sexta-feira, novembro 24

PALPITES I

Pedro Nuno vai ganhar a disputa interna no PS. É jovem e um tribuno formidável da escola dos velhos republicanos/socialistas. É a melhor solução para fazer oposição no próximo futuro.

25 novembro 1967

No dia 25 de novembro de 1967, era sábado, lembro-me de sair, era já tarde/noite, do ISCEF, pouco mais de um ano após ter iniciado os estudos naquela escola. Teria ido, certamente, participar numa reunião ou, mais prosaicamente, jantar na cantina da Associação de Estudantes. Ao sair devo ter feito o caminho de casa, um quarto alugado, ao cimo da Calçada da Estrela. Chovia muito, mas não estranhei porque, ao contrário de hoje, era normal chover nesta época do ano. Não levava qualquer resguardo para a chuva, que nem me pareceu excessiva, e caminhei colado às paredes até chegar ao destino. A minha perceção da chuva que caía naquela hora não me permitiu sequer imaginar as consequências que haveria de provocar. Chovia, simplesmente. Na manhã do dia seguinte, domingo, devo ter feito o caminho oposto, corriam as notícias de inundações em diversos sítios de Lisboa e arredores, e devo ter-me dirigido ao Técnico para me juntar à gigantesca mobilização estudantil que se organizou para avançar para as zonas mais atingidas em socorro das vitimas e no apoio à reparação dos estragos. O quartel general, que me lembre, havia sido montado no Técnico e deve ter sido a primeira vez que, à margem dos poderes instalados, com autonomia e mobilizando recursos próprios, se promoveu uma ação voluntária juvenil de grande envergadura à margem da politica oficial do regime. Foi um processo organizado que enquadrou a vontade espontânea de uma multidão de jovens estudantes ávidos de participação cívica e politica. Fui numa brigada para Alhandra munidos de meios rudimentares e lembro-mo com nitidez de nos afadigarmos a limpar ruas no meio da maior destruição que se possa imaginar. Retenho na memória o ambiente de caos e de tensão pois, afinal, estávamos a participar numa ação voluntária não autorizada que, naquela época, comportava riscos pessoais. Não havia medo, mas necessidade, e vontade de ação. Os meios para o socorro eram escassos, mas o que contava, de verdade, era participar, prestar solidariedade, ver com os próprios olhos in loco o que, de súbito, nos surgiu como uma calamidade de enormes proporções. Uma pá na lama, os destroços, uma palavra de conforto e incentivo, uma força coletiva que enfrentava sem medo a situação dramática de populações desprotegidas e, afinal, um regime decadente acobertado na ignorância, na censura e na repressão. No que me respeita ficou uma experiência sem dissabores. Não poderia imaginar que estávamos nas vésperas da queda de Salazar e da emergência, em 27 de setembro de 1968, do governo de Marcelo Caetano, menos de um ano depois daquelas trágicas inundações. Afinal aquela gigantesca ação voluntária havia de contribuir, de forma relevante, para o início do processo politico que desembocou no 25 de abril de 1974.

quinta-feira, novembro 23

A PROPÓSITO DOS HOLANDESES

"Os holandeses, oh!, são muito menos modernos! Têm tempo, repare neles. Que fazem? Ora bem, estes senhores vivem do trabalho daquelas senhoras. São, de resto, machos e fémeas, umas burguesíssimas criaturas que têm o costume de vir aqui, por mitomania ou estupidez. Em suma, por excesso ou falta de imaginação. De tempos a tempos, estes senhores puxam pela faca ou pelo revólver, mas não julgue que com muito empenho. O papel exige, eis tudo, e morrem de medo, disparando os últimos cartuchos. Posto o que, acho ainda mais moralidade neles que nos outros, aqueles que matam em família, pelo desgaste. Não notou ainda que a nossa sociedade está organizada neste género de liquidação? Já ouviu falar, naturalmente, daqueles minúsculos peixes dos cursos de água brasileiros que se lançam aos milhares sobre o nadador imprudente e o limpam, em alguns instantes, a pequenas bocadas rápidas, não deixando mais que um esqueleto imaculado? Pois bem, é essa a organização deles. «Quer uma vida limpa? Como toda a gente?» Dirá que sim, naturalmente. Como dizer que não? «De acordo. Vai ficar limpinho. Aqui tem um emprego, uma família, lazeres organizados.» E os dentes minúsculos cravam-se na carne até aos ossos. Mas sou injusto. Não é a organização deles que se deve dizer. Ela é a nossa, ao fim e ao cabo: é a ver quem limpará o próximo." Albert Camus, in A Queda

