domingo, novembro 21

Solenidades e Rituais

Não queria ir. Não me sentia bem na minha pele. Mas estava tudo preparado. A teoria e o ritual. Sabia de cor as orações e o resto. Mas não queria ir. No dia dos actos solenes sempre me sinto com vontade de fugir. Não gosto de actos solenes. Depende das circunstâncias sofrer mais ou menos. Com os anos aprendi a defender-me e sofro menos. Porque não podemos fugir a todos os actos solenes.

Mas naquele dia fugi mesmo. A minha mãe correu atrás de mim. Fui à força a caminho da Sé. Cumpri, como sempre, com a minha obrigação. Percorri todos os caminhos de uma autêntica formação católica. Ficaram-me marcados na memória os personagens, os rostos e os cheiros. Alguns admiráveis e repousantes como os padres Patrício e Henrique. Outros execráveis e repugnantes. Aprendi a olhar para dentro e a falar comigo próprio.

Gosto de ler a poesia de Adélia Prado. E de ouvir o silêncio solene do interior de um templo vazio. De olhar as capelas e os altares. De admirar as obras de arte que os habitam. E de observar a crença dos que os frequentam. No fim da vida o meu pai, que eu julgava agnóstico, rezava. Mas não gosto de participar em rituais. Não gosto de seitas. Nem de associações secretas. Sejam religiosas, políticas ou outras. As suas obediências e silêncios não se conjugam com o meu conceito de liberdade. Isso explica muita coisa.

Fiz a comunhão solene. Tenho até uma fotografia, muito impressiva, acompanhado pelos meus pais e padrinhos (ou será do crisma?). Não me lembro como voltei a casa. Mas lembro-me de nunca ter acreditado na confissão. Nunca ninguém, verdadeiramente, se confessa. O que retenho, com nitidez, foram a vista e o cheiro das laranjeiras do largo da Sé de Faro. E um sorvete que comi, na Brasileira, às escondidas. Em pecado. Capital.

Absorto – 1º Aniversário (1 de 17)
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sexta-feira, novembro 19

Secretários de Estado por 4 meses, desemprego sobe

Os fenómenos estranhos são apresentados sob a capa da maior normalidade. Um Secretário de Estado de “última hora”, do PSD, “encostado” ao Dr. Portas, no Ministério da Defesa, sai o mais discretamente possível. Pasta sensível: "antigos combatentes."

Ficaram "amigos para sempre". Motivos da saída: "pessoais”. O habitual, mas 4 meses é muito pouco tempo.

Quais serão as verdadeiras razões? Alguma coisa se saberá quando surgir o sucessor?

“O ministro da Defesa elogiou hoje o secretário de Estado dos Antigos Combatentes, que vai deixar o cargo, sublinhando a relação "impecável e excelente" que mantiveram no Governo.
"Agradeço-lhe imenso a colaboração que me deu. Ficámos amigos", disse Paulo Portas para José Pereira da Costa, que anunciou hoje deixar o Governo por motivos pessoais.”


O ex-secretário de estado não é, certamente, mais um desempregado. Mas, por coincidência, foi divulgada a taxa de desemprego referente a Outubro: subida de 4,4%, face a Outubro de 2003.

A propósito sabiam que esta semana foi substituída a equipa dirigente do IEFP?

“O número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego aumentou 4,4 por cento em Outubro, face ao mesmo mês do ano anterior, revelou hoje o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
No final do mês de Outubro estavam inscritos nos Centros de Emprego do Continente e Regiões Autónomas 467.809 indivíduos, mais 19.892 que no período homólogo de 2003.”


Notícias LUSA

Mário Soares Alerta

Não é a primeira vez que este tema vem à baila. Tenho ouvido, vezes sem conta, da boca das mais diversas categorias de cidadãos esta frase: “um dia destes vai haver uma revolta popular!”.

Tudo tem os seus limites! Estão ultrapassados, em muitas aspectos da vida portuguesa contemporânea, os limites do tolerável pelas pessoas de bom senso. Só não vê que não quiser ver.

Mário Soares, em vésperas de fazer 80 anos, só confirma uma situação de extrema crispação que paira no ar. Assino por baixo.

