domingo, junho 19

A HORA


Fotografia de M.R.

Estão gastas as palavras do elogio fúnebre mesmo que a palavra elogio se demarque da palavra fúnebre. Tantos heróis que morreram e não lhes lembramos os nomes nem a gesta. Os heróis desconhecidos. E os nossos heróis do quotidiano? As pessoas vulgares que conhecemos e que ninguém mais, na realidade, conhece. A maioria das quais nunca ninguém lhes ouviu o nome. E os nossos amigos que nunca revelaram fora de si um gesto heróico.

Um simples olhar reconfortante.
Uma mão que segura outra mão.
Um corpo que aquece outro corpo.
Uma palavra no momento certo.
Uma decisão a tempo.
Uma pergunta omitida.
O silêncio no meio da algazarra.
O braço que se levanta a custo.
A hora que já não se alcança ver.
Ouvir a palavra baça dita antes do fim.
Um passo em frente na tragédia da morte.

Os heróis do nosso desespero sobrevivem em nós depois da partida.

Faz hoje um mês que a Carla morreu.
Passou tempo.
Cá fora a luz é a mesma.
O relógio marca a hora.
Deixemos passar o tempo.
Afinal também estamos sós.

sábado, junho 18

O Mundo da Pesca na Cabeça do Meu Filho e as Azenhas do Mar


Desenho de MM em Fevereiro de 99 (com 8 anos).

O mar, os peixes e a pesca são paixões antigas do meu filho que sempre representou sob as mais diversas formas.

Um dia estávamos no muro da piscina de mar das azenhas à pesca quando se aproximou uma senhora, muito aflita, perguntando se tínhamos ouvido falar na “onda gigante” que aí vinha. Disse-lhe que não tinha ouvido nada e continuamos mas reparei que muita gente se afastou.

Outra vez, no mesmo sítio, perdemos um belo e enorme peixe que não tivemos força, engenho e arte para libertar das pedras da babugem.

Mas o pior foi um dia em que se aproximou de nós uma jovem espanhola, de guia turístico em punho, perguntando se aquele era mesmo o sítio que ela julgava estar a visitar. Era mesmo mas, em ruínas, não correspondia em nada à imagem resplandecente da fotografia que a tinha atraído ao lugar.

Hoje aquele sítio magnífico – azenhas do mar – está melhor tratado e apresentado. Muito por influência dos autores e gestores do projecto de recuperação do restaurante que ocupa um lugar central naquele lugar. Bem hajam e não desistam.

Ver azenhas do mar aqui e aqui.

sexta-feira, junho 17

Legend of Beauty II


Legend of Beauty II [48 x 64 in Chinese ink and color on rice paper]

Gu Ying Qing was born in 1959, China and graduated from China Academy of Fine Arts with B.A. degree on Chinese painting in 1988. Now he works as a professor of Chinese painting in China. He tried to transform realistic ink painting into something new by combining western modern art with Chinese ink painting.

It is obvious that he was influenced by Matisse, Gaughin, and Modigliani. He manipulated his paintings by mixing oil pastel, wax, pigments colors, making them look thicker, modern and colorful. He is one of the pioneer in Chinese modern ink painting.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

IGNORÂNCIA


Foto da Catedral

É triste ler, ver e ouvir tantos jornalistas, repórteres e comentaristas, ignorantes da história e dos mistérios da vida, debruçarem-se, gastando as palavras, acerca de Álvaro Cunhal. O maior tributo que poderiam prestar à inteligência e à sensibilidade de um povo era estarem calados ou falarem só após estudarem, ao menos um pouco, a biografia e a história do PCP e do Movimento Comunista. Ao menos evitavam expor publicamente a sua ignorância. Mas precisam de ganhar a vida!

(Escrito durante o funeral de Cunhal mas postado só agora por influência da série
NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS, no Abrupto)
.

Eugénio de Andrade por Marcelo Moutinho


Imagem interior da Casa das Azenhas do Mar - fotografia de M.R.

