Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quarta-feira, maio 24
Equilibrio/Desequilibrio
"Bruxelas, 24 mai 2023 (Lusa) – A Comissão Europeia saúda o “grande esforço” de Portugal para melhorar as finanças públicas nos últimos anos, o que poderá levar à ausência de desequilíbrios macroeconómicos em 2024, alertando porém para o peso das medidas de combate à inflação." Uma informação da maior importância que ninguém (ou quase) se dá ao trabalho de descodificar. Passei agora mesmo os olhos pelas primeiras páginas dos principais jornais online e nem réstias de referência ao assunto.
terça-feira, maio 23
sábado, maio 20
Cavaco
Cavaco Silva enquanto vivo nunca perdoará à esquerda e aos socialistas a ousadia de ser governo (eleito). Mais ainda quando está em causa gerir recursos financeiros que se estimam abundantes. Não admira assim que uma vez mais venha a terreiro falar contra o perigo socialista. Como escrevi faz anos Cavaco Silva é um “amorfocrata”: um democrata com ausência de forma definida. Tolera os partidos e aceita a constituição.
sexta-feira, maio 19
INCURSÃO FUTEBOLISTICA - O FARENSE VAI SUBIR À PRIMEIRA
Uma das maiores alegrias da minha vida foi sempre o Farense. Vivi desde 1955
à beira do estádio de S. Luís e aproveitava todas as oportunidades para ver mesmo os treinos. Lembro-me dos rostos dos jogadores mais antigos como se os estivesse aqui na minha frente. O Vinueza, o Reina, o Queimado, o Ventura, o Rato, (guarda redes) o Tarro e tantos outros que as imagens antigas me ajudarão a decifrar. Mas eram equipas que andavam pela 2ª divisão, na melhor das hipóteses, pois parece que, à época, "o sistema" não permitia, salvo o Olhanense num período determinado, que qualquer equipa do Algarve subisse à primeira divisão.
A equipa representada na foto foi, sem dúvida, uma das melhores de sempre. À época já não vivia em Faro mas acompanhava à distância a sua carreira vendo alguns jogos disputados em Lisboa. Mas lembro-me destes jogadores todos dos quais destaco o Benje, um guarda redes fabuloso, o Mirobaldo, um goleador tecnicista elegante, que se fora hoje faria carreira num grande clube, o Sério, "carregador de piano", o Farias um "ala" de categoria, faltando aqui o Adilson que com Mirobaldo e o Farias, formavam um esquadrão de ataque temível que, soube agora, era designado como MFA.
Destes jogadores o que atingiu maior notoriedade, como treinador, foi o Manuel José, rapaz de Vila Real de Santo António, um falso lento que colocava a bola milimétricamente à distância. Hoje tendo ganho o jogo com o Benfica B o Farense está à beira de subir à primeira divisão. Fico feliz!
CONTAS E CRISE POLITICA
Ainda na sequência dos bons números nas previsões para a nossa economia. A coisa é dificil de lidar para as oposições como sempre foi lembrando-me da vitória de Clinton e da exclamção posterior "É a economia, estúpido!". Qual a pressa em derrubar o governo? Quais as razões para as hesitações de Marcelo? Ao contrário de todas as aparências o tempo jogo em desfavor das oposições. Com deficit 0, inflação a planar para baixo, dívida em queda, o governo dentro de pouco tempo tomará medidas que trarão os bons números macro para a vida quotidiana das famílias e das empresas. Criar uma crise politica agora será interromper não só a legislatura como lançar desconfiança sobre os bons resultados alcançados. Quem o fizer pagará a fatura ao contrário de todas as aparências, o tempo conta a favor do governo.
segunda-feira, maio 15
BONS NÚMEROS
A Comissão Europeia (depois do FMI) apresentou hoje a previsão dos grandes números da nossa economia(e das outras) para 2023. Quem dera a qualquer governo dispor de tais previsões. Crescimento económico robusto no contexto contrariando as previsões pessimistas de alguns meses atrás, inflação contida com previsão de queda aos longo dos próximos meses, deficit 0, que é o que vai ser, divida pública a declinar ... Os criticos cépticos dirão que são aparências sem impacto nas condições de vida dos cidadãos, mas o pior para eles, caso a tendência se confirme e consolide, é que dentro de meses o governo terá condições para tomar medidas de alívio fiscal a juntar a acréscimos das remuneração da função pública, digo eu ...
