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sábado, setembro 27

Noces à Tipasa



María Casares

“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»

Albert Camus, in “Noces à Tipasa”

domingo, dezembro 29

REVOLTA


"Revolta

Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.

Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.

A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."

Albert Camus, Caderno n.º 4 (janeiro 1942/setembro 1945)

(Mesmo perto do fim do Caderno nº 4, esta releitura, leva-me a retomar uma das citações que melhor explicita uma das preocupações dominantes em todo o pensamento e obra de Camus: a relação entre liberdade e justiça. Quando, nos nossos dias, na vida quotidiana e nos combates cívicos e políticos, se menospreza, ou subalterniza, o valor da liberdade sempre me vem à memória o primeiro parágrafo desta citação: “Finalmente, escolho a liberdade …”)

sábado, dezembro 28

ALBERT CAMUS


Ainda neste ano do centenário de Albert Camus publico uma série de sublinhados de leitura com inevitáveis repetições e algumas novidades a partir de um trabalho que preparei e que, por uma qualquer razão, não foi publicado. Mas, ao mesmo tempo, prossigo nas releituras de onde surgirão, certamente, novos posts. 

Entre muitos modelos possíveis de testemunho acerca do centenário do nascimento de Albert Camus, nascido em 7/11/1913, escolho um entretecido de citações dos “Carnets”, a leitura inaugural da sua obra, pelos meus 20 anos, com breves notas. A biografia e bibliografia de Camus, pelo centenário, foram, de forma surpreendente para mim, razoavelmente divulgadas e o seu estilo de escrita, concisa, fragmentável, “excessivamente perfeita”, segundo os seus detractores, suporta a minha ousadia. As citações são retiradas da edição portuguesa dos Cadernos nº 1 (maio de 1935/setembro de 1937); nº2 (setembro de 1937/abril de 1939); nº3 (abril de 1939/fevereiro 1942); nº4 (janeiro 1942/setembro 1945) e nº 5 (setembro 1945/abril 1948) e não obedecem a ordem cronológica; as citações da edição francesa são acompanhadas pela indicação da fonte.

"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Caderno n.º 2 (setembro de 1937/abril de 1939)

quarta-feira, setembro 18

A LIBERDADE -2

« Non, on ne construit pas la liberté sur les camps de concentration, ni sur les peuples asservis des colonies, ni sur la misère ouvrière ! Non, les colombes de la paix ne se perchent pas sur les potences, non, les forces de là liberté ne peuvent pas mêler les fils des victimes avec les bourreaux de Madrid et d’ailleurs. De cela, au moins, nous serons désormais bien sûrs comme nous serons sûrs que la liberté n’est pas un cadeau qu’on reçoit d’un État ou d’un chef, mais un bien que l’on conquiert tous les jours, par l’effort de chacun et l’union de tous. »
 
ALBERT CAMUS, in allocution prononcée à la Bourse du Travail de Saint-Etienne, 10 mai 1953.

segunda-feira, setembro 16

A LIBERDADE


“Revolta
Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.
Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.
A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."
 
Albert Camus, in Cadernos

 
Cinco comentários acerca de uma palavra sobre a qual merece a pena refletir: a liberdade.
 
Um comentário atrevido ao trecho do grande Camus

A liberdade não é um valor absoluto e integral. Ela não se verifica pela sua existência ou pela sua ausência, mas revela-se na sua maior ou menor substância, e essa substância não está, essencialmente, no poder agir e afirmar o que se pensa, mas na densidade que envolve esse pensar e esse agir. Por isso é um absurdo chamarmos livres às sociedades em que vivemos, porque elas poderão ser mais ou menos livres que outras mas nunca livres em absoluto. Mas absurdo maior é chamarmos livre a uma sociedade em que o pensamento nunca como antes foi tão condicionado por tão poderosos instrumentos de alienação, despossuindo o homem da sua verdadeira essência, tornando-o um ser uniformizado e unidimensional. Moral, necessidades, estilos de vida são induzidos por esses poderosos intrumentos fabricadores do conformismo e do senso-comum numa escala nunca vista.


A esta ideia absoluta de liberdade vem atrelada a ideia de democracia, como organização social e política que a garante. Também ela, aqui, tomada como categoria definitiva e única - a democracia, e não como categoria relativa - esta democracia. Se a democracia perdeu hoje, indiscutivelmente, substância também a perdeu a liberdade, tendo sido ambas remetidas para os seus aspectos formais.
O pior desta democracia é esta ilusão de liberdade.
Isto acontece porque o chamado desenvolvimento favorece as desigualdades sociais e a centralização do conhecimento, do poder e da riqueza. O combate pela justiça é, por isso, o verdadeiro chão onde pode germinar a liberdade. Ao contrário do que dizem, a igualdade social é que pode libertar a individualidade, ao contrário da desigualdade opressora que produz a unidimensionalidade e uniformidade humana. Todos os actos de justiça alargam o espaço da liberdade, ainda que possam restringir o direito ilegítimo de alguns, que é grosseiro designar como cerceamento da liberdade.

