domingo, dezembro 10

CAMUS, 10 DEZEMBRO 1957

Quando soube da atribuição do Prémio Nobel “pela sua importante obra literária, que foca com penetrante seriedade os problemas que se colocam nos nossos dias à consciência dos homems”, Albert Camus escrevu nos Cadernos: “Prémio Nobel: estranho sentimento de desânimo e melancolia. Aos vinte anos, pobre e nu, conheci a verdadeira fama”. Camus afirmou então que o Prémio deveria ter sido atribuido a André Malraux e manifestou dúvidas acerca da sua própria capacidade e força criadora que sempre o atormentaram. Após o anúncio da atribuição do Nobel sujeitou-se a ataques odiosos, que o não deixaram indiferente e comentou: “Assustado com aquilo que me acontece e que não pedi. E, para cúmulo, ataques tão infames que o coração se me aperta.”(Cadernos). Mas Camus, segundo todos os testemunhos, não podia, nem queria, recusar o Prémio. Telefonou, de imediato, à mãe, que sempre viveu na Argélia, como que a agradecer à sua origem a honra que lhe tinha batido à porta. Escreveu a Jean Grenier, o seu professor e mentor intelectual : “(…) quando recebi a notícia, o meu primeiro pensamento foi, depois de minha mãe, dirigido ao senhor. Sem o senhor, sem essa mão efectuosa que estendeu à criança pobre que eu era, sem a sua instrução e o seu exemplo nada disto tinha acontecido.” (citado a partir de Roger Quilliot). René Char, um amigo de todas as horas, não cabia em si de contente e manifesta esse contentamento de várias formas incluindo um artigo publicado, logo em 26 de Outubro de 1957, no Figaro littéraire, intitulado “Je veux parler d’ un ami”. No ínicio de Dezembro de 1957 Camus partiu com a mulher, Francine, para Estocolmo e, em todas as suas aparições em público, tinha a consciência que devia estar preparado para ser atacado a propósito da sua discrição a respeito do conflicto na Argélia que estava no auge. Albert Camus, a 10 de Dezembro de 1957, recebeu das mãos do Rei Gustavo VI da Suécia o diploma e, no banquete que se seguiu, proferiu o seu discurso de agradecimento. Logo num dos dias seguintes escreveu a Jean Grenier descrevendo, de forma sintética, o que sentia: “A corrida acaba, o touro está morto, ou quase.”

sexta-feira, dezembro 8

Com Parlamento dissolvido, Marcelo não pode ser alvo de processos (in Expresso)

LIBERALIDADES

É paradoxal a situação atual dos dois responsáveis politicos da área da saúde - Marta Temido e Lacerda Sales - que no periodo da pandemia assumiram a primeira linha do combate, nos limites da tragédia, à pandemia Covid 19. Pouco tempo passado já se desvaneceu da memória coletiva a relevância do seu papel nesse periodo trágico, do papel determinante que desempenharam, e de sua coragem pessoal e politica. Hoje, ao que parece, a partir de uma liberalidade ao mais alto nível, estão a assistir a que os seus nomes sejam arrastados na lama. O meu abraço.

terça-feira, dezembro 5

PALPITES VIII

Marcelo perdeu o chão. No mesmo dia da publicação do artigo de Cavaco, Marcelo falou ao país. O assunto de que tratou na sua comunicação não é de Estado. Trata-se de uma sua eventual intervenção, ou de alguém por si, destinada a facilitar o acesso a um tratamento médico no SNS, por sinal caro. Nada sei acerca do assunto e dos seus meandros, somente do que se fala na comunicação social. Venho aqui a propósito de algo que me chocou muito na prédica de Marcelo: a forma como, no final, destratou o filho, entregando-o ao juízo da opinião pública e, eventualmnte, da justiça. Aconteça o que acontecer, fiel aos princípios que professo, um filho é uma preciosidade que se defende sempre, sejam quais forem as circunstâncias, até ao fim.