Não é fácil ser oposição com boa economia, sempre foi assim e será, ...
domingo, maio 14
INCURSÃO FUTEBOLISITICA
Uma incursão futebolisitica nesta época de desencanto face ao fenómeno do futebol profissional. Não vem agora ao caso as razões desse desencantopra dizer que os lubes que sempre forma do meu coração estão à beira do sucesso. O Farense está bem posicionado para subir à divisão de topo e o Benfica à beira de se sagrar campião nacional. Ficarei contente se as previsões de realizarem.
PS
A ideia de cercar o PS tem uma longa tradição de insucessos. Quem conheça um pouco da história contemporânea portuguesa reconhece facilmente episódios demonstrativos do fracasso dessa ideia. Não vou enumerar os episódios que tiveram protagonistas vários sendo o mais notável Mário Soares. O que esteve, e está, sempre em questão é o modelo escolhido em 1975/76 da democracia representativa. O insucesso deste cerco sempre se deveu à recusa da maioria dos portugueses ao regresso de um regime autoritário seja qual for a forma que assuma. O cerco ao PS virar-se-à sempre contra os seus promotores porque o PS é o centro do nosso regime democrático. Centro no sentido mais geral que se quiser entender. Quem não perceber isto ...
sábado, maio 13
FRANCISCO CONTRA "LEI DA EUTANÁSIA" - A IGREJA CATÓLICA MUDA DEVAGAR ...
"56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta." In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO - 24 de novembro de 2013
terça-feira, maio 9
Pelo aniversário da morte do Agostinho Roseta - 9 maio 1995
“A virtude é meritória, hoje. Os grandes sacrifícios não são continuados. Os mártires são esquecidos. Eles erguem-se. As pessoas olham-nos. Uma vez tombados, os jornais continuam.”
Albert Camus - in Cadernos
segunda-feira, maio 8
CONTRA O IDADISMO
"O especialista em Direito fiscal e financeiro Eduardo Paz Ferreira celebrou este fim de semana 70 anos, idade em que é imposta a aposentação obrigatória na Administração Pública. Esta segunda-feira dá a sua última lição na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas recusa-se a parar de trabalhar. No livro que vai lançar este mês, com o título “Devo fechar a porta?”, escreve um manifesto contra o “idadismo”, a discriminação dos mais velhos, nomeadamente no trabalho. Em entrevista ao Expresso, diz que há uma guerra de gerações, lamenta a falta de voz e de representação política dos idosos", In "Expresso"
domingo, maio 7
MÃE
Reconheço o amor nos olhos que me olham com desmedida atenção enquanto durmo. Os olhos de minha mãe adoravam ter esperança no futuro no qual jogava a sua crença de ir mais longe. A primeira mulher da minha vida. A mais ousada na sua imprevisível arte de romper barreiras e chegar mais além. A fonte da força que me mantém de pé contra todas as adversidades. Uma mulher de um só homem que não era homem de uma só mulher. A fidelidade nascida da tradição que não da fraqueza ou da futilidade. A irreverência herdada da rudeza do campo, das agruras da natureza à força de puxar a besta e de encaminhar a água à raiz certa não fosse perder-se uma gota. A escola da escassez sonhando a fartura que havia de vir fruto do trabalho honrado. Não perder tempo chorando o tempo perdido. Fazer do tempo um passeio para espairecer e voltar ao arado da vida com sonhos lá dentro. A mulher que se fez a si própria descobrindo os outros e o que se pode e se não pode fazer com eles. Aceitar mudar e escolher o caminho da mudança. Tactear o caminho levando ao colo os seus amores. A primeira mulher que acreditou no caminho hesitante que me havia de fazer homem. Sem saber para onde ia ao certo. Nem ninguém sabia, ninguém nunca sabe, mas não duvidou que havia de chegar a um lugar onde brilharia o sol e sou capaz de a lembrar como a minha primeira mulher. Aquela que mais me amou, sempre me amou além do que a vida pode conter de riqueza material. Um dia ao fim de uma longa caminhada sem sequer saber dos meus males escolheu morrer nos meus braços. A mais sublime homenagem que alguém pode prestar a alguém. De súbito suavemente, na alegria da celebração da juventude, deixou para sempre a esfusiante tradição de me abraçar como se fosse a criança que para ela nunca deixara de ser. [21/1/2008]
