(…) Lucie Cormery e a mãe estavam sentadas em cadeiras baixas, escolhendo lentilhas ao clarão da clarabóia da escada, e o bebé numa pequena sesta a chupar uma cenoura inundada de baba, quando um senhor, de ar grave e bem trajado, surgiu na escada com uma espécie de sobrescrito. As duas mulheres, surpreendidas, pousaram os pratos em que escolhias as lentilhas que retiravam de uma marmita colocada entre ambas e limparam as mãos, quando o senhor, que se detivera no último degrau que antecedia o patamar, lhes pediu que não se levantassem, perguntou pela senhora Cormery – “É ela”, disse a avó. “Eu sou a mãe.” – e ele explicou que era o maire, portador de uma triste notícia: o marido morrera no campo da honra e a França, que o chorava tanto como ela, orgulhava-se dele. Lucie Cormery não o ouviu, mas ergueu-se e estendeu-lhe a mão com profundo respeito, enquanto a avó se punha também de pé, levava a mão à boca e repetia: “Meu Deus”, em espanhol. O senhor conservou a mão de Lucie na sua, depois apertou-a entre ambas, murmurou palavras de consolação, entregou-lhe o sobrescrito, voltou-se e desceu a escada com passos pesados. “Que disse ele?”, perguntou ela. “O Henri morreu. Foi morto.” Olhou o sobrescrito que não se atrevia a abrir, além de que nem ela nem a mãe sabiam ler, voltava-o na mão, sem pronunciar uma palavra, nem verter uma só lágrima, incapaz de imaginar aquele morto tão distante, ao fundo de uma noite desconhecida. (…)
ALBERT CAMUS - "O PRIMEIRO HOMEM" (Sublinhados de leitura)
.