quinta-feira, fevereiro 2

Dez versos - (Vinte poemas de Cuba VII)



O que nos mata é solidão povoada.

É estarmos juntos e separados
É sermos sós, mesmo ajuntados
É nada dizer de olhos lavados
É ouvir outros na voz dos amados
É sentir solidão sendo povoados.

O que nos mata
é tanta gente enchendo a solidão.

Assim envoltos de gente em revolta
Ausente do presente que lhe falta
Sermos crentes no porvir a perfeição
O que é afinal o que que nos mata?
Solidão povoada é o que nos mata.

24/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (7). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba. Neste caso tomando, como epígrafe, dois versos do poema “For whom the bell tolls, com incidências do “cogito” cartesiano”, de 23/8/1965].

RÚSSIA/ EUROPA - UE


 Von der Leyen leva equipa a Kiev para aprofundar a cooperação com o Governo do país (Imagem e título de "Público").

Ainda mais, a partir de hoje, uma vitória da Rússia será uma derrota da Europa e vice versa. 

quarta-feira, fevereiro 1

À vista do mar (Vinte poemas de Cuba VI)

 

Marialuisa Morando


À vista do mar, ao longe
ecoam os sons antigos
À vista do mar, as águas
desenham os sons amigos
À vista do mar, ao perto
da miséria sobram sorrisos
À vista do mar, os tons
azuis reluzentes postigos

24/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (6). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

NEVE A SUL

No extremo sul de Portugal, à beira mar, terra de temperatura moderada, o surgimento da neve foi um acontecimento inusitado que perdurou na memória de todos.

Eis o excerto de "O Aprendiz de Feiticeiro", belo livro do grande poeta português Carlos de Oliveira, nascido no Brasil, a propósito daquele acontecimento memorável:

“Contudo, relato a seguir o que me aconteceu na noite de 1 para 2 de Fevereiro de 1954, quando venci por fim a proibição interior e alinhei sem emendas ou hesitações os sessenta e três versos da primeira fala de “O Inquilino”….”

(…)“E entramos por fim no que mais interessa: acabado o impulso das primeiras palavras, afastei a cadeira distraidamente e levantei-me, tentando delinear o seguimento da peça, cuja ideia me surgira só no acto de escrever. Nenhum plano anterior, nenhum esboço. Levantei-me e andei para a janela, metido na pele do inquilino, perguntando a mim mesmo (ou a ele) se não haveria outras perguntas a fazer antes duma decisão que podia ferir o equilíbrio do mundo ou coisa parecida. Foi quando a madrugada explodiu numa féerie mais ou menos nórdica, como se tivesse realmente bastado mexer na cadeira, na ordem pré-estabelecida do quarto, para desencadear o imprevisto: uma tempestade de neve em Lisboa.” (…)

terça-feira, janeiro 31

Ambientes (Vinte poemas de Cuba V)



Cig Harvey

O vento corre perfeito
a borda do mar aquieta
e desenha o fresco da manhã
como uma limonada seca
que se bebe de um golo
e a faca limpa o fruto

24/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (5). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

segunda-feira, janeiro 30

Apátrida (20 poemas de Cuba IV)

 


Whitney Hubbs

Vistos de longe os trastes esquecem
tornam-se um ponto morto, me-
mória que se devorou a ela pró-
pria, a vida torna-se presente sem
passado, como te compreendo bem,
os versos apátridas são o teu
autêntico cântico nacionalista
contra o esquecimento da própria
voz que fala a língua já esquecida

23/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (4). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

O meu irmão Dimas - uma lembrança


As voltas da vida levaram a que meus pais viessem a adoptar, antes do tempo, o modelo quase perfeito da família nuclear. Um casal e dois filhos. Mas é interessante que já os pais de meus pais haviam gerado famílias pequenas: os meus avós paternos com três filhos e os maternos com dois. O modelo da família alargada havia ficado pelas gerações anteriores.


O meu irmão Dimas nasceu onze anos antes de mim. Ele é contemporâneo dos inícios da guerra civil de Espanha e eu sou um “baby boomer” típico. Não sou capaz de imaginar a intensidade do impacto do meu nascimento tardio no equilíbrio familiar.

Mas é um facto que o meu irmão não concluiu o liceu tendo os meus pais que buscar uma via alternativa para a sua formação. Por ruas e travessas chegaram a um caminho que deu certo. O meu irmão, ainda antes de 1955, partiu para o Porto para aprender, ao mesmo tempo, dois ofícios: óptico e gravador.