Marcelo Moutinho, no Pentimento, publica muita (e boa) poesia de autores portugueses. Desta vez ficou irritado com a ausência de referências, na imprensa do Brasil, à morte de Eugénio de Andrade e publicou um trabalho no “Jornal do Brasil”. Obrigado.

Bicicleta ao Sol Nascente em Fuzhou


Junho de 2005. Fotografia de M.R.

A bicicleta ao sol nascente. De manhã cedo – 6,30 h. - ouve-se a música. Depois do pequeno almoço o passeio em torno do lago. As pessoas juntam-se e, em comunhão com a natureza, preparam-se para exercitar o corpo e o espírito antes de mais um dia de trabalho.

(A minha mulher, M.R., é a autora da série de fotografias que, a partir de hoje, vou postar. A sua visão da China não é a de uma turista mas a visão de alguém que trabalha em contacto directo com a sociedade e a produção, a chamada “China real” ).

quinta-feira, junho 16

Introdução à Inglaterra


A ler no Dias com Àrvores

(…)

“Em Portugal, é diferente: tudo se perde, e nada se transforma. Aqui, perto de mim, nesta aldeia do Buckinghamshire de onde escrevo(*), para além destas árvores magníficas onde há pássaros e passeiam esquilos, está o velho cemitério acerca do qual Gray escreveu um dos mais belos poemas do século XVIII (**). Toda a gente aqui sabe disto, e é difícil distinguir quem está em dívida, se o velho cemitério à volta da igrejinha, se o sábio e catedrático Gray.»

Jorge de Sena, Sobre Literatura e Cultura Britânicas (ed. Relógio D'Água, 2005)(*)

Stoke Poges(**)

Elegy Written in a Country Church-Yard de Thomas Gray (1716-71)

FUNERAL DE ÁLVARO CUNHAL


Foto da Catedral

“Há uma única fatalidade que é a morte e fora da qual não há fatalidade. No espaço de tempo que vai do nascimento à morte, nada está fixado: pode alterar-se tudo e mesmo suspender a guerra e mesmo manter a paz, se o desejamos verdadeiramente, muito e durante muito tempo.”

Camus, in “Cadernos”

Red Roof Cottage


Red Roof Cottage [ oil on canvas 36 x 36 in]

Huang Duo Ling was born in 1950 China. In 1976, she graduated from Tianjing Academy of Fine Arts with B.A. degree on oil painting. In 1988, she graduated from Brooklyn College, The City University of New York. She lives and works in New York.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

quarta-feira, junho 15

ACDC e CHE


A mochila do meu filho no fim do ano lectivo. Mais importante que ela – quase destruída – talvez sejam os símbolos que ostenta. As imagens dos ACDC e do Che.

A juventude, o inconformismo e o espírito de aventura de hoje buscam imagens que julgaríamos perdidas no saudosismo do passado.

Como, por vezes, nos enganamos ao julgar os nossos próprios símbolos!

A JOVEM Y


In Sabor a Sal

Um dia recebi uma carta de alguém que não conhecia mas que desejava apresentar uma questão que me interessou. Era alguém familiar de uma jovem licenciada que tinha sido atingida por uma doença grave.

O CV não deixava dúvidas acerca do valor da jovem Y e não foi difícil decidir pela sua admissão para um estágio. Foi o que comuniquei, pessoalmente, à pessoa que me procurou. Não mais esquecerei as suas palavras, lágrimas nos olhos, à despedida: “Não sabe o bem que acaba de fazer”. A integração foi difícil mas o mais importante estava feito. A jovem Y trabalhou, criou amizades e casou.

Com a integração da jovem Y a administração pública ficou mais pobre ou mais rica? Não interessa pois nada de verdadeiramente relevante é contabilizado pela administração pública. Os afectos, as dedicações e as competências estão lá mas pouco contam. O que conta é a passagem do tempo de serviço e pouco mais.

