sábado, abril 23

"Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,..."



Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

Camilo Pessanha (1867-1926)

In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz

sexta-feira, abril 22

25 DE ABRIL


Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o José Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.

Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.

A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.

48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.

Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.

Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos!

Fotografia de Helder Gonçalves

"Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!..."


«Honny soit qui mal y pense» [1880/1902, Gravura, Album das Glorias - Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)]. O caricaturado, Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim em 25 de Novembro de 1845. In O Portal da História.

No dia 6 de Julho de 2004, em “Citações-9”, assinalo episódios que me ajudaram a cimentar a ideia da existência de uma crescente crispação na sociedade portuguesa à beira da revolta. O futuro havia de confirmar que o PSD tinha ficado refém do PP. Que o PP, a extrema direita em versão pós-moderna, populista e “beata”, havia sobrestimado a sua própria influência social e política. O “povo é sereno” mas não é parvo... e, nesse dia, escrevi:

Os discursos e as faces dos dirigentes da direita apresentam sinais de instabilidade. O povo, como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo "é sereno". O povo apresenta sinais de estabilidade, apesar do sofrimento.

Lembro-me do que me disse um taxista no Porto, umas semanas atrás: "impressiona-me o que vejo todos os dias - as pessoas a falar sozinhas. Então as crianças!". E outro: "Um dia destes vai haver uma revolta popular". Sinais de crispação crescente. Todos aqueles que ouvem, vêem e sentem, como cidadãos comuns, tiveram experiências de sobra da silenciosa revolta que crescia.

A direita populista não está para nascer com Santana Lopes. Já está instalada no poder há muito. A diferença é que até à demissão de Durão Barroso estava na fase da " guerra de guerrilha". Circunscrita em bolsas preparando o terreno para a ofensiva final.

O objectivo de PP e do seu aliado PSL é a conquista do poder. Absoluto. Neste momento tentam o assalto final. Mas para isso têm que mostrar o seu verdadeiro rosto, a sua verdadeira ideologia, os seus verdadeiros alinhamentos internos e internacionais.

O rosto de Durão Barroso, ontem, à saída de Belém, era o de um derrotado. A fotografia da direita populista, a que conquistou a liderança da direita, qual "polaroid" instantânea, vai ganhando contornos cada vez mais claros: é o "pós- fascismo", à portuguesa. Cuidado...

A citação do dia: "Novembro - 32 anos. A inclinação mais natural do homem é a de se aniquilar e toda a gente com ele. Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal! ..."

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)

Camilo Pessanha



Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha (1867-1926)

In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz

quinta-feira, abril 21

Poema numa esquina de Paris



Dezenas e dezenas de pessoas passam ininterruptamente ao longo do passeio.
Umas para lá.
Outras para cá.
Umas para cá.
Outras para lá.
Mas cada uma que passa
tem de fazer na esquina um pequeno rodeio
para não se esbarrar com o par que aí se abraça.
Olhos cerrados, lábios juntos e ardentes,
tentam matar a inesgotável sede.
Através dos seus corpos transparentes
lê-se na esquina da parede:

DANS CETTE PLACE A ÉTÉ TUÉ
MAURICE DUPRÉ
HÉROS DE A RÉSISTENCE.
VIVE LA FRANCE

António Gedeão

"Linhas de Força" - 1967

A Condição Humana


Charlotte Corday após o assassinato de Marat
[1860, óleo sobre tela, 2030 x 1540 mm, Musée des Beaux-Arts, Nantes, France- Quadro de Paul Baudry (1828-1886) representando o assassinato de Marat por Charlotte Corday no dia 13 de Julho de 1793, eliminando um dos mais importantes defensores da política de Terror instaurada pelos jacobinos em França em 10 de Março de 1793]. In O Portal da História

Em 5 de Julho de 2004, em “citações -8”, fiz o retrato do que haveria de ser a governação de Santana Lopes na continuidade, aliás, do governo de José Manuel Barroso.

É surpreende, para mim próprio, a nitidez com que antecipo os traços característicos da situação social originada pela governação de direita que, em Portugal, para espanto de toda a Europa civilizada, foi conduzida por um partido “social democrata” em aliança com a extrema direita.