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quinta-feira, maio 4
MENSAGENS
A mensagem do PR parece anunciar a sua passagem à oposição. Veremos o que acontece nos próximos tempos. Não será a primeira vez que tal acontece pois me lembro bem de Soares presidente em oposição a Cavaco primeiro ministro. É um clássico sob diversas nuances no nosso regime. Como votei em Marcelo nas últimas eleições se ele passar à oposição passarei a opor-me a ele. Nada de importante mas somente pretendo sinalizar que os socialistas que nele votaram, pelo menos a sua grande maioria, deixarão de lhe dar importância. Como alguém hoje referiu nessa chuva de comentários nas TVs ganha, desde já, mais importância a escolha do próximo candidato presidencial a apoiar pelo PS.
NOJO
"Youtuber vai ao Parlamento a convite da Iniciativa Liberal e publica vídeo com ofensas ao primeiro-ministro" in "Expresso". Esta sim é uma ponta do iceberg populista com a IL no comando.
quarta-feira, maio 3
OUTRA VEZ - POLITICA
É um enigma a origem, e as razões, da crise politica. Está em funções um governo fundado numa maioria saída de eleições; apesar da guerra, da crise energética e da inflação, os indicadores económicos são bons; a contestação social é moderada e focada em setores públicos - professores ... O que será que conduz aos sinais de crise politica? O governo está em funções faz um ano e pouco, a perspetiva de evolução da economia é encorajadora, as medidas sociais já tomadas, e outras que virão, atenuam as perdas dos setores mais vulneráveis. Será a gestão dos vultuosos fundos europeus? Os tempos e os prazos da sua gestão? Apertados, com fim em 2026 ou pouco depois se houver renegociação! Coincidente com o tempo do mandato do PR e do governo na sua fórmula atual.
POLITICA
Neste tempo cinzento de incertezas, no qual sobressae o calculismo, eis que Costa dá um murro na mesa, evidenciando a importância do risco e da coragem na politica.
segunda-feira, maio 1
1º de maio
1º de maio de 1974. O dia da afirmação da reconquista da liberdade. Nesse dia o MES saiu à rua pela primeira vez, foi o seu dia inaugural. As fotografias de autoria da Rosário Belmar da Costa chegaram-me às mãos, anos atrás, através do António Pais. 49 anos depois saúdo os presentes e ausentes.
domingo, abril 30
VIDA
Este domingo a sul, perto da casa onde nasci, reina o silêncio quente como sempre o conheci. Lembro a familia que me acolheu e moldou para a vida. (Nesta fotografia, a do lado paterno.)
sexta-feira, abril 28
ANIVERSÁRIO
Dia de aniversário, a vida celebra-se a si própria, sem parança, com os olhos sempre postos no futuro.
quarta-feira, abril 26
26 ABRIL - 1 DE MAIO 1974
Entre a madrugada do dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 vivi enclausurado no Quartel do Campo Grande, em Lisboa, onde hoje funciona uma universidade privada e naquela época estava sedeado o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar. Lá entrei já a madrugada ia alta, tal conjurado, com o António Dias, após termos perseguido, de carro, a coluna do Salgueiro Maia desde a sua entrada no Campo Grande até ao Terreiro do Passo.
Já contei essa história. De todas as imagens que guardo na memória a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os “donos” da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).
Para os “donos” da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o click que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que, por vezes, passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a “Fita do Tempo da Revolução - A noite que mudou Portugal”.]
O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.
Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.
