Encostado ao balcão da cervejaria de praia, para a mulher que o acompanhava, arrastando a voz, apesar de ser meio dia: ”Eu vou lá e resolvo isso ... eu sou assim! ...eu vou lá e resolvo isso ... eu sou assim! Repetidamente...”
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, agosto 6
"uma franco-maçonaria do cigarro."
Uma retribuição à gentileza do Pentimento com uma alusão directa aquele vício de Camus que a fotografia bem ilustra.
"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sexta-feira, agosto 5
Mudar o "estado social" para preservar o "estado social"
Já está disponível na edição online do “Semanário Económico” o artigo com o título em epígrafe.
O mesmo artigo está ainda acessível no IR AO FUNDO E VOLTAR.
O mesmo artigo está ainda acessível no IR AO FUNDO E VOLTAR.
quinta-feira, agosto 4
FRAGMENTO
Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
Florbela Espanca
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
Florbela Espanca
"Está visto que não chega"
Pacheco Pereira parece estar muito preocupado. Hoje, numa posta com o título “PARECE SILLY SEASON MAS NÃO DEVIA PARECER”, escreve no ABRUPTO:
“Quem esteja atento ao que se está a passar, verifica que se estão a somar sinais claros de ingovernabilidade, e de declive político acentuado”
Todas as dúvidas da oposição ao governo socialista se justificam ainda para mais quando o governo assume – com coragem - as medidas reformistas que qualquer observador atento verifica, com perplexidade, deveriam, pelo menos em parte, ter sido assumidas pelos governos anteriores de centro-direita dos quais JPP era partidário (do primeiro pois, em boa verdade, era opositor do segundo, embora militante do principal partido que politicamente o suportava).
O que me preocupa, a mim, nesta posta de JPP é a última frase deste parágrafo: “Mas o ambiente é de irresponsabilidade e deixa andar, não é de alarme. Ninguém se alarma em Agosto. Muitos portugueses são empurrados para distracções mais fúteis, mas isto está a ficar complicado. Tanto mais complicado quanto a legitimidade e excepcionais condições políticas, alcançadas onde está a força, nos votos, existem como já não havia desde 1991. Ou seja, não é nas urnas que se pode procurar meios e respostas. Está visto que não chega.”
Então se não é nas urnas que se podem buscar, em democracia, “meios e respostas”, onde é que se podem buscar?
Aqui está uma frase que vinda de alguém que, como JPP, certamente, não aceita receber lições de democracia de ninguém, carece de clarificação.
“Quem esteja atento ao que se está a passar, verifica que se estão a somar sinais claros de ingovernabilidade, e de declive político acentuado”
Todas as dúvidas da oposição ao governo socialista se justificam ainda para mais quando o governo assume – com coragem - as medidas reformistas que qualquer observador atento verifica, com perplexidade, deveriam, pelo menos em parte, ter sido assumidas pelos governos anteriores de centro-direita dos quais JPP era partidário (do primeiro pois, em boa verdade, era opositor do segundo, embora militante do principal partido que politicamente o suportava).
O que me preocupa, a mim, nesta posta de JPP é a última frase deste parágrafo: “Mas o ambiente é de irresponsabilidade e deixa andar, não é de alarme. Ninguém se alarma em Agosto. Muitos portugueses são empurrados para distracções mais fúteis, mas isto está a ficar complicado. Tanto mais complicado quanto a legitimidade e excepcionais condições políticas, alcançadas onde está a força, nos votos, existem como já não havia desde 1991. Ou seja, não é nas urnas que se pode procurar meios e respostas. Está visto que não chega.”
Então se não é nas urnas que se podem buscar, em democracia, “meios e respostas”, onde é que se podem buscar?
Aqui está uma frase que vinda de alguém que, como JPP, certamente, não aceita receber lições de democracia de ninguém, carece de clarificação.