Resumindo, inverteria, passe o atrevimento, a prioridade dos termos usados por Camus. Escolho a justiça porque sem ela a liberdade não passa de uma vã e perigosa formalidade, e só com a sua (da justiça) realização progressiva poderá a liberdade ganhar substância. Náo existem actos de justiça atentatórios do valor substancial da liberdade.
Abraço. Carlos Pratas
*
Sobre esta questão complexa todas as simplificações são perigosas. Quando se cataloga ou se acusa deve dizer-se porquê. Duas notas :

1 o comunismo sempre foi património do ideário libertário. Identificá-lo com o totalitarismo, sem mais, é uma facilidade que dá jeito mas não abona no rigor de quem o faz;

2 é uma originalidade conciliar o ideário libertário com o pensamento social-democracia e a defesa da democracia burguesa.
*

O comentário anterior é meu apesar de me ter esquecido de assinar. Escrevi-o como resposta imediata ao comentário do EG que me surpreendeu pelos termos em que foi feito. Acrescento um último esclarecimento:

Nunca defendi posições totalitárias e sempre combati aqueles que falando em nome do comunismo têm muito a ver com o totalitarismo e pouco com o comunismo.. Penso que é tarefa maior resgatar essa ideia original de uma sociedade de plena igualdade e liberdade. Podia inventar-se outra palavra mas essa representa um património de luta de emancipação dos oprimidos e explorados.
Quanto à Democracia, defendo uma outra mais ampla e participada e não esta (por isso não tenho votado) que se faz de um poder cada vez mais delegado e, por isso, abre espaço para florescerem soluções de cariz autoritário. Carlos Pratas
*
Esta citação dos “cadernos” de Camus é o assunto, e a síntese de “O homem revoltado” (1951). Uma das mais importantes reflexões do séc. XX. Todo o livro (O homem revoltado), a que Camus empresta o brilho literário que lhe é característico, se desenvolve para chegar à síntese aqui “postada”. Como se sabe, essa síntese, e o suporte que a fundamenta, ocasionou uma violenta controvérsia, e esteve na base do também violento rompimento entre Camus e Sarte. Rompimento que só viria a ser reparado após a morte de Camus, no vibrante elogio "post mortem" que Sarte lhe dedicou.
Um comentário a um “post” não se presta a grandes aprofundamentos. Mas esta questão é essencial, em certo sentido é a questão, e quero deixar o meu contributo.
A história da “revolta” desenvolvida por Camus no livro não cauciona aquela síntese, pese o esforço produzido nesse sentido. Esse esforço é carrilado na oposição entre o “revolucionário” e o “revoltado”. Através dessa ideia central, Camus tentou chegar à oposição entre justiça e liberdade; ou, o que vai dar ao mesmo, à sua hierarquização, numa escala de valores. Admitida essa oposição, ou essa hierarquização, ou, o que vai dar ao mesmo, à sua possibilidade, é fácil a interpelação de uma escolha: escolhe um dos termos. Camus faz a sua escolha.
Todo o problema reside na admissão dessa oposição. Admitida ela, a questão torna-se irresolúvel, porque, ao contrário da pretensão de Camus, a escolha de um dos termos não resolve o problema. Antes prolonga, indefinidamente, o equívoco.
A solução só pode residir na negação da oposição entre justiça e liberdade. Na assunção da tese de que a liberdade sem justiça é meramente formal, exterior aos mecanismos sociais, e, como muito bem assinalou CP, assassina dela própria: na essência, reduz-se à caricatura dela própria, à liberdade de uma minoria explorar a maioria, à redução do indivíduo a um “replicador” do senso comum, esse mesmo que é o sustentáculo ideológico daquela exploração. E repare-se: se não há justiça, é porque alguém oprime alguém; será admissível conceber que essa opressão possa realizar-se em liberdade? Parece óbvio que não. Nas sociedades “livres” contemporâneas, qual a medida da capacidade de protesto, que fundamenta a escolha de Camus, do assalariado ou do desempregado? E qual a medida da capacidade de recurso que o explorado na sua força de trabalho encontra na justiça “independente” e “cega”? Por outro lado, na assunção da tese de que justiça sem liberdade (aqui entendida como a liberdade, sem peias de qualquer espécie, de plena expansão das possibilidades individuais e colectivas) se transforma numa justiça dirigida, e, nessa qualidade, portadora inevitável de diferenciações sociais, de poderes arbitrários e de novas, que se revelam afinal velhas, formas de exploração.
(CONT)
*
A negação da oposição entre a liberdade e a justiça pode sintetizar-se deste modo: não há liberdade sem justiça, não há justiça que se cumpra sem liberdade. Escolher uma, admitindo o abandono da outra, como quem escolhe um bem maior, face a um bem menor, significa, no fim e ao cabo, negar ambas. Deste modo, essa escolha torna-se pérfida, e ilusória.
Todavia, sobra um aspecto fundamental, argutamente sinalizado pelo CP: porque é intrínseca à realidade social, a realização da justiça, no que tem de movimento individual e colectivo, favorece a realização da liberdade; pelo contrário, e porque é extrínseca àquela realidade, a expansão da liberdade formal, no que tem de estagnação e de alienação individuais e colectivas, obstaculiza a realização da justiça.
A plena reunião da liberdade e da justiça é a utopia da humanidade. O encontro fraterno do revolucionário com o revoltado. Dessa utopia estão muito mais próximos os movimentos libertários e colectivos que têm na raiz a exigência da justiça, do que a sociedade de liberdade formal, classista, decadente, podre e condenada, em que vivemos. A época actual não poderia ser, a este respeito, mais demonstrativa.
Não se trata de uma questão de balanço entre dois termos. Esse balanço não é controlável, e romperá sempre, tendo como resultado inevitável a negação de ambos os termos. Trata-se de uma questão de intransigência. Intransigência na defesa dos dois termos. É a única posição que poderá, de facto, sustentar quer um, quer outro.