segunda-feira, novembro 20

LIBERDADE V

A sociedade dos negociantes pode definir-se como uma sociedade na qual as coisas desaparecem em proveito dos signos. Quando uma classe dirigente avalia as suas riquezas, já não pelo hectare de terra nem pelo lingote de oiro mas pelo número de cifras que idealmente correspondem a um certo número de operações de câmbio, dedica-se ao mesmo tempo a pôr uma certa espécie de mistificação como centro da sua experiência e do seu universo. Uma sociedade fundada nos signos é, na sua essência, uma sociedade artificial em que a realidade carnal do homem se acha mistificada. Ninguém então se admirará de que essa sociedade tenha escolhido, para dela fazer a sua religião, uma moral de princípios formais, e de que grave as palavras liberdade e igualdade tanto nas suas prisões como nos seus templos financeiros. Entretanto, não é impunemente que se prostituem as palavras. O valor hoje mais caluniado é certamente o valor da liberdade. Bons espíritos (…) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo ao verdadeiro progresso. Mas se disparates tão solenes puderam ser proferidos foi porque, durante cem anos, a sociedade negociante fez da liberdade um uso exclusivo e unilateral, considerou-a mais como um direito do que como um dever e não receou pôr, tão frequentemente quanto pôde, uma liberdade de princípio ao serviço de uma opressão de facto. Albert Camus, in Discursos da Suécia (Conferência de 14 de dezembro de 1957 - Universidade de Upsala).

quarta-feira, novembro 15

LIBERDADE IV

A liberdade não é qualquer coisa assim que se possa vender bem, pois... como calcular o seu valor acrescentado ou a sua influência no PIB ou no déficit...ai a liberdade... é difícil lidar com a liberdade. Não se compra, não se vende, é um bocado imaterial demais a liberdade. Não está tempo para isso de aturar a liberdade. É isso mesmo um aborrecimento, uma seca, uma ideia um bocado vazia...não sei mas apetecia experimentar outro produto que desse mais segurança ao mercado. Ai a liberdade... faz lembrar o 25 de Abril, o dia foi muito animado, no princípio até parecia um golpe dos ultras, mas aquele período a seguir foi uma maçada em particular ter de aturar os esquerdistas do PPD...e do MRPP... ai a liberdade... uma palhaçada, é verdade que os americanos falam disso como princípio sagrado mas pensando bem são um país novo e ultrapassado. Ai a liberdade...os filósofos, os poetas e toda a espécie de iluminados, e mesmo os homens de negócios, antigos e modernizados, falam disso mas é um discurso especializado, sei lá do género, livre de impostos, livre circulação, liberdade de culto, liberdade de imprensa, ir apanhar ar livre... ai a liberdade..

domingo, novembro 12

LIBERDADE III

O exercício da democracia é complexo e não me refiro às altas esferas dos poderes – todos os poderes – mas ao quotidiano das nossas vidas de cidadãos comuns. Penso em tanta gente conhecida, que não vejo, mas me pode ver, a quem não escrevo, mas me pode ler, a quem não falo, mas me pode falar; penso na manhã de segunda-feira passada quando, enquanto esperava pela inspecção à viatura, fui abordado por um cidadão já entradote aliciando-me para aderir aos ideais da ditadura. Como fazer? Tratar-se-á de um crime público? Chamar a polícia? Quando alguém faz a apologia do salazarismo, insinuando, ou afirmando a bondade do fascismo, o que fazer? Quando alguém usa da liberdade para combater a liberdade o que fazer? Suprimir, ou limitar a liberdade, como empecilho ao cabal exercício da autoridade? Ou exercer a autoridade, de forma justa e proporcional, para salvar a liberdade? É tudo uma questão de equilíbrio para não nos tornarmos assassinos