Lembro o dia da sua partida. Naquela época a distância entre o extremo sul de Portugal e o Norte, entre Faro e o Porto, era incomensuravelmente maior do que é hoje. O meu irmão Dimas, com menos de vinte anos, instalou-se no Porto, tendo encetado a sua aprendizagem na “Óptica Retina”.

Aprendeu bem todos os segredos dos ofícios a que se propôs dedicar-se o que lhe permitiu durante quase cinquenta anos fazer um percurso ascendente, à maneira de um “self-made-man”, que lhe havia de granjear prestígio profissional e social além de prosperidade económica.

Como escrevi, por alturas da sua morte, prematura e injusta, é um caso de alguém que subiu a pulso na vida, com o esforço do seu trabalho, o apoio inicial dos pais, e uma forte exigência na qualidade do seu próprio desempenho pessoal e profissional.

Os meus pais, forçados pelas circunstâncias da vida, com alegrias e amarguras, fizeram, em relação ao futuro dos filhos, o melhor que puderam. E, no essencial, acertaram. Ao mais velho uma profissão, ao mais novo um curso superior. Depois cada um que assumisse, com liberdade, o seu próprio futuro.

domingo, janeiro 29

MAR (Vinte poemas de Cuba III)

Ilustração daqui

O mar profundo é igual a todos
os mares menos o ar adocicado
que se derrama salgado e grosso
tomando todas as cores tropicais
quando pela tarde alta declama
uma sinfonia de reluzentes raios
e subitamente a chuva irrompe
inundando a terra do mar ao cais

23/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (3). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA

 


Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senho-
ra minha não faça isso eu lhe peço eu lhe suplico por Deus nosso
redentor minha senhora não dê importância a um simples mortal
vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais
de...não não não minha senhora não me desabotoe a braguilha
não precisa também de despir o que é isso é verdadeiramente fora
de normas e eu não estou absolutamente preparado para seme-
lhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o
que digo eu disse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôle-
gos sem saliva para molhar a língua e ensaiar um discurso coeren-
te na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino Espírito
Santo minha senhora eu eu eu ó minha senh...esses seios são
seus ou é uma aparição e esses pêlos essas nád...tanta nudez me
deixa naufragado me mata me pulveriza louvado bendito seja
Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu...

Carlos Drummond de Andrade 

sábado, janeiro 28

Tempo (Vinte poemas de Cuba II)

 


Fernando Delgado - Cuban-American, b.1957


Não sei ao certo se ainda sonho
Realizar algum projecto não sei
Ao certo o tempo que me sobra
Do tempo gasto não sei ao certo

23/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (2). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

Luís Moita

O Luis Moita morreu. Quantos anos de cumplicidade e de lutas. A defesa das mais nobres causas a que dedicou a sua vida, justiça e liberdade, exigem que honremos a sua memória. 

sexta-feira, janeiro 27

Contradição (Vinte poemas de Cuba I)

 

Tria Giovan


Se chegamos longe o tempo
por vir se encurta
Se vemos mais além o silêncio
muda de qualidade
Se amamos a liberdade porém
que fazer sem ela?

23/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (1). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

Shostakovich 7th Symphony

quinta-feira, janeiro 26

Treze poemas de agosto XIII



Se os dentes cravo no fruto

E o sabor se entranha sinto

Do prazer os primórdios

E já é ficar a saber muito


Se o corpo enterro no mar

E sinto o frio se entranhar nele

Já sei do prazer o suficiente

Para o mar desejar sempre


Se o mar se espraia ardente

Nas areias finas que gerou

E me abraça assim quente

Que mais desejar do mundo?


Faro, Agosto de 2008

quarta-feira, janeiro 25

Treze poemas de agosto XII


Chaco Terada


Após muitos dias de jejum

soltam-se umas palavras

alinhadas ao som da ponta

larga e romba do lápis

que surgindo do nada

me trazem de volta

ao prazer da escrita

Faro, Agosto de 2008

HOUVE EM TEMPOS UMA GUERRA

 


