Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quarta-feira, julho 31
terça-feira, julho 30
POLÍTICA - 13
Estranho verão como se anunciasse todas as transições, do
clima à política, indeciso e crispado, auspicioso pelo rasgão de Francisco nos
tecidos da ganância, desesperante pelos silêncios dos que descrêem e se
resguardam. A vida continua e todos os movimentos contraditórios se transformarão
em mudanças. Resta saber dos caminhos da justiça e da liberdade. Como regenerar
o regime democrático? A maioria está de acordo num ponto: é preciso reabilitar
a política e os seus protagonistas sem cedências ao populismo. Mas a expectativa
do empobrecimento geral enfraquece a democracia. E a simultânea assunção da
perda de independência, ou da sua drástica limitação, numa pátria aberta ao
mundo, expulsa o talento e retém a resignação. Talvez convocar as Cortes!
segunda-feira, julho 29
sexta-feira, julho 26
quinta-feira, julho 25
segunda-feira, julho 22
sexta-feira, julho 19
"Alocução aos Socialistas"
"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, - sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."
"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"
"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."
"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."
"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."
António Sérgio, In "Alocução aos Socialistas", No Banquete do Primeiro de Maio de 1947.
Veja aqui
"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"
"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."
"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."
"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."
António Sérgio, In "Alocução aos Socialistas", No Banquete do Primeiro de Maio de 1947.
Veja aqui
quinta-feira, julho 18
terça-feira, julho 16
AS EVIDÊNCIAS - XXI
Este é o último soneto de "As Evidências” [1955]. Nos “Diários” de Jorge de Sena, livro publicado por Mécia, surgem referências explícitas ao estado de espírito do autor aquando da escrita dos últimos sonetos datadas de 17 de Abril de 1954.
“Dias de abatimento incrível, ao fim dos quais lutei com os sonetos dos deuses. Repentinamente, ontem surgiu o soneto do mal. E, hoje, suave e sem rima, completei, ou antes, escrevi todo, o soneto dos deuses (XIX). (…) Mas o que eu tenho sofrido vivendo, para depois me “purgar” no sofrimento de escrever abstracto, essencial, de uma vez para sempre!
Chegando a casa, li à Mécia o soneto. Depois, fui copiá-lo para o escritório. Foi escurecendo. E, de súbito, num transe medonho que não me permitiu acender a luz, saiu inteiro o que suponho ser o último soneto da série.”
Cendrada luz enegrecendo o dia,
tão pálida nos longes dos telhados!
Para escrever mal vejo, e todavia
a dor libérrima que a mão me guia
essa me vê, conforta meus cuidados.
Ao fim terrível que me espera extenso,
nenhum conforto poderei pedir.
Da liberdade o desdobrado lenço
meu rosto cobrirá. Nem sei se penso
ou pensarei quando de mim fugir.
Perdem-se as letras. Noite, meu amor,
ó minha vida, eu nunca disse nada.
Por nós, por ti, por mim, falou a dor.
E a dor é evidente – libertada.
16-4-1954
Jorge de Sena
“Dias de abatimento incrível, ao fim dos quais lutei com os sonetos dos deuses. Repentinamente, ontem surgiu o soneto do mal. E, hoje, suave e sem rima, completei, ou antes, escrevi todo, o soneto dos deuses (XIX). (…) Mas o que eu tenho sofrido vivendo, para depois me “purgar” no sofrimento de escrever abstracto, essencial, de uma vez para sempre!
Chegando a casa, li à Mécia o soneto. Depois, fui copiá-lo para o escritório. Foi escurecendo. E, de súbito, num transe medonho que não me permitiu acender a luz, saiu inteiro o que suponho ser o último soneto da série.”
Cendrada luz enegrecendo o dia,
tão pálida nos longes dos telhados!
Para escrever mal vejo, e todavia
a dor libérrima que a mão me guia
essa me vê, conforta meus cuidados.
Ao fim terrível que me espera extenso,
nenhum conforto poderei pedir.
Da liberdade o desdobrado lenço
meu rosto cobrirá. Nem sei se penso
ou pensarei quando de mim fugir.
