domingo, junho 13

A PALAVRA IMPOSSÍVEL

Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor de uma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A palavra que nunca se profere.

Adolfo Casais Monteiro
(1908/1972)

In "Rosa do Mundo" - 2001 Poemas para o futuro
Assírio & Alvim

Eugénio de Andrade

Ouvi dizer, e é público, que estás muito doente. Não serve de nada glosar as doenças nem chorar a morte dos poetas. Eles quando são verdadeiros ficam sempre vivos. Quando são grandes tornam-se imortais.

Não sei se Portugal segue esta regra universal. Aqui somos mais dados à inveja e ao esquecimento. Quanto mais obra, e mais aprimorada, sem vénias, nem costas curvadas, pior para o artista.

Não são palavras amargas, suficientemente amargas, as que digo. São o menos que se pode dizer de um país que inverte em tudo a hierarquia da importância dos homens. Por isso não te admires se fores votado ao esquecimento. A tua glória já dura há muito tempo. És, graças a Deus, admirado em vida. Admirado por aqueles que merecem admirar-te. Vais agora ser publicado na China.

Tenho aqui na minha frente uns quantos poemas teus dedicados a heróis e amigos mortos: Guillaume Apollinaire, Augusto Gomes, Vicente Aleixandre, Kavafis, Che Guevara, José Dias Coelho, Casais Monteiro, Pier Paolo Pasolini, Jorge de Sena, Ruy Belo, Carlos Oliveira, Vitorino Nemésio e tantos mais. Teus heróis e amigos.

Um poema destes vale mais que todas as homenagens da praxe com regresso garantido ao baú das memórias. Ainda para mais quando sabemos que estão na fila de espera um ror de poetas vivos, e de saúde, para ser consagrados e, quiçá, condecorados.

E porque ao ler este poema me lembraste tantas coisas, porque é dia de Santo António, porque vamos a votos, porque "é a pátria que nos divide e mata/ antes de se morrer.", aqui te deixo a minha homenagem.

A CASAIS MONTEIRO,
PODENDO SERVIR DE EPITÁFIO

O que dói não é um álamo.
Não é a neve nem a raiz
da alegria apodrecendo nas colinas.
O que dói

não é sequer o brilho de um pulso
ter cessado,
e a música, que trazia
às vezes um suspiro, outras um barco.

O que dói é saber.
O que dói
é a pátria, que nos divide e mata
antes de se morrer.

Setembro, 72

sábado, junho 12

EURO-2004

"Dez estádios novinhos em folha ou quase, nove cidades-sede e muitas anfitriãs das equipas, 16 selecções, 1,2 milhões de lugares disponíveis para os espectadores nos 31 jogos, a maior operação de sempre em termos de segurança em Portugal..." Público

Começa hoje, em Portugal, o Campeonato da Europa de Futebol. A notícia completa é composta pelos múltiplos números e detalhes de um grande investimento. Sou um amante do futebol. Por isso considero positivo para Portugal a realização do EURO-2004.

Este projecto, paradoxalmente, foi obra do governo anterior. Choveram as críticas dos seus actuais propagandistas. É bom não esquecer que para um pequeno país europeu, com 10 milhões de habitantes, situado na ponta mais ocidental de uma Europa que, agora com 25 países, encontra o seu centro de gravidade cada vez mais a leste, conquistar a organização de um grande evento, como o EURO-2004, é um feito extraordinário.

Foi o governo anterior que assumiu os riscos. Esse governo ao qual se têm assacado as maiores desgraças e que tem sido apelidado, sem parança, pelo actual, de ter deixado "uma pesada herança". Estas palavras parecem banais. Mas não são. É que este é o único grande projecto português, com projecção internacional, que se vislumbra no horizonte.

Não é preciso Portugal ser campeão europeu para que o EURO-2004 seja um sucesso. O facto de ter sido possível conquistá-lo para Portugal, organizar os empreendimentos previstos: obras físicas e promoção de Portugal no Mundo, é uma vitória de Portugal que coloca problemas mas deixa, no essencial, marcas positivas para o futuro.