TERRA TEMPERAMENTAL
Apresentando TERRA TEMPERAMENTAL, com um poema de Fernando Pessoa
O que há em mim é sobretudo cansaço
— Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
O que há em mim é sobretudo cansaço
— Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Dirigentes Sindicais
Os dirigentes sindicais brincam com o fogo ao combater no terreno da defesa, pura e dura, dos chamados direitos adquiridos, chegando mesmo a colocar em causa o fim de um conjunto de privilégios dos titulares de cargos políticos.
Os dirigentes sindicais, de alto a baixo, deveriam aproveitar o verão para olhar para a sua própria casa. Avaliar o peso da burocracia sindical e, em particular, os privilégios de que usufruem muitos sindicalistas.
Verificar até que ponto os cadernos reivindicativos dos sindicatos estão de acordo com o interesse dos trabalhadores que representam. E, ainda mais importante, avaliar de que forma as manifestações que se preparam para desencadear, os colocam do lado do futuro ou do lado do passado. Interrogar-se acerca se vale a pena combater em favor das "conquistas" dos chamados corpos especiais, que se constituíram na administração pública, em boa parte, por iniciativa dos governos de Cavaco Silva.
Reflectir acerca do interesse geral dos trabalhadores. Dirão que não é nada, o interesse geral! Que a missão dos sindicatos é a defesa dos interesses concretos dos trabalhadores que representam. Mas se assim é para que existem Centrais Sindicais que congregam todos, ou quase todos, os sindicatos representativos de cada classe profissional?
Não estará esgotado, carecendo de uma profunda reforma, o modelo de acção e organização do sindicalismo português herdado da revolução de Abril de 1974?
Os dirigentes sindicais, de alto a baixo, deveriam aproveitar o verão para olhar para a sua própria casa. Avaliar o peso da burocracia sindical e, em particular, os privilégios de que usufruem muitos sindicalistas.
Verificar até que ponto os cadernos reivindicativos dos sindicatos estão de acordo com o interesse dos trabalhadores que representam. E, ainda mais importante, avaliar de que forma as manifestações que se preparam para desencadear, os colocam do lado do futuro ou do lado do passado. Interrogar-se acerca se vale a pena combater em favor das "conquistas" dos chamados corpos especiais, que se constituíram na administração pública, em boa parte, por iniciativa dos governos de Cavaco Silva.
Reflectir acerca do interesse geral dos trabalhadores. Dirão que não é nada, o interesse geral! Que a missão dos sindicatos é a defesa dos interesses concretos dos trabalhadores que representam. Mas se assim é para que existem Centrais Sindicais que congregam todos, ou quase todos, os sindicatos representativos de cada classe profissional?
Não estará esgotado, carecendo de uma profunda reforma, o modelo de acção e organização do sindicalismo português herdado da revolução de Abril de 1974?
quarta-feira, agosto 3
Os "Amigos"
"Soares já foi Presidente duas vezes. Não querer deixar espaço a outros, sobretudo a um amigo de tão longa data e tão duras lutas como Manuel Alegre, não abona a seu favor"
Helena Roseta, PÚBLICO, 03-05-2005
Lê-se e pasma-se. Helena Roseta pode ter toda a razão do mundo que acho, sinceramente, que não tem, mas deveria guardar para o agasalho das confidências de amigos estes desabafos. Todos sabem que, em política, é mais certo ganhar o euro-milhões do que assegurar a fidelidade dos amigos. E só os grandes espíritos, raros na política, conseguem ascender à condição de ser fiéis à divisa :“antes ser traído, a trair”.
Helena Roseta, PÚBLICO, 03-05-2005
Lê-se e pasma-se. Helena Roseta pode ter toda a razão do mundo que acho, sinceramente, que não tem, mas deveria guardar para o agasalho das confidências de amigos estes desabafos. Todos sabem que, em política, é mais certo ganhar o euro-milhões do que assegurar a fidelidade dos amigos. E só os grandes espíritos, raros na política, conseguem ascender à condição de ser fiéis à divisa :“antes ser traído, a trair”.