Perdem-se as letras. Noite, meu amor,
ó minha vida, eu nunca disse nada.
Por nós, por ti, por mim, falou a dor.
E a dor é evidente – libertada.
16-4-1954
Jorge de Sena
segunda-feira, julho 15
POLITICA - 12
Nestes dias de crise política por toda a Europa democrática,
do centro à periferia, do Norte protestante, ao sul Católico, evito citar nomes
de países, todos com suas virtudes e defeitos, forças e fraquezas, belezas e
horrores, um amplo território habitado por povos com culturas e tradições
antigas, prefiro o diálogo à ruptura, a busca racional de entendimentos à
cedência emocional que trás consigo a derrocada da conquista da paz numa Europa
martirizada por duas guerras sangrentas no século XX.
Sei que escrevo palavras banais, num cantinho recôndito da blogosfera, sem outro poder senão o de uma voz entre milhões de vozes tentadas a ceder ao vozear populista que não poupa nada nem ninguém que se levante em defesa do bom senso dos acordos civilizados que não são mais do que o traçar da fronteira dos princípios e valores que a comunidade, representada pelos partidos, em democracia, aceita partilhar como razoáveis numa sociedade cidadã.
Que não se cansem os que aceitam dialogar, quiçá negociar, os democratas, persistindo no caminho que encetaram, rejeitando as chantagens daqueles que sob a capa da defesa da liberdade têm no cerne da sua ideologia a negação da liberdade. Que não temam, ao mesmo tempo, denunciar a injustiça de propostas que aprofundem a transferência brutal de riqueza da parte mais fraca das sociedades para aqueles que buscam capturar a política em favor da alta finança.
O que precisamos hoje, acima de tudo, é de política, a verdadeira, que restaure a confiança do povo nos eleitos em defesa dos seus ideais. Difícil? Tudo o que sempre fez avançar o mundo e as sociedades foi difícil! Aqui fica o meu testemunho em defesa do diálogo, provavelmente o mais difícil exercício em tempos de carência e crispação.
Sei que escrevo palavras banais, num cantinho recôndito da blogosfera, sem outro poder senão o de uma voz entre milhões de vozes tentadas a ceder ao vozear populista que não poupa nada nem ninguém que se levante em defesa do bom senso dos acordos civilizados que não são mais do que o traçar da fronteira dos princípios e valores que a comunidade, representada pelos partidos, em democracia, aceita partilhar como razoáveis numa sociedade cidadã.
Que não se cansem os que aceitam dialogar, quiçá negociar, os democratas, persistindo no caminho que encetaram, rejeitando as chantagens daqueles que sob a capa da defesa da liberdade têm no cerne da sua ideologia a negação da liberdade. Que não temam, ao mesmo tempo, denunciar a injustiça de propostas que aprofundem a transferência brutal de riqueza da parte mais fraca das sociedades para aqueles que buscam capturar a política em favor da alta finança.
O que precisamos hoje, acima de tudo, é de política, a verdadeira, que restaure a confiança do povo nos eleitos em defesa dos seus ideais. Difícil? Tudo o que sempre fez avançar o mundo e as sociedades foi difícil! Aqui fica o meu testemunho em defesa do diálogo, provavelmente o mais difícil exercício em tempos de carência e crispação.
sexta-feira, julho 12
AS EVIDÊNCIAS - XX
Erguem-se as tríades: são mais que deuses,
e menos que verdade de os haver.
De Deus a dupla face em face à vida
é só por elas que a evitamos ser,
quando a não vemos senão dupla, triste
daquele humano gesto de que existe
a sempre imagem trina de O perder,
cindido o amor, no espelho reflectida.
E ao espelho se engrisalham os cabelos
e as rugas cavam-se das eras idas
sobre a vidraça como gotas de água.
Ouvem-se os ecos de outros ecos belos.
E Deus, reflexo silencioso, os deuses
guardam liberto de ser dupla mágoa.
28-4-1954 [curiosamente no dia do meu aniversário.]
e menos que verdade de os haver.