A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, ainda hoje se cruzam connosco nas ruas e nos locais de trabalho, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.
Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribua tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.
terça-feira, abril 25
A liberdade
Nos momentos de ruptura é necessário fazer escolhas. No período pós 25 de Abril as nossas escolhas resultaram, algumas vezes, de erros de avaliação resultantes de apressadas opções ideológicas e intelectuais.
Nunca duvidei, pessoalmente, da primazia que a liberdade deve tomar no confronto com a justiça. Mas, em todos os tempos, em épocas de crise, em períodos pós guerra ou pós revolução, se suscita a questão da relação entre a justiça e a liberdade.
Camus escreveu, no período pós 2ª guerra mundial, algo que sintetiza, com clareza, o alcance deste dilema: "Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso? (...) Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade..."
Foi este, em síntese, também o nosso dilema. A nossa escolha, neste dilema histórico, foi a liberdade. Hoje não me interessam tanto as pessoas com as quais partilhei os acontecimentos do passado. Interessam-me mais aquelas com as quais possa partilhar os acontecimentos do futuro.
Mas não esqueço as marcas gravadas a fogo na minha memória pelo 25 de Abril de 1974 nem as pessoas admiráveis com as quais vivi esse sonho inigualável que foi a reconquista da liberdade. Se a nossa consciência de homens livres tem algum valor preservemos a capacidade de não nos deixarmos aprisionar pelo esquecimento e pelo medo. Para que nunca se cumpra o receio que Jorge de Sena, um dia, expressou nos seus versos: "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam."
(A fotografia, de autor desconhecido, retrata-me a mim próprio com o João Mário Mascarenhas na porta de armas do quartel do Campo Grande num dos dias de 25 de abril a 1 de maio de 1974.)
segunda-feira, abril 24
Mário Viegas
O oficial miliciano mais fascinante do meu Quartel era o Mário Viegas. O seu estatuto no serviço militar era apropriado ao seu talento de actor.
Vivemos em comum aqueles momentos inesquecíveis em que a liberdade foi devolvida aos portugueses. Tinha por ele um natural fascínio que sempre me retribuiu até à sua morte prematura.
No dia 1 de Maio de 1974, se não erro, no Quartel do Campo Grande, assisti ao acontecimento mais extraordinário de toda a minha vida. Havia que festejar o que agora comemoramos com nostalgia. O refeitório foi transformado numa sala de espectáculos. Nele se reuniu toda a gente.
Imaginem o elenco daquela festa improvisada: Carlos Paredes, Zeca Afonso e Mário Viegas. Todos mestres geniais na sua arte. A certa altura o Mário Viegas subiu para o tampo de uma mesa e a poesia brotou, em palavras ditas, como se diante de nós se revelasse um novo mundo ou tivéssemos da vida renascido.
25 abril
O António Dias já me telefonou hoje como acontece todos os anos neste dia. Fomos os dois juntos, na madrugada do 25 de abril, na peugada da coluna do Salgueiro Maia, uma pura aventura que acabou bem. (Noto que até ao momento o Expresso online não trás uma linha acerca da entrega do Prémio Camões a Xico Buarque - o discurso de Xico Buarque é a resposta mais eficiente aos dislates da nossa pobre extrema direita).
O passo em frente
Os dias que se seguiram ao 25 de Abril foram de ansiedade e expectativa. Nas ruas a euforia disfarçava o nervosismo mas nos quartéis o ambiente não era de certezas definitivas. O Oficial que assumiu o Comando da minha unidade, certamente o Major Azevedo, mandou reunir os oficiais milicianos.
Formamos um semi-círculo e o comandante perguntou se alguém estava contra, ou tinha reservas, face ao Movimento das Forças Armadas. Quem estivesse contra daria um passo em frente. Silêncio e passividade total.
Eis senão quando o Graça, o de Moçambique, deu um passo em frente. Ficamos sem saber o que pensar. Mas ele explicou. Não tinha a certeza se os militares levariam até ao fim o processo de libertação do povo português e a descolonização.