(...) As pessoas queixam-se de que tratamos os animais como objectos, mas, na realidade tratamo-los como prisioneiros de guerra . Sabes que, quando, pela primeira vez, se abriram ao público os jardins zoológicos, os zeladores tinham de proteger os animais dos ataques dos visitantes? Os visitantes achavam que os animais estavam ali para serem insultados e abusados, como prisioneiros depois da vitória. Houve, em tempos, uma guerra contra os animais a que chamámos caça embora de facto, guerra e caça sejam a mesma coisa (Aristóteles percebeu-o com toda a clareza). Essa guerra durou milhões de anos. Só há uns séculos atrás a ganhámos quando inventámos as armas. Só depois da vitória estar consolidada é que nos pudémos dar ao luxo de cultivar a compaixão. Mas a nossa compaixão é muito superficial. Por baixo dela existe uma atitude mais primitiva. O prisioneiro de guerra não pertence à nossa tribo. Podemos fazer dele o que quisermos. Podemos sacrificá-lo aos nossos deuses. Podemos degolá-lo, arrancar-lhe o coração, lançá-lo às chamas. Quando se trata de prisioneiros de guerra não há leis.

J.M. Coetzee, Elisabeth Costello, romance ed D. Quixote, p 106,
in cap. 4 As Vidas Dos Animais, Os poetas e os animais.

terça-feira, janeiro 24

Treze poemas de agosto XI


Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)


No espaço da celebração

dos antepassados

vagueiam meus passos

na busca humilde

da sombra.


Deslizam as silhuetas

no largo da igreja

rostos frios

na hora do encontro

com a morte.

Faro, Agosto de 2008

segunda-feira, janeiro 23

KAVAFIS

Tenho observado com frequência a pouca atenção que as pessoas dão às palavras. Explico-me. Um homem simples (com simples não quero dizer parvo, e sim não-eminente) tem uma opinião, critica uma instituição ou crença geral; sabendo que a maioria das pessoas não pensa assim, cala-se, na suposição de que não vale a pena falar, pois o que pudesse dizer não mudaria coisa alguma. Trata-se de um erro grave. Eu ajo de outro modo. Por exemplo, sou contra a pena de morte. Sempre que me aparece uma oportunidade, manifesto-me a respeito, não porque ache que, com isso, o Estado a vá abolir, mas porque estou convencido de que assim contribuo para o triunfo das minhas ideias. Pouco me importa que ninguém concorde comigo. O que eu disse não foi em pura perda. Talvez alguém repita minhas palavras e elas cheguem a ouvidos que as ouçam e as perfilhem. Quem sabe se futuramente algum daqueles que ora discordam de mim não se vai lembrar, numa ocasião propícia, daquilo que eu disse e convencer-se ou pelo menos sentir abalada sua opinião em contrário. - O mesmo vale para diversas outras questões sociais, das que exigem acção. Reconheço que sou tímido e não sei agir. Por isso limito-me a falar. Não acho, porém, que minhas palavras sejam em vão. Outro agirá, mas essas palavras – de mim, o tímido, - terão facilitado a acção e limpado o terreno.

KAVAFIS, K. Reflexões sobre Poesia e Ética. SP: Ática, 1998

Treze poemas de agosto X

Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)


Um pequeno poema

luxuriante.

Um ponto de luz

Incandescente.

É o silêncio ao fundo

da palavra

que não mente.

Faro, Agosto de 2008

domingo, janeiro 22

Treze poemas de agosto IX

Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)


Não me interessa o jogo

puro das palavras

deslizando

no papel branco da folha

que recorto e sujo

com a leveza da pena

que uso.

Não escrevo como quem bebe

um licor e se inebria

mas inebria-me a corrente

das palavras que escrevo.

Faro, Agosto de 2008

Sindicatos de Professores - outubro 2005



Eis a notícia, provavelmente de 30 de Outubro de 2005, da qual já não sei a fonte (Lusa?):


A Fenprof, que teve ontem um encontro com a tutela da Educação, revelou hoje em comunicado que, relativamente a eventuais colocações plurianuais, discordará dos mecanismos que impedirem os professores de tentarem, anualmente, mudar de escola para ficarem mais perto das suas famílias.
A Federação Nacional de Professores rejeita as colocações plurianuais – que visam manter os professores na mesma escola por três anos –, sublinhando que a alegada estabilidade conseguida com essa medida não justifica "constrangimentos, desincentivos, penalizações ou impedimentos de apresentação de candidatura dos docentes".
Entretanto, numa reunião entre a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e os Sindicatos Independentes, realizada logo após a audiência da FNE com a ministra Maria de Lurdes de Rodrigues, ficou assente que, se o Governo não recuar nas suas posições, FNE, Fenprof, Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (Sindep) e Sindicatos Independentes avançam mesmo para a greve.
As estruturas sindicais estão preocupadas com a generalização do Inglês no 1º ciclo, com o programa de formação em Matemática dos professores de 1º ciclo e o programa de combate ao insucesso escolar, a reorganização da componente não lectiva no horário dos docentes e o alargamento do horário nas escolas do 1º ciclo.
A alteração do regime de aposentação da Função Pública, em que os professores se incluem, a revisão do regime geral de aposentações dos professores do 1º ciclo e educadores de infância e a alteração ao regime de formação contínua dos professores são outros dos assuntos em relação aos quais a tutela e os sindicatos estão em desacordo.

