Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
terça-feira, abril 11
NÃO SEI NADA
Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu – eu e os meus irmãos – sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora «pássaro» seja uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar – e de se ficar – pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como não sei.
Ruy Belo
Homem de Palavra[s]
segunda-feira, abril 10
sem título (XX)
Inóspito caminho, o sangue quente latejou
na cavalgada o prazer no dorso da espada
8 de Abril de 2006
domingo, abril 9
MAR DA MANHÃ
Cavafis é retomado por Catatau que, amavelmente, cita a minha incursão pelas traduções para português da sua obra. Cheguei a Cavafis por Jorge de Sena no seu mister de tradutor.
Vejam como é diferente a tradução de Sena de “O Mar da Manhã”, referida por Catatau, desta outra, mais recente, de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis:
MAR DA MANHÃ
Que eu me detenha aqui. E que também eu veja um pouco a natureza.
De um mar da manhã e de um céu sem nuvens.
roxas cores brilhantes e margem amarela; tudo
belo e grande iluminado.
Que eu me detenha aqui. E que me engane para ver isto
(vi de verdade isto por um instante quando primeiro me detive);
e não aqui também os meus devaneios,
as minhas recordações, os modelos da volúpia.
Konstandinos Kavafis
In “Os Poemas”
Relógio d´Água
Les hommes préfèrent Camus
Uma actividade relevante da agenda internacional acerca de Camus:
Camus et les Lettres algériennes : l’espace de l’inter discours - Symposium international Alger - Tipasa, Algérie - Du 24 au 28 avril 2006
sexta-feira, abril 7
sem título (XIX)
No calor da sombra a terra quente subiu
em fúria desordenada rompeu o silêncio
7 de Abril de 2006
GOVERNO:PASSADO E FUTURO
“Organiza-se tudo: é simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”
Albert Camus
No mês passado o governo socialista celebrou o seu primeiro aniversário e o novo Presidente da República assumiu funções. Apoiei, e apoio, as linhas gerais da política do governo socialista. Posso vir a arrepender-me! Mas, hoje por hoje, não vejo outra saída viável para o futuro da comunidade.
O “Semanário Económico”, na sua edição de hoje, publica o artigo com o título em epígrafe de que reproduzo a entrada.
Pode ser lido, na íntegra, no IR AO FUNDO E VOLTAR. Ainda não está disponível no site daquele Semanário.
quinta-feira, abril 6
"... sans amis."
«Selon Montherlant, tout créateur véritable rêve d´une vie sans amis.»
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
ORLA MARÍTIMA
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
«Mudança possui tudo»? Nada muda
nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida
quarta-feira, abril 5
SABER PERDER
HERBERTO HÉLDER
“Até quando pode a memória, e quanto pode, sou o actor e o espectador cúmplice de uma vida perturbada, dramática e irónica. O pouco que percebo dessa massa teatral caótica pode inscrever-se na pauta de uma interpretação menor. Não compreendo nada.”
Herberto Hélder in “Photomaton & Vox”
JUSTIÇA (?)
As questões, debates, práticas, opiniões, comentários, reacções acerca do tema da justiça são uma realidade aterradora.
No outro dia perdi a conta ao número de notícias de crimes que passaram, de seguida, no telejornal da 20,00H, da TVI.
Em Portugal – e não só – a questão da justiça transformou-se num ajuste de contas permanente com a questão da liberdade. A lógica é de condicionar e paralisar, pelo medo, a liberdade dos cidadãos em todos os domínios da sua vida.
Nada de novo que não esteja presente nas reflexões dos mais ilustres pensadores de todos os tempos. Mas a liberdade ganha sempre mesmo que seja à custa de muitos sacrifícios de quem a defende!
BENFICA NA CATALUNHA
O grande acontecimento do dia de hoje, em Portugal, passa-se na Catalunha - Barcelona. Queiram ou não os indiferentes ao fenómeno do futebol é o Barcelona-Benfica. O gigante contra o pigmeu. O vencedor antecipado e o perdedor certo. Mas nunca esquecendo que no meio está o jogo. Para passar o Benfica tem que atingir a perfeição.
Lembro-me de um jogo antigo entre os mesmos protagonistas. Foi equilibrado e deu 3-2 para um dos lados não me lembro qual. São estes desafios impossíveis que fazem sonhar e viver os povos. Neste caso 90 minutos de vez em quando. No fim do dia voltamos ao assunto.
terça-feira, abril 4
sem título (XVIII)
A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente
4 de Abril de 2006
TOMAZ KIM
Onde o sol e a lua e o céu
Vagos são
Como perfume pairando
Da flor desfolhada
Ou asa riscando
O azul que o céu prende
Rendido ao que o sonho ordena
E o sangue implora
Além, longe e sempre,
Lá,
Frio, lento, exangue,
Ei-lo:
Intérprete do que a flor
Nada promete
Sempre.