Ficamos mais descansados e destroçamos com sorrisos. Na prática todos os oficiais milicianos do quartel estavam com o MFA.
domingo, abril 23
A rendição de um PIDE
Entramos, ia alta a noite, no Quartel e desde essa madrugada de 24 de Abril até ao 1º de Maio de 1974, inclusivé, não saí do quartel senão uma única vez. Não vivi na rua a verdadeira festa do 25 de Abril após a consumação da vitória da revolução.
Não assisti à enxurrada de manifestações populares nem participei, com muita pena minha, na manifestção do 1º de Maio. Os soldados ficaram horas a fio alinhados nas casernas, por detrás das janelas que davam para a rua, de armas apontadas para o que desse e viesse. Alguém tinha que cuidar desses detalhes da "cozinha" de qualquer revolução.
Muitos de nós, salvo as pacatas manifestções domésticas e aquelas que tinham lugar na rua, defronte do quartel, tiveram de nos dar por satisfeitos com as imagens, a preto e branco, que passavam na televisão.
Num desses dias, estava de oficial-de-dia o António Dias, quando foi procurado por alguém que da rua pretendia falar. Era um agente da PIDE que se queria entregar. Foi recebido com deferência. Identificou-se e fez a entrega da arma. Uma bela pistola que me suscitou cobiça e nunca mais esqueci.
De seguida coube-me a tarefa de o escoltar a caminho da Ajuda onde o entreguei em "Cavalaria 7" ou "Lanceiros 2". Foi a minha única saída do quartel em todos aqueles dias de brasa.
No percurso, realizado em jeep, nem uma palavra se trocou. Lembro-me de ter cumprido a missão, com rapidez, respeitando e defendendo, do primeiro ao último momento, a dignidade de um homem aterrorizado que tinha passado, de um dia para o outro, de agente do poder a prisioneiro do poder. (Fotografia de Alfredo Cunha)
sábado, abril 22
Salgueiro Maia
Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução.
A sua impassividade e serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho.
A serenidade do Capitão Salgueiro Maia sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador congelou a situação.
Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o embaraço do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.
Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entramos pacificamente no 2º GCAM. (Fotografia de Alfredo Cunha).
O renascimento da liberdade
Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António Dias, num daqueles momentos raros da história das nações em que algo de essencial muda.
A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores. Assistimos e participamos, ao vivo, a uma página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade.
Os nossos nomes são verdadeiros: António Cavalheiro Dias, João Mário Anjos e Eduardo Graça.
De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzamos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis, meu conterrâneo, que anos mais tarde vi ao vivo num pequeno café da minha cidade de Faro.
O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na entrada de Monsanto.
Ao longo desta digressão pela cidade sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receie que fosse destroçada em poucos minutos.
PS
Incursão na politica doméstica. Os comentadores de direita que tomaram de assalto a comunicação - quase todos os comentadores são hoje de direita - tentam criar um ambiente de crise politica, social, económica-financeira, avassaladoras. Para quem conheça algo da história é fácil reconhecer que as crises anunciadas são suaves. Curioso também que o debate politico se centre unica e exclusivamente no PS, nas criticas e ataques ao seu governo, emergindo no interior do próprio PS. O PS, cinquenta anos depois da sua criação, não perdeu a capacidade de se questionar a si próprio.
sexta-feira, abril 21
Rua do Arsenal
Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno. Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso.
Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão. Ultrapassamos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo.
O povo ainda não tinha descido à rua. Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime.
Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas.
Na peugada da coluna de Salgueiro Maia
Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande ou seguir atrás da coluna militar tomamos a opção de perseguir a coluna. Mas antes deixamos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, seguimos atrás da coluna de Salgueiro Maia.
A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante.
Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar. Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna. Seriam 4 horas da madrugada e saíam clientes do "Cantinho do Artista" no Parque Mayer.
Éramos, certamente, os únicos perseguidores e acompanhantes exteriores daquela força e queríamos viver os acontecimentos ao vivo.
quinta-feira, abril 20
Finalmente sinais de acção
Retenho muito viva na memória a imagem do carro do combate que encabeçava a coluna a irromper diante de nós. Tinha surgido na escuridão da noite uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro "nívea" da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.
