Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
Desloco-me na direcção da terra onde nasci. Faro, o mesmo sol imenso, abrasador, apesar da brisa deste fim de tarde. Tenho uma homenagem para fazer ao Bettencourt Resendes a propósito de um caso que me tocou pessoalmente. Não é urgente, tal como a morte. Regresso à terra como em todos os anos passados, desde que nasci. Uma sensação sempre renovada de regresso à natureza e de crença na vida.
A praia como lugar de férias é recente, ou melhor, como lugar de férias de massas; da mesma forma como são recentes as férias pagas, ou seja, as férias dos trabalhadores por conta doutrem. O direito às férias pagas foi decretado, pela primeira vez, pelo governo da Frente Popular, na França de 1936, afinal há bem pouco tempo. Antes dessa lei as férias, períodos de “não trabalho”, ou de lazer, só para aristocratas, burgueses endinheirados e um ou outro excêntrico.
Onde estou, nesta praia, misturam-se as gentes; as crianças predominam e são-lhes prestadas todas as atenções; nota-se a presença de casais misturando nacionalidades (os portugueses por esse mundo fazem mundo como sempre e, pelos vistos, cada vez mais, não sei se melhor!); forma-se uma fila disciplinada quando chega o homem das bolas de Berlim (num carro e já não com a maleta às costas); foi declarado um armistício político, sendo raras as conversas acerca do tema; avolumam-se as preocupações do quotidiano; o ambiente é de convivência distanciada mas respeitadora da liberdade alheia. Como mudaram os tempos mesmo entre uma turba de gente da chamada classe média.
A praia situa-se tão perto da casa dos meus avós maternos que me é familiar mesmo que não a tenha frequentado nos últimos cinquenta anos. São as memórias que nos fazem viver. Parece que sempre foi a minha praia quando as minhas praias têm sido outras. O calor abrasa logo que nos metemos a terra firme. Ao longo da costa é temperado por uma brisa que é o que faz com que as praias da minha terra sejam as melhores do mundo. Mesmo que não sejam as melhores do mundo!
Ao ler a correspondência Albert Camus-Jean Grenier. Tudo me é familiar: o tom, as referências, os livros citados, as datas, a própria natureza do diálogo.
Reencontro aqui o Camus que estudei, apetece-me quase escrever que conheci: o garoto do bairro popular de Belcourt, em Argel; o adolescente de Bab-El-Oued e da praia de Padovani aos domingos de manhã. Os primeiros anos da adolescência, a pobreza, a tuberculose. A inteligência tão cedo aberta ao mundo e a sensibilidade tão depressa fechada sobre si mesma. A descoberta da politica, ética em acção, como exigência de solidariedade. E logo, desde muito cedo também, a paixão de criar para melhor viver todas as vidas numa só vida.
Merecer-se a si mesmo, sem desmerecer do mundo. Sem excluir o deslumbramento ante “a parte luminosa do homem” de que a sua obra será vibrante testemunho. E já nessa altura o desejo de redescobrir e reinventar para a Europa as virtudes redentoras do homem mediterrânico por oposição ao figurino soviético e ao modelo atlântico.
E a última carta, datada de 25 de Dezembro de 1959, escrita uma semana antes de morrer com estas linhas premonitórias: “Quando terminar o meu livro, se porventura o terminar …”
Isto não é uma brincadeira. O Montepio, um banco de raiz mutualista, decidiu, nas suas instâncias próprias, crescer. Como? Lançando uma OPA amigável sobre outro banco mais pequeno, o Finibanco. Esta iniciativa é um sinal positivo pois, além do mais, o Montepio declarou que nem precisa de crédito para concretizar a compra. Toda a gente entendeu que é uma compra “a pronto”. Não contribui para agravar o endividamento do país sendo um sinal de racionalidade num mercado que parece ter enlouquecido. Vai daí fica o Montepio sob observação negativa pois a operação pode ter dificuldades a curto prazo sendo, no entanto, virtuosa no longo prazo. O Finibanco fica sob observação positiva pois vai beneficiar em ser comprado … Não há paciência … para as chamadas agências de notação financeira!
O cidadão comum, trabalhador, ganhe o que ganhar, mais ou menos honesto e cumpridor, que os há e muitos, paga os seus impostos; os empresários que movem montanhas para pagar os salários ao fim do mês, sabe-se lá bem com que sacrifícios, que os há e muitos, pagam os seus impostos; todos pensando por igual viver num estado de direito democrático que o é na forma, e já não é mau, convenhamos, recebe, amiúde, cartas com a notícia de que ou paga ou lhe penhoram o ordenado, os bens, tudo e mais alguma coisa, é a lei; e a lei é para cumprir. Não discuto. Mas o cidadão comum, cumpridor, confrontar-se com notícias destas só pode sentir revolta. Se for verdade, é claro. O que todos queremos ser é Mães de Filhas!