SUSPEITAS

Na política há pequenos detalhes que fazem toda a diferença e a injustiça, tal como a moral, não tem calibre. Na vida é igualmente assim. * Lembro-me de um filme que vi no qual um inocente foi incriminado por um crime racista. O governador do estado, no último dia de funções, comutou-lhe a pena e fugiu. Antes de ser libertado o inocente foi morto pelos racistas amotinados. Havia um jornal de referência, à época, que atiçava os ânimos. * Para justificar um assassinato político cria-se um facto, de preferência divulgado através de jornais de referência, acima de toda a suspeita, insiste-se no facto semanas a fio, desdobra-se o facto em sub factos, espera-se que a vítima, em lume brando, amoleça e se torne desprezível para a opinião pública. * Mais perfeito ainda. Cria-se um facto político divulgando-o através de depoimentos de testemunhas avalizadas pela autoridade, insiste-se e injecta-se em doses massivas na opinião pública, depois faz-se desaparecer a testemunha, eterniza-se a suspeita e a vitima torna-se numa sombra que paira longe. * Um dia um primo meu, a cumprir o serviço militar, foi colocado nos Açores. Casado com uma jovem, ao que contam as crónicas, linda de morrer. Um dia o sapateiro meteu-se com ela. O meu primo foi buscar explicações. O sapateiro anavalhou-o. Assassinou-o em Angra do Heroísmo. Um inocente morreu em defesa da honra. Aqui não houve dúvidas acerca de carrasco e vítima. * Uns anos atrás pedi à minha cunhada, em viagem, que procurasse o meu primo no cemitério de Angra. Havia dois. Ela acertou no cemitério certo. Encontrou-o. Trouxe-me as fotografias. Apesar de terem passado tantos anos está bem. A campa. * Todos os crimes deixam rastro, têm vítimas e carrascos. Basta procurá-los com persistência porque há crimes que não têm perdão. (A fotografia retrata o meu primo assassinado nos Açores. No funeral de sua avó, minha tia paterna, encontrei uma senhora da terra que, vindo à fala a má sorte deste meu primo, abriu a carteira e, muitos anos depois, me mostrou a fotografia dizendo-me que sempre a acompanhava. Comovente).

sábado, novembro 11

LIBERDADE II

“Revolta. Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade. A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito. Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade. A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário." Albert Camus, in Cadernos

LIBERDADE

É pela política que o PS vai lá! É pela política que o PS pode aspirar a ganhar eleições! Uma das linhas distintivas do PS em relação aos restantes partidos é a questão da liberdade. A defesa da liberdade pode ser penosa para outros partidos, menos para o PS. É a bandeira da liberdade que o PS não pode, em circunstância alguma, deixar de levantar porque é ela que distingue o PS, pela história e pela acção quotidiana, dos restantes partidos, à sua esquerda e à sua direita. Albert Camus, no conturbado período do pós guerra (1945) escreveu: “Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.” (…) [In Cadernos nº 4]. E Jorge de Sena, nos alvores da Revolução de Abril, em 4 de Junho de 1974, escreveu no magnífico poema “Cantiga de Maio” este verso emblemático: “Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam.” Será o eleitorado de esquerda capaz de compreender o que está em jogo nestas eleições?

quarta-feira, novembro 8

7 NOVEMBRO 1981 - MES (FIM)

Em 7 novembro de 1981 realizou-se um evento improvável: a celebração da extinção de um partido politico, o Movimento de Esquerda Socialista (MES).