O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória.
A comoção que sentimos é indescritível. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos e registamos, ao vivo, esse momento. Esta é a primeira vez que ele é relatado. Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia.
Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel do Campo Grande ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante.
SOCIAL DEMOCRACIA
Uma incursão na politica doméstica: “O maior problema na política portuguesa é mesmo o socialismo", diz Montenegro. O problema está em que o partido socialista em Portugal é social democrata. Entre PS e PSD marcam-se distâncias entre cambiantes da social democracia. Toda a gente, de forma mais ou menos intuitiva ou elaborada, tem esta perceção.
A espera sem fim
Nessa espera sem fim da madrugada de 24 de Abril de 1974 a certa altura alguém me acordou com incontida emoção. Tinha passado a canção.
Era mesmo a sério. A noite ia alta. Saímos os três. Eu e o João Mário metemo-nos no carro do António Dias que, conduzido por ele, caminhou para a 2ª Circular a caminho do Campo Grande. O Milhomens saiu para a baixa da cidade.
O nosso objectivo era tomar posição dentro do 2º GCAM o mais cedo possível. Mas, ao contrário do que aconselhava a prudência, não o fizemos logo. Antes fomos dar uma volta de carro pelas redondezas a ver o que se estaria a passar na EPAM.
Passamos defronte da EPAM e conseguimos ver o Teixeirinha junto ao muro, equipado de arreios, preparado para integrar o grupo que ocuparia a RTP. Não observamos nenhum outro sinal da acção iminente.
Regressamos à 2ª Circular para reforçar a observação do movimento começando a desconfiar que ia ser um novo 16 de Março. Um fracasso. Encetamos, de novo, o caminho do quartel do Campo Grande.
Ao entrar no Campo Grande surgiu, inesperadamente, diante de nós, uma coluna militar.
quarta-feira, abril 19
O último aviso
No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.
Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho.
O combinado era reunir um pequeno grupo de que faziam parte o João Mário Anjos, o António Milhomens e o António Dias, na casa deste, em Benfica, aguardando o sinal musical ("E depois do Adeus") que anunciaria o desencadear da operação, a nível nacional.
Era perto de minha casa e lá fui preparado para o que desse e viesse. Mas o sinal nunca mais surgia e adormeci deitado no chão.
Os camaradas de armas
Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz uns contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.
Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à família.
Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do poder. Avisei o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Acertamos, entre nós, os passos a dar naqueles dias.
terça-feira, abril 18
Na expectativa do combate
Os dias de finais de Março e princípios de Abril de 1974 foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas.
Soube, em meados de Abril, após o contacto do Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.
Teriam que ser tomados os cuidados próprios de uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime cairia sem oferecer resistência feroz. Seria mais que provável o confronto militar pelo que o mais prudente era estarmos preparados para essa situação.
segunda-feira, abril 17
Capitão Teófilo Bento
Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974. Não sei já através de quem chegou até mim. Talvez tenha sido depois da tentativa frustada do golpe das Caldas da Rainha, em 16 de Março.
Falamos num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande, onde cumpria o serviço militar como oficial miliciano. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-General em Lisboa.
Tratava-se de um ponto fraco na rede de oficiais que preparavam o golpe. Não havia ninguém que eu conhecesse. Mas, após este encontro, fiquei com a certeza acerca da inevitabilidade do golpe o que, até esse dia, era uma mera convicção.
Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Desta vez era mesmo a sério.
Mantive a maior descrição. Não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis.
Após o fracassado "Golpe das Caldas" todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças.
As duas mortes do MES
A sessão final do I Congresso, calorosa e colorida, o símbolo do MES em pano de fundo, desenhado com os pés descalços dos militantes calcando a tinta vermelha, escondia a ruptura que todos assumimos com mais ou menos amargura.
Pela minha parte não falei nem subi ao palco. O argumento da minha recente saída do serviço militar e a invocada necessidade de salvaguardar, por razões de segurança, alguns dirigentes da exposição pública, ajudaram a compor a argumentação que me "salvou" desse sacrifício que a minha timidez natural também favorecia.