“Mário Soares alerta para o perigo de "revoltas descontroladas" em Portugal

Mário Soares afirmou ontem à noite, no Porto, que só a restituição da voz aos cidadãos pode evitar "revoltas descontroladas" e que só ainda não houve "aventuras militares" devido à integração de Portugal na União Europeia.”


Referendo - um péssimo começo

A pergunta, segundo surgiu a público, acordada entre a maioria (PSD/PP) e o PS, para colocar aos portugueses no referendo à Constituição para a Europa é esta:

"Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?"

Ninguém percebe nada, não é? Estão a gozar com o pagode, não é? A campanha para o referendo, envolvendo o PR, o “Bloco Central” e alguns europeístas convictos, seria uma penosa tarefa transformando uma questão simples na maior das trapalhadas da história de 30 anos de democracia em Portugal.

A minha antevisão, para o resultado do referendo, se a pergunta fosse esta: 70% de abstenção.

Querem tornear uma revisão constitucional, não é? Mas não é possível a não ser com o sacrifício do mais importante: a plena participação de Portugal no projecto da UE ou a própria UE.

quinta-feira, novembro 18

Os Nossos

Os críticos não têm credibilidade. Os relatórios críticos não têm credibilidade.

Os críticos querem-se amigos e os relatórios previamente concertados.

Com muito contraditório. De confessionário. O pecador ajoelha e confessa os seus pecados.

O confessor, aquele que ouve confissões, decidirá, em consciência, a penitência a prescrever.

Tudo no maior sigilo. Em família. Os negócios sérios fazem-se na grande família. Assim seja.

O grande problema das democracias é a opinião pública. Opinião pública já se sabe que existe.

Mas não abuse das liberdades. As opiniões querem-se diversas mas cumpridoras, contrárias mas escorreitas, contestatárias mas previsíveis.

O sistema democrático só funcionará em pleno com uma informação domesticada.

Trata-se de uma operação muito simples para os audazes mentores do modelo nacional populista: os “nossos” aos lugares de chefia.

Simples. Só isso. Mais nada.

Absorto - Um Ano

No dia 19 de Dezembro de 2003 escrevi, a título experimental as primeiras palavras neste blog: “Estreia absoluta. Um lugar de comunicação. Experiência para a primeira impressão dos outros. Uma primeira audição para inicio de trabalho.”

A propósito do 1º aniversário do absorto, efeméride quase familiar, vou publicar, a partir da próxima 2ª feira, um conjunto de posts com ressonâncias autobiográficas abrangendo acontecimentos de um longo período e sem sequência cronológica. Neles se misturam acontecimentos reais, de muitas épocas, nos quais participaram alguns protagonistas que, por vezes, não refiro.

A ideia nasceu da necessidade, meramente subjectiva, de relatar alguns acontecimentos únicos dos quais nasceram experiências pessoais enriquecedoras, nalguns casos, envolvendo riscos físicos não desprezíveis.

É, aliás, a continuação da série de 32 posts, sob o título genérico “25 de Abril - notas pessoais”, que publiquei nos meses de Março e Abril, aquando do 30º aniversário do 25 de Abril.

Quero, desta forma, assinalar esta aventura quotidiana, puramente individual, de manter vivo e actuante, durante um ano, um blog sem dependências de qualquer natureza.

Vou continuar mesmo que pairem no ar ameaças de censura que se estendem a todos os meios de comunicação, verdadeiramente livres, de que os blogs são, certamente, nos nossos dias, a expressão mais crítica e demolidora face a todos os poderes instalados.

Tenho a convicção de que os poderes convivem mal com a liberdade de crítica, mas que a liberdade de crítica sobreviverá, sempre, a todos os poderes.


terça-feira, novembro 16

Está frio. Acho bem. É o tempo.

Está frio. Acho bem. É o tempo. O PR adiou a agenda. Acho bem. É o tempo.

Fui ao médico. Acho bem. É o tempo. Estou doente. Acho bem. É o tempo.

Não há crise na coligação. Acho bem. Não está no tempo.