segunda-feira, dezembro 4

UM MENTIROSO COMPULSIVO

Quando Cavaco fala ou escreve algo para o público é sinal de que temos a esquerda no poder, no caso português, pasme-se, os socialistas a solo, caso raro, mesmo único, na Europa. Logo me apetece, conhecendo a criatura, escrever também algo pois a conheço de tempos idos, e de todos os tempos, mesmo de muito antes de ter emergido na politica. É de perfil autoritário, embora democrata, com uma falha de caráter na relação com a verdade. Estou a ser simpático ...

domingo, dezembro 3

PALPITES VII

Além de inúmeras desvantagens quais as vantagens do PS passar à oposição? Olhar as politicas públicas do lado de fora, permitindo-lhe exercitar a crítica, forjando a renovação de um ideário e programa progressistas/reformistas, testando, ao mesmo tempo, a capacidade de uma nova liderança; reposicionar-se para recuperar em próximas eleições o terreno perdido após o desgaste de muitos anos de governo (europeias, autárquicas, presidenciais); promover um processo de formação de quadros politicos dramaticamente abondonado nos últimos muitos anos. Dir-me-ão: e o poder? Respondo: de nada serve o poder se não soubermos o que fazer com ele!

sábado, dezembro 2

PALPITES VI

Ao abordar, discutindo em família, as alternativas partidárias tendo em vista as próximas eleições (e são muitas!), suscitam-se as questões mais relevantes a ter em conta na sociedade na qual nos integramos, de forma simples: paz civil, igualdade, emprego. Por outras palavras: preservar a integração internacional, desde logo na UE, assegurar a segurança, travar as desigualdades económicas e sociais, desde logo através de impostos progressivos, criar empregos cada vez mais qualificados e melhor remunerados. Estes poderiam ser os únicos pontos de um programa político progressista. O PS e o PSD asseguram a fidelidae ao essencial deste programa. Como fazer para prevenir as derivas anarco capitalistas (IL) e radical populistas (C)?

quinta-feira, novembro 30

PALPITES V

Curiosa a minha experiência destes últimos dias com amigos e companheiros de trabalho. A propósito da crise política. Quase sem exceção todos manifestam de forma aberta, ou velada, a expetativa de que o PS vencerá as eleições. Manifesto o meu cepticismo e os interlocutores mostram evidente deceção. Qual seria a melhor solução para a liderança do PS. Muitos defendem Carneiro. Contraponho Nuno Santos. Qual a diferença? Eu aposto no líder da oposição, eles no líder do governo.

quarta-feira, novembro 29

PALPITES IV

O golpe de estado que visa decapitar o PS é um contínuo de atos que prosseguirão até 10 de março. Anúncios em cima de anúncios, arquivamento de processos antigos, abertura de novos, buscas e indícios, um regabofe, em que tudo será de esperar... reduzir este processo ao PS talvez seja redutor, ele visa mais alto, levar ao poder a extrema direita, instilar o medo, limitar as liberdades e testar a fortaleza da democracia...

terça-feira, novembro 28

COISAS DIFÍCEIS, PARA LEMBRAR UMA DECISÃO RADICAL

Em 29 de Novembro de 1807, após um dia chuvoso, o príncipe d. João, d. Carlota, seus filhos, a rainha d. Maria I, vários outros parentes partiram em meio ao outono lisboeta. Do rio Tejo saíram as embarcações. Seguiram, além da família real, nobres, funcionários da Corte, ministros e políticos do Reino. Cerca de 15 mil pessoas. Os franceses ao chegarem à capital portuguesa em 30/11 ficaram a ver navios, frustrados com a não captura dos governantes lusos. Tudo o que era necessário para permanecer governando foi transportado. Insistia, entrementes, uma sensação dúbia: covardia ou esperteza? D. João estava angustiado. Seu país sendo atacado, o povo morrendo e ele seguindo viagem. Desconfortos psicológicos e físicos. Tormentas nos pensamentos e nos vagalhões dos mares que chegou a atrapalhar a travessia. Escassearam os víveres. Natal, Ano Novo e Dia de Reis se passaram. Então, a terra firme finalmente chegou. Em 22 de Janeiro de 1808 os barcos atracaram na antiga primeira capital do Brasil, a ensolarada Salvador. Porém, o abatido e cheio de dúvidas d. João após 54 dias no mar pisou o solo brasileiro apenas 24 hs depois. Foi o primeiro rei europeu a fazê-lo. Revisões nos navios, um pouco de descanso. Seguiram a viagem em 26 de Fevereiro. Dia 7 de Março a família real chegava ao destino final, a cidade do Rio de Janeiro.

