domingo, junho 19

A HORA


Fotografia de M.R.

Estão gastas as palavras do elogio fúnebre mesmo que a palavra elogio se demarque da palavra fúnebre. Tantos heróis que morreram e não lhes lembramos os nomes nem a gesta. Os heróis desconhecidos. E os nossos heróis do quotidiano? As pessoas vulgares que conhecemos e que ninguém mais, na realidade, conhece. A maioria das quais nunca ninguém lhes ouviu o nome. E os nossos amigos que nunca revelaram fora de si um gesto heróico.

Um simples olhar reconfortante.
Uma mão que segura outra mão.
Um corpo que aquece outro corpo.
Uma palavra no momento certo.
Uma decisão a tempo.
Uma pergunta omitida.
O silêncio no meio da algazarra.
O braço que se levanta a custo.
A hora que já não se alcança ver.
Ouvir a palavra baça dita antes do fim.
Um passo em frente na tragédia da morte.

Os heróis do nosso desespero sobrevivem em nós depois da partida.

Faz hoje um mês que a Carla morreu.
Passou tempo.
Cá fora a luz é a mesma.
O relógio marca a hora.
Deixemos passar o tempo.
Afinal também estamos sós.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pelas tuas maos medi o mundo
E na balança pura dos teus ombros
Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua


Sofia de Mello Breyner Andersen (Obra Poetica II)