O primeiro-ministro disse umas piadas. Acho bem. Antes que se faça tarde.

Que idade terá o Dr. Portas em 2014? Acho bem. A idade dá respeitabilidade.

Que declarações fará o Dr. Portas em 2014?

Umas tiradas de extrema-direita assumida. Acho bem. Mais vale assim.

Ainda existe coligação? O PR acha que sim? Acho bem. Estabilidade! Estabilidade! É precisa!

O orçamento é compatível com a dita? O endividamento das famílias aumentou? Acabou a austeridade?

Acho bem. Já não era sem tempo. Voltaram os tempos do consumo!

A Dra. Manuela Ferreira Leite era uma “bruxa má”. Acho bem. Morte à bruxa má!

Vamos refundar o PSD? Criar o PSL (Partido Social Liberal) como vaticina o Pacheco. Acho bem. Estabilidade! Estabilidade e Segurança!

Vamos partir isto tudo! Como proclama o Alberto João? Acho bem. Isto já chateia!

O PR adiou a agenda devido a uma inflamação nas “vias aéreas superiores”? Acho bem.

Eu adiei a agenda devido a uma inflamação nas “vias subterrâneas inferiores”. Acho bem.

Como cidadão comum as minhas queixas não podiam ganhar outra altura.

Cada um se inflama conforme a sua condição. Não onde quer, mas onde pode.

Está frio. Acho bem. É o tempo.


Ingerência? Qual ingerência?

A propósito da demissão, em bloco, da direcção de informação da RTP.

Está mais que provado que nestas coisas não há ingerência (“interferência”, “intromissão” – Houaiss). Só mesmo coincidência (“ocorrência simultânea”).

Reparei ontem no fluxo de informação acerca da demissão do director de informação da RTP, e equipa, e é assinalável que a LUSA tenha colocado a notícia “no ar” às 19,22 h., depois de todos os outros meios de comunicação, antecedida de uma notícia desmentindo que tinha havido censura ao “Contra-Informação” que no dia anterior foi interrompido por “problemas técnicos".

A própria RTP “omitiu” a notícia remetendo-a para rodapé (pelo menos quase até ao fim do telejornal). A agência noticiosa oficial e o canal público de televisão fizeram objectivamente um bloqueio à notícia, atrasando-a e remetendo-a para o lote das notícias menores.

É a política dos “glutões” aqueles que “lavam mais branco”. Mas qualquer dia não há fazenda para lavar. Pensem nisso.

Direcção de Informação demitiu-se em blocoConselho de Redacção da RTP considera "abusivo" relacionar demissão com ingerências

Noções de linguística

Ouço os meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguês daqueles que as herdaram:
e são tão imortais que meia dúzia de anos
as suprime da boca dissolvida
ao peso de outra raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão intraduzíveis,
que se derretem assim, não nos altos céus,
mas na merda quotidiana de outras.

Jorge de Sena

Caliban, 3/4, 1972

segunda-feira, novembro 15

sábado, novembro 13

Discursos significativos

Constâncio falou. Não era sem tempo. Guterres orou. Já era tempo. Análises estruturadas e críticas da situação internacional e nacional. A gestão dos silêncios tem falado mais alto. Constâncio fala limitado pela função. As suas críticas ao Orçamento de Estado para 2005 acolhem o acordo do Ministro das Finanças. São tácticas para neutralizar danos e manter abertas as portas do diálogo. De qualquer modo a margem de manobra do ministro das finanças tem vindo a estreitar-se.

Guterres fala iluminado pela estrada de Belém. Chegou a hora de dar sinais públicos da sua disponibilidade para a candidatura presidencial. O discurso de Guterres é um pré anúncio de uma candidatura. Qual? É só esperar os próximos sinais. Mas as suas últimas palavras são eloquentes:

“Sei que por vezes nos sentimos num plano inclinado, viscoso e escorregadio, com um sentimento de impotência, como se nada pudesse evitar o deslizamento para baixo.

Talvez vivamos num plano inclinado e escorregadio. Mas há pelo menos duas coisas que sempre podemos fazer: Cravar uma estaca a que nos fixemos, seja ela feita de valores, de projectos ou do exemplo da acção e dar as mãos aos que ao nosso lado queiram subir connosco.