CSI - uma criação de quem nunca se fala

Complemento Solidário para Idosos (CSI) Decreto-Lei n.º 232/2005 de 29 de Dezembro Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Dezembro de 2005. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Fernando Teixeira dos Santos - Alberto Bernardes Costa - Pedro Manuel Dias de Jesus Marques. Promulgado em 19 de Dezembro de 2005. Publique-se. O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.

segunda-feira, novembro 27

PALPITES III

O PSD congressou de agenda pretérita. Virou comício promocional. Como soe dizer-se tudo previsivel, e nenhum partido per si obterá maioria de mandatos. Quanto mais o PSD bater no futuro lider do PS menos espaço para alianças ao centro esquerda. Mais o PSD fica à merçê da extrema direita que será implacável.

domingo, novembro 26

PALPITES II

A direita saliva. Faz parte. Como já ouvi dizer, vai suceder algo engraçado: o PSD apresenta um lider velho, ontem acompanhado de outro ainda muito velho, o PS apresentará um lider novo, que a direita empurra para o lado do esquerdismo. Suspeito que ninguém, nem à direita nem à esquerda, se assusta ... com o chamado radicalismo.

sexta-feira, novembro 24

PALPITES I

Pedro Nuno vai ganhar a disputa interna no PS. É jovem e um tribuno formidável da escola dos velhos republicanos/socialistas. É a melhor solução para fazer oposição no próximo futuro.

25 novembro 1967

No dia 25 de novembro de 1967, era sábado, lembro-me de sair, era já tarde/noite, do ISCEF, pouco mais de um ano após ter iniciado os estudos naquela escola. Teria ido, certamente, participar numa reunião ou, mais prosaicamente, jantar na cantina da Associação de Estudantes. Ao sair devo ter feito o caminho de casa, um quarto alugado, ao cimo da Calçada da Estrela. Chovia muito, mas não estranhei porque, ao contrário de hoje, era normal chover nesta época do ano. Não levava qualquer resguardo para a chuva, que nem me pareceu excessiva, e caminhei colado às paredes até chegar ao destino. A minha perceção da chuva que caía naquela hora não me permitiu sequer imaginar as consequências que haveria de provocar. Chovia, simplesmente. Na manhã do dia seguinte, domingo, devo ter feito o caminho oposto, corriam as notícias de inundações em diversos sítios de Lisboa e arredores, e devo ter-me dirigido ao Técnico para me juntar à gigantesca mobilização estudantil que se organizou para avançar para as zonas mais atingidas em socorro das vitimas e no apoio à reparação dos estragos. O quartel general, que me lembre, havia sido montado no Técnico e deve ter sido a primeira vez que, à margem dos poderes instalados, com autonomia e mobilizando recursos próprios, se promoveu uma ação voluntária juvenil de grande envergadura à margem da politica oficial do regime. Foi um processo organizado que enquadrou a vontade espontânea de uma multidão de jovens estudantes ávidos de participação cívica e politica. Fui numa brigada para Alhandra munidos de meios rudimentares e lembro-mo com nitidez de nos afadigarmos a limpar ruas no meio da maior destruição que se possa imaginar. Retenho na memória o ambiente de caos e de tensão pois, afinal, estávamos a participar numa ação voluntária não autorizada que, naquela época, comportava riscos pessoais. Não havia medo, mas necessidade, e vontade de ação. Os meios para o socorro eram escassos, mas o que contava, de verdade, era participar, prestar solidariedade, ver com os próprios olhos in loco o que, de súbito, nos surgiu como uma calamidade de enormes proporções. Uma pá na lama, os destroços, uma palavra de conforto e incentivo, uma força coletiva que enfrentava sem medo a situação dramática de populações desprotegidas e, afinal, um regime decadente acobertado na ignorância, na censura e na repressão. No que me respeita ficou uma experiência sem dissabores. Não poderia imaginar que estávamos nas vésperas da queda de Salazar e da emergência, em 27 de setembro de 1968, do governo de Marcelo Caetano, menos de um ano depois daquelas trágicas inundações. Afinal aquela gigantesca ação voluntária havia de contribuir, de forma relevante, para o início do processo politico que desembocou no 25 de abril de 1974.