Tinha sido o nome mais votado para a Direcção o que pude verificar, pessoalmente, no momento do escrutínio. Mas a lógica colectivista já se tinha imposto, na prática, às afirmações individuais e todos a aceitamos sem questionar o sentido dos acontecimentos.
Assisti a essa sessão de encerramento nos bastidores da Aula Magna, a sós, na companhia de Jorge Sampaio. Posso agora dizê-lo sem constrangimentos: sentia-me um vencedor derrotado e o meu coração estava destroçado. Foi a primeira morte do MES.
Mas a vida tinha de continuar e não deixei de ser solidário, até ao fim, com todos os que julgaram, em boa fé, que o melhor caminho era aquele que a maioria tinha acabado de escolher.
Essa solidariedade assumida, de forma colectiva e responsável, até ao fim, continua presente na convocatória para o jantar de extinção do MES, datada de 31 de Julho de 1981, na qual se afirmava: "Pretende-se assim extinguir o MES, política e públicamente, com a dignidade que a sua rica experiência merece, assegurando, ao mesmo tempo, um destino útil para o seu património."
Os contactos deveriam ser efectuados para o subscritor destas notas e para A. Borges da Gama, dos quais se indicavam os contactos pessoais para recolha das necessárias inscrições prévias. A data apontada para a reunião, que deveria assumir a forma de "almoço ou jantar", era 4 ou 5 de Outubro de 1981. Acabou por ser jantar e realizou-se no dia 7 de outubro.
Na cópia da convocatória que tenho na minha posse, certamente por ter sido dirigida a um destinatário muito íntimo, escrevi, à mão: "Com mil lágrimas mas com um olhar seco que nestas coisas é preciso. Para tomares conhecimento."
E assim, de forma digna e original, o MES morreu pela segunda vez. Bem hajam todos os que nele acreditaram.
domingo, abril 16
Do MES à "Nova Esquerda"
Nas reuniões e discussões prévias ao I Congresso lembro-me de ter, em diversos momentos, divagado a sós, angustiado pela percepção da "quadratura do círculo" que constituía, naquelas circunstâncias, conciliar a democracia representativa com a democracia directa, ou "poder popular".
Uma síntese impossível. Era necessário ganhar tempo, mas a gestão do tempo não era o nosso forte, nem o "espírito da época" favorecia as esperas sábias e pacientes.
As revoluções criam uma especial escala do tempo em que nos sentimos atraídos pela acção e a acção exige mais acção. A única saída possível para tornar o MES um Partido útil, na construção da democracia representativa e participativa, tinha-se esfumado com o desenlace daquele Congresso.
Os que romperam prepararam pacientemente a sua integração no PS. Os que ficaram, por convicção ideológica ou devoção a amizades autênticas, forjadas nas lutas do passado, foram absorvidos pela voragem dos acontecimentos e foram saindo, em levas sucessivas, até à extinção do movimento no célebre jantar do Mercado do Povo.
Após a extinção do MES alguns de nós dinamizaram, no início dos anos 80, a criação da "Nova Esquerda" em cuja declaração de princípios se preconizava o "desenvolvimento de um novo pensamento de esquerda que, assentando fundamentalmente na ideia do socialismo democrático, clarifique as suas fronteiras, encare os valores da liberdade individual, da solidariedade social e da iniciativa modernizadora (tanto ao nível económico como cultural), como elementos constitutivos essenciais."
Defendia-se, num notável documento de Julho de 1984, que mantém plena actualidade, entre outros objectivos, o debate "aberto e inconformista que envolva todos os sectores interessados na modernização do país", o "reforço da democracia" e a "adesão à CEE".
Esse documento preparado para a criação de uma abortada "Cooperativa Nova Esquerda" foi assumido por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça, Eurico de Figueiredo, Jofre Justino, José Leitão, Júlio Dias, Margarida Marques, Sara Amâncio, Tereza de Sousa e Vitor Wengorovius.