Talvez venhamos a descobrir que, um pouco mais acima, o plano deixa de ser escorregadio, mas feito de terra firme. Assim, ainda que íngreme, poderemos subi-lo mais depressa, em nome de um Portugal solidário, confiante, seguro de si e do seu futuro, em nome de uma Europa politicamente mais forte, unida e actuante e em nome da justiça nas relações internacionais, ao serviço de um Mundo melhor.”

Ver o discurso de Guterres, na íntegra, em IR AO FUNDO E VOLTAR.

sexta-feira, novembro 12

O PS na Frente

As sondagens, nos próximos tempos, vão apresentar sempre um resultado semelhante a este. Nada que possa constituir surpresa.

O problema não é a maioria absoluta do PS é o PS da maioria absoluta.

"Um mês após a eleição de José Sócrates como secretário-geral do PS, os socialistas registam uma acentuada subida na intenção de voto dos portugueses. Com 40% na sondagem EXPRESSO-SIC-Renascença/Eurosondagem, o PS tem três pontos percentuais de vantagem sobre a soma de votos dos dois partidos da coligação governamental, PSD e CDS. E na projecção da Eurosondagem, com base num exercício meramente matemático de distribuição dos indecisos, os socialistas podem mesmo aspirar à maioria absoluta, com 44,7%, contra 36% do PSD e 5,5% do CDS."

Expresso on line

quinta-feira, novembro 11

"Na morte do palestiniano"

Reparei no post, com o título em epígrafe, na NATUREZA DO MAL. Comungo do seu teor e tomo-o como meu.

"Era um homem com a pátria ocupada. Teve de fugir do Líbano aquando de uma grande matança de que o mundo civilizado e os seus irmãos árabes foram cúmplices e onde se forjaram os terroristas de hoje. Viveu na escuridão de uma antiga prisão colonial britânica. Foi-lhe negado o chão de Jerusalém por sepultura. Também o nosso Afonso Henriques foi brutal, Charles Magne impiedoso, Artur só se comoveu com Guinevere. O ministro da Justiça de Israel disse na sua morte que desaparecia um obstáculo à paz na região. Não sei se é verdade, mas seguramente que a frase se lhe aplica por inteiro a ele, de quem ninguém decorará o nome. Dawkins escreveu um dia que um relativista cultural era um hipócrita e não sei bem se o que sinto é justo. Em Ramallah, o que a Alexandra sentir estará certo.”

Para que se entenda a referência a Alexandra refiro que num post anterior se afirmava:
"(...) Alexandra Lucas Coelho em Ramallah. Descobrindo o que existe entre Deus e o Estado, essa impossibilidade tão necessária. (...)"

Cedo ou tarde

Devias saber
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. E devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.

Albano Martins
Escrito a vermelho

(Vi ontem uma notícia em que se dava a conhecer que Albano Martins tinha ganho um importante prémio chileno. Pelo que entendi atribuído à sua obra poética e também à sua actividade como tradutor. Assino.)

Piada Certeira

People who do lots of work...
make lots of mistakes

People who do less work...
make less mistakes

People who do no work...
make no mistakes

People who make no mistakes...
get promoted

O Erro de Faluya

No dia em que Arafat foi, oficialmente, dado como morto abrindo as portas a um agravamento da crise no Médio Oriente ou, em alternativa, a uma oportunidade de paz, o editorial do "El País" deixa-nos uma mensagem de pessimismo:

"El error de Faluya

El regreso de imágenes de bombardeos, combates y muertos en el asalto a Faluya, 19 meses después de haber sido derrocado Sadam Husein, refleja el fracaso de la invasión americana de Irak."

quarta-feira, novembro 10

Uma pergunta oportuna

De um email de um amigo a propósito de outro assunto respigo, como comentário, a última frase:

"... aproveito para dar os parabéns pelo seu último artido do SE que antecipou o tópico estes dias na berlinda da vergonhosa propaganda eleitoralista à conta do IRS. Onde anda o Eng. Sócrates ?"
pp