Original não tanto pelas designações dos partidos de governo, em si, mas pelo vazio dos seus desígnios políticos salvo a submissão à estratégia da administração Bush que haveria de culminar com essa extraordinária operação de elevar ao mais alto cargo da União Europeia um “peão” dessa mesma administração americana.

Começam a vislumbrar-se, no horizonte, os sinais dessa estratégia que se destina a enfraquecer a UE senão mesmo a liquidá-la. Ver-se-á, a breve prazo, o que resultará de uma eventual vitória do “não” no referendo ao Tratado Constitucional que se realizará, no mês de Maio, em França.

Eis o que escrevi em 5 de Julho de 2004:

A vida quotidiana continua apesar da crise política. As famílias trabalham (as que têm trabalho), transportam-se, tratam da vida o melhor possível.

Os últimos dois anos levaram muitas famílias ao desespero. Quem, por dever de ofício, tem conhecimento das mágoas dos cidadãos, maltratados pelas injustiças das políticas desta maioria, terá uma palavra decisiva no pleito eleitoral.

Ver-se-á então quanta crueldade foi praticada nas políticas sociais; quanta incúria no respeito pelos mais fracos para favorecer os mais fortes; quanta desigualdade foi estimulada por acção ou omissão.

Nunca a tragédia desta política, que não foi mais do que um intervalo, será absolutamente assumida. Digo intervalo porque antevejo os argumentos do novo paladino da governação neo-liberal: antes de nós o dilúvio, depois de nós o inferno. A nós, afinal, "não nos deixam governar".

É a estratégia da vitimização. O Dr. Santana Lopes vai tentar fazer passar-se como vítima de uma "intentona" cujos contornos o oligarca da Madeira, à sua maneira boçal, já enunciou.

É um momento de tragicomédia em que a política pura, a que eleva acima da defesa dos interesses particulares o interesse geral, ameaça ser submersa pela pura traficância de interesses, arremesso de ódios e promessas populistas.Ver o episódio de hoje, na RTP-1, com a entrevista "oportuna" de Judite de Sousa a Pedro Santana Lopes.

A citação do dia: "São precisos holocaustos de sangue e séculos de história para provocar uma imperceptível modificação da condição humana. Tal é a lei. Durante anos tombam cabeças em série, reina o Terror, proclama-se a Revolução e consegue-se no fim substituir a monarquia legítima pela monarquia constitucional."

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)

Gota de Água



Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

In "Movimento Perpétuo"-1956

quarta-feira, abril 20

Joana de Arc


Joana de Arc - 1864, aguarela sobre cartão, 533 x 571 mm, Tate Gallery, Londres, Grã Bretanha - Ilustração de Dante Gabriel Rossetti (1828 - 1882) de Joana de Arc (1412-1431).
In O Portal da História

As “Citações-7”, de 4 de Julho de 2004, foram apresentadas como se falassem por si próprias.

Camus escreveu as frases citadas no final da 2ª Guerra Mundial quando ninguém sabia, ao certo, quando iria acabar.

Em plena crise política, no verão de 2004, não fui capaz de escrever uma palavra para as introduzir. Nem sempre somos capazes de encontrar as palavras certas... Mas há verdades intemporais que são duras como punhos ...

"1 de Setembro de 1943.Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco."
*
"Em período de revolução, os melhores é que morrem.A lei do sacrifício faz com que finalmente sejam sempre os cobardes e os prudentes a ter a palavra, já que os outros, ao dar o melhor de si próprios, a perderam."

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)

Sujidades

“Estudo conclui que a sujidade ajuda ao desenvolvimento físico e mental das crianças” – já o tinha descoberto desde criança.

"Somos uma espécie que se adapta à sujidade e que beneficia dela” – Leia-se como se quiser!

In “Público” (só títulos pois me recuso a assinar a versão on-line).

terça-feira, abril 19

"Glosa à chegada de Godot"



Do que não desespero é muito pouco
fugaz e breve e, sem que se repita,
de não se repetir, retorna sempre.
.....

É desespero tudo, mas repete-se
tão sem se repetir, tão sempre de outros,
tão noutros e com outros que esperamos
o mais que ainda virá. Às vezes nada.
O Sim. O Não. Um simples hesitar.
Às vezes muito pouco. O pouco. O muito.
O desespero é fácil tal como esperar.