E, já agora, vamos fazer força para que Portugal seja campeão.

sexta-feira, junho 11

CV-15

SANATÓRIO GERAL

Um blog do Brasil. Bom gosto. Escrita perfeita. Um prazer de leitura. Como todos os outros que tenho dado a conhecer, neste série, são de autores que não conheço pessoalmente. Mas a sua qualidade não engana a sensibilidade. São trocas de emoções e reconhecimento de interesses comuns ou complementares.

Aqui está a breve biografia da autora: "Pessoa: jovem dama em terras maurícias, tem um bonito nome e cara de biscoito Maria"

O programa sintético do Blog: diarices, pensamentos e historinhas




Um funeral diferente para um homem diferente

Acabei de participar no funeral de um distinto homem público: Sousa Franco. Em Portugal, por muito mal que se fale da política, temos um escol de políticos sérios, competentes e dedicados à causa pública. Não vou enumerar nomes de políticos contemporâneos nem daqueles que no passado honraram com a sua acção o serviço público. Mas são muitos.

A caminhada foi, a pé, da Basílica da Estrela ao Cemitério dos Prazeres. Conheço aquele caminho. Não porque participe em muitos funerais. Só vou quando me obriga um profundo sentimento de amizade ou de gratidão.

Conheço o espaço público destes actos porque neles vivi boa parte da minha juventude. Morei na parte alta da Calçada da Estrela, ali ao lado da Basílica, e frequentei o majestoso jardim e a sua esplanada. A mesma que Sousa Franco tanto apreciava. Nela namorei, estudei, conspirei, desesperei, me despedi e reencontrei. É um lugar de referência na minha vida. Fui hoje visitá-la e estava quase tudo na mesma. Compreendo como poucos a razão do gosto de Sousa Franco por aquele lugar.

Depois sobe-se na direcção de Campo de Ourique. Um desfile de memórias. O Cinema Paris em ruínas. Nele vi os primeiros filmes da minha estadia, que nunca mais acabou, em Lisboa. Ao cimo da subida, a Tentadora, o "Correio", o "Canas". Frequentei esses lugares vezes sem conta. Ainda hoje ao sentar-me na esplanada da Tentadora, depois da última penosa caminhada de solidariedade com Sousa Franco, o empregado me dirigiu a palavra: "então há quanto tempo..."

Aqueles lugares são uma parte do meu percurso de vida. Têm o encanto dos caminhos que fiz, vezes sem conta, para casa do Xico Chaves (agora no Brasil, ói, como vais?) ou para a casa em que vivi na Rua Sampaio Bruno.

O Bairro de Campo de Ourique é uma preciosidade da cidade de Lisboa. Nele respira-se a luz mais brilhante, a urbanidade mais civilizada, o vozear mais cativante e os cheiros mais atraentes. A autêntica "Cidade Branca" de Tanner. Campo de Ourique faz-nos acreditar que vale a pena viver em comum. Que é possível a uma cidade manter a escala humana.

Paradoxalmente o acto de acompanhar Sousa Franco à "última morada" faz-nos acreditar na vida e no futuro. Sei que era isso que ele gostaria de ouvir. E toda a população que quis ver passar o cortejo fúnebre, no seu silêncio respeitoso, nas suas faces hirtas de comoção, nos seus olhos embaciados, mostrava como a política reassume a sua grandeza quando os protagonistas merecem o respeito e a confiança do povo.

Perdeu-se uma vida mas ficou uma lição de liberdade, cidadania e humanismo.

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CAMINHO DO FUTURO (3)

Deixando de parte a discussão acerca da viabilidade e eficácia do ensino tecnológico, e das medidas que têm sido anunciadas, a sociedade portuguesa vive na expectativa de acolher jovens quadros técnicos formados nas diversas vias disponíveis da "educação profissional".

Nestas vias os jovens completam o ensino secundário, ou seja, o 12º ano e adquirem uma qualificação profissional de nível 3. Conheço essa realidade. A via da "educação profissional" não é uma alternativa menor. É uma alternativa maior. Este caminho já está descoberto e no terreno há muitos anos.

Para além de todas as alternativas que se queiram, legitimamente, implementar é preciso não perder de vista as realidades preexistentes da "educação profissional" e o apoio ao seu crescimento sustentado conjugando experiências, sinergias, recursos e inovação, desde os departamentos do estado, tantas vezes de costas voltadas, até à comunidade educativa, ao "mundo empresarial" e, em geral, à sociedade civil.