sexta-feira, janeiro 20

Treze poemas de agosto VIII


A terra eu sei o que é,


a ruga funda cavada no rosto

eu sei o que é, o mundo

do arado que desbrava o rego

e fende a raiz da semente

eu sei o que é, a levada

de água pura que levanta

a seiva de onde nasce o fruto

eu sei o que é, a terra

que esconde o mistério

da morte eu sei o que é,

a terra ganha sempre

Faro, Agosto de 2008

quinta-feira, janeiro 19

Treze poemas de agosto VII

Na perpendicular da terra


ao céu da minha infância

vai um mundo de afectos

com princípios e sem fim,

somente me encontro aí.

Faro, Agosto de 2008

PROTOFASCISMO


Os movimentos protofascistas estão aí, com ampla cobertura dos OCS, de fininho ou à descarada, com o seu objetivo de sempre: destruir a democracia tomando o poder usando-o a seu favor. Os alertas são mais que muitos, cuidados e caldos de galinha, muita pedagogia e não temer utilizar os mecanismos democráticos para lhes barrar o caminho, antes que o caldo se entorne... se não se entornou já.

quarta-feira, janeiro 18

Treze poemas de agosto VI







Se os meus passos


ainda

fazem sentido

é porque ecoam

nos jardins

do meu passado

Faro, Agosto de 2008

ÁRVORES E SOMBRAS


A natureza despe-se sem pudor apesar do olhar dos homens. Nasci com a escassez da água por entre os medos da seca e da fome. Mas a natureza não detém a sua marcha perante os receios do homem. No sul o frio é suave e temperado pelo mar e pela vizinhança de África. A minha terra fica mais próxima de África do que de Lisboa. Sempre nos esquecemos disso quando pensamos nos espanhóis. A sul a neve caiu de 1 para 2 de Fevereiro de 1954. Vi-a cair pela primeira vez debruçado de espanto da janela com vista para o meu mundo. A rua ficou branca e fiz bolas de jogar. Mas a neve na minha memória é quente. A nespereira familiar da minha infância prepara-se para dar frutos. Imagino o seu lugar no quintal de onde nunca saiu e se apresenta sempre viçosa às gerações que passam. Ela renova-se e parece imortal. A figueira do caminho do campo despida de folhas olha-me curiosa. O frio fê-la ficar nua e reparei que não se mexia nem tiritava nem sequer temia a sua morte anunciada. Ela sabe que no próximo verão ainda vai dar frutos suculentos. As árvores são um mundo de vida e de afectos para os artistas. Poetas, pintores, músicos, cineastas, fotógrafos ... muitos dos grandes artistas cantaram a natureza através das árvores. A sombra de cada árvore é diferente conforme a sua natureza. Cada sombra projectada por uma árvore tem vida própria e uma personalidade diferente conforme as espécies. As sombras das árvores são todas diferentes. Ir para a sombra era uma obsessão da minha infância. No sul o sol impõe as suas regras. As árvores no verão eram o lugar da sombra antes de serem o lugar dos frutos e da subsistência.

terça-feira, janeiro 17

Treze poemas de agosto V











Não escrevo palavras


pensamentos

desenho os sons delas

que por momentos

se inscrevem num lugar,

de mim ausentes

Faro, Agosto de 2008

segunda-feira, janeiro 16

A GUERRA

Fotografia de "Público" 

“É sempre vão pretender quebrar um laço de solidariedade, apesar da estupidez e da crueldade dos outros. Não se pode dizer: “Ignoro-o”. Colabora-se ou combate-se. Nada é menos perdoável que a guerra e o apelo aos ódios nacionais. Mas uma vez surgida a guerra, é vão e cobarde querer afastar-se a pretexto de que se não é responsável. As torres de marfim acabaram. A benevolência é interdita. Por si própria e para os outros. Julgar um acontecimento é impossível e imoral se se está de fora. É no seio dessa absurda desgraça que se mantém o direito de a desprezar. A reacção de um indivíduo não tem qualquer importância. Pode servir para qualquer coisa mas nada a justifica. Pretender, por diletantismo, afastar-se e separar-se do seu ambiente, é dar prova da mais absurda das liberdades. Eis porque motivo era necessário que eu tentasse servir. E se não me quiserem, é igualmente necessário que eu aceite a posição do civil desprezado. Em ambos os casos estou no centro da guerra e tenho o direito de a julgar. De a julgar e de agir.” 