“Glosa à chegada de Godot” (1959), in Post-Sriptum

Jorge de Sena

MAQUIAVEL


Retrato de Maquiavel (1469-1527)
(detalhe), por Santi di Tito (séc. XVI) No Portal da História

Em 2 de Julho de 2004, em “citações-6”, afloro a “tese cínica”, que circulava em alguns meios políticos mais imaginativos, a qual nunca subscrevi.

Mas, tudo visto e ponderado, atentos os desenvolvimentos posteriores, andavam avisados os estrategos, com aprofundadas leituras de Maquiavel, que defenderam aquela tese.

A solução de governo Santana Lopes, sem convocação de eleições antecipadas, adoptada no verão de 2004, fez o seu caminho com os resultados conhecidos. Eis o que escrevi, em 2 de Julho de 2004, em sua antecipação.

A convocação de eleições legislativas antecipadas não é, como parece à primeira vista, uma vantagem óbvia para a esquerda. A situação da economia, o caos na administração e o mais que se verá, tornam a tarefa de qualquer futuro governo quase impossível.

Por outro lado Santana Lopes é um candidato temível se o PSD se apresentar às eleições liberto de compromissos com o PP de Paulo Portas. Segundo alguns estrategos, com leituras aprofundadas dos clássicos, incluindo Maquiavel, a esquerda teria muito a ganhar se Jorge Sampaio indigitasse o Dr. Pedro Santana Lopes para formar governo.

Conforme a actual maioria proclama ficava garantida a "tranquilidade pública" (Santana dixi) e o prosseguimento do projecto político aprovado pelo eleitorado em 2002. (Parece, em boa verdade, ter sido já há uns 20 anos!).

Para a direita seria um momento de glória a que se seguiria uma governação de direita populista repleta de contrariedades e contradições no seio do PSD. Para a esquerda seria uma folga para se reorganizar e esclarecer a questão da liderança no PS.

Reparem como a expectativa de eleições, a breve prazo, recriou a unidade no PS em torno de Ferro Rodrigues. Todos sabemos que se trata de uma falsa unidade.

Assim como a unidade em torno de Santana Lopes é uma falsa unidade. O "cheiro" do poder torna os "partidos governamentais" túmulos em que os silêncios se oferecem em troca do adiamento das disputam autênticas.Ao contrário do que parece a não convocação de eleições antecipadas pode ser, a médio prazo, vantajosa para o PS e para a esquerda.

Mas os perigos de um populismo sem freio, protagonizado por um governo Santana Lopes + Paulo Portas, sem legitimação eleitoral, farão Jorge Sampaio, muito provavelmente, tomar a opção contrária.

Mas, dizem alguns, que não é nada linear a consideração de que a eventual opção de Jorge Sampaio por eleições antecipadas seja, ao contrário do que possa parecer, um benefício para a esquerda.

As citações do dia: "Ter a força de escolher o que preferimos e ficarmos nesta posição. Caso contrário mais vale morrer."


"O tempo não corre depressa quando o observamos. Sente-se vigiado. Mas tira partido das nossas distracções. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma."


(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)

segunda-feira, abril 18

Pranto pelo dia de hoje



Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que não podem sequer ser bem descritas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In "Livro Sexto" - 1962

Fotografia de Helder Gonçalves

"apesar de tudo"


O general De Gaulle a discursar aos microfones da B.B.C. em 18 de Junho de 1940. Fotografia, Junho de 1940 - Portal da História Nesse dia o general De Gaulle, secretário de estado da Guerra no governo de Paul Reynaud, proclamou em Londres que não aceitava o Armistício, pedido pelo marechal Pétain ao governo alemão de Hitler, tornando-se assim o chefe dos franceses livres.

No primeiro dia de Julho de 2004, em “Citações-5”, retomo o tema da importância dos protagonistas na luta política. Tinha-se tornado, para mim, definitivamente claro que a mudança da chefia do governo de José Manuel Barroso para Santana Lopes, sem a realização de eleições legislativas, constituiria um desastre. Eis o que escrevi nesse dia:

Os comentários na imprensa acerca da crise política enfatizam, quase sempre, a questão das ideias (ou a falta delas) dos candidatos a "chefes". Mas o verdadeiro debate está centrado na sua personalidade propriamente dita.