“Cadernos de Poesia”, 2ª Série, Lisboa, 1951,
In “Cadernos de Poesia”, Colecção Obras Clássicas da Literatura Portuguesa (118),
Campo das Letras, Porto, Novembro, 2004
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Tomaz Kim
(Angola, 1915 - 1967-Lisboa)
Pseudónimo literário de Joaquim Fernandes Tomaz Monteiro-Grillo, professor universitário de profissão, poeta, tradutor e ensaísta.
O início de um curso de engenharia na Universidade de Londres apetrechou-o com um profundo conhecimento da língua inglesa, de largas repercussões para a sua futura carreira literária. Mas foi na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que se licenciou em Filologia Germânica, sendo posteriormente convidado para leccionar na mesma instituição.
Jovem colaborador ainda nos últimos números da Presença, Tomaz Kim fundou, em 1940, com os seus amigos Ruy Cinatti e José Blanc de Portugal a primeira série da revista Cadernos de Poesia. No ano anterior estreara-se com um primeiro livro de poesia “Em Cada Dia Se Morre”, 1939 e escreveu ainda “Para a Nossa Iniciação”, 1940, “Os Quatro Cavaleiros”, 1943, “Dia da Promissão”, 1945, “Flora e Fauna”, 1958 e “Exercícios Temporais”, 1966.
Publicou ainda vários estudos e ensaios literários, além de ter traduzido diversos poetas e ficcionistas anglo-saxónicos, entre os quais T. S. Elliot.
segunda-feira, abril 3
FADO NEGRO
"Freitas, na Canadá, tentou mostrar que era invencível. O resultado é um desastre completo. Freitas quis provar que era um tenor. Mostrou que é um cantor constipado."
Fernando Sobral, "Jornal de Negócios", 03-04-2006
Dar a cara, ir ao terreno, correr riscos, enfrentar a realidade são, para os comentadores, actos falhados, defeitos insanáveis de uma política errada levada a cabo por um político menor. Os portugueses emigrantes no Canadá, que parece regressarem à sua pátria como se viajassem do paraíso para o inferno, são verdadeiras vitimas da nossa pobreza e heróis para os nossos comentadores.
Se Freitas do Amaral fosse um político acomodado, indiferente, alheado das realidades, ausente em parte incerta, face aos dramas que envolvem os portugueses por esse mundo, como seria apelidado pelos mesmos comentadores?
LUIZ DE MONTALVOR
Os “Cadernos de Poesia” começam com um poema de um poeta de quem ninguém se lembra – Luiz de Montalvor – “Sala Morta”:
(…)
“Cerradas as portas de ouro, acabada a hora,
Sonhemos a hora calma da bela aurora!”
1916.
sem título (XVII)
O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo
3 de Abril de 2006
TOCQUEVILLE
Tocqueville (De la démocratie en Amérique) : «On dirait que les souverains de notre temps ne cherchent qu´à faire avec les hommes des choses grandes. Je voudrais qu´ils songeassent un peu plus à faire de grands hommes.»
«La Russie est la pierre angulaire du despotisme dans le monde (Correspondance)»
Napoléon qui accouche la révolution de son enfant naturel: le despotisme. Le frein naturel au despotisme, selon T., c´est l´aristocratie.
Ces esprits «que semblent faire le goût de la servitude une sort d´ingrédient de la vertu». S´applique à Sartre et aux progressistes.
«Que manque-t-il à ceux-là pour rester libres ? Quoi ? le goût même de l´être.»
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
(A polémica entre Camus e Sartre tinha atingido o auge e a ruptura estava consumada.)
domingo, abril 2
PORTUGAL SACRO-PROFANO - LUGAR ONDE
Ruy Belo
Homem de Palavra[s]
sábado, abril 1
O CRIMINOSO TOMA A PALAVRA
Não leio o “Independente” porque é necessário racionalizar o uso do tempo que é tanto mais escasso quanto mais se diversificam os interesses e se apura o gosto.
Mas vi num site este título de uma notícia do “Independente”:
“Rosa Casaco: inspector da PIDE envolvido na morte de Humberto Delgado lança novo livro.”
A democracia portuguesa deve a ser a mais generosa do mundo face aos criminosos de todas as estirpes e a mais injusta face aos seus heróis e “homens de bem”.
sem título (XVI)
Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado
1 de Abril de 2006
INATEL - UMA REFORMA TARDIA
O organograma representando a reforma da administração pública surgiu hoje à luz do dia. Deixando de lado considerações mais profundas acerca do significado desta reforma, que conjuga uma espécie de “limpeza do sótão” do estado, sem relevância especial, com mudanças de real impacto na modernização da administração pública, lá encontrei a “casinha” do INATEL.
O que se entende, a respeito do INATEL, é um processo designado por “externalizar para fundação” o que, neste contexto, deverá representar a sua transformação em fundação de natureza privada. Tudo aquilo que já estava desenhado, ao pormenor, desde 1998 e que tenho vindo a revelar nestas crónicas de arqueologia institucional mas que, para mim, assumem uma especial importância.
Ler, na integra, no IR AO FUNDO E VOLTAR – “A Verdade de Uma Reforma” – 5 de 10)