(Última parte do artigo publicado no "Semanário Económico" em 9/6/2004)



Eleições Europeias mais importantes que nunca

Estas eleições são muito mais importantes do que muitos portugueses pensam. Manuel Villaverde Cabral diz tudo aquilo que me apetecia dizer.

Vejam a sua crónica no DN de hoje.


Ray Charles

Ray Charles, o músico norte-americano apelidado de "génio da soul", morreu hoje, aos 73 anos de idade.

Sempre me fascinou. Lembro-me de o ouvir nas "caixas de discos" e nas "audições clandestinas" que em grupo fazíamos dos cantores proibidos pela ditadura, em particular, José Afonso.

Ao longo do tempo, quando o ouvia, sempre me perguntava a mim próprio porque razão me parecia sempre melhor e exercia o mesmo fascínio das primeiras vezes.


quinta-feira, junho 10

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CAMINHO DO FUTURO (2)

É necessário sublinhar que existe em Portugal, desde 1989, ensino tecnológico e profissional, criado no âmbito do Ministério da Educação, antecedido pela experiência pedagógica do técnico profissional, em 1983, cuja avaliação foi muito importante para o lançamento das escolas profissionais. Preferia chamar-lhe "educação profissional" mas isso é outra discussão. No entanto, para quem lê alguma comunicação social, parece que "agora" se está a inventar o já inventado.

De facto, em Portugal (Continente), 30% dos alunos do Ensino Secundário já frequentam cursos de ensino tecnológico e profissional. No ano lectivo de 2003/2004 frequentam o Ensino Secundário Regular 277.883 alunos; destes, 83.469 frequentam o ensino tecnológico e profissional, sendo que, deste universo, 31.702 frequentam as Escolas Profissionais.

O número de alunos, que frequentavam o ensino tecnológico e profissional, em 1989, era quase zero. A meta para 2010 é de 50%. Mas atingir os 30%, em 14 anos, é obra. Não sejamos masoquistas nem cedamos à tentação do "antes de nós o dilúvio".

O abandono escolar é outro assunto. Nos diversos percursos disponíveis no nosso sistema é curioso verificar que a taxa de abandono é superior no ensino tecnológico, face ao ensino regular. O mesmo não acontece nas escolas profissionais. Estas têm mostrado mais capacidade para gerar dinâmicas de empregabilidade e de sucesso na resposta aos desafios do combate ao abandono escolar.

(2ª parte do artigo publicado no "Semanário Económico" em 9/6/2004)

Luís de Camões no Dia de Portugal

Duas Redondilhas (muito conhecidas)

I

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso passo tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.


II

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escalarta,
Sainho de chamalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado,
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura


quarta-feira, junho 9

Sousa Franco - honra à sua memória


Quarta-feira 9 de Junho de 2004. Sousa Franco faleceu. Em campanha. Fui, desde a primeira hora, um entusiasta da sua candidatura.


Era um extraordinário candidato do PS na disputa das eleições europeias. Franco de nome como o meu pai. Franco de convicções como poucos. Um político de parte inteira. Podia não parecer eficaz pela sua imagem austera. Mas era um político fino. Lúcido e forte nas suas convicções, claro nas suas mensagens.


Era demasiado sério para a política portuguesa. Demasiado exigente para o nosso proverbial desleixo. Os adversários temiam o seu desabrimento. Quiseram pô-lo a falar mal do secretário-geral do PS mas ele saiu, com elevação, em sua defesa.


Quiseram pô-lo a falar mal de si próprio quando, no passado, exerceu as funções de Ministro das Finanças, mas ele defendeu a sua acção atacando, frontalmente, a hipocrisia dos seus adversários.


Sousa Franco disse, nesta campanha eleitoral, aquilo que os portugueses precisavam de ouvir: a actual maioria de governo defende os interesses dos poderosos, contra os interesses da maioria do povo. A actual maioria, afirmou, com uma ponta de ironia, faz o país andar para trás, a caminho do "Estado Novo".


Fizeram-lhe ataques miseráveis aos quais respondeu com firmeza. Combateu no terrreno político quando o quiseram arrastar para a lama do insulto pessoal.


