Imagem in Da Literatura
De um trago li a “Correspondência” trocada entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena editada, em livro, pela “Guerra e Paz”.
Dizem-se coisas inauditas de ternura e violência, abrem-se os corações e confessam-se as exigências práticas da vida, descrevem-se viagens e sonham-se projectos, anunciam-se filhos novos e chora-se a morte e muito mais para tão poucas páginas.
Lá para o fim do livro, Sena que acabara de sair, em 11 de Setembro de 1971, de Lisboa, em carta dirigida a Sophia, datada de 9 de Outubro, desse mesmo ano, dispara um poema antecedido da seguinte frase:
“Aqui te copio um violento poema de Lisboa, em paga da leitura dos teus esplêndidos poemas novos”
Que esperar daqui? O que esta gente
Não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
Informes consentidas
Em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
É o pó de raiva com que se envenenam?
Emigram-se uns para as Europas
E voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
De lágrimas de gôzo e sarapicos.
Nas serras nuas, nos baldios campos,
Nas artes e mesteres que esvasiam,
Resta um relento de lampeiros lampos
Espanejando as caudas com que se ataviam.
Que Portugal se espera em Portugal
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios com o bem e o mal
mas com que há-de pagar-se a quem só rouba a mente?
Chatins engravatados, pelenguentas fúfias,
Passam de trombas de automóvel caro
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
Ou sem as pernas – e como cães sem faro
Os putas poetas se versejam trúfias.
Velhos e novos, moribundos mortos
Se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
Que a mesquinhês transborda ao mais singelo pulo.
Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
Sentados no seu mijo, alimentados
Dos ossos e do sangue de quem não se vende.
(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).
De um trago li a “Correspondência” trocada entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena editada, em livro, pela “Guerra e Paz”.
Dizem-se coisas inauditas de ternura e violência, abrem-se os corações e confessam-se as exigências práticas da vida, descrevem-se viagens e sonham-se projectos, anunciam-se filhos novos e chora-se a morte e muito mais para tão poucas páginas.
Lá para o fim do livro, Sena que acabara de sair, em 11 de Setembro de 1971, de Lisboa, em carta dirigida a Sophia, datada de 9 de Outubro, desse mesmo ano, dispara um poema antecedido da seguinte frase:
“Aqui te copio um violento poema de Lisboa, em paga da leitura dos teus esplêndidos poemas novos”
Que esperar daqui? O que esta gente
Não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
Informes consentidas
Em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
É o pó de raiva com que se envenenam?
Emigram-se uns para as Europas
E voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
De lágrimas de gôzo e sarapicos.
Nas serras nuas, nos baldios campos,
Nas artes e mesteres que esvasiam,
Resta um relento de lampeiros lampos
Espanejando as caudas com que se ataviam.
Que Portugal se espera em Portugal
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios com o bem e o mal
mas com que há-de pagar-se a quem só rouba a mente?
Chatins engravatados, pelenguentas fúfias,
Passam de trombas de automóvel caro
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
Ou sem as pernas – e como cães sem faro
Os putas poetas se versejam trúfias.
Velhos e novos, moribundos mortos
Se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
Que a mesquinhês transborda ao mais singelo pulo.
Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
Sentados no seu mijo, alimentados
Dos ossos e do sangue de quem não se vende.
(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).