O que vai acontecer em Cuba, agora anunciado, já era conhecido e comentado nos meios de comunicação não oficiais, pelo menos nos blogues críticos do regime. É uma espécie de despedimento colectivo de pessoal da administração pública num país onde quase só há pessoal da administração pública. Sussurrava-se há muito acerca das “listas”, todos tentando saber se chegara a sua hora. A explicação é simples: não há dinheiro para pagar. A todos os que ainda não entenderam o que significa para a vida das pessoas, e para a sociedade no seu conjunto, o “socialismo real” aconselho que observem, e se tiverem oportunidade, visitem Cuba. Um povo magnífico submetido a um regime político que finge viver o sonho dos amanhãs que cantam. Se os dirigentes do regime que pensam pela sua cabeça não forem capazes de fazer vencer uma politica de transição pacífica para a democracia haverá violência e um banho de sangue. Mas não podem perder muito mais tempo.
A terra mais a sul. Uma praia que visitei antes de ter nascido. Presente na memória mais antiga, o mesmo cheiro, outras gentes, o mesmo mar, outras correntes. As cores enchem-me os olhos e as imagens dos meus antepassados correm à desfilada. Todos tão próximos!
A memória dos pobres é menos alimentada que a dos ricos, com menos pontos de referência no espaço, porque raramente saem do lugar em que vivem, e também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sombria. Sem dúvidas que existe a memória do coração que, diz-se, é a mais segura, mas o coração consome-se com mágoas e trabalho e esquece mais depressa sob o peso das fadigas. O tempo perdido só se volta a encontrar no caso dos ricos. Para os pobres, assinala somente os traços vagos do caminho da morte.
É sempre assim, mas mais vale a liberdade de valorizar, ou desvalorizar, conforme as conveniências de cada um, do que o silêncio das tiranias. As descidas da taxa de desemprego são sempre marginais, as subidas são sempre absolutas. Mesmo que estejamos a falar de 0,1%. Mas são sinais que alimentam expectativas que, por sua vez, são determinantes no comportamento da economia e dos seus agentes.
. Todos sabemos que estão em curso em todo o mundo projectos de investigação que têm por finalidade a descoberta da cura de algumas doenças. Todos concordamos e louvamos. Mas e então o desemprego não é uma "doença social" agravada pelas crises de desregulamentação do sistema financeiro? Não deveríamos investir mais em projectos de investigação multidisciplinares, no âmbito das Ciências Sociais?
A nível da U.E. não seria um meio importante de minorar e encontar respostas comuns e concertadas entre os estados-membros? O recurso mais importante da humanidade são as IDEIAS que cada homem é capaz de dar aos problemas que surgem em sociedade. [Um comentário de Galeota] .
Bem observado. O que mais me espantou não foi o negócio – apesar dos valores chorudos para o nosso meio e ter sido conduzido com mestria pela parte portuguesa – mas a sequência de aparições, em dias sucessivos, de Sócrates proferindo declarações de vitória defronte do mesmo quadro, ao mesmo microfone, perante as mesmas câmaras e dirigindo-se ao mesmo público. O ar embaraço, e incrédulo, dos jornalistas que se habituaram nos últimos tempos em tomar Sócrates como um politico acabado. E o mais extraordinário de tudo: a coincidência do líder do principal partido da oposição ter criticado o governo a propósito do negócio da Vivo, por duas vezes, em território espanhol. Isto está difícil para todos!
(…) Lucie Cormery e a mãe estavam sentadas em cadeiras baixas, escolhendo lentilhas ao clarão da clarabóia da escada, e o bebé numa pequena sesta a chupar uma cenoura inundada de baba, quando um senhor, de ar grave e bem trajado, surgiu na escada com uma espécie de sobrescrito. As duas mulheres, surpreendidas, pousaram os pratos em que escolhias as lentilhas que retiravam de uma marmita colocada entre ambas e limparam as mãos, quando o senhor, que se detivera no último degrau que antecedia o patamar, lhes pediu que não se levantassem, perguntou pela senhora Cormery – “É ela”, disse a avó. “Eu sou a mãe.” – e ele explicou que era o maire, portador de uma triste notícia: o marido morrera no campo da honra e a França, que o chorava tanto como ela, orgulhava-se dele. Lucie Cormery não o ouviu, mas ergueu-se e estendeu-lhe a mão com profundo respeito, enquanto a avó se punha também de pé, levava a mão à boca e repetia: “Meu Deus”, em espanhol. O senhor conservou a mão de Lucie na sua, depois apertou-a entre ambas, murmurou palavras de consolação, entregou-lhe o sobrescrito, voltou-se e desceu a escada com passos pesados. “Que disse ele?”, perguntou ela. “O Henri morreu. Foi morto.” Olhou o sobrescrito que não se atrevia a abrir, além de que nem ela nem a mãe sabiam ler, voltava-o na mão, sem pronunciar uma palavra, nem verter uma só lágrima, incapaz de imaginar aquele morto tão distante, ao fundo de uma noite desconhecida. (…)
A propósito da aprovação pelo governo, na sua reunião da passada quinta feira, do Conselho Nacional para a Economia Social faço um desvio excepcional na “linha editorial” deste blogue, entrando num tema da minha vida profissional, para destacar, neste contexto, a importância da criação daquele órgão de consulta do governo. Mais tarde voltarei ao assunto.