Albert Camus, in Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Treze poemas de agosto IV



Ouço o som da terra


que freme

e se move

de encontro ao meu mar azul,

cor da felicidade

Faro, Agosto de 2008

domingo, janeiro 15

sexta-feira, janeiro 13

Treze poemas de agosto II


Não sou capaz


de escrever

o poema

de amor,

falta-me o desespero.

Faro, Agosto de 2008

CONTRA A PENA DE MORTE, SEMPRE!

 In O Portal da História - «Vista do Patíbulo que se viu na Praça de Belém, a 13 de Janeiro de 1759». Museu da Cidade, Lisboa, Portugal. Gravura de autor anónimo.

Em Lisboa, nos arrabaldes de Belém, o Duque de Aveiro e alguns membros da família dos Távoras foram publicamente executados, em 13 de Janeiro de 1759, por estarem implicados no atentado contra o rei D. José. A sentença foi aplicada de uma forma tão brutal e selvagem que foi muito criticada pela opinião pública internacional. Na gravura vê-se o patíbulo com os condenados a serem sentenciados e os seus carrascos; magistrados com as suas varas encarnadas e tropas de infantaria, com os seus tradicionais uniformes brancos com granadeiros de gorro de pele à direita da bandeira regimental, assim como de tropas de artilharia com os seus uniformes azuis. A legenda da gravura enumera os condenados.

quinta-feira, janeiro 12

quarta-feira, janeiro 11

POEMA ARGENTINO

Hoy han venido a verme

mi madre e mis hermanas

Alfonsina Storni


Olho a minha família toda,
com a memória a abraço,
as mãos já não lhes chegam
perto e ao longe a aperto,

Olho nos olhos os que olhei
no dia escasso, mesmo que fosse
juvenil o abraço, sinto as mãos
nas minhas mãos e as aqueço,

Olho dentro de meus olhos
reflexos da luz branca, oiço vozes
amigas ao longe e as conheço,

Olho em volta e a todos vejo,
e na alegria sublime de os ver
é como se os tivera sempre perto.

Buenos Aires, 27/6/2011

terça-feira, janeiro 10

VEJO COISAS MUITO BONITAS



Vejo coisas muito bonitas por aí quando olho
À volta nos intervalos do tempo que me dá
De folga a atenção que depositam em mim
O mínimo gesto uma interjeição o silêncio
O bater do coração o resfolegar o protesto
No meio do tempo que vai a mais de metade
Acredito que as coisas bonitas que vejo por aí
São mesmo a verdade que invento e assim
Não me podem causar desalento nem sequer
No dia em que as achar as coisas mais ruins

2/5/2007

segunda-feira, janeiro 9

NO ANIVERSÁRIO DA MORTE DE MEU PAI DIMAS


Por aqueles dias da primavera de 1958 o meu pai perdeu o medo. Pegou-me pela mão e levou-me a ver a passagem por Faro de Humberto Delgado. Estávamos em plena campanha presidencial. Pela primeira vez, desde o imediato pós guerra, o poder de Salazar tremia. Delgado era destemido, até à beira da loucura, segundo os seus detractores. A sua candidatura forçou à desistência de Arlindo Vicente, candidato apoiado pelo Partido Comunista. Humberto Delgado fez-se ao caminho e arrastou multidões até às urnas. Eu também lá estive pela mão do meu pai. Seguimos de Faro para Olhão onde a recepção foi apoteótica. Nunca hei-de esquecer a mão quente de meu pai apertando a minha. Eu não sabia ainda o significado da palavra fascismo. Mais tarde Humberto Delgado foi assassinado pelos esbirros da PIDE. Os assassinos morreram na cama. É revoltante. Tenho medo de sentir esta sensação de revolta perante a tolerância da democracia. Mas a tolerância, afinal, nunca é excessiva. Aprendi isso com o meu pai. Era um comerciante honrado. Morreu no dia 9 de Janeiro de 1992.

domingo, janeiro 8

PRIMEIRA IMAGEM

Em 8 de janeiro de 2005 a primeira imagem publicada neste blogue. Fotografia do meu amigo Hélder Gonçalves (um grande fotógrafo!).