quinta-feira, novembro 23

A PROPÓSITO DOS HOLANDESES

"Os holandeses, oh!, são muito menos modernos! Têm tempo, repare neles. Que fazem? Ora bem, estes senhores vivem do trabalho daquelas senhoras. São, de resto, machos e fémeas, umas burguesíssimas criaturas que têm o costume de vir aqui, por mitomania ou estupidez. Em suma, por excesso ou falta de imaginação. De tempos a tempos, estes senhores puxam pela faca ou pelo revólver, mas não julgue que com muito empenho. O papel exige, eis tudo, e morrem de medo, disparando os últimos cartuchos. Posto o que, acho ainda mais moralidade neles que nos outros, aqueles que matam em família, pelo desgaste. Não notou ainda que a nossa sociedade está organizada neste género de liquidação? Já ouviu falar, naturalmente, daqueles minúsculos peixes dos cursos de água brasileiros que se lançam aos milhares sobre o nadador imprudente e o limpam, em alguns instantes, a pequenas bocadas rápidas, não deixando mais que um esqueleto imaculado? Pois bem, é essa a organização deles. «Quer uma vida limpa? Como toda a gente?» Dirá que sim, naturalmente. Como dizer que não? «De acordo. Vai ficar limpinho. Aqui tem um emprego, uma família, lazeres organizados.» E os dentes minúsculos cravam-se na carne até aos ossos. Mas sou injusto. Não é a organização deles que se deve dizer. Ela é a nossa, ao fim e ao cabo: é a ver quem limpará o próximo." Albert Camus, in A Queda

segunda-feira, novembro 20

LIBERDADE V

A sociedade dos negociantes pode definir-se como uma sociedade na qual as coisas desaparecem em proveito dos signos. Quando uma classe dirigente avalia as suas riquezas, já não pelo hectare de terra nem pelo lingote de oiro mas pelo número de cifras que idealmente correspondem a um certo número de operações de câmbio, dedica-se ao mesmo tempo a pôr uma certa espécie de mistificação como centro da sua experiência e do seu universo. Uma sociedade fundada nos signos é, na sua essência, uma sociedade artificial em que a realidade carnal do homem se acha mistificada. Ninguém então se admirará de que essa sociedade tenha escolhido, para dela fazer a sua religião, uma moral de princípios formais, e de que grave as palavras liberdade e igualdade tanto nas suas prisões como nos seus templos financeiros. Entretanto, não é impunemente que se prostituem as palavras. O valor hoje mais caluniado é certamente o valor da liberdade. Bons espíritos (…) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo ao verdadeiro progresso. Mas se disparates tão solenes puderam ser proferidos foi porque, durante cem anos, a sociedade negociante fez da liberdade um uso exclusivo e unilateral, considerou-a mais como um direito do que como um dever e não receou pôr, tão frequentemente quanto pôde, uma liberdade de princípio ao serviço de uma opressão de facto. Albert Camus, in Discursos da Suécia (Conferência de 14 de dezembro de 1957 - Universidade de Upsala).