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Até o supérfluo era pobre, porque nunca se utilizava. (…) Ele crescera sempre no meio de uma pobreza tão nua como a morte, entre os nomes comuns; em casa do tio, descobria os nomes próprios.
Ah desgraça! Procurai as razões para esta nefasta notícia. Os tremendistas estão de férias e não comentam. Um efeito passageiro? Um engano? Só ascende o que voltará a cair! Só cai o que alguma vez subiu. “Um forte movimento ascendente”, é o que dizem as estatísticas!
No átrio, encontrou de novo a empregada, perguntou-lhe onde era o cemitério, recebeu um excesso de explicações, que escutou polidamente, e afastou-se na direcção indicada. (…)
O viajante pediu a lista dos mortos da guerra de 1914. “Sim”, disse o outro. “Isto chama-se a lista da Recordação Francesa. Que nome procura?”. “Henri Cormery”, respondeu o viajante.
O guarda abriu um livro grande forrado com papel de embrulho e procurou com o dedo grosseiro numa relação de nomes. De súbito, o dedo imobilizou-se. “Cormery, Henry”, leu, “ferido mortalmente na batalha de Marne, falecido em Saint-Brieuc a 11 de Outubro de 1914. “É isso”, disse o viajante. O guarda fechou o livro e indicou: “Venha.” Procedeu-o em direcção às primeiras fiadas de sepulturas, umas modestas, outras pretensiosas e feias, todas cobertas de arabescos de mármore que desonrariam qualquer lugar do mundo. “É um familiar?”, perguntou o guarda, distraidamente. “O meu pai.” “É sempre triste.” “Eu tinha apenas um ano, quando ele morreu. Deve, pois compreender …” “Sim, claro”, concordou o guarda. “Houve muitos mortos, nessa época.” Jacques Cormery não respondeu. (…)
“É aqui”, indicou o guarda. Encontravam-se diante de um rectângulo de terra rodeado de pequenos marcos de pedra cinzenta unidos por uma grossa corrente pintada de preto. (…)
“A Recordação Francesa encarrega-se da conservação há quarenta anos. Olhe, ele está aí.” (…)
Foi então que leu na sepultura a data de nascimento do pai e descobriu ao mesmo tempo que até agora ignorara. Em seguida, leu as duas datas, “1885-1914” e procedeu a um cálculo mental: vinte e nove anos. Surgiu-lhe de súbito uma ideia que o fez estremecer. Tinha quarenta anos. O homem sepultado sob aquela pedra, e que fora seu pai, era mais jovem do que ele. (…)
A tarde chegava ao fim. O ruído de uma saia perto dele, uma sombra negra, fê-lo regressar à paisagem das sepulturas e do céu que o rodeava. Mas não podia isolar-se daquele nome, daquelas datas. Já só havia cinzas e pó debaixo daquela pedra. Mas, para ele, o pai voltava a viver, uma estranha vida taciturna, e dava-lhe a impressão de que ia abandoná-lo de novo, deixá-lo continuar em mais aquela noite na solidão interminável em que o tinham lançado e depois abandonado. O céu deserto ressoou com uma detonação intensa e brusca. Um avião invisível acabava de transpor a barreira do som. Jacques Cormery voltou as costas à sepultura e abandonou o pai.
[Do segundo capítulo Saint-Brieuc, pequeno em número de páginas, mas relevante para o conhecimento da história pessoal da Camus, no qual descreve a visita à campa de seu pai.]
Pero más allá de la voluntad de recuperar el Estatuto, tenemos ante nosotros la cuestión de fondo, el problema secular de la relación entre Catalunya y el resto de España, que atraviesa nuestra historia contemporánea y que, a mi juicio, se trata más de un problema español que de un problema catalán.