Miguel Teotónio Pereira

quinta-feira, setembro 5

"Lamber a vida como um rebuçado..."

15 de Set. (1937)

(...)

“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”

(...)

“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas. É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”

(...)

“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

quarta-feira, setembro 4

NÃO HÁ VIDA SEM DIÁLOGO ...

Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo reflectido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras.” (…)


Albert Camus – alocução feita na sala Pleyel em Novembro de 1948, in Actualidades - Contexto 

segunda-feira, junho 10

A sociedade dos negociantes

A sociedade dos negociantes pode definir-se como uma sociedade na qual as coisas desaparecem em proveito dos signos. Quando uma classe dirigente avalia as suas riquezas, já não pelo hectare de terra nem pelo lingote de oiro mas pelo número de cifras que idealmente correspondem a um certo número de operações de câmbio, dedica-se ao mesmo tempo a pôr uma certa espécie de mistificação como centro da sua experiência e do seu universo. Uma sociedade fundada nos signos é, na sua essência, uma sociedade artificial em que a realidade carnal do homem se acha mistificada. Ninguém então se admirará de que essa sociedade tenha escolhido, para dela fazer a sua religião, uma moral de princípios formais, e de que grave as palavras liberdade e igualdade tanto nas suas prisões como nos seus templos financeiros. Entretanto, não é impunemente que se prostituem as palavras. O valor hoje mais caluniado é certamente o valor da liberdade. Bons espíritos (…) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo ao verdadeiro progresso. Mas se disparates tão solenes puderam ser proferidos foi porque, durante cem anos, a sociedade negociante fez da liberdade um uso exclusivo e unilateral, considerou-a mais como um direito do que como um dever e não receou pôr, tão frequentemente quanto pôde, uma liberdade de princípio ao serviço de uma opressão de facto.   


Albert Camus, in Discursos da Suécia (Conferência de 14 de dezembro de 1957 - Universidade de Upsala). 

segunda-feira, junho 3

LIBERDADE

"Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade. A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.
 (...)

A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."

Albert Camus, in Cadernos


domingo, maio 12

OS TRÊS ABSURDOS

“21 de Fevereiro de 1941.

Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”

Albert Camus

Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)

segunda-feira, fevereiro 4

... le droit d´aimer sans mesure.

“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»

Albert Camus, in “Noces à Tipasa”

Na fotografia María Casares

quarta-feira, novembro 7

ALBERT CAMUS - 99º ANIVERSÁRIO


Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.” Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”, anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.

Albert Camus, in O Primeiro Homem 

segunda-feira, novembro 5

ALBERT CAMUS - NAS VÉSPERAS DO 99º ANIVERSÁRIO DO SEU NASCIMENTO


“São raros aqueles que continuam a ser pródigos depois de terem adquirido os seus meios. Esses são os reis da vida, que se devem saudar com discrição.”
(…)
“ – a miséria é uma fortaleza sem ponte levadiça.”
(…)
“De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?”
(…)
“E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.”
(…)
“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso, de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o contacto com a boca de uma jovem.”