Os portugueses não vão esquecer Sousa Franco. Espero que os seus adversários tenham uma iluminação de decência e não venham dizer que perderam as eleições porque Sousa Franco morreu.


Mal sabia eu que hoje diria de Sousa Franco o que ontem disse de Humberto Delgado: honra à sua memória.

(Também publicado no abébia vadia)

A palavra aos leitores

Recebi de E.B. este interessante comentário ao meu artigo hoje publicado no "Semanário Económico" e cuja primeira parte consta do post anterior.

"Realmente não sabia o que se passava neste domínio. É um artigo de grande utilidade informativa.

A título de piada acrescento que o ensino técnico, entre outras situações, foi grandemente responsável pelos complexos adquiridos pelo nosso ex-primeiro ministro e saudoso professor Doutor Cavaco Silva. Imagino que, ele, terá prometido a si próprio, com a cabeça enfiada nas grades da Escola Industrial e Comercial de Faro, do lado de dentro e vendo passar os “meninos” para o liceu, que um dia esses meninos iriam pagar caro a humilhação que lhe infligiam. Ajoelhar-se-iam a seus pés, implorando-lhe clemência, reclamando não ter culpa alguma do que acontecera. A isso ele responderia: mas assistiram a tudo, por isso têm que sofrer e reparar. É que embora como meros figurantes, constituíram todo o cenário da sua humilhação. Sendo agora humilhados, em parte contribuíam para que se fizesse justiça.

Na cadeira de Finanças 1, no ISCEF, já de certo modo cumpriu a sua “promessa”. Sentado, como 2º assistente, num pedestal, examinou os “meninos” que o humilharam. Eles entravam pela porta baixa, tolhidos pelo medo e sentavam-se no nível zero da sala, como que num banco de réus. Dava-lhes numa mesa um exemplar do Orçamento Geral do Estado. Três níveis acima, sobre o estrado, estava o antigo moço da Escola, agora recuperado na sua dignidade, desta vez como julgador. Dominando todos, quer examinandos, quer os assistentes seus ajudantes, quer o próprio catedrático, dirigia nervosas e curtas perguntas ao supostamente “menino” do Liceu, com solenidade e crispação. Sem paciência para esperar pelas respostas, conta-se que terá, uma vez, acabado o exame nos primeiros minutos, inferindo ignorância inultrapassável ao examinando por este ter aberto o gordo livro nas primeiras páginas. Realmente a Cordoaria como serviço autónomo estava nas últimas páginas do OGE.

Mas era generoso por vezes. Permitiu, por exemplo, ao professor titular da cadeira, dar 2 aulas por ano ( a primeira e a última), depois deste concordar que as matérias dessas 2 aulas não vinham para exame."



EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CAMINHO DO FUTURO (1)

O Presidente da República, na recente Presidência Aberta, disse aquilo que tem de ser dito acerca do abandono escolar: a dimensão do abandono escolar é uma tragédia nacional. O governo anunciou medidas, ainda bem.

Divulguei no Semanário Económico, tempos atrás, os dados desta tragédia. Dando um forte sinal público da gravidade da situação o Presidente da República cumpriu a preceito a sua função.

A mim, em particular, muito me apraz que o tenha feito numa escola profissional pois fui, de 1989 a 1993, coordenador da equipa de projecto que, no Ministério da Educação, dinamizou a criação do ensino profissional e das escolas profissionais.

As notícias da presidência aberta acerca do "estado da educação" foram pontuadas, aqui e ali, por manifestações de ignorância profunda, sugerindo que o ensino tecnológico e profissional está em fase de lançamento. A realidade resiste a ser descoberta desde que não esteja no terreno do interdito, ou seja, do socialmente escandaloso.

O estereotipo das antigas escolas técnicas substitui, no imaginário colectivo, a realidade do presente ensino tecnológico e profissional. Mas, de facto, o antigo "ensino técnico" já não existe em lado nenhum. Deixou marcas mas morreu. Não se recomenda. Era fruto de uma cultura elitista.

(1ª parte do artigo publicado no "Semanário Económico" em 9/6/2004)

terça-feira, junho 8

General Humberto Delgado

A 8 de Junho de 1958 tiveram lugar, em Portugal, as eleições presidenciais mais importantes dos 48 anos do Estado Novo.