Discutem-se as pessoas não se discutem as ideias e os programas. Não é por acaso. É que a política é, antes de tudo, uma escolha de pessoas. De nada serve um bom programa interpretado por um "chefe" imbecil. Mas um "chefe" honrado e competente pode partir de um programa mediano e chegar a um "bom governo".

Reparem como foi conduzida uma campanha sórdida, mas bem organizada, para liquidar Ferro Rodrigues. É um caso emblemático da importância dos "chefes". Ora Ferro Rodrigues obteve, nas eleições de 2002, um resultado excepcional, levando o PS perto da vitória em condições desvantajosas. Nas eleições seguintes, as europeias, o PS obteve a maior vitória eleitoral de sempre e, no entanto, Ferro Rodrigues é apresentado, por muitos analistas e, mesmo, por alguns dirigentes socialistas como um perdedor.

Ferro Rodrigues é, pois, um "vencedor/perdedor". Paradoxal. Mas essa encruzilhada extrema em que se encontra é o que lhe dá a força. Quem conheça o homem, como eu, sabe que não desistirá, não fará "fretes" e, mais importante, nunca abandonará "o barco". O povo entende.

Vejam, ao contrário, como um "vencedor", o Dr. Durão Barroso, ao abandonar o governo, se transformou num perdedor. O mesmo já tinha acontecido com o Eng.º Guterres. A importância dos "chefes" avulta pela perda que pode assumir dimensões dramáticas: os "chefes são glorificados pela morte em combate, o sacrifício supremo, (Sousa Franco) ou são odiados pela desistência inexplicável, a suprema cobardia. (Durão Barroso). Cito os casos mais recentes.

Na verdade nunca se discute o programa do governo ou do partido (isso é uma ilusão) o que se discute, na "praça pública" é a personalidade do "chefe". As qualidades e os defeitos dos "chefes" são apreciados, até à exaustão, pela opinião pública. Os cidadãos sabem que o programa "está lá" mas que pode ser "outro" conforme o "chefe" que o executa.

Por isso Durão Barroso não pode ser substituído por Santana Lopes mesmo que o programa da coligação PSD/PP seja o mesmo. Santana Lopes nunca cumprirá o que Durão Barroso prometeu aos portugueses nas eleições e ele próprio não cumpriu.

O que no presente os cidadãos querem é participar na criação de um consenso majoritário na sociedade em torno de uma ideia capaz de relançar a esperança no futuro de Portugal. E esse caminho em democracia é, apesar de tudo, o da escolha, em eleições livres, dos homens para governar.

A citação do dia: ""Nietzche. - Nada de decisivo se constrói, a não ser sobre um "apesar de tudo""

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)

domingo, abril 17

Frank O´Hara


Autobiographia Literaria
by Frank O´Hara

When I was a child
I played by myself in a
corner of the schoolyard
all alone.

I hated dolls and I
hated games, animals were
not friendly and birds
flew away.

If anyone was looking
for me I hid behind a
tree and cried out "I am
an orphan."

And here I am, the
center of all beauty!
writing these poems!
Imagine!

*

Imaginem!
Réplica ao poema “Autobiographia Literaria”
de Frank O’ Hara

Quando era pequeno
tinha vergonha
e na escola
que ficava perto de casa
não sabia ao certo
o meu lugar

Brincava sozinho
imaginando o cheiro dos brinquedos
na feira do Carmo
e no caminho de casa
sonhava alto
a caminhar

Eu não cultivava os amigos
excepto dois e admiráveis
como os gestos ternos
de meus pais
que me ensinaram a liberdade
de esperar

Caminhei por entre
os silêncios
das gentes à minha volta
que esperavam de mim
o curso superior
e talvez casar

O lugar da minha infância
agora sou eu próprio,
imaginem!

Lisboa, 26 de Março de 2003

(A título excepcional, e porque é Abril, um poema que escrevi em homenagem a Frank O´Hara antecedido do poema original, em inglês, que inspirou o meu. A fotografia é de Helder Gonçalves e como todas as que tenho publicado, de sua autoria, é um original que a sua amizade me permite publicar.)