Amor/Egoísmo
“Nós não experimentamos sentimentos que nos transformam, mas sentimentos que nos sugerem a ideia de transformação. Assim também o amor não nos liberta do egoísmo, mas faz-nos senti-lo e dá-nos a ideia de uma pátria longínqua onde esse egoísmo já não teria lugar.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
terça-feira, agosto 2
PURA COINCIDÊNCIA
Apresentando Pura Coincidência, a propósito de duas efemérides: aniversários de nascimento de José Afonso e de António Maria Lisboa
Canção de Embalar
Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
José Afonso
Canção de Embalar
Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
José Afonso
A ÁRVORE
Para mim “a árvore” é a alfarrobeira. Havia muitas no campo da minha infância e à sua vista e, mais importante, à sua sombra, imaginei o mundo à minha maneira. Brinquei com as suas folhas tão características e a minha sensibilidade foi, certamente, moldada pelo seu cheiro. Todas diferente nas suas formas sempre femininas. É isso, as alfarrobeiras são, para mim, como corpos de mulheres que não se esquecem e se imaginam. Daí o seu fascínio.
1937- - "ANO TERRÍVEL"
“Ano Terrível: designação dada ao ano de 1937. Correspondeu à fase mais sinistra do Grande Terror estaliniano: execução de Riutine, segundo Grande Processo de Moscovo (Piatakov, Radek, Serebryakov, Muralov e Sokolnikov – exceptuando Radek, todos foram executados), suicídio de Serguei Ordjonikidze, prisão de Bukharine (que será executado no ano seguinte), execução (sem julgamento) do economista e teórico do comunismo Preobrajensky, assim como a execução do Marechal Tukhatchevsky (e de outros sete notáveis chefes militares, todos eles generais).
Por outro lado prosseguiu a “vingança” de Estaline contra Trotsky: o assassínio de Serguei Sedov (filho mais novo) e da execução de Aleksandra Sokolvskaia ( a sua primeira esposa) também ocorreram, neste mesmo ano. No entanto não se pode ignorar o facto de o ano de 1938 não ter sido melhor: execução de Bukharine, Rykov e Krestinsky; e assassínio de Lev Sedov, filho mais velho de Trotsky, em Fevereiro.”
In “Bukharine, Minha Paixão” de Anna Larina Bukharina, tradução do notável comunista Ludgero Pinto Basto, recentemente falecido - “Glossário” - página 419 - (organizado e escrito por Alberto Freire), Edições Terramar
Por outro lado prosseguiu a “vingança” de Estaline contra Trotsky: o assassínio de Serguei Sedov (filho mais novo) e da execução de Aleksandra Sokolvskaia ( a sua primeira esposa) também ocorreram, neste mesmo ano. No entanto não se pode ignorar o facto de o ano de 1938 não ter sido melhor: execução de Bukharine, Rykov e Krestinsky; e assassínio de Lev Sedov, filho mais velho de Trotsky, em Fevereiro.”
In “Bukharine, Minha Paixão” de Anna Larina Bukharina, tradução do notável comunista Ludgero Pinto Basto, recentemente falecido - “Glossário” - página 419 - (organizado e escrito por Alberto Freire), Edições Terramar
segunda-feira, agosto 1
"homens sem ideal e sem grandeza."
Hoje reflectindo com um amigo falávamos de como terá sido possível que uma grande parte da intelectualidade de esquerda tenha apoiado a União Soviética a partir dos finais dos anos 20 e, em particular, ao longo dos anos 30.
Não sabiam nada dos crimes de Estaline? Já aqui assinalei que Camus abandonou o Partido comunista em 1937, no qual tinha ingressado em 34. Talvez Camus tenha entendido o que muitos intelectuais do seu tempo não quiseram ou não puderam entender.