De Deus a dupla face em face à vida
é só por elas que a evitamos ser,
quando a não vemos senão dupla, triste
daquele humano gesto de que existe
a sempre imagem trina de O perder,
cindido o amor, no espelho reflectida.
E ao espelho se engrisalham os cabelos
e as rugas cavam-se das eras idas
sobre a vidraça como gotas de água.
Ouvem-se os ecos de outros ecos belos.
E Deus, reflexo silencioso, os deuses
guardam liberto de ser dupla mágoa.
28-4-1954 [curiosamente no dia do meu aniversário.]
quinta-feira, julho 11
terça-feira, julho 9
EVIDÊNCIAS - XIX
Perdidas uma a uma as coisas todas,
os corpos e as estrelas, flores e rios
na construção do espírito sonhado,
humanamente vos haveis unido,
para de além de tudo ainda regerdes
apenas pó a ser cindido um dia,
que o que ficava, dissoluto o mundo,
a morte humana assim éreis num só,
ó deuses, formas de existir, presença,
tão sempre jovens e dourados mortos
de morte que é sol-posto ou madrugada,
ó deuses do universo! – a tarde cai,
e, em vagas vozes de crianças rindo,
cindido tudo, ó deuses, regressai.
16-4-1954
domingo, julho 7
ERA UMA VEZ UM PEQUENO INFERNO E UM PEQUENO PARAÍSO ...
"Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-l...as é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. A parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza.”
Herberto Helder
Herberto Helder
quarta-feira, julho 3
EVIDÊNCIAS - XVIII
Deixai que a vida sobre nós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse
erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.
Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.
Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,
a que é do tempo a ideia da formosura,
a que se encontra se se não procura.
26-3-1954
Jorge de Sena
terça-feira, julho 2
POLÍTICA - 11
Um pico de crise política emerge e dificilmente se antevê a saída dela.
A tempestade perfeita de consequências difíceis de prever. Escasseiam as
palavras para a descrever. A democracia sem partidos, ou de partido único, não
é democracia, é tirania. Não há volta a dar. É preciso reinventar um modelo que,
faz muito tempo, assentava no que se chamava “centrismo radical”. Os partidos
que foram gerados pelos processos de libertação da tragédia da 2ª guerra e/ou
das ditaduras, mais ou menos tardias, (algumas da europa meridional) estão
gastos, geraram em todos os países (mesmo nos do norte da Europa) dinâmicas de
reprodução ideológica, e de aparelho, que já não são expressão satisfatória das
aspirações de largas camadas das populações. Sem afastar os partidos será
necessário criar novas formas de expressão da vontade popular, novas
conjugações que assimilem a democracia digital, a democracia representativa e a
democracia direta (ou participativa, para usar um termo mais moderado). Tudo
demora tempo e por vezes exige convulsões. Ao que assistimos hoje, não só no
ocidente, como no oriente e nas américas, em todo o mundo, é a uma revolução
que um dia será conhecida por uma designação ainda não encontrada com exatidão.
segunda-feira, julho 1
"Terra e a Morte"
Terra vermelha terra negra
que vens do mar
dos campos queimados,
onde estão as palavras
antigas e as fadigas do sangue
e gerânios entre os rochedos –
não sabes quanto tens
de mar palavras e fadiga,
tu rica como a lembrança,
como os campos agrestes,
tu dura e dulcíssima
palavra, antiga pelo sangue
que afluiu aos olhos;
jovem, como um fruto
que é estação e eco –
o teu hálito repousa
ao céu de Agosto,
as azeitonas do teu olhar
adoçam o mar,
e tu vives e renasces
sem espanto, segura
como a terra, escura
como a terra, lagar
de estações e de sonhos
que à lua se descobre
antiquíssimo, como
as mãos da tua mãe,
a pedra gasta da lareira.
27 de Outubro de 1945
Cesare Pavese
[“Terra e a Morte” in “Virá a morte e terá os teus olhos.”
“Trabalhar Cansa” – Tradução de Carlos Leite, Cotovia]
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