ALL-STARS


All-Stars - Fotografia de Margarida Ramos

Esta fotografia dos velhos All-Stars que o meu filho colocou em exposição no seu quarto tem merecido uma busca enorme a partir do Google. Eis como uma relíqua que se poderia transformar em lixo se transforma num objecto de culto.

Those are "The" old All Star shoes, from my son, exposed on his bad room. Google found this photo and since then it deserves a big request from many google users. Surprising, how something that could be considered as carbage, can becames a symbol.

sábado, abril 16

SULFATOS


O ex-ministro da saúde regressou ao Grupo Mello. O ex-ministro da saúde, no Grupo Mello, não terá nada a ver com os negócios da saúde do Grupo Mello. Vai dedicar-se ao negócio dos sulfatos!

Se tivesse sido ministro dos sulfatos regressaria, ao Grupo Mello, para tratar dos negócios da saúde e não teria nada a ver com o negócio dos sulfatos!

Estão a perceber?

ACONTECEU-ME



Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.

Almada Negreiros

Publicado em Almada: O Escritor - O Ilustrador, 1993

sexta-feira, abril 15

"a própria política é feita da mudança dos homens"


Foto de amistad

No último dia de Junho de 2004, em “Citações-4”, ensaio a mais curta e violenta crítica à eventual mudança de governo, sem a realização de eleições legislativas, com a mais longa citação de Camus assinalada a negro:

Voltando à questão dos "chefes". A mudança dos homens é a essência da política. A citação do dia é um pouco mais longa do que tem sido habitual. Mas parece-me que ilustra, com muita acuidade, uma faceta da crise política actual. A mudança do "chefe" da actual maioria representa uma profunda alteração da situação política.

Não é um detalhe que possa encontrar solução num arranjo de bastidores quando todos sabemos que "a própria política é feita da mudança dos homens".

E esta mudança é demasiado estruturante da própria política para não ser legitimada pelo mais nobre dos mecanismos da democracia representativa: o voto popular.

"Curioso. Historiadores inteligentes investigando a história de um país empregam todas as suas forças a preconizar tal política, realista por exemplo, a que se devem, segundo lhes parece, as maiores épocas desse país.

Apontam eles próprios todavia que esse estado de coisas não pôde durar porque imediatamente um outro homem de Estado ou um novo regime vieram e tudo estragaram.Nem por isso deixam de defender uma política que não resiste à mudança dos homens, enquanto se sabe que a própria política é feita da mudança dos homens. É que só pensam ou escrevem para a sua época.

Alternativa para os historiadores: cepticismo ou uma teoria política que não dependa da mudança dos homens (?)."

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)

PARA O ZÉ


Para o Marcelo do pentimento com amizade

Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
para escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne do que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
da tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.

Adélia Prado, In "Um Jeito e Amor"
Bagagem

Fotografia de Helder Gonçalves

Esquecimentos

O "Director Geral dos Impostos", Paulo Macedo, esqueceu-se de pagar, em tempo, uma prestação da Contribuição Autárquica. Já a ex-Ministra das Finanças, que o nomeou, se tinha esquecido de declarar ao fisco, em tempo, uma outra “coisa qualquer”.

Todos nos esquecemos sempre de alguma coisa. Mas quem assume funções de topo na administração fiscal não pode esquecer-se de nenhuma das suas obrigações fiscais. A verdade é que, nestas questões de impostos, só o BCP não se esquece nunca de nada!

Mas nada me leva a simpatizar com esta campanha que o DN está conduzir contra Paulo Macedo. Repugnam-me estes métodos conduzidos por mãos ocultas visando atingir fins que bem podiam dispensar a humilhação pública dos cidadãos honestos que aceitam desempenhar funções dirigentes na administração pública.

Estes são os métodos do populismo. O governo PS não pode pactuar com eles. Portanto das três uma: ou o governo demite o "Director Geral dos Impostos", por falta de confiança política, assumindo o ónus da decisão, ou o defende publicamente, reiterando-lhe a confiança política, ou ele se demite por falta de condições para o exercício da função.

"Diário do Governo" - 9