A jovem Y, para a administração pública, não contava para nada mas para mim contou para muito. Não mais a esqueci.

segunda-feira, junho 13

SHOE


Shoe [oil on canvas - 18 x 24 in]

Wang Yi Qi was born in 1958, China and graduated from Tianjing Academy of Fine Arts with B.A. degree at 1983. In 1986, he graduated from advance class of oil painting , Central Academy of Fine Arts. Now he lives and works in New York.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

EUGÉNIO DE ANDRADE (II)


Foto "Público" - (post escrito um ano atrás com dois poemas).

Ouvi dizer, e é público, que o Eugénio de Andrade está muito doente. Não serve de nada glosar as doenças nem chorar a morte dos poetas. Eles quando são verdadeiros ficam sempre vivos. Quando são grandes tornam-se imortais. Não sei se Portugal segue esta regra universal. Aqui somos mais dados à inveja e ao esquecimento. Quanto mais obra e obra mais aprimorada, sem vénias, nem costas curvadas, pior para o protagonista.

Não são palavras amargas, suficientemente amargas, as que digo. São o menos que se pode dizer de um país que inverte em tudo a hierarquia da importância das coisas. E da importância dos homens. Por isso não te admires se fores votado ao esquecimento. A tua glória já dura há muito tempo. És, graças a Deus, admirado em vida. Admirado por aqueles que merecem admirar-te. Não interessa nada admirar-te na doença. Muito menos na morte.

Tenho aqui na minha frente uns quantos poemas dedicados a heróis e amigos mortos: Guillaume Apollinaire, Augusto Gomes, Vicente Aleixandre, Kavafis, Che Guevara, José Dias Coelho, Casais Monteiro, Pier Paolo Pasolini, Jorge de Sena, Ruy Belo, Carlos Oliveira, Vitorino Nemésio e tantos mais. Teus heróis e amigos. Um poema destes vale mais que todas as homenagens da praxe com regresso garantido ao baú das memórias. Ainda para mais quando sabemos que estão na fila de espera um ror de poetas vivos, e de saúde, para ser condecorados.

A CASAIS MONTEIRO,
PODENDO SERVIR DE EPITÁFIO


O que dói não é um álamo.
Não é a neve nem a raiz
da alegria apodrecendo nas colinas.
O que dói


não é sequer o brilho de um pulso
ter cessado,
e a música, que trazia
às vezes um suspiro, outras um barco.


O que dói é saber.
O que dói
é a pátria, que nos divide e mata
antes de se morrer.


Setembro, 72

A JORGE DE SENA,
NO CHÃO DA CALIFÓRNIA


É por orgulho que já não sobes
as escadas? Terás adivinhado
que não gostei desse ajuste de contas
que foi a tua agonia?
É só por isso que não vieste
este verão bater-me à porta?
Não sabes já
que entre mim e ti
há só a noite e nunca haverá morte?


Não te faltou orgulho, eu sei;
orgulho de ergueres dia a dia
com mãos trementes
a vida à tua altura
-mas a outra face quem a suspeitou?
Quem amou em ti
o rapazito frágil, inseguro,
a irmã gentil que não tivemos?


Escreveste como o sangue canta:
de-ses-pe-ra-da-men-te.
e mostraste como não é fácil
neste país exíguo ser-se breve.
Talvez o tempo te faltasse
para pesar com mão feliz o ar
onde sobrou
um juvenil ardor até ao fim.


No que nos deixaste há de tudo,
desde o copo de água fresca
ao uivo de lobos acossados.
Há quem prefira ler-te os versos,
outros a prosa, alguns ainda
preferem o que sobre a liberdade
de ser homem
foste deixando por aí
em prosa ou verso, e tangível
brilha
onde antes parecia morta.


Às vezes orgulhavas-te
de ter, em vez de uma, duas pátrias;
pobre de ti: não tiveste nenhuma;
ou tiveste apenas essa
que te roía o coração
fiel às palavras da tribo.