Em 21de Abril de 1986 a Comissão Coordenadora da "Nova Esquerda", constituída por Afonso de Barros, Agostinho Roseta, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça e Vitor Wengorovius anuncia que, após seis anos, a "atitude de solidariedade crítica externa ao PS se esgotou e deve ser superada por uma intervenção política concreta que, para a maioria dos membros desta comissão, pode e deve ser realizada, desde já, dentro do PS."
Em consequência, no decurso do ano de 1986, todos os membros da Comissão da "Nova Esquerda", com excepção de Vitor Wengorovius, entre outros ex-activistas do MES, aderiram colectivamente ao PS.
sábado, abril 15
O I Congresso do MES - II
A ruptura política operada no 1º Congresso, e a consequente saída de Jorge Sampaio do nascente MES, não foi inesperada. Ela resultou de um longo processo de debate que durou semanas, ou meses, ao longo dos quais não se estabeleceram as pontes pessoais e políticas que poderiam ter inflectido aquele desenlace.
Recebi, pela minha parte, abundantes avisos e missivas alertando para a gravidade da ruptura que se adivinhava no horizonte. Entreguei tempos atrás ao Pacheco Pereira os originais de duas cartas que me foram dirigidas, a título pessoal, que testemunham a consciência daquela situação.
Uma foi-me enviada, do Porto, por José Galamba de Oliveira, datada de 7 de Novembro de 1974, afirmando: " (...) Parece-me que estamos numa encruzilhada. Não prevejo que futuro está traçado a curto e médio prazo para este país nem vejo claro o que deveremos e poderemos fazer para inflectir favoravelmente o desenrolar do processo histórico. Embora não pense que a luta de classes se desenrole nas cúpulas, gostava de saber o que está arquivado nas gavetas das secretárias de Ford, Brejnev e companhia. Cada vez mais o que se passa num país é menos independente do panorama internacional, e continuo sem ver claro qual o projecto do PCP cá para o burgo lusitano."
E afirma a propósito do Congresso que se avizinhava: "Não estamos suficientemente fortes para depurações. Toda a flexibilidade e diplomacia são poucas para preservar o essencial".
Numa longa carta, de 15 de Dezembro de 1974, que me enviou de Moçambique, Luís Salgado de Matos adverte: "...rezo aos meus santinhos para que não façam cisões - sobretudo a cisão na confusão. Corre-se mais o risco da grupuscularização sem dogma que da social democratização derrapante: não defendo a síntese da carne e do peixe (...) mas julgo que é um risco grave cortar o pano sem ver o tecido. Cisão, a haver - pelo que se pode desenhar - afastará o social democratismo (...) mas reduzirá o MES ao nível do grupinho necessariamente sectário mas sem um conjunto rígido de princípios (que costuma ser a safa destes grupinhos)."
Sábias palavras...
sexta-feira, abril 14
O I Congresso do MES - I
O Movimento de Esquerda Socialista, forjado no período ante-25 de Abril, rompeu-se no seu 1º Congresso, realizado na Aula Magna, em Lisboa, a meio do mês de Dezembro de 1974.
Nesse congresso estavam em confronto duas concepções do papel de um Partido da esquerda socialista no "processo revolucionário".
Uma maioria, fortemente radicalizada, sentia-se legitimada, pelo curso dos acontecimentos, para impor, ao futuro MES, uma orientação política anti-capitalista que, em si mesmo, não tinha originalidade, não fora ser fortemente influenciada pela ideologia da democracia directa que, no caso do MES, tomaria a designação de Poder Popular.
Ficava assim subalternizada a aceitação programática do modelo de democracia representativa vigente na maioria dos países da Europa ocidental.
A minha participação nesse congresso foi marcada pela dilaceração de ter percebido que não seria possível, na prática, evitar uma ruptura entre o grupo liderados por Jorge Sampaio e o grupo majoritário dos delegados ao Congresso.
Alguns dirigentes com responsabilidades, nos quais me incluía, tomamos, pelo silêncio, o partido da maioria, deixando que o coração vencesse a razão, abrindo, assim, a porta a uma deriva esquerdista com a qual, apesar de tudo, tempos mais tarde, tivemos a capacidade de cortar de forma original.
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