bom!” (?).

O símbolo que esse anúncio ostenta é igual (ou muito parecido) ao dos cartazes de Manuel Maria Carrilho, promovendo a sua candidatura à Presidência da CML, ou é engano meu?

O Branco da Cal


Uma linha recta, sem mais nada, rodeado das paredes brancas das casas - pintadas a cal - e as ruas de terra batida. A minha memória fixou os recantos das ruas e os rostos das pessoas. A rua em que nasci era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados.

A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida.

Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir. Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia.

A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido. Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente.

Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação.

Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (8 de 10)

quarta-feira, maio 11

Bocage


Retrato de Bocage ? [1797, óleo sobre tela, 87 x 64 cm - Colecção particular Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837), representando, de acordo com uma tradição familiar, o poeta. O que parece pouco verosímil, pois não há notícia que tivesse direito a utilizar a Cruz de Cristo.] Bocage nasceu em 15 de Setembro de 1765. In "O Portal da História".


Soneto

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Em Defesa do Parque de Ramalde


Sei do que fala o Dias com Árvores.

Nos 70 anos de vida do INATEL, a cumprir no próximo dia 13 de Junho, 10% foram dirigidos por uma equipa a que eu próprio presidi. (1996/2003).

Em qualquer projecto –por mais ousado que seja - nunca se conclui tudo o que se projecta realizar. Em regra adoptei três princípios na gestão do vasto património do INATEL, em que se incluiu, pela primeira vez, de forma explícita e prática, o conceito de gestão ambiental: preservar, qualificar, utilizar.

Sempre pensei, no entanto, que se existissem dificuldades, ou dúvidas, acerca da avaliação das vantagens de uma qualquer intervenção, na sua vertente ambiental, mais valia estar quieto.

Travei todas as batalhas possíveis, mesmo as menos populares e simpáticas para os poderes e os cidadãos utentes do INATEL, para impedir diversas intervenções com consequências negativas para o interesse público e ambiental.

Quando saí do INATEL deixei mais património, e mais valioso, do que aquele que encontrei à data da minha entrada. Querem, aliás, fazer-me pagar por isso. É uma estranha forma de reacção dos poderes estabelecidos, em Portugal, contra aqueles que não se dispõem a fazer “fretes” aos chamados “interesses”.

O Parque de Ramalde sempre esteve no fio da navalha. Não foi possível, infelizmente, executar uma intervenção de requalificação - prevista - que teria retirado alguma margem de manobra às tentativas posteriores de destruição do Parque.

Mas nada justifica a sua destruição. Existem muitos modelos de gestão possíveis para que o Parque de Ramalde possa ser, ao mesmo tempo, preservado, no plano ambiental, e colocado ao serviço da comunidade em benefício da sua qualidade de vida.

A sua destruição é, em todo o caso, um crime contra a natureza e, no limite, é preferível deixar ficar tudo como está a ceder aos interesses imobiliários que, certamente, estão por detrás desta sanha destruidora.

As palavras e imagens do blog Dias com Árvores (que está entre os meus favoritos e por isso tomei conhecimento deste post) ajudam a compreender, com bastante evidência, a justeza desta asserção.

"No dia em que surgem mais algumas notícias de contestação ao projecto de destruição do Parque Desportivo do Inatel em Ramalde, aqui ficam mais algumas fotografias. Para que quem não o conhece, fique a saber do que se está a falar e a razão da nossa incredulidade e revolta. E realize também a importância que têm, para certos planeadores da nossa cidade, os espaços verdes relativamente às vias para automóveis."

As notícias:Inatel promete contestar solução do PDM do Porto (no Público)
INATEL pediu ao tribunal para ser esclarecido (no JN)

terça-feira, maio 10

Girassol


Do Pentimento

"Um girassol da cor do seu cabelo"

Lô Borges / Márcio Borges

"Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Se eu cantar, não chore não, é só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar bom dia, como vai você?
Sol girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo?
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer, não chore não
É só a lua, é seu vestido cor de mar
É filha nua ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo"

FRANCISCO SIMÕES


É linda a retribuição da Guida ao poema “Como uma Seta”, ou “A Caminho do Sul”, alusivo ao seu aniversário, postado ontem.