Albert Camus, in O Primeiro Homem

[Depois de amanhã, 7 de novembro, faz 99 anos que nasceu Camus. Está prestes a iniciar-se o ano do centenário do seu nascimento. Espero que, em Portugal, alguma coisa aconteça. A ver. ]      

domingo, setembro 30

ALBERT CAMUS - não existencialista


Como já antes escrevi algures, aquando da minha última estadia em Faro de férias, por sinal, curtas demais, o alfarrabista que faz venda na esquina da rua que frequento, trouxe-me um conjunto de livros de Camus em português. Sempre aparece uma surpresa. Desta vez fiquei a saber que existe mais um livro de autor português acerca de Camus: “Do Absurdo à Solidariedade – a visão do mundo de albert camus”, de Hélder Ribeiro.
O livro é muito interessante, pelo menos para mim, e estou a finalizar a sua leitura. Foi dele que repesquei a citação seguinte que tem o interesse de, para surpresa de muitos, reforçar a ideia de que Camus não se considerava um autor existencialista o que muitos estudiosos da sua obra têm assinalado de forma abundante. Qual o interesse da questão? Que mais não seja a citação evidencia como os autores são desapropriados do seu papel e do lugar da sua obra na história e se toma por verdade adquirida uma mentira vulgar.  
 
Eis a citação de Camus cujas fontes, referenciadas no livro em apreço, aqui se omitem:

Começo a estar ligeiramente (muito ligeiramente) incomodado pela confusão contínua que me confunde com o existencialismo. Enquanto o mal-entendido passa nos jornais, a coisa não é tão grave. Mas ao chegar às revistas, prova bastante a falta de informação em que se encontra a crítica. Uma vez que Troyat escreve que toda a peça de A. Camus não é senão uma ilustração dos princípios existencialistas de J.-P. Sartre, sinto-me na obrigação de precisar três pontos:

1 – Calígula foi escrito em 1938. Nessa época, o existencialismo francês não existia na sua versão actual, ateia. Nesse tempo, ainda Sartre não tinha publicado as obras onde devia dar forma a essa filosofia.
2 – O único livro de ideias que eu escrevi – Le Mythe de Sisyphe – foi dirigido precisamente contra as ideias existencialistas. Uma parte dessa crítica aplica-se ainda, no seu espirito, à filosofia de Sartre.

3 – Não é pelo facto de dizermos que o mundo é absurdo que se aceita a filosofia existencialista. Nesse caso, 80% dos passageiros do metro, a acreditarmos nas conversas que aí ouvimos, são existencialistas. E não posso acreditar nisso. O existencialismo é uma doutrina completa, uma visão do mundo, que supõe uma metafísica e uma moral.

Embora me aperceba da importância histórica desse movimento, não tenho suficiente confiança na razão para entrar num sistema. Não nutro muito gosto pela demasiado célebre filosofia existencial e, para dizer tudo, creio que as suas conclusões são falsas. Mas ela representa, pelo menos, uma grande aventura do pensamento. Sartre e eu não acreditamos em Deus, é verdade. E também não acreditamos no racionalismo absoluto. Não, não sou existencialista. Sartre e eu ficamos admirados de ver os nossos nomes sempre associados.   
Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio onde assinaremos não ter nada em comum e nos recusaremos a responder ao que cada um deve ao outro. Porque, enfim, é uma brincadeira. Sartre e eu publicámos todos os nossos livros antes de nos conhecermos. E quando nos conhecemos foi para constatar as nossas diferenças. Sartre é existencialista e o único livro de ideias que eu publiquei era dirigido contra as filosofias ditas existencialistas.

sábado, agosto 11

"Há rostos ...

Comprei ontem dez livros (edições portuguesas) de Albert Camus a um alfarrabista que faz venda de rua aqui na esquina – de seu nome Simões. Alguns deles não tinha como é o caso da edição dos “escritos de juventude” (tomo II) da qual respigo – com dedicatória – este excerto de “O PÁTIO”, In Notas de Leitura (Abril de 1933):

“Há rostos que se casam estreitamente com uma parte inteira dos nossos impulsos e com os quais comunicamos tão bem desde o princípio, que se torna impossível pensar séria e justamente diante deles, mas unicamente falar docemente, silenciosamente, utilizando palavras gastas e baças, às quais só o sentimento de uma íntima cumplicidade confere um novo valor”.

quinta-feira, maio 24

domingo, abril 29

ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 9


Albert Camus e Michel Gallimard numa viagem à Grécia em 1958. Ambos faleceram em consequência de um desastre de viação no dia 4 de Janeiro de 1960.
"La lucidité tragique n´interdit pas l´exigence d´humanité."

Le Figaro, hors-série
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sexta-feira, abril 27

ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 8


Albert Camus au cap Sounion, lors de son premier voyage en Gréce, en 1955.
"Je me révolte, donc nous sommes."
Le Figaro, hors-série
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quinta-feira, abril 26

ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 7


Albert Camus e Catherine Sellers nos ensaios de "Requiem pour une nonne", em 1957.
Camus tinha uma paixão pelo teatro tendo sido dramaturgo, encenador e ator:
"Le théatre n´est pas en jeu, c´est là ma conviction."
in Le Figaro, hors-série
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