É a essa luz que pode ser lida, entre muitas outras alusões, este fragmento dos seus “Cadernos”, escrito em Dezembro de 1937:
“A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se agora de criar em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos – de os pôr em movimento. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Acrescento que o ano de 1937 é designado como o “ ano terrível” por corresponder à fase mais sinistra do Grande Terror estalinista do qual descreverei, a seguir, alguns pormenores.)
Não sabiam nada dos crimes de Estaline? Já aqui assinalei que Camus abandonou o Partido comunista em 1937, no qual tinha ingressado em 34. Talvez Camus tenha entendido o que muitos intelectuais do seu tempo não quiseram ou não puderam entender.
É a essa luz que pode ser lida, entre muitas outras alusões, este fragmento dos seus “Cadernos”, escrito em Dezembro de 1937:
“A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se agora de criar em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos – de os pôr em movimento. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Acrescento que o ano de 1937 é designado como o “ ano terrível” por corresponder à fase mais sinistra do Grande Terror estalinista do qual descreverei, a seguir, alguns pormenores.)
domingo, julho 31
O olhar sobre a paisagem
As encostas e os vales, depois dos dias de chuva, ficaram verdejantes. Olho-os do cimo da estrada que serpenteia a caminho de Colares. As hortas sobrevivem e deixam uma esperança de futuro. Já o verão vai a meio e o calor é temperado por esta aragem fresca que sempre sopra do Atlântico, aqui perto. Leio os primeiro fragmentos dos “Cadernos”, descrevendo a paisagem da Argélia de Camus e encontro aí, quase na perfeição, o meu Algarve. O mediterrâneo que não banha a minha terra mas a influencia de forma tão marcada. Como naquele texto, que intitulei “Alfarrobeiras”, onde me reencontro, em pleno, com o ambiente da minha juventude. Os cheiros são o mesmos, as mesmas árvores, o mesmo pó, a mesma secura da terra, a mesma tez nos rostos das gentes. Aqui, nas cercanias de Lisboa, tudo muda menos a luz do sol e o meu olhar, fascinado, pela paisagem.
(O Dias com Árvore deu conta das Alfarrobeiras, obrigado.)
(O Dias com Árvore deu conta das Alfarrobeiras, obrigado.)
As alfarrobeiras
“18 de Outubro(1937) .
No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.
No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.
No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Um homem não se rende
“Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.”
Manuel Alegre
in “Expresso” de 30 de Julho - excerto de “O quadrado”, indicado como um texto de um novo livro de contos a editar proximamente, – para quem quiser entender!
Manuel Alegre
in “Expresso” de 30 de Julho - excerto de “O quadrado”, indicado como um texto de um novo livro de contos a editar proximamente, – para quem quiser entender!
sábado, julho 30
Os vapores do éter
"Guterres deixou 'o país de tanga', Barroso mentiu ao eleitorado e desabou, Santana foi um intermédio penoso e Sócrates mentiu como Barroso e vai a caminho de um mau fim".
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 30-7-2005
Prever o fim de um governo, em democracia, não é um exercício muito estimulante. Reafirmar, reproduzindo a “voz do povo”, que todos os políticos mentem, não é uma descoberta muito arrebatadora. O que seria verdadeiramente fantástico é que o comentarista, do alto da montanha a que sobe, sob o efeito dos vapores do éter que o inebria, qual Deus na terra, nos dissesse o dia e a hora exacta de todas as abdicações. Em suma, nos indicasse o caminho e, de preferência, escrevesse à borla.
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 30-7-2005
Prever o fim de um governo, em democracia, não é um exercício muito estimulante. Reafirmar, reproduzindo a “voz do povo”, que todos os políticos mentem, não é uma descoberta muito arrebatadora. O que seria verdadeiramente fantástico é que o comentarista, do alto da montanha a que sobe, sob o efeito dos vapores do éter que o inebria, qual Deus na terra, nos dissesse o dia e a hora exacta de todas as abdicações. Em suma, nos indicasse o caminho e, de preferência, escrevesse à borla.
O Tejo é mais belo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
Subscrever:
Mensagens (Atom)