Andaste por muito lado a ver se o mundo
era maior que tu – concluíste que não.
Tiveste mulher e filhos portuguesmente
repartidos pela terra,
e alguns amigos,
entre os quais me conto.
E se conta o vento.


Agosto, 1978

(Post publicado, cerca de um ano atrás, quando soube, ao certo, da doença que atingira o poeta. Ao poema dedicado a Casais Monteiro, aquando da sua morte, junto outro que Eugénio de Andrade escreveu quando teve conhecimento da morte de Jorge de Sena).

ÁLVARO CUNHAL E NERUDA


La Lámpara Marina (Ver aqui a versão integral com os desenhos de Álvaro Cunhal)

Pablo Neruda

El Puerto Color de Cielo

I

Cuando tú desembarcas
en Lisboa,
cielo celeste y rosa rosa,
estuco blanco y oro,
pétalos de ladrillo,
las casas,
las puertas,
los techos,
las ventanas,
salpicadas del oro limonero,
del azul ultramar de los navíos.
Cuando tú desembarcas
no conoces,
no sabes que detrás de las ventanas
escuchan,
rondan
carceleros de luto,
retóricos, correctos,
arreando presos a las islas,
condenando al silencio,
pululando
como escuadras de sombras
bajo ventanas verdes,
entre montes azules,
la policía
bajo las otoñales cornucopias
buscando portugueses,
rascando el suelo,
destinando los hombres a la sombra.

EUGÉNIO DE ANDRADE

Tenho lá em casa um livro recente com uma dedicatória que lhe pediu a Manuela. Muitas vezes lhe pego, folheio e releio. Sei do peso das palavras mesmo quando as palavras na sua voz se tornam leves. Aprendi a fúria dos silêncios e a doçura das ausências. A amar quem nos ama e a fingir que se esquece quem nunca se esquece. Li há pouco os poemas que dedicou aos amigos mortos. Nunca desesperados, como que pacientes ralhetes, tão belos, sem rancores nem invejas. Eugénio de Andrade morreu. É a lei da vida. Vejo o mar desta janela. Toldado por nuvens ameaçadoras de chuva. O que me apetece dizer quando morrem em catadupa as velhas glórias do passado de todas as lutas mesmo que delas não partilhemos o sentido é o silêncio. Mas Eugénio de Andrade libertou as palavras das grilhetas que as prendiam, deixou que elas dissessem tudo o que entendessem, disse-nos, pacientemente, que as palavras não se querem aprisionadas pelo silêncio. Que viva!

INATEL - 70 ANOS

Celebra-se hoje o 70º Aniversário do INATEL. Presidi aos destinos desta prestigiada organização 7 anos. Devo ser, pois, o cidadão português, vivo, que durante mais tempo exerceu aquelas funções.

Tomei conhecimento que o Senhor Presidente da República , neste 10 de Junho (Dia de Portugal) atribuiu ao INATEL uma condecoração pelos méritos no desempenho das missões que o Estado lhe tem conferido, desde 1935, primeiro com a designação de FNAT e posteriormente ao advento da liberdade e democracia como INATEL.

Não tenho duvidas acerca do merecimento desta distinção. A este propósito poder-se-á afirmar que nunca é tarde demais, mas sempre prefiro tomar, para meu descanso de alma, o sábio ensinamento que Camões nos deixou nos seus límpidos versos:

Porque essas honras vãas, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente,
Melhor é merecê-los, sem os ter
Que possuí-los sem os merecer....

No que respeita à minha contribuição (e de todos os que me acompanharam) para os méritos da acção do INATEL acompanho Tomaz Kim quando sintetiza o conceito de Tradição: “é um conceito dinâmico que envolve um lúcido sentido histórico aliado à força criadora dos que a perpetuam, rejuvenescendo-a, por se saberem integrados num património universal e vivo”.

Assim soubessem todos os governantes que, no passado recente, assumiram a tutela política do INATEL ser fiéis e honestos guardiões deste conceito dinâmico da Tradição honrando a memória dos mortos e defendendo a honra dos vivos.