Foto de José Carlos Nascimento – Escultura de Francisco Simões

In Poesias de David Mourão Ferreira – Publicação da C. M. Coimbra (1996)

segunda-feira, maio 9

CAVAFY


“Foto de António José Alegria, do amistad”

CORPO, LEMBRA …

Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.

(1918)

Constantino Cavafy

Tradução de Jorge de Sena - “90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA

O Meu Avô Dimas


O meu avô paterno, por sua vez, tinha regressado de uma longa estadia de emigrante no Brasil vindo morrer, um mês depois do meu nascimento, a casa de D. Maria, sua amante.

A casa era também uma “venda”, estabelecimento de comes e bebes, mais bebes que comes. Foi lá que provei, pela primeira e última vez na vida, “sopas de cavalo cansado”.

Era perto da casa de meus pais, numa esquina da Rua da Circunvalação onde se fixou depois, por longos anos, uma afamada, e muito bem sucedida, sapataria popular – a "Sapataria Limpinho".

Desse meu avô herdei o nome – Eduardo – depois de meu irmão já ter herdado, onze anos antes, Dimas que já era o nome de meu pai. Todos ficamos com o nome de meu avô Dimas Eduardo Graça.

A fotografia do meu avô paterno está em lugar de destaque ao lado da Bíblia Sagrada. A imagem de uns e a herança de outros. No seu esplendor tem algo de institucional. É uma daquelas fotografias grandiloquentes, com selo a água de fotógrafo do Brasil (Santos), mostrando, na sua claridade sóbria, a razão porque somos todos, na família, iguais a ele.

No rosto, e porventura, no temperamento. Lá dormi, algumas vezes, não nos braços de meu avô, pois não nasci a tempo, mas na cama onde ele dormiu com a sua amante Maria e onde morreu.

O padre por esse desvio liberal que, suponho, foi a forma de encontrar, fora do casamento, o consolo para as desditas da vida, não lhe quis fazer o funeral católico. E não fez. Meu pai cortou, de imediato, relações com o dito padre e fez bem.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (7 de 10)

Ruy Belo


“Foto de António José Alegria, do amistad”

“...tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz

Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui

prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias

e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer

sou isto é certo mas sei que tu estás aqui”

Ruy Belo

in “Toda a Terra”

ANIVERSÁRIO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Para a Guida no dia do seu aniversário


Como uma seta

Como uma seta a caminho do sul
o ar que atravesso canta os amores
sonhados em meus olhos crentes,

suaves marés de encontros raros
procurados ao acaso em aparições
nos espelhos de águas refulgentes.

Não sabia ao certo o que procurava
naquele lugar nem que a tua sombra
sempre me perseguiu na caminhada,

qual brisa atravessada em linha recta
que me levava ao lugar exactamente
encontrado sem a senha apalavrada.

Como uma seta a caminho do sul
procuro o fim da estrada à beira ria
sem saber que me esperavas quieta,

nem sabendo que serias a escolhida
mas era tua a silhueta distraída à porta
do bar sentada no selim da bicicleta.

No caminho para sul o fogo ardeu
e me deixou preso nos teus cabelos
desenhados a oiro, silêncio e vício,

em um só olhar senti a tarde quente
do meu destino ser eu mesmo em ti
e à beira ria desejei voltar ao início.

domingo, maio 8

A Guerra e a Paz


"Napoleão Bonaparte passa em revista o grande exército reunido em Boulogne para ameaçar a Inglaterra». [Desenho a cores, publicado em Raoul Guillaume, Napoléon raconté à tous les enfants, Paris, Fernand Nathan, 1961 - A obra tinha desenhos de Maurice Toussaint e de Jean Steen.] A Grã-Bretanha declarou guerra à França em 12 de Maio de 1803. In "O Portal da História"

O dia da libertação da Europa do jugo nazi tem um profundo significado para o futuro do continente europeu e para o mundo. A construção da União Europeia é mais do que um empreendimento económico, é uma garantia de paz.

Os últimos 60 anos são um dos mais longos períodos de paz vividos no ocidente do continente europeu. É necessário manter a memória das guerras passadas para alimentar o desejo dos europeus pela paz. A paz constrói-se no dia a dia e não é, ao contrário do que muitos podem pensar, uma conquista definitiva e eterna.

Os Europeus Que Se Cuidem


Renúncia aos bens de S. Francisco [1296/c.1300, Fresco - Igreja Superior da Basílica de Assis, Itália - Pintura atribuída a Giotto (1266/67-1337), uma das 28 cenas pintadas na Igreja Superior de Assis.] A biografia pintada do santo baseou-se na biografia oficial escrita por São Boaventura, por volta de 1266. A encomenda foi feita em 1296 pelo Geral dos Franciscanos, Frei Giovanni di Muro. São Francisco nasceu em 4 de Outubro de 1182. In "O Portal da História"

“Citações-16”, o último post desta série, foi publicado em 23 de Julho de 2004. Ele aqui fica, sem mais comentários:

Hoje José Manuel Barroso foi eleito "Presidente da UE". Os Europeus que se cuidem. A experiência imediatamente anterior de Barroso é de infidelidade aos compromissos.

Deixou o governo de Portugal a Santana que, por sua vez, deixou a Câmara Municipal de Lisboa a Carmona. Na hora de fazer as contas, pela pequena amostra da CML, já se percebeu que, afinal, temos "buraco".

Os incautos ficam espantados. Quem havia de dizer! Vamos esperar, preocupados, pelo resultado final desta operação nacional de "branqueamento de responsabilidades".

Entretanto vejam se conseguem encaixar estas duas citações no contexto.

"C. que procura seduzir, que dá demais a toda a gente e nunca cumpre. Que tem necessidade de adquirir, de conquistar o amor e a amizade e que é incapaz de uma coisa e outra. Bela figura de romance e lamentável imagem de amigo."

"A respeito de um mesmo assunto, não pensamos pela manhã da mesma forma que à noite. Mas onde está a verdade, no pensamento nocturno ou no espírito do meio dia? Duas respostas, duas raças de homens."

Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil

CAPITULAÇÃO


Ver Fotos aqui.

Kapitulation in Berlin-Karlshorst 9. Mai 1945 um 00.16 Uhr: Generalfeldmarschall Wilhelm Keitel unterzeichnet die bedingungslose Kapitulation des Deutschen Reiches.

Capitulação em Berlim – 9 de Maio de 1945 – 00,16 horas. O Marechal Wilhelm Keitel assina a declaração de rendição incondicional do Reich.

A rendição do Reich deu-se a 7 de Maio de 1945; a Guerra terminou, de facto, a 8 e a capitulação ocorreu a 9. São os detalhes cronológicos de um acontecimento verdadeiramente dramático e fundamental para o futuro da vida dos povos, nações e cidadãos da Europa e do todo o mundo. A barbárie tinha cedido perante a luta determinada dos defensores da liberdade e da democracia.

sábado, maio 7

Luiz Pacheco

A entrevista com Luiz Pacheco, no Esplanar, uma peça extraordinária. Chorei a bem chorar, a rir. Libertador.

Deixo, com a devida vénia, alguns extractos:

(…)

“Por exemplo, as giletes que eles dão aqui algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia... Isto é um armazém de pré-cadaveres, é uma parada de monstros. Há um gajo que não tem uma perna, anda de cadeira de rodas empurrado por um velhinho de 88 anos, há outro que é cego, tem glaucoma, mais a namorada, que é horrorosa, mas como ele não vê também não faz mal... outro tem alzheimer, o sr. Américo, entra aqui, de boné e pijama, dá uma volta pelo quarto, às vezes vai à casa de banho, sai, não repara em ninguém, não diz nada... há outro que é o sr. Vergílio, anda pelos corredores a rir e a assobiar, são dois fantasmas... Há uma que anda aqui a passear de um lado para o outro, diz “ai, ai, ai”, depois vai bater na outra que está sempre sentada na cama, vai lá mexer... não têm mão nela... com estes gajos não se pode estar a discutir, é comprimido, água para o bucho, não vai um vão dois, fica a dormir dois dias seguintes... Isto agora aqui são os últimos dia do condenado. Aqui a lei é morrer devagar. Está uma a morrer ali, ou já morreu, não sei, estou eu a morrer aqui, está outra a morrer ali... A ver quem morre primeiro… “Já foi”, é o que dizem quando alguém morre. Agora já sei o que vão dizer quando eu morrer.”

(…)

“Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com 80 anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho... Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado as cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Av. da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive que largar 1000 paus para umas gotas. Não servem de nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo o cor... e o quarto está reduzido ao essencial... É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.”

(…)

“Esse rapazola (EPC), esse merdas, era um gajo terrível do partido. Não foi por acaso que o gajo veio de Paris para cá quando o Carrilho se tornou ministro. Está a mexer nos cordelinhos do Carrilho e da Bárbara...”

(…)

“[Batem à porta, entra uma empregada do lar, brasileira]

Pacheco: “Ó minha senhora, desculpe que lhe diga, é uma lindíssima mulher…

Empregada: “ahhh?”

Pacheco: “ahhh? O que é que ela diz?”

Empregada: “Isso é a minha filha”.

Pacheco (pega nas mãos da empregada): “Olha, tem as mãos quentes. Tu não fazes ideia, esta senhora e as outras acordam a velhinha ali do lado todas as manhãs, sabes como? Dando beliscões na velhinha…o barulho que elas fazem a rir… Olha, ontem vi uma… não estava nua… estava a vestir-se…”

Empregada: E o senhor gosta de ver, né, e o senhor gosta…

Pacheco: Eu não vejo quase nada, ó minha senhora… eu não vejo quase nada… chegue-se aqui... olha para este espanto... é uma mulher linda... anda é muito vestida... quero vê-la na praia...”

Empregada: “Ele é fogo, o sôr Luiz é fogo…”

Pacheco: O quê? pego fogo…? Queres levar um livro? Não te faz mal nenhum…”

(…)

“Eu não te vou ensinar, eu ensino-te é a combater o meio... opá, um tipo que quer fazer carreira, se não for parvo de todo e for um bocadinho filho da puta... é facílimo... O meio literário é de cortar à faca, é muito fácil de penetrar. Eu, que nasci em Lisboa, via-os chegar da província, os Namoras, os Amândios César, os Paço d’Arcos, etc., andavam por aí a borbulhar, a deslizar, a ver quem chega primeiro. É como os espermatozóides. Agora combater o meio, isso é que é difícil, é o mais difícil... a questão é esta, estúpidos, conformistas, cobardes, é a maioria da malta...”

(A não perder!)

Novos Links

Adicionei uma primeira leva de novos links, a partir dos meus favoritos, incluindo a reposição do adormecido: Cadernos de Camus.

Aqui estão eles:

finisterra

Miniscente

E Deus Criou a Mulher

amistad

Cadernos de Camus

"Quisera Adormecer"


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Quisera adormecer
como a criança acorda,
à beira de outro tempo, que é o nosso.

Só quero o que não posso.

Jorge de Sena

In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)

Lugares de Infância


Faro - Caminhando Para a Sé

Quando em criança frequentava a escola, na minha cidade natal, fazia o caminho a pé de casa para a escola e da escola para casa. Nesses percursos sempre me impressionou a carroça dos cães que percorria as ruas da cidade.

Os homens laçavam os “cães vadios”, entre ganidos de desvairado sofrimento, prendiam-nos nas celas e conduziam-nos ao canil. A morte era o seu destino. Senti impotência e uma profunda compaixão pelo destino dos “cães vadios” antes de sentir compaixão pelo destino dos homens.

A escola de “S. Luiz” situa-se num bairro pacato entre o mercado e a baixa da cidade. Para frequentar a escola, um acontecimento notável na vida da família, percorri dois caminhos. O primeiro era o mais saboroso e ia da casa em que nasci, na Rua Coelho de Melo, que desce do Espaldão para o Largo da Caganita, percorrendo a Rua de Brito Cabreira.

O segundo vinha desde o Bairro de S. Luiz, construído nas hortas a norte da cidade, da Rua Dr. Emiliano da Costa (poeta consagrado, mas esquecido), residência para onde se tinha mudado a família, passando ao lado do mercado. A distância seria a mesma mas o encanto do primeiro era, em afectos e surpresas, superior ao segundo.

A mudança da casa em que nasci, por volta de 1955, foi um acontecimento marcante assinalando o fim do tempo da inocência.

Vivia no casulo feliz
até que um dia sem
saber porquê o desfiz


tratava-se de uma obra
fina de rendilhado puro
com virtudes de sobra


eu não soube a razão
de tal desaforo nem
talvez o meu coração
....

Dizia-o com a noção de não ter feito uma descoberta original pois todos os que reflectem acerca da origem da sua arte o dizem e os que se aventuram, ao menos uma vez, a encontrar as motivações do seu percurso de vida, o dizem também.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (6 de 10)