O General Humberto Delgado atreveu-se a desafiar a ditadura.

A campanha eleitoral foi um momento de grande mobilização popular. O candidato do regime, Almirante Américo Tomáz, ganhou as eleições, como seria de esperar, mas o resultado nunca foi aceite pela oposição democrática.

Uma efeméride de que poucos se lembram. É pena. O General Humberto Delgado pagou caro a sua ousadia: foi assassinado pela polícia política da ditadura.

Honra à sua memória.

(Em simultâneo no absorto e na abébia vadia)

segunda-feira, junho 7

Uma política de poupança ao contrário.

"Aumento das Despesas com Medicamentos Pode Bater Record dos Últimos Seis Anos"- Público

A notícia parece bem fundamentada. E reacção do Ministro da Saúde assumiu um tom de vencido. Confirmou que a factura com medicamentos aumentou. Justificou com os "meses maus" do início do ano.

Afinal as poupanças previstas com a política dos genéricos já foram absorvidas por novos medicamentos, de marca, colocados no mercado. A indústria farmacêutica não deixa os seus créditos (lucros) por mãos alheias. O seu silêncio público quer dizer que os negócios estão a correr bem.

O Dr. Cordeiro, o boticário-mor do reino, também guarda prudente silêncio. O negócio da farmácias deve estar a correr bem. Então para quem é que corre mal? Aguardam-se esclarecimentos fundamentados e mais convincentes.

Para já estamos confrontados com uma política de poupança da despesa pública ao contrário. Interessante !


Fragmentos de Leituras

"Canhoto

Ser canhoto, que quer dizer? Comemos ao invés do lugar designado para os talheres; encontramos o punho do telefone ao contrário, quando um destro se serviu dele antes; a tesoura não está feita para o nosso polegar. Outrora, na sala de aula, era preciso lutar para ser como os outros, era preciso normalizar o corpo, fazer á pequena sociedade do liceu a oferta da "boa mão" (eu desenhava, por constrangimento, com a mão direita, mas coloria com a esquerda: vingança da pulsão); uma exclusão modesta, pouco consequente, tolerada socialmente, marcava a vida adolescente com um vinco ténue e persistente: acomodávamo-nos e seguíamos para diante."

Escrevi nesta página: "o buscar subtil de processos para matar o tédio, o aborrecimento, a rotina."


"Roland Barthes por Roland Barthes" -16
(Fragmento 3 de 3, pag. 8)

Edição portuguesa: "Edições 70"


CV-14

La vie en blues "Enredo: Sobre o tempo, o amor e outras coisas estranhíssimas."

Mais um blog do Brasil. Uma aproximação visual (e não só) ao meu próprio universo. Ao fim de quase seis meses só não uso ainda imagens. Lá iremos. Mas um gosto pela literatura em que se encontram pontos comuns. La vie en blues, gosto.

domingo, junho 6

6 de Junho de 1944

Neste dia, 60 anos atrás, os aliados desembarcaram nas praias da Normandia. É o princípio do fim da ocupação nazi da Europa. Morrem, em poucos dias, muitos milhares de soldados das forças libertadores e das forças ocupantes. Os relatos hoje retomados, em toda a sua dimensão heróica e trágica, engrandecem os vencedores e os valores da liberdade.

Camus por estes dias escreveu no seu Caderno:

"Criação corrigida.
O carro de assalto que se volta e se debate como uma centopeia.
Bob nos prados de Verão da Normandia. O seu capacete coberto de goiveiros e ervas bravas.
Cf. Relatório da comissão inglesa no Times sobre atrocidades.
O jornalista espanhol de Suzy (pedir o texto) (crianças mostravam-lhe os cadáveres, rindo).
Duche frio no coração durante uma hora.
Fala-se durante o dia da possibilidade de comer uma sopa de leite à noite porque isto faz urinar várias vezes durante a noite. Que os W.C. ficam a cem metros do prédio, que faz frio, etc.
- Ao entrarem na Suíça, as mulheres deportadas dão gargalhadas ao verem um enterro:
- "É assim que tratam os mortos, aqui!"
- Jacqueline.
- Os dois rapazes polacos a quem obrigam a queimar, aos catorze anos, a sua casa, estando os pais lá dentro. Dos catorze aos dezassete anos, Buchenwald.
- A porteira da Gestapo instalada em dois andares de um prédio da rua Pompe. De manhã, trata da casa no meio dos torturados. "Nunca me ocupo do que fazem os meus inquilinos."
- Jacqueline no regresso de Koenisberg a Ravensbruck - 100 quilómetros a pé. Numa grande tenda dividida em quatro. São tantas as mulheres, que não podem deitar-se no chão, a não ser encaixando-se umas nas outras. A disenteria. Os W.C. a cem metros. Mas é preciso passar por cima dos corpos e até pisá-los. Faz-se ali mesmo.
- Aspecto mundial no diálogo entre a política e a moral. Perante esse aglomerado de forças gigantescas: Sintes (…).
- X. deportada, libertada com uma tatuagem sobre a pele: serviu durante um ano no campo dos S.S. de …"


In "Cadernos II" (Caderno nº 4 - Janeiro 1942 - Setembro 1945), Albert Camus, Edições Livros do Brasil


Os "progressos da civilização"

A intervenção dos EUA no Iraque produz mais um notável resultado, certamente, inspirado pelo lado mais soturno da democracia americana - versão Bush - o restabelecimento da pena de morte.

No dia da celebração dos 60 anos do desembarque dos aliados na Normandia, princípio do fim da ocupação nazi da Europa, no qual os americanos desempenharam um papel decisivo e abnegado, o anúncio da pena de morte no Iraque "libertado" pelos americanos não deixa de ser uma triste ironia da história.

"O novo ministro da Justiça iraquiano, Malek Dohane al- Hassan, revelou domingo à imprensa que o seu país vai restabelecer a pena de morte após 30 de Junho e que o antigo presidente Saddam Hussein poderá nela incorrer.

"A pena de morte apenas está suspensa no Iraque, mas com o regresso da soberania nada obrigará a manter essa suspensão." - Lusa

Devo estar a ficar louco...

O Primeiro Ministro inaugurou hoje um troço do Metro do Porto. Mais uma obra oriunda da "pesada herança" do anterior governo. As próprias notícias são convincentes: o túnel foi escavado entre 2000 e finais de 2002. A iniciativa do projecto e a parte dura da obra decorreram, em grande parte, no período do Governo socialista. Nada mais natural do que um governo inaugurar obras projectadas e desenvolvidas pelo governo anterior. As mudanças de governo fazem parte da essência de democracia. Pode acontecer que o que um governo inicia outro governo conclua.

Mas no caso das obras inauguradas, recentemente, pelo actual governo é diferente. As inaugurações decorrem em plena campanha eleitoral. Toda a gente já acha normal! Mas que diabo. Tudo é apresentado como obra própria? E, ao mesmo tempo, prossegue a campanha alegre do "descalabro" da gestão do anterior governo? Este é um caso em que o governo, e a maioria que o suporta, atingiram os limites da baixeza na luta política democrática.

Mais demonstrativo da consciência da falta de obra própria é o anúncio realizado, nos últimos dias, de um projecto para a construção de outro túnel. Outro túnel? Sim. Desta vez o metro submarino ligando Lisboa a Almada. Além da Ponte 25 de Abril? Do comboio que já circula na mesma Ponte? Da travessia de barco entre as "duas bandas" do Tejo? Da ponte Vasco da Gama? Das encrencas do "Túnel do Marquêz" e do Estação de Metro doTerreiro do Paço?

É preciso mostrar ideias e iniciativas! Muitas e de preferência túneis! Desta vez a notícia que vi tinha uma curiosidade. Quem fazia o anúncio era o Ministro Óscar Fragoso! Pensei no velho General! O falecido Presidente! Óscar Fragoso! ...Carmona? Através deste lapso curioso recuamos às figuras de 1928 e às imagens do início da ditadura. Devo estar a ficar louco... (já não consegui linkar a notícia).

Na véspera das eleições os túneis nascem como cogumelos. E até o nome do velho General Carmona teve direito a regressar às notícias do dia! Devo estar a ficar louco...ou é a maioria que está a